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Marxismo e a crítica do Direito Penal

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02/12/2011 às 13:06
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4. Estado, Direito e Direito Penal

4.1 O olhar materialista sobre o Estado e o Direito

Seguindo a linha do pensamento de Marx é importante destacar os fenômenos dentro de sua historicidade. O Estado só tem sentido de análise dentro do modo de produção capitalista. E, em geral, muitos marxistas analisam de forma sintética e rasa a afirmação de Marx que o Estado é um balcão de negócios da burguesia. Eis a passagem do manifesto comunista referida: "A burguesia, afinal, com o estabelecimento da indústria moderna e do mercado mundial, conquistou, para si própria, no Estado representativo moderno, autoridade política exclusiva. O poder executivo do Estado moderno não passa de um cômite para gerenciar os assuntos comuns de toda a burguesia". (MARX; ENGELS, 1999, p.12). Essa frase de efeito de Marx, dentro de um manifesto partidário, não pode servir de dogma para compreender toda a sua visão sobre o Estado. Um olhar materialista histórico aponta na seguinte entende que “(...) as relações jurídicas bem como as formas de Estado não podem ser explicadas por si mesmas, nem pela chamada evolução do espírito humano; estas relações têm, ao contrário, suas raízes nas condições materiais de existência, em sua totalidade (...)” (MARX, 1985, p.232-3).

Ora, entre os cidadãos (ou seja, entre as classes sociais) existem conflitos e se reabre a contradição. Agora, a contradição se estabelece entre os interesses de cada classe social e os das outras, e entre os interesses dos próprios membros de uma classe social. Ou seja, ressurge, de modo novo, a contradição entre o privado (cada classe) e o público (todas as classes). A resolução dessa contradição é feita pelo Estado. (CHAUÍ, 1980, p. 45).

O Estado, nesse sentido, serve de mediador da luta de classes, atua como um modelo de concentração e dispersão da luta de classes.

O Estado constitui a unidade final. Ele sintetiza numa realidade coletiva a totalidade dos interesses individuais, familiares, sociais, privados e públicos. Somente nele o cidadão se torna verdadeiramente real e somente nele se define a existência social e moral dos homens. O Estado é o Espírito Objetivo. O Estado é uma comunidade. Mas difere da comunidade familiar e da comunidade das classes sociais (suas corporações), porque não possui nenhum interesse particular, mas apenas os interesses comuns e gerais de todos. E uma comunidade universal (isto é; seus interesses não sendo particulares, desta ou daquela família, deste ou daquele indivíduo, desta ou daquela classe, são interesses universais). O Estado não é, pois, um dado imediato da vida social, mas um produto da sociedade enquanto Espírito Subjetivo que busca tornar-se Espírito Objetivo. O Estado é a Idéia política por excelência, uma das mais altas sínteses do Espírito. Nele se harmonizam os interesses da pessoa (proprietário), do sujeito (moral) e do cidadão (sociedade e política)”. (CHAUÍ, 1980, p. 45-6).

Em outras palavras, o Estado transforma a realidade de classes num amorfo espaço de cidadãos considerados individualmente.

Assim, a ideologia substitui a realidade do Estado pela idéia do Estado – ou seja, a dominação de uma classe é substituída pela idéia de interesse geral encarnado pelo Estado, e substitui a realidade do Direito pela idéia de Direito – ou seja, a dominação de uma classe por meio das leis é substituída pela representação ou idéias dessas leis como legítimas, justas, boas e válidas para todos. (CHAUÍ, 1980, p. 91).

Assim, o Estado aglutina as lutas de classes através de suas instituições. Em especial o Direito e sua pretensa neutralidade. No sistema capitalista o Direito funciona como um discurso ideológico de justificação do Estado a partir das noções de igualdade e liberdade e num meio de regulação social.

