1 INTRODUÇÃO
Não é de hoje que se fala na importância da motivação dos empregados como estratégia de gestão empresarial. Hodiernamente não se discute que uma das formas mais seguras de aumentar a produção e de melhorar os resultados das empresas é motivar o seu pessoal, aumentando com isso o seu comprometimento e dedicação. Tampouco se questiona os perigos de se ter um funcionário desmotivado dentro das dependências da empresa. Além de não produzir, ele pode formar movimentos de contracultura que influenciem negativamente outros funcionários.
Mas em que consiste então esta figura mágica, capaz de aumentar a produção sem requerer grandes investimentos em tecnologia? Motivação, segundo Danielle Soares, do Centro Universitário de Desenvolvimento do Centro-Oeste, "é o conjunto de fatores psicológicos (conscientes ou inconscientes) de ordem fisiológica, intelectual ou afetiva, os quais agem entre si e determinam a conduta de um indivíduo, despertando sua vontade e interesse para uma tarefa ou ação conjunta" [01]. Referida autora esclarece ainda que a motivação depende, basicamente, da percepção do estímulo (que varia conforme a pessoa e conforme o tempo), das necessidades (que também variam conforme a pessoa) e da cognição de cada um. Estaria, portanto, relacionada com os fatores que levam as pessoas a fazerem as coisas. Ao porquê de envolverem-se em um dado esforço. Consistiria, desta feita, em um processo mais complexo, que não depende da vontade de quem quer motivar, mas de disposição intrínseca daqueles a quem se dirige a estratégia motivacional. Talvez aqui esteja a principal característica da motivação: ela não é transferível. Uma pessoa altamente motivada não consegue, automaticamente, contagiar aqueles que a rodeiam, por exemplo [02].A motivação, nesta perspectiva, surgiria dentro das pessoas, não podendo ser imposta. Despertar o interesse das pessoas para a qualidade de algo – inclusive no campo do trabalho - é fundamental, uma vez que não se implantam qualidades por imposição, decretos ou quaisquer mecanismos de natureza coerciva.
No campo da Administração, a motivação se tornou alvo de estudiosos a partir da Revolução Industrial. Em um primeiro momento, a motivação se verificava com a punição dos que não se comportavam da forma desejada. Baseava-se o estimulo do medo, portanto. Com o desenvolvimento da filosofia Taylorista, no início do século XX, o clima de punição cedeu lugar a crença de a principal fonte de incentivo à motivação seria o dinheiro. Acreditava-se que a maioria dos trabalhadores escolheria os seus empregos a partir das perspectivas de remuneração e não pelo tipo de trabalho ou pelo conteúdo dos cargos.
Percebeu-se, posteriormente, que melhor seria motivar os empregados enfatizando o comportamento social dos mesmos. Os administradores e supervisores passaram, então, a procurar fazer com que os empregados sentissem a sua utilidade e importância pessoal no trabalho. A estratégia administrativa deveria promover o reconhecimento do valor de cada pessoa, além de buscar a satisfação das suas necessidades sociais.
Esse tipo de suposição, que relaciona a motivação a um único fator, seja ele dinheiro, seja relacionamento interpessoal, logo dá provas da sua insuficiência como explicação capaz de oferecer maior segurança em termos de escolha da melhor filosofia administrativa. O ser humano não só em si mesmo, como também enquanto confrontado com seu trabalho mostra claramente ser mais complexo do que se poderia imaginar.
Daí que, a partir de perspectiva mais abrangente, os modelos de administração consideram os trabalhadores como indivíduos que se mostram motivados por um conjunto mais complexo de fatores, os quais, aliás, guardam correlações entre si. Além disso, começa-se a admitir, como ponto de partida, as restrições impostas pelas diferenças individuais em situação de trabalho. Diferentes pessoas buscam diferentes objetivos motivacionais ao se engajarem em determinado tipo de trabalho. Cada trabalhador possui diferentes habilidades e talentos pessoais que são inéditos, próprios a um único indivíduo. Portanto, cada um deles terá condições de contribuir de maneira diferente para a consecução dos objetivos organizacionais [03].
