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O modelo regressivo de tributação no Brasil

05/12/2011 às 15:25
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Quando se afirma que o Brasil apresenta uma tributação regressiva, significa que há uma retirada proporcionalmente maior das pessoas com menor capacidade de contribuir, seja por meio de tributos pagos diretamente ou indiretamente suportados.

Quando se afirma que o Brasil apresenta uma tributação regressiva, significa que há uma retirada proporcionalmente maior das pessoas com menor capacidade de contribuir, seja por meio de tributos pagos diretamente ou indiretamente suportados.

Explicando melhor, um sistema tributário é considerado regressivo quando a participação dos tributos sobre a renda e a riqueza dos indivíduos acresce na relação inversa destas, que em linguagem simples quer dizer, paga mais (em termos relativos) quem ganha menos. Um sistema tributário é dito progressivo, quando esta participação aumenta na mesma proporção da renda e da riqueza, ou seja, paga mais quem ganha mais.1 Assim, a regressividade é o reverso da progressividade, razão por que é adequada uma explicação desta, para entender-se os efeitos perversos daquela.

Todavia, antes é preciso enfatizar que a progressividade é exigência do próprio postulado da capacidade contributiva. Como se asseverou, pelo princípio da capacidade contributiva, a tributação deve ser geral, devendo atingir o maior número de pessoas e a sua exigência deve ser uniformemente feita, na medida da capacidade de cada um, em que cada pessoa seja instada a contribuir com mais ou com menos, para a manutenção dos serviços que a Administração Pública presta aos cidadãos. Nas palavras de Baleeiro, o princípio da capacidade contributiva “repousa sobre a base ética de um ideal de justiça. Se os membros de um grupo politicamente organizado são desiguais do ponto de vista econômico, paguem na medida das suas faculdades de disponibilidades”.2 Em resumo, retire-se menos de quem apenas pode satisfazer as necessidades essenciais para uma vida com dignidade e recorra-se a quem possui uma maior capacidade econômica.

Até a metade do século XIX, os “impostos progressivos soavam como confisco, rapina, comunismo e subversão social, a despeito dos argumentos lógicos que a seu favor desenvolveram alguns nobres espíritos”.3 Em interessante observação, o financista americano Groves, citado por Baleeiro, não obstante sua convicção contrária, justificou que “a tributação progressiva é uma válvula de segurança para aliviar a pressão do vapor que de outra forma poderia forçar mudanças revolucionárias imprudentes”.4

Em muitos países, as estatísticas passaram a demonstrar a eficácia dos impostos como instrumentos de redistribuição da riqueza e da renda nacional. Na Inglaterra, a amputação dos vultosos patrimônios e das rendas elevadas modificou a realidade social. Nos Estados Unidos, o imposto de renda já tornou raras as extravagâncias que celebrizaram milionários há algumas dezenas de anos.5

Hoje, a tributação progressiva é universal e utilizada em grande medida pelos países mais desenvolvidos, com vistas a atender as modernas funções da política fiscal. É por meio da política fiscal que os governos procuram interferir na ordem econômica para neutralizar ou reduzir problemas crônicos, como crises, processos inflacionários e desigualdades sociais.

Para isso utiliza-se de um conjunto de medidas que podem ser didaticamente classificadas de acordo com as funções básicas que pretende exercer: a função alocativa, que diz respeito ao fornecimento de bens públicos; a função estabilizadora que tem por objetivo o uso da política econômica visando a um alto nível de emprego e, por fim, a função distributiva, que se passa a expor.