Sejamos mais precisos. Tomemos, a título de exemplo, o problema do Estado e do Direito burgueses. Marx e vários autores marxistas contemporâneos mostraram que o direito burguês, na medida em que promove a individualização dos agentes sociais e a igualdade de todos perante a lei, é um produto necessário da forma assumida pelas relações de produção capitalistas, notadamente pela separação que as últimas promovem entre o produtor direto e os meios de produção. A funcionalidade do Direito consistiria tanto no seu efeito regulador sobre as novas relações econômicas (por exemplo, através do contrato de trabalho), como na expansão e consolidação dessas relações através dos efeitos ideológicos que ele promove (a ideologia da igualdade, a ocultação da realidade de classe dos agentes sociais, a capacidade que ele confere ao Estado de apresentar-se como o representante do “interesse geral” etc.) (CODATO; PERISSINOTO, 2001, p.27)

Um olhar muito interessante de Direito em Marx é o que traz Roberto Lyra Filho em sua obra “Karl, meu amigo”. Segundo este autor uma compreensão do Direito a partir da perspectiva dialética precisa levar em conta as diversas opiniões que Marx apontou durante sua vida. Num primeiro momento, em sua juventude, Marx teria afirmado o Direito, assim constituindo-se numa tese: “Direito... é a existência positiva de liberdade... Liberdade é o direito de fazer e buscar tudo o que a outrem não prejudica” (MARX, apud, LYRA FILHO, 1983, p.68).

Conforme prosseguiu em seus estudos, chegou a negação total do Direito no texto A ideologia alemã, formulando uma antítese: “Quanto ao direito, acentuamos, em oposição a muitos, a antinomia do comunismo e do direito, tanto público e privado, quanto sob a forma, de máxima generalidade, dos direitos dos homens”. (MARX, apud, LYRA FILHO, 1983, p.68).

Por fim, havendo uma negação da negação, chegou a uma síntese de “O comunismo não retira a ninguém o poder de apropriar-se de sua parte dos produtos sociais, apenas suprime o poder de escravizar o trabalho de outrem, por meio dessa apropriação... A luta pela emancipação das classes trabalhadoras não significa uma luta por privilégios e monopólios de classe, e sim uma luta por direitos e deveres iguais, bem como pela emancipação de todo domínio classístico” (MARX, apud, LYRA FILHO, 1983, p.51). Em síntese mais apurada, afirma Lyra Filho:

Ao ser ultrapassado, porém, naquela sociedade (comunista) o direito (burguês) admite Marx um princípio jurídico (a que, entretanto, não dá tal qualificação) consistente na preceituação: "de cada um, segundo as suas aptidões; a cada um, conforme as próprias necessidades" — o que, incidentemente só numa abordagem dialética pode ser conciliado com "direitos e deveres iguais", após a proclamação da desigualdade visceral do Direito, e perante o brocardo (jurídico também) do comunismo: "o livre desenvolvimento de cada um é condição para o livre desenvolvimento de todos" — pressupondo, de resto, uma limitação (jurídica) da liberdade, pois tantas liberdades particulares (de cada um) atropelariam a liberdade geral. Desta maneira, vencido o direito burguês, o Direito não se extingue, senão que se consuma, para Marx, em comunidade perfeita, que, ainda assim, exige certas "normas organizacionais" que ele se recusa a chamar de jurídicas, porque, de início, identificou (em termos gerais, embora com as escapadelas já vistas) Direito, Estado e classe e grupos dominantes. (LYRA FILHO, 1983, p.83)

Marx, portanto, afirma certos princípios do Direito quando estes tem ligação com a realidade, quando ilustram ideais profundos de justiça social. Assim como “de cada um conforme suas próprias aptidões, a cada um, segundo suas necessidades”. Esses valores profundos não são negados, mas como eles ficam dispostos na sociedade burguesa atual, servem apenas como hipócritas frases abstratas diante da desigualdade concreta. “O papel do Direito ou das leis é o de fazer com que a dominação não seja tida como uma violência, mas como legal, e por ser legal e não violenta deve ser aceita. A lei é direito para dominante e dever para o dominado”. (CHAUÍ, 1980, p. 90). No sistema capitalista esse padrão de Direito é reforçado pelo sistema que "Compele todas as nações, sob a pena de extinção, a adotar o modo de produção burguês. Compele-as a introduzirem o que chama de civilização no seu meio, ou seja, a se tornarem burguesas. Resumindo, cria um mundo à sua imagem." (MARX; ENGELS, 1999, p.15)

Ora, o Direito e a Moral estão em conflito. Ou seja, os interesses do proprietário estão em conflito com os deveres do sujeito moral, pois o proprietário tem interesse em ampliar sua propriedade espoliando e desapropriando outros proprietários, tratando-os como se fossem coisas suas e não homens livres e independentes. E o sujeito moral deve tratar os demais como homens livres e independentes. Há, pois, uma contradição no interior de cada indivíduo entre sua face-pessoa (proprietário) e sua face-sujeito (moral). Isto é, como proprietário ele se torna não moral e como sujeito ele se torna não proprietário. (CHAUÍ, 1980, p. 43).