Diversos institutos do direito do trabalho surgiram exatamente com o escopo de motivar os empregados, vinculando-os cada vez mais à dinâmica empresarial. Bons exemplos deles seriam o pagamento vinculado à produção, os prêmios, a participação nos lucros e resultados e, mais modernamente, os chamados stock options plans.
Além dos mecanismos mencionados, consistentes, em linhas gerais, em incentivos financeiros pelo melhor resultado alcançado, há outros igualmente destinados a estimular os trabalhadores a se envolver em um dado esforço, a partir especialmente de benefícios outros que não os de caráter patrimonial. Pode-se citar, como exemplo pertinente, o prolongamento dos períodos de descanso e das férias, como recompensa por um resultado alcançado, ou mesmo concessão de folgas ou viagens.
Por isso, fala-se hoje em marketing interno destinado a aumentar o comprometimento dos funcionários com os objetivos da empresa e da sintonia das pessoas que trabalham na empresa, fortalecendo a construção de relacionamentos e diminuindo a contraposição dos interesses presentes no contrato de trabalho [04]. As confraternizações e dinâmicas de grupo também entrariam nesta categoria.
Os chamados gritos de guerra nada mais são, no fundo, que mais um instrumento de motivação, desvinculado do plano estritamente monetário ou econômico. Trata-se, aliás, de prática com raízes muito mais profundas do que poderia parecer à primeira vista.
2 UTILIZAÇÃO DE GRITOS DE GUERRA COMO ESTRATÉGIA MOTIVACIONAL
Segundo a definição apresentada pela Enciclopédia livre Wikipedia, grito de guerra, também conhecido como grito de armas, é normalmente, uma palavra ou frase simples, de uma entidade, para juntar ou incentivar ao combate ou à acção, os seus membros ou seguidores [05]. O objetivo destes gritos - unir determinado grupo em prol de um objetivo comum - , não é, portanto, diferente do objetivo dos hinos nacionais, compostos justamente para despertar nos cidadãos nacionais o seu patriotismo e espírito cívico. Justamente para atingir os brios dos nacionais e fazer aflorar neles o espírito de patriotismo é que os hinos comumente os conclamam a pegar em armas, formar batalhões e não fugir da luta, como se vê, por exemplo, no hino nacional francês, la Marseillaise, em cujo segundo verso consta: "Aux armes, citoyens, Formez vos bataillons,Marchons, marchons!, Qu’un sang impur Abreuve nos sillons!"
O efeito dos hinos, em particular do francês, foi muito bem explorado na clássica cena do filme Casablanca, de 1942, em que os presentes no Rick’s Café entoam la Marseillaise com vigor e entusiamo tal que silenciam os dominantes alemães.
Se os hinos nacionais oficiais são relativamente recentes, os gritos de guerra não o são. Desde os tempos mais distantes os exércitos e milícias fazem uso deles como forma de excitar os combatentes para o desafio que estar por vir, de uni-los em busca de um mesmo objetivo e de aumentar a sua concentração em direção ao resultado almejado. Os exércitos bizantinos, por exemplo, incitavam seus combatentes com o célebre grito de guerra nobiscum Deus, quer dizer, Deus está conosco. Já os cruzados franceses, antes de enfrentar os muçlmanos, bradavam: Dieu le veut! Mesmo em tempos de paz os militares costumam entoar gritos de guerra motivacionais como os retratados no filme Tropa de Elite, do Diretor José Padilha.
Das forças armadas os gritos de guerra passaram para as atividades esportivas. Há muito tempo equipes dos mais variados esportes se reunem para entoar um grito de estímulo antes do início de determinado desafio de grande importância. Bastante conhecido e enigmático a este respeito é o "haka", grito de guerra do time de rugby da nova zelândia, conhecido como all black, entoado juntamente com uma dança típica antes de cada partida com o claro objetivo de intimidar o adversário.