A função distributiva visa promover a redução das desigualdades sociais, mediante a adoção de mecanismos estruturais criados pelo governo que propiciem a possibilidade da transferência, direta ou indireta, de parte da riqueza em poder dos mais ricos para os mais pobres. Como ensinava Sainz de Bujanda, a política fiscal não pode ser neutra, deve estar direcionada à realização do fim supremo do Estado: a prosperidade social. Para atingir esse objetivo, as operações financeiras decorrentes da tributação devem resultar na distribuição da riqueza produzida entre os indivíduos e as classes sociais, por meio de um sistema jurídico e político que proporcione a máxima eficiência social.6

Como mecanismos de concretização da função distributiva, cabe assinalar, em primeiro lugar, a redistribuição direta de renda que ocorre quando são tributados em maior percentual (tributação progressiva) os indivíduos pertencentes às camadas de renda mais alta e em menor valor ou isentando os possuidores de menor riqueza, como ocorre com os impostos sobre o patrimônio e a renda. Em segundo lugar, pela utilização dos recursos captados pela tributação dos indivíduos de renda mais alta, para o financiamento de programas voltados à parcela da população de baixa renda, como a construção de moradias populares. Finalmente, o governo pode impor alíquotas de impostos mais elevadas aos bens considerados de “luxo” consumidos, em regra, pelos indivíduos das classes mais altas e estabelecer tributação reduzida ou nenhuma para os bens que compõem a cesta básica, subsidiando desta forma, os bens de primeira necessidade, com alta participação no consumo da população das classes baixas.7 É o que ocorre com os impostos indiretos,8 a exemplo do ICMS,9 onde a progressividade pode ser aplicada parcialmente por meio de alíquotas menores ou isenções para mercadorias de consumo popular e maiores para aquelas classificadas como supérfluas.

O sistema tributário brasileiro, não obstante apresentar, em particular alguns tributos progressivos, no conjunto a tributação recai de forma regressiva sobre a população, o que implica no fracasso da função distributiva que a ele se atribui como medida transformadora da realidade social. Isto decorre da representatividade elevada dos impostos indiretos (IPI,10 ICMS, ISS,11 etc.) sobre o total da carga tributária e de uma pouca efetividade dos impostos sobre o patrimônio e a renda. No caso dos impostos indiretos, os seus valores são embutidos em maior ou menor percentual nos custos dos produtos e serviços e repassados aos consumidores. O mesmo princípio é aplicável para os impostos diretos de responsabilidade das pessoas jurídicas, a exemplo do IRPJ,12 pois embora a base de incidência seja a renda das empresas gerada em determinado período, também é possível, e via de regra realizada, a transferência dos custos estimados do imposto para os adquirentes finais. Então, é um equívoco pensar-se que o ônus dos impostos diretos não possa recair sobre os consumidores. A rigor, toda a tributação dos impostos e contribuições sob a responsabilidade das empresas, é computada no valor dos produtos e serviços comercializados.

Na opinião de Godoi, essas distorções na tributação brasileira são resultantes, principalmente, do extremo descaso com que o legislador ordinário brasileiro trata a progressividade nos impostos diretos, o que fica evidenciado pelo seu desprezo até mesmo com o IRPF.13 Observa que apesar de a Constituição dispor que a incidência deste imposto deva ser geral, universal e progressiva (art. 153, §3º), pouca efetividade é dada a estes princípios. A generalidade é descaracterizada em muitas situações, a exemplo da isenção dos lucros e dividendos distribuídos pelas pessoas jurídicas aos seus sócios e acionistas. A progressividade resume-se a uma dualidade de alíquotas (15% e 27,5%) que não representam a diversidade da riqueza das pessoas. E arremata que o mínimo vital preservado pelo imposto (faixa de isenção), a cada ano é corroído por força de efeitos inflacionários sem que os governos procedam a imediata correção.14

Como enfatiza Zavarizi, a recomendação do legislador constituinte, que consagra os princípios de justiça fiscal, não é obedecida pelo legislador ordinário, que insiste em ampliar a tributação por meio de impostos essencialmente indiretos, penalizando assim os contribuintes de baixa renda.15 Neste sentido, é de se lamentar que a regressividade impingida aos tributos, em termos gerais, faz com que os menos afortunados e os assalariados, sejam postos a arcar proporcionalmente com a maior carga, enquanto o imposto sobre as grandes fortunas, figura como um natimorto, nasceu, mas não viveu, e os lucros do sistema financeiro são quase intocáveis.

