O julgamento de Casey Anthony, acusada de ser responsável pela morte da filha Caylee Marie Anthony de apenas 02 anos de idade, foi a sensação do último verão aqui nos Estados Unidos. O julgamento foi transmitido por canais de televisão em tempo real. A Revista Time denominou o caso como sendo o “the social media Trial of Century”. Como acompanhei o julgamento do Casal Nardoni no Brasil e Casey Anthony aqui nos Estados Unidos, acredito que em termos de repercussão de mídia e clamor público, foram semelhantes, pois em ambos há uma veemente, mas não convincente negativa de autoria, contudo, a semelhança termina por aqui, afinal, Casey Anthony foi absolvida pelo Tribunal de Júri, pois apesar de todo o clamor popular e apelo social por Justiça para a menina Caylee, o Júri conseguiu se manter alheio aos protestos público e não teve medo da repercussão de uma decisão absolutória.
Em entrevistas posteriores, os Jurados, transpareciam haver compreendido exatamente a extensão do significado beyond reasonable doubt, ou seja, o princípio da verdade real ou ausência de dúvida razoável, que em síntese, prega justamente que o autos de um processo crime deve ser um espelho fiel do fato ocorrido, para que possa haver um julgamento justo. Essa foi justamente a tese principal da defesa, pois essa se apegou ao fato de não se saber a causa mortis da menina, assim, o Ministério Público, não tinha meios de provar que ela efetivamente foi vítima de um homicídio.
O que ficou marcado, foi justamente a capacidade do Júri conseguir se distanciar do prévio julgamento público de Casey, principalmente, no caso do modelo americano onde não há incomunicabilidade ou isolamento dos Jurados. Dias antes do Julgamento os jornais e televisão, comentavam o caso, anunciavam o julgamento. Especialistas comentavam o caso. Tudo parecia pronto para uma condenação a pena de morte.
No caso casal Nardoni, a repercussão não foi diferente, até porque, assim como Casey, acredito que já tenham sido condenados pela mídia e clamor social, muito antes de serem submetidos a Julgamento pelo Tribunal do Júri. Não tenho aqui qualquer pretensão de fazer alusão a justiça ou a injustiça dos veredictos, até porque não tenho conhecimento das provas do processo, exceto aquilo que foi divulgado pelos meios de comunicação e principalmente, comentado por juristas, durante o Júri que foi transmitido pela Televisão, mas sim, fazer uma breve comparação entre os julgamentos e a repercussão social.
Abordarei mais os fatos que dizem respeito a Casey Anthony, pois os fatos relacionados ao Casal Nardoni e de como se deu a morte da menina Isabella Nardoni é conhecido de todos nós brasileiros.
A vítima Caylee (09 de agosto de 2005 – 16 de junho de 2008), desapareceu em Junho de 2008, contudo, o fato somente foi comunicado as autoridades em 15 de Julho do mesmo ano, sendo esse o fato preponderante para indicar, já de primeiro momento, a mãe como suspeita. O registro da ocorrência do desaparecimento da menor foi feito pela avó paterna da criança após comunicar as autoridades que não tinha notícias da neta por cerca de 31 dias, passando-se assim a investigar o sumiço da menor.
A mãe, Casey Anthony, uma jovem de 22 anos em um primeiro momento afirmou aos investigadores que a criança havia sido seqüestrado pela babá em 09 de junho e que desde então, estaria tentando localizar a criança. Logo depois descobriu-se que a criança não tinha babá, tendo Casey confessado aos investigadores ter mentido acerca do seqüestro e da babá, foi o que bastou para mesmo sem a localização da criança, Casey ser indiciada pelo crime de homicídio qualificado (em primeiro grau) em outubro de 2011. Cerca de dois meses após seu indiciamento, em 11 de dezembro de 2008 os restos mortais da criança foram encontrados. O corpo estava enrolado em um cobertor e escondido dentro de dois sacos plásticos e foi localizado em uma região arborizada, muito próximo a residência onde Casey vivia com a filha.
A perícia, a um primeiro momento, teria concluindo que a fita adesiva que estava em torno do crânio da menor, havia sido enrolada no nariz e boca da criança antes de sua morte, sendo assim, a fita adesiva considerada a arma do crime, sendo assim indicou-se como a causa da morte por sufocamento, a mãe de indiciada passou a ser acusada, sendo que as evidências contra ela pareciam ser avassaladoras, tanto é que diante de todo clamor que se criou, o Ministério Público, acreditando fielmente na condenação, através da Promotora Linda Drane Brudick, decidiu pedir a aplicação da pena máxima permitida, ou seja, pena de morte.
Esse pedido de aplicação da pena máxima, talvez tenha sido o fato que levou a absolvição de Casey, pois alguns Jurados em entrevistas demonstravam não ter a convicção suficiente para impor, a alguém, a pena de morte. O julgamento iniciou em maio e finalizou em julho deste ano, tendo a duração de 06 semanas.