Não tardou para que esta estratégia motivacional chegasse ao mundo empresarial. A revista época noticiou algum tempo atrás que uma determinada empresa do setor de alimentos reunia diariamente cerca de 13 mil vendedores em diferentes lugares do Brasil para entoar hinos e gritos de guerra voltados contra a concorrência [06].
Sob esta perspectiva histórica, é forçoso reconhecer que esta estratégia empresarial não apresenta, a princípio, nada de irregular. Pensar o contrário findaria por condenar, no limite, os próprios hinos nacionais, o que não parece nem um pouco razoável. Contudo, em tempos de preocupação crescente com a tutela dos direitos da personalidade dos trabalhadores e de condenações por danos morais cada vez mais frequentes, e, por vezes, excessivas e descabidas, é preciso muito cuidado ao se generalizar esta afirmação e o próprio insituto do dano moral.
2 DANO MORAL.
Até não muito tempo atrás o dano moral era figura ignorada pela doutrina do direito do trabalho [07], não obstante seja inegável que ele sempre estivera presente nas relações laborais. Em verdade, imaginando-se um mundo ideal em que o cidadão passa oito horas dormindo, oito trabalhando e oito dedicando-se aos seus outros afazeres, o lugar onde ele está mais propenso a sofrer algum tipo de dano a um direito extrapatrimonial é no trabalho. Sob esta perspectiva, é curioso, para dizer o mínimo, que até o advento da Constituição de 1988 não se encontrassem precedentes de condenações nos arestos dos mais variados tribunais trabalhistas [08].
Desde então a situação mudou de um extremo a outro. Raro, nos dias que correm, é encontrar uma petição inicial que não contemple, no rol de pedidos, postulação de indenização por dano moral. Os motivos são os mais variados, desde graves ofensas a direitos fundamentais até simples exigência de cumprimento de obrigações contratuais. Há advogados, é preciso registar, que incluem pleitos indenizatórios sabidamente indevidos com o objetivo de facilitar o acordo haja vista a possibilidade de discriminar o ajuste de forma a impedir a incidência das contribuições previdenciárias e fiscais.
O excesso nos pedidos de indenização por dano moral naturalmente acabou resultando no aumento expressivo no número de condenações desarrazoadas em primeiro grau e reclamando uma atuação dos tribunais para delimitar o que efetivamente pode vir a ser considerado um dano moral. Conquanto não afastada, em tese, a possibilidade de sofrer o empregado lesão não patrimonial relacionada com o contrato de trabalho, nem todo inadimplemento contratual basta ao deferimento de indenização. Do contrário, ficaria banalizada a figura, pretexto para reclamações oportunistas [09], voltadas apenas ao enriquecimento injustificado do postulante. Assentou-se, assim, que a dispensa promovida por justa causa, não provada a falta em juízo, não caracteriza, por si só, dano moral [10]. Na mesma linha, dispensa de empregado portador de estabilidade tampouco basta à concessão de indenização [11], outro tanto se podendo dizer em caso de pedido de instauração de inquérito policial, para apuração de eventual prática de ilícito [12]. Em termos gerais, é em grande medida dominante a idéia de que dano moral não decorre do mero não cumprimento de alguma obrigação [13].
De fato, ainda que seja bastante difícil delimitar, ao menos com precisão, os contornos do dano moral, dado o seu caráter necessariamente abstrato e intangível, é certo que não há como relacioná-lo com todo incômodo, com todo interesse contrariado, com qualquer pretensão não satisfeita. Mais ainda, não há como transformá-lo em mera decorrência, natural e inexorável, de toda e qualquer condenação judicial. Erigir o dano moral em desdobramento, in re ipsa, de condenação judicial levaria à ruptura das relações sociais. Tornaria impossível a convivência. Por isso é que se diz, em jurisprudência, que o dano moral "não existe pela simples razão de haver um dissabor. A prevalecer essa tese, qualquer fissura em contrato daria ensejo no dano moral conjugado com o material. O direito veio para viabilizar a vida e não truncá-la, gerando-se um clima de suspense e de demandas" [14].
Para que haja dano moral indenizável é preciso fato significativo e sério, revestido de real e concreta relevância. Neste sentido é o art. 496º, n. 1 do Código Civil Português que apenas admite indenização de "danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito". Similar é a disposição encontrada no Código das Obrigações Suíço, que condiciona o cabimento de reparação moral a "que la gravité de l’atteinte le justifie". Daí o comentário de Pires de Lima e Antunes Varela: "os simples incómodos ou contrariedades não justificam a indemnização por danos não patrimoniais" [15]. Em outros termos, "somente o dano moral razoavelmente grave deve ser indenizado" [16]. Aqui tem toda pertinência a máxima de minimis non curat praetor.
A preocupação com o excesso de pedidos de indenização por dano moral decorrentes das relações de trabalho é manifestada em diversos textos doutrinários trabalhistas. Valdir Florindo, ao examinar o tema da apuração de ilícito no âmbito da empresa, adverte: "se o empregador agiu de forma cautelosa a fim de averiguar irregularidades no setor onde o empregado presta ou prestava serviços, essa circunstância, por si só, não enseja indenização alguma" [17]. Octavio Bueno Magano, por sua vez, leciona, relativamente à justa causa, que "a mera invocação de dispositivos configuradores de justa causa, mesmo quando esta não fique provada, não acarreta (necessariamente) a obrigação de ressarcir danos morais. Só ficará por estes responsável o empregador que fizer a invocação de falta grave de modo abusivo, com o desígnio de ferir o código de ética do empregado" [18]. Os tribunais brasileiros vêm repetidamente indeferindo os pleitos de danos morais manifestamente infundados, manifestando expressamente sua preocupação com o desvirtuamento do instituto [19].
Seguindo esta tendência, o Projeto de Lei 150/99 conceitua dano moral como "a ação ou omissão que ofenda o patrimônio moral da pessoa física ou jurídica, e dos entes políticos, ainda que não atinja o seu conceito na coletividade" e considera bens juridicamente tutelados "o nome, a honra a fama, a imagem, a intimidade, a credibilidade, a respeitabilidade, a liberdade de ação, a autoestima e o respeito próprio" [20].
De forma bastante similar o Projeto de Lei n. 7.124, de 2002, assevera que "constitui dano moral a lesão ao patrimônio moral da pessoa natural, da pessoa jurídica e dos entes políticos, ainda que não atinja o seu conceito na coletividade" (art. 1º) e elenca como pressupostos para caracterização da obrigação de indenizar, a ação ou omissão do agente, a existência de culpa, a ocorrência de nexo de causalidade entre o fato e o evento danoso e a efetiva ocorrência de prejuízo (§ 1º do artigo 1º). Na exposição de motivos, o redator do projeto estatui que a enumeração dos pressupostos necessários para a configuração da obrigação de indenizar foi feita "para que não haja risco de serem estabelecidas indenizações sem o preenchimento de tais requisitos". Esclarece ainda "que a efetiva demonstração do dano se faz necessária, conforme assevera Carlos Roberto Gonçalves, no sentido de que ‘nenhuma indenização será devida se o dano não for atual e certo, pois o ‘requisito da certeza do dano afasta a possibilidade de reparação do dano meramente hipotético ou eventual, que poderá não se concretizar’ (Reponsabilidade civil. 6ª ed. São Paulo: 1995, p. 392). A certeza da ocorrência do dano constitui fato relevante com o fim de se coibir a reiterada propositura de ações sem fundamento, que vêm apenas a sobrecarregar o Judiciário".
Seria, então, razoável condenar uma empresa a indenizar determinado ou determinados trabalhadores por lhes haver exigido que entoassem gritos de guerra em determinados encontros motivacionais? A resposta a esta indagação não é tão simples e comporta ainda alguns esclarecimentos, feitos agora a partir da resposta dada a estas situações pelos próprios tribunais trabalhistas.
3 GRITO DE GUERRA E DANO MORAL SEGUNDO OS TRIBUNAIS BRASILEIROS
Diante do que fora exposto até aqui é possível concluir que a mera prática de grito de guerra, como elemento motivacional da empresa, não autoriza deferimento de indenização a empregados. Ainda que se considere inadequado como instrumento de gestão, sua utilização, como participação voluntária dos empregados, não gera, por si só, lesão à honra, intimidade, imagem ou boa fama. Falta a esta conduta a gravidade necessária a valor relevante da personalidade para que se possa falar em dano moral, sem banalizar o instituto, dado que pode o empregado livremente abrir mão na prática.
Dentro desta perspectiva de preocupação com a banalização do dano moral, a jurisprudência vem indeferindo, de forma acertada, pleitos de indenização baseados apenas e tão somente na prática motivacional de entoar coletivamente gritos de guerra. Bastante expressivo a este respeito é o precedente a seguir:
DANO MORAL. INOCORRÊNCIA. GRITO DE GUERRA. PRÁTICA MOTIVACIONAL DA EMPRESA. O dano moral é aquele que causa lesão à esfera íntima da pessoa, aos seus valores, suas concepções e crenças, a sua integridade como ser humano. Essa ofensa traduz, em suma, uma violência aos direitos de personalidade do indivíduo. A pedra angular do pleito indenizatório por dano moral é a prática motivacional realizada pelo Reclamado, chamada de Cheers, que consiste no canto de um "grito de guerra" citando as letras e o nome da Empresa, somado à participação do Empregado em uma dança, situação que se verificaria, também, no estabelecimento e em pleno funcionamento, diante da presença de demais colegas de trabalho e de clientes em atendimento. Observa-se que o Réu é administrado por um grupo norte-americano denominado "All Mart", fato que é de conhecimento notório, pelo que o citado "grito de guerra", seguido da dança e canto, é componente sócio-cultural dos Estados Unidos, funcionando como prática motivacional de vendas dos produtos da Empresa, exercida por todo o corpo de empregados, indiscriminadamente, não havendo falar em dano ao patrimônio ético dos trabalhadores. Ademais, da análise dos fundamentos apresentados na petição inicial, não há qualquer elemento que conduza à conclusão de que o BOMPREÇO tenha praticado qualquer ofensa intencional e de forma específica ao patrimônio moral do Demandante. Recurso obreiro improvido, no particular. (TRT 6ª Região, 2ª Turma. PROC. TRT RO Nº. 01412-2007-023-06-00-2, Relatora: Desembargadora Eneida Melo Correia de Araújo, publicado em 31 de janeiro de 2009)
Ainda mais recente é o seguinte julgado:
1. A participação em reuniões de cunho motivacional, em que eram entoados "gritos de guerra", por si só, não importa em conduta ilícita a ensejar a reparação por danos morais pretendida. 2. Recurso ordinário parcialmente provido. (TRT 6ª Região. RO 115100442009506 PE 0115100-44.2009.5.06.0018, Relator(a):Pedro Paulo Pereira Nóbrega, Julgamento publicado em 05/10/2010)
O Tribunal do Trabalho da 2ª Região, por sua vez, considerou que a mera participação do empregado em reuniões matinais, "nas quais havia um "grito de guerra" para incentivar as vendas" inclusive "com insultos aos concorrentes", acrescenta o julgado, não basta para caracterizar dano moral [21]. Há outro aresto do Tribunal do Trabalho da 6ª Região exatamente na mesma linha, com a seguinte ementa:
"RECURSO ORDINÁRIO - ENTOAÇÃO DE GRITOS DE GUERRA - DANOS MORAIS - INDENIZAÇÃO - AUSÊNCIA DE CARACTERIZAÇÃO DOS ELEMENTOS OBJETIVOS E SUBJETIVOS - INDEFERIMETNO. 1. À caracterização do dano moral é necessário que se conjuguem dois elementos, ou seja, subjetivamente a intenção do empregador de causar o dano, e, objetivamente, que o empregado tenha sofrido constrangimento em sua moral ou personalidade, os quais não se vislumbra na hipótese versada nos autos, em que a entoação de gritos de guerra como forma de impulsionar o astral, estimular a iniciativa, e demonstrar união e garra é uma prática bastante comum que nada tem de humilhante. 2. Recurso ordinário provido" (TRT – 6ª Reg., 3ª T., Proc. RO n. 0166600-85.2009.5.06.0007, Rel. Juiz Pedro Paulo Pereira Nóbrega, julg. em 25.05.2011) [22]
Pesquisando o acervo de jurisprudência dos tribunais nacionais encontrou-se, é bem verdade, julgados em sentido diverso. Eles não contrariam, contudo, as conclusões apresentadas até aqui, haja vista terem se embasado em alguns elementos que justificam a diversidade da solução adotada. A 4ª Turma do Tribunal do Trabalho da 5ª Região, por exemplo, reconheceu a existência de dano em situação relacionada com a prática de grito de guerra [23]. Há, todavia, duas particularidades muito significativas no caso referido, as quais não podem ser desconsideradas, sob pena de prejudicar a correta compreensão do problema. Em primeiro lugar, a participação dos empregados se dava, na situação concreta, de modo coativo. Não havia possibilidade de não tomar parte no evento. Em segundo lugar – e é ainda mais grave o aspecto –, os próprios gritos de guerra praticados envolviam comportamentos aviltantes, com utilização de palavras, segundo a caracterização dada pelo próprio julgado, "de baixíssimo calão". Consta da ementa do acórdão, literalmente:
Em outro precedente, do mesmo Tribunal da 5ª Região, invocou o acórdão, para afirmar a ocorrência de dano moral, novamente em caso de prática de grito de guerra, as duas circunstâncias, ou seja, o caráter obrigatório do comportamento e o "conteúdo pornográfico" das expressões utilizadas. Na passagem pertinente do julgado, em que se examina o problema, assinala-se que "...o Autor comprovou a ofensa a direito inerente à personalidade e o dano moral sofrido, principalmente, em virtude da obrigação de entoar "gritos de guerra" ou ditos motivadores, mas com conteúdo pornográfico..." [24]. Demonstrando não se tratar de um entendimento exclusivamente adotado pelo Tribunal gaúcho, cave transcrever também a seguinte ementa de decisão do Tribunal do Trabalho da 10ª Região, em que a questão é resolvida nos termos seguintes:
"...a conduta da reclamada em obrigar os vendedores em participar do cântico de hinos de guerra com palavras de baixo calão, constitui-se em ato apto a desestabilizar emocionalmente qualquer trabalhador, ressaindo, portanto, devida a reparação por dano moral" (TRT – 10ª Reg., 2ª T., Proc. RO n. 01750-2009-019-10-00-5, Rel. Juiz Carlos Alberto Oliveira Senna, julg. em 08.07.2010 e publicado no DEJT de 23.07.2010).
Estas referências são importantes para a conclusão de que fatores preponderantes para o reconhecimento da ocorrência de dano moral têm sido a coação da empresa para a prática do grito de guerra e a composição de sua letra, com palavras de baixo calão, quer dizer, a utilização de expressões inapropriadas, inadequadas, moralmente criticáveis. Ausentes tais elementos, prevalece a ideia, acertada, aliás, de não caracterização de dano moral. De acordo com isso, o Tribunal do Trabalho da 10ª Região negou a existência de dano moral, quando não demonstrada a obrigação de participação do empregado na entoação do grito de guerra. Extrai-se do acórdão a seguinte assertiva: "A prova oral, conforme visto, não confirma a alegação exordial de que a empresa obrigava o reclamante a participar da entoação do hino de guerra Dessa forma, não vislumbro a ocorrência de dano moral a estimular a condenação perseguida" [25]. Certa feita, a despeito de expressões de baixo calão presentes no hino, o caráter não obrigatório da participação de empregados em sua entoação foi suficiente para afastar o pedido de dano moral. O julgado tem a seguinte ementa:
"INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. OBRIGATORIEDADE DE CANTO DIÁRIO DO "HINO DE GUERRA". PROVA AUSENTE. INDEFERIMENTO. Hipótese em que o trabalhador denuncia constrangimentos e humilhações decorrentes de obrigação de cantar, em altos brados, determinado "hