A Lei 10.215, de 6 de abril de 2001, modifica o caput do artigo 46 da Lei 6015, de 31 de dezembro de 1973, que passa a ter a seguinte redação: "Art. 46. As declarações de nascimento feitas após o decurso do prazo legal somente serão registradas mediante despacho do juiz competente do lugar da residência do interessado". A seu turno, revoga, o §2º. deste artigo, in verbis: Será dispensada de pagamento de multa a parte pobre (art. 30).
Com a nova redação, não mais está sujeita à multa, se registrado o nascimento da criança, a destempo.
Pela redação anterior, as declarações de nascimento feitas fora de prazo estavam sujeitas ao recolhimento de multa correspondente a 1/10 do salário mínimo da região. Dispensa-se o despacho do juiz se a criança tiver menos de 12 anos.
O prazo para o registro é o previsto na lei. Ultrapassados os prazos (quinze dias ou até três meses para os lugares distantes mais de trinta quilômetros da sede do cartório ), aplicava-se a multa.
O registro civil das pessoas naturais, no registro civil de pessoas naturais, é obrigatório, em face da Lei, destacando-se os de nascimento, referidos nos artigos 50 e segs. da citada Lei de Registro Públicos, produzindo várias conseqüências jurídicas[1]
O legislador poderia ter aproveitado esta oportunidade para dispensar o despacho do juiz nos assentamentos de nascimento, se o registrado tiver mais de doze anos. Não se justifica essa exigência, conquanto o registro não se tenha efetuado, no prazo legal. É uma burocracia inadmissível nos tempos atuais.
Clóvis Bevilaqua ensina não existir um direito ao nome civil, mas não no destaca da própria personalidade e acrescenta que esta não é um direito senão um complexo dos direitos atribuídos à pessoa, considerados em conjunto, constituindo uma unidade, antes em potencialidade que em atividade. Eis que, na sua opinião, não havendo um direito de personalidade, obviamente não haverá o direito ao nome.[2]
Na expressão douta de Washington de Barros Monteiro[3], o nome é, ao lado da capacidade civil e do estado, um dos atributos mais significativos da pessoa natural, de sorte que, ao nascer, recebe a criança o nome e conserva-o até a morte. Estuda, a fundo, a natureza jurídica e sua história, entre os vários povos e culturas, na doutrina alienígena, demonstrando a funda controvérsia que reina, de sorte que, para distinguir um indivíduo do outro, utiliza-se o sobrenome, em função da profissão, da qualidade da pessoa, de algum sinal, do lugar de nascimento, de planta, fruta, objeto, animal etc.
Todos os povos reconheciam ser o nome imprescindível.
Para os hebreus, um só era o nome, que, posteriormente, se ligava ao do pai, para distingui-lo dos demais. Os gregos só reconheciam um nome, que se não transmitia aos descendentes. Os romanos usavam o nome gentílico para todos os membros da nação ou do povo, enquanto adotavam o prenome para a própria pessoa. O sobrenome surge, com o desenvolvimento das populações, e fazia-se necessário para distinguir as pessoas. Da intransmissibilidade passou-se para transmissão de pai para filho. Maria Helena Diniz[4] ensina que a natureza pública do nome está intimamente ligada ao registro da pessoa natural, exigido pelos artigos 54 e 55 da Lei 6015 (Lei que dispõe sobre os Registros Públicos ).
A lei mais antiga, que impedia a mudança do nome, é a Ordenança de Amboise, de 1555.
O nome é imutável, salvo as exceções legais, justificadas devidamente.
Wilson de Souza Batalha preleciona, fundado em farta jurisprudência, que, se ocorreu erro manifesto no assento, com a atribuição de pais diferentes, é imprescindível a propositura de ação ordinária para a sua correção, entretanto, dispensa-se a ação, se todas as partes estiverem de acordo. Demonstra, ainda que, para as ações anulatórias de registro de nascimento, competente é a Vara de Família e não a de Registros Públicos porque envolve o status da pessoa.
Recentemente, em São Paulo, o juiz Boris Kauffmann autorizou a mudança de nome de transexual, permitindo ainda que, em seu registro, o sexo masculino seja substituído pelo feminino, para não mais causar constrangimento à pessoa, visto que já tinha sofrido a intervenção cirúrgica. Cita o magistrado o caso de Roberta Close ( Roberto Gambine Moreira ) que teve seu nome alterado por força de decreto judicial de primeira instância, mas sua pretensão fora desatendida por decisão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro.[5]
A questão da imutabilidade do nome e do sexo vem dando margem à funda discussão, no cenário jurídico.
Em Mato Grosso, o juiz da Vara de Fazenda e Registros Públicos do Estado de Mato Grosso, Vladimir Abreu da Silva, julgou procedente o pedido de alteração do registro civil requerido por transexual, porque a negativa seria o mesmo que condenar essa pessoa a viver clandestinamente, como meio cidadão.
Sylvio de Salvo Venosa sustenta que a garantia das relações jurídicas não se configura argumento bastante para proibir a mudança do registro civil dos transexuais. Luiz Flávio D´ Urso, porém, adverte que o registro civil retrata a verdade e deve ser sua fonte fidedigna, de sorte que, indaga, como sustentar-se que alguém operado, com o objetivo de mudar de sexo tenha realmente adquirido o sexo oposto?[6]
Sem dúvida, o registro é obrigatório, ex vi legis, e sua imutabilidade, salvo expressa ressalva legal, está posta em cheque, já que a lei espelha o comportamento e a consciência social de um povo e de uma época e deve-se comungar com as novas realidades e tendências que despontam, para não se afastar de vez do homem e fenecer solitária.
Notas
1. Cf., de Wilson de Souza Campos Batalha, Comentários à Lei de Registro Públicos, Forense, 1999.
2. Cf. Teoria Geral do Direito Civil, atualizada por Achiles e Isaías Bevilaqua, Livraria Francisco Alves, Editora Paulo de Azevedo, 7ª edição, 1955, pp. 50 usque 56.
3. Cf. Curso de Direito Civil, Parte Geral, 18ª edição, Saraiva, São Paulo, 1979, pp. 86 a 94..
4. Cf. Curso de Direito Civil, Teoria Geral do Direito, 1º volume, Saraiva, 8ª edição, pp. 102 e seguintes.
5. Cf. Dialex Diário Jurídico Eletrônico, Editora Consulex, nº 68, de 11 de abril de 2001.
6. Cf. Revista Jurídica Consulex, nº 101, de 31 de março de 2001. pp. 18 a 24.