A acusação alegou que Casey assassinou a filha com a administração de clorofórmio, colocando em seguida as fitas adesivas. O motivo do crime seria sua necessidade de liberdade, apresentando provas que durante o período de “desaparecimento” da filha, a mesma foi vista em festas da região, sendo divulgadas fotos aos Jurados de Casey bebendo e levando a vida normalmente, sem demonstrar, socialmente, qualquer reação de sofrimento diante da ausência da filha. A defesa rechaçou o argumento, alegando que cada um reage a dor e ao sofrimento de forma diversa, sendo que festas e bebida teria sido a forma que Casey teria encontrado para enfrentar a dor, apresentado
A defesa liderada por Jose Baez, um Portoriquenho que enfrentou problemas para conseguir licença para advogar, e que finalmente a obteve em 2005, estava longe, de ter o prestígio e a fama que tinha o então advogado do Casal Nardony.
Na defesa, que veio então a solidificar sua carreira de Advogado, afirmou que a criança havia se afogado, por acidente, na piscina da casa da família em 16 de junho de 2008 e que Casey havia mentido sobre isso e outros assuntos, por causa de uma educação desvirtuada e ainda, por ter sofrido abuso sexual por parte do pai na infância, mostrando vídeo e fotografias indicando que Casey era uma boa mãe.
No entanto, o que se viu é que a grande estratégia da defesa, não foi provar o afogamento ou as condições de transtorno ou de abusos sofridos por Casey, mas sim levantar dúvidas sobre a integridade da acusação, principalmente no que se refere a prova pericial e a impossibilidade de se determinar, com precisão a causa da morte da criança, surgindo dessa estratégia o intransponível beyond reasonable doubt. A grande crítica durante o julgamento é que Casey não prestou depoimento em sua própria defesa.
Em 05 de julho de 2011 o Júri absolveu Casey do crime de homicídio e a condenou pelos crimes de prestar informações falas às autoridades durante as investigações. Considerando que Casey estava presa preventivamente e pelo tempo de prisão que havia cumprido a mesma, sob protestos social, foi liberada em 17 de julho 2011.
O veredicto foi recebido com grande indignação pública, inclusive sendo condenado por alguns renomados juristas americanos, que em entrevista na televisão atribuíam a absolvição ao fato de o Júri ter interpretado erroneamente o significado e a aplicação do princípio da dúvida razoável.
Casey Anthony necessitou de proteção especial ao deixar o cárcere e pelas manifestações em busca de justiça pela vítima (liderada por um grupo de mães sedentas por justiça que protestavam com faixas e cartazes em frente ao Tribunal), tudo indicava não ser exagerada a preocupação da defesa com a integridade física de Casey. Passado pouco mais de um mês de sua liberdade, o assunto deixou de ser notícia, no entanto, ainda não foi esquecido entre os Juristas e o caso acaba vindo a tona em meio a alguma discussão, até porque, muitos ainda buscam entender o que aconteceu, incrédulos com a absolvição, mesmo do ponto de vista legal.
O que me levou a reflexão e comparação entre os casos, foi justamente o fato de dois jurados, em entrevista, após o julgamento, afirmarem que durante a discussão para declaração de “culpada” ou “inocente” não tiveram convicção suficiente para assinar a sentença de morte Casey, quando o Ministério Público, através dos órgãos periciais, foi incapaz de determinar a causa da morte da vítima.
Como advogada acredito que os jurados se firmaram em argumento efetivamente lógico, afinal, sem saber a causa da morte, não há como se definir se houve ou não homicídio. O Júri conseguiu abstrair toda e qualquer alusão a vida social e comportamento da acusada, principalmente aquele condenado pela mídia e explorado pelo Ministério Público, após o desaparecimento da filha.
O grande questionamento foi: se o Ministério Público não tivesse pedido a pena de morte, teria o Júri absolvido Casey? Estariam mais “confortáveis” em condená-la, por saber que passaria um tempo presa e depois retornaria a sua vida em sociedade, e se não fosse culpada do homicídio, estaria “pagando” por não ser uma boa mãe, por ter mentido aos policiais, por não transparecer sentir a morte da própria filha?
E se houvesse pena de morte no Brasil, teriam os Jurados a “coragem” de assinar a sentença de morte do casal Nardony?
Muito se ouviu sobre o fato de ter sido “pouco” o tempo de prisão aplicado ao casal, clamando-se maior rigorismo da lei, comparado o caso com algumas hipóteses de condenação aqui nos Estados Unidos, onde pais foram sentenciados a morte ou a prisão perpétua. Há quem fizesse cálculos para indicar o “pouco” tempo de pena que teriam que cumprir, criticando os benefícios do sistema progressivo da execução penal no Brasil.
Contudo, independentemente do mérito, ou seja, se Casey foi ou não responsável pela morte da filha, o seu julgamento de Casey Anthony, parece ter servido para demonstrar que o rigorismo da pena também poderá levar a impunidade.