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Segundo a visão humanista de Baleeiro, ainda se sonha no Brasil com a época em que “não se reproduza jamais o paradoxo da miséria na abundância, ou do subconsumo no auge da superprodução”.16 Apesar desta triste constatação, o autor revela-se otimista com a eficiência política do imposto pessoal e progressivo, acreditando que poderá ser o instrumento silencioso e adequado a “uma revolução social, sem ‘sangue, suor ou lágrimas’, mas tão radical quanto as de caráter catastrófico que têm congestionado cemitérios, cárceres e orfanatos, apavorando as sociedades ameaçadas pela sua propagação insinuante e insidiosa”.17

Das breves anotações, vislumbra-se a tributação progressiva como a forma que melhor se aproxima do ideal solidário que deve perpassar os fundamentos sobre os quais se estruturam as sociedades modernas, em especial, a idéia de que os homens devem prestar-se mútua colaboração, inclusive por meio dos tributos. Neste sentido, se um dos aspectos centrais do Estado é fazer com que todos contribuam para a promoção do bem comum, é essencial que os impostos pessoais sobre o patrimônio e a renda tenham um peso maior no conjunto da tributação.


Notas

  1. GREMAUD, Amaury Patrick; VASCONCELOS, Marco Antonio Sandoval de; TONETO JUNIOR, Rudinei. Economia brasileira contemporânea. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2005, p. 199.

  2. BALEEIRO, Aliomar. Limitações constitucionais ao poder de tributar. p. 829.

  3. BALEEIRO, Aliomar. Limitações constitucionais ao poder de tributar. p. 752.

  4. BALEEIRO, Aliomar. Limitações constitucionais ao poder de tributar. p. 754.

  5. BALEEIRO, Aliomar. Limitações constitucionais ao poder de tributar. p. 834.

  6. BUJANDA, Fernando Sainz de. Hacienda Y Derecho: Introducción al Derecho Financeiro de nuestro tiempo. Madri: Instituto de Estúdios Políticos, 1962, v. I, p. 18-20.

  7. GIAMBIAGI, Fábio; ALÉM, Ana Cláudia Duarte de. Finanças públicas. 2. ed. Rio de Janeiro: Campus, 2000, p. 30-34.

  8. Impostos indiretos são aqueles que incidem sobre o preço das mercadorias, em que normalmente o empresário embute o valor do imposto no seu custo, repassando-o ao consumidor.

  9. Imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação.

  10. Imposto sobre produtos industrializados.

  11. Imposto sobre serviços de qualquer natureza.

  12. Imposto de renda das pessoas jurídicas.

  13. Imposto de renda das pessoas físicas.

  14. GRECO, Marco Aurélio; GODOI, Marciano Seabra de (orgs.). Solidariedade social e tributação. São Paulo: Dialética, 2005, p. 161-162.

  15. ZAVARIZI, Índio Jorge. Finanças Públicas. In: Curso de especialização em gestão fazendária. p. 97.

  16. BALEEIRO, Aliomar. Limitações constitucionais ao poder de tributar. p. 833.

  17. BALEEIRO, Aliomar. Limitações constitucionais ao poder de tributar. p. 699.

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Sobre o autor
Joacir Sevegnani

Auditor Fiscal da Receita Estadual do Estado de Santa Catarina. Professor de Direito Tributário no Centro Universitário para o Desenvolvimento do Alto Vale do Itajaí - UNIDAVI. Doutorando em Ciência Jurídica pela Universidade do Vale do Itajaí - UNIVALI.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SEVEGNANI, Joacir. O modelo regressivo de tributação no Brasil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3078, 5 dez. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20574. Acesso em: 5 dez. 2024.

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