4.2 O Direito Penal em Marx

A noção de igualdade e liberdade para contratar é a base do direito da sociedade capitalista. E sobre esse fundamento impõem-se o Direito Penal.

A regulação das relações entre os proprietários conduz ao aparecimento do Direito, no qual o proprietário é definido como pessoa livre. A pessoa é, portanto, o indivíduo natural que é livre porque sua vontade o faz ser proprietário. As pessoas entram em relação por meio dos contratos (relação entre proprietários) e pelo crime (quebra do contrato). (CHAUÍ, 1980, p. 42).

Esses conceitos “igualdade, liberdade e propriedade”, centrais ao capitalismo, foram percebidos com argúcia por Marx, que criticava veementemente o pensamento liberal de seu tempo.

A esfera da circulação ou do intercâmbio de mercadorias, dentro de cujos limites se movimentam compra e venda de força de trabalho, era de fato um verdadeiro éden dos direitos naturais do homem. O que aqui reina é unicamente Liberdade, Igualdade, Propriedade e Bentham. Liberdade! Pois comprador e vendedor de uma mercadoria, por exemplo, da força de trabalho, são determinados apenas por sua livre-vontade. Contratam como pessoas livres, juridicamente iguais. O contrato é o resultado final, no qual suas vontades se dão uma expressão jurídica em comum. Igualdade! Pois eles se relacionam um com o outro apenas como possuidores de mercadorias e trocam equivalente por equivalente. Propriedade! Pois cada um dispõe apenas sobre o seu. Bentham! Pois cada um dos dois só cuida de si mesmo. O único poder que os junta e leva a um relacionamento é o proveito próprio, a vantagem particular, os seus interesses privados. E justamente porque cada um só cuida de si e nenhum do outro, realizam todos, em decorrência de uma harmonia preestabelecida das coisas ou sob os auspícios de uma previdência toda esperta, tão-somente a obra de sua vantagem mútua, do bem comum, do interesse geral. (MARX, 1996, p.293).

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A própria noção de direitos humanos, para Marx apenas mascarava a exploração do trabalho. “E igual exploração da força de trabalho é o primeiro direito humano do capital”. (MARX, 1996, p.405).

La desigualdad que se deriva de la aplicación de este principio formal es indicado por Marx con el hecho de que tal distribución no tiene en cuenta las diversidades de capacidades y de necesidades entre los individuos. Así, pues, en el desplazamiento del principio del valor al principio del mérito, el derecho en la sociedad de transición conserva la característica ideológica propia del derecho burgués, a saber, la de abstraer la real desigualdad de los sujetos, contribuyendo con la igualdad formal a reproducir y legitimar el sistema de la desigualdad sustancial. En ambos casos, la abstracción consiste en prescindir de las reales características sociales y antropológicas de los individuos, viendo en ellos sólo el sujeto de derecho. (BARATTA, 2004, p. 170)

Aqui vale a pena perceber as nuances que o próprio Marx expõe no texto “O capital”. Em seu texto mais famoso Marx, a partir de exemplos concretos demonstra como a própria noção de repressão do Direito está ligada em sua origem a questão da classe. O contrato sempre irá prevalecer para o lado mais forte. A citação é longa, mas expõe uma situação importante.

A escravidão em que a burguesia mantém preso o proletariado não aparece em nenhum lugar mais nitidamente à luz do dia do que no sistema fabril. Aí cessa toda liberdade de direito e de fato. O operário tem de estar às 5 1/2 horas da manhã na fábrica; caso chegue tarde alguns minutos, é punido; caso chegue 10 minutos atrasado, não pode nem entrar até depois do café da manhã e perde 1/4 de dia do salário. Ele tem de comer, beber e dormir sob o comando (...) O sino despótico arranca-o da cama, do desjejum e do almoço. E o que acontece afinal na fábrica? Aí, o fabricante é legislador absoluto. Baixa regulamentos fabris conforme lhe apetece; modifica seu código e lhe faz acréscimos como lhe agrada; e ainda que insira a coisa mais extravagante, os tribunais dizem ao trabalhador: Já que os senhores por livre e espontânea vontade aderiram a esse contrato, agora também tem de cumpri-lo. (...) Esses trabalhadores estão condenados, de seu nono ano de vida até a morte, a viverem sob essa férula espiritual e corpórea." (ENGELS, F. Op. cit., p. 217 et seqs.) Quero esclarecer com dois exemplos o que “dizem os tribunais”. Um dos casos ocorreu em Shefield, ao final de 1866. Lá um operário se tinha alugado por 2 anos numa fábrica metalúrgica. Por causa de uma divergência com o fabricante, deixou a fábrica e declarou que em nenhuma circunstância trabalharia mais para ele. Foi processado por quebra de contrato e condenado a 2 meses de prisão. (Se o fabricante rompe o contrato, ele só pode ser acusado Civiliter e só arrisca uma pena pecuniária.) Depois de cumprir os dois meses, o mesmo fabricante o intima a, de acordo com o antigo contrato, voltar à fábrica. O trabalhador declara: Não. Pela quebra de contrato ele já pagou. O fabricante o processa de novo, o tribunal o condena novamente, embora um dos juízes, Mr. Shee, denuncie isso publicamente como uma monstruosidade jurídica, pela qual um homem poderia ser punido periodicamente sempre de novo durante toda sua vida pela mesma falta, isto é, delito. Esse julgamento não foi proferido pelos Great Unpaid dogberries provincianos, mas em Londres, por uma das mais altas cortes de justiça. {Adendo à 4ª edição: Agora isso está abolido. Com raras exceções — por exemplo, em empresas públicas de gás — agora, na Inglaterra, o trabalhador, em caso de rompimento de contrato, está equiparado ao empregador e só pode ser processado civilmente. — F. E.} O segundo caso transcorre em Wiltshire, ao final de novembro de 1863. Cerca de 30 operadoras de tear a vapor, empregadas por um certo Harrup, fabricante de pano em Leower’s Mill, Westbury Leigh, fizeram uma strike porque esse mesmo Harrup tinha o agradável hábito de lhes descontar do salário, por atrasos na hora de entrada: 6 pence para 2 minutos, 1 xelim para 3 minutos e 1 xelim e 6 pence para 10 minutos. Isso soma, a 9 xelins por hora, 4 libras esterlinas e 10 xelins por dia, enquanto o salário médio anual delas nunca era maior do que 10 a 12 xelins por semana. Harrup encarregou igualmente um garoto para fazer soar o apito da fábrica, o que ele às vezes faz mesmo antes das 6 horas da manhã e, se os braços já não estão por acaso aí, assim que acaba, os portões são fechados e os de fora são punidos pecuniariamente; e como não há relógio no local, os infelizes braços estão sob o poder do jovem guardião do tempo inspirado por Harrup. Os braços envolvidos na strike, mães de família e moças, declararam que voltariam ao trabalho se o guardião do tempo fosse substituído por um relógio e uma escala mais racional de multas fosse estabelecida. Harrup denunciou aos magistrados 19 mulheres e moças por rompimento de contrato. Elas foram condenadas a pagar, cada uma, 6 pence de multa e 2 xelins e 6 pence de custas sob ruidosa indignação do auditório. Harrup saiu do tribunal seguido por uma massa popular que o vaiava. — Um golpe predileto dos fabricantes é punir os trabalhadores com descontos salariais por falhas do material que lhes é fornecido. Esse método provocou, em 1866, uma strike geral nos distritos cerâmicos ingleses. Os relatórios da “Ch. Employm. Commiss.” (1863/66) apresentam casos em que o trabalhador, ao invés de receber salário por seu trabalho, torna-se, ainda por cima, por meio do regulamento de penalidades, devedor do seu augusto Master. Traços edificantes da sagacidade dos autocratas fabris quanto aos descontos salariais também foram expostos na mais recente crise algodoeira. Mr. R. Baker, inspetor de fábrica, afirma: “Eu mesmo, há pouco, tive de iniciar ação judicial contra um fabricante de algodão por ter ele, nesses tempos duros e difíceis, descontado 10 pence de alguns dos trabalhadores jovens (de mais de 13 anos) que emprega, pelo certificado médico, que só lhe custa 6 pence, e pelo qual a lei só lhe faculta descontar 3 pence, e a tradição não faculta nenhum desconto. (...) Outro fabricante, para alcançar sem conflito com a lei o mesmo objetivo, onera com 1 xelim cada uma das pobres crianças que trabalham para ele como taxa pelo aprendizado da arte e do mistério do fiar, assim que o certificado médico as declare maduras para essa atividade. Há portanto correntes subterrâneas que é preciso conhecer para compreender fenômenos tão extraordinários como strikes em tempos tais como o presente”. (Trata-se de uma strike na fábrica de Darven, em junho de 1863, entre os tecelões de máquina.) (Reports of Insp. of Fact. for 30th April 1863. pp. 50-51.) (Os relatórios de fábrica vão sempre além de sua data oficial.) (MARX, 1996b, p.57-8).

Obviamente a pena de restrição de liberdade não tem origem direta na fábrica, mas a questão não é a origem, mas o uso concreto. Os crimes patrimoniais e relacionados ao “trabalho” foram severamente punidos nesse momento de formação do capitalismo. “Antigamente, o capital fazia valer, onde lhe parecia necessário, seu direito de propriedade sobre o trabalhador livre, por meio da coação legal. Assim, por exemplo, a emigração de operadores de máquinas estava proibida na Inglaterra, até 1815, sob pena de pesada punição”. (MARX, 1996b, p.216). Da mesma forma o Direito a greve e a associação dos trabalhadores foi severamente punida na formação do capitalismo.

Por essa escamoteação parlamentar, os meios de que os trabalhadores podem se servir em uma greve ou lock-out (greve dos fabricantes coligados mediante fechamento simultâneo de suas fábricas) foram subtraídos ao direito comum e colocados sob uma legislação penal de exceção, cuja interpretação coube aos próprios fabricantes em sua qualidade de juízes de paz. Dois anos antes, a mesma Câmara dos Comuns e o mesmo sr. Gladstone, com sua conhecida honradez, tinham apresentado um projeto de lei para abolir todas as leis penais de exceção contra a classe trabalhadora. Porém, jamais se deixou que ele chegasse a uma segunda leitura, e assim a coisa foi sendo protelada até que finalmente o “grande partido liberal”, por meio de uma aliança com os tories, ganhou a coragem de voltar-se resolutamente contra o mesmo proletariado que o havia levado ao poder. (MARX, 1996b, p.262).

Logo no início da tormenta revolucionária, a burguesia francesa ousou abolir de novo o direito de associação que os trabalhadores tinham acabado de conquistar. Pelo decreto de 14 de junho de 1791 ela declarou toda coalizão de trabalhadores como um “atentado à liberdade e à declaração dos direitos humanos”, punível com a multa de 500 libras além da privação, por um ano, dos direitos de cidadão ativo. Essa lei, que comprime a luta de concorrência entre o capital e o trabalho por meio da polícia do Estado nos limites convenientes ao capital, sobreviveu a revoluções e mudanças dinásticas. Mesmo o Governo do Terror deixou-a intocada. Só recentemente foi ela riscada totalmente do Code Pénal. Nada é mais característico que o pretexto para este golpe de Estado burguês. (MARX, 1996b, p.362).

Pode-se afirmar, enfim que a “(…) "criminalidad" y "desviación" no denotan cualidades naturales sino culturales, en el sentido de que resultan de procesos de definición que se desarrollan en el interior del mecanismo ideológico por el cual tiene lugar la reproducción de la realidad social.” (BARATTA, 2004, p.236). Por isso, O Direito Penal aponta para a construção cultural do sistema capitalista, reforçado por outros setores ideológicos.

Assim, por exemplo, a religião cristã é “útil” porque reprova religiosamente os mesmos delitos que o código penal condena juridicamente. (MARX, 1996b, p.241).

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Sobre o autor
Ivan Furmann

Doutor em Direito pela UFPR. Mestre em Educação. Bacharel em Direito. Professor EBTT no IFC (Instituto Federal Catarinense) Campus Sombrio - Santa Rosa do Sul. Leciona Direito Ambiental, Direito do Trabalho, História, Metodologia Científica e Sociologia..

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FURMANN, Ivan. Marxismo e a crítica do Direito Penal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3075, 2 dez. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20556. Acesso em: 5 mai. 2024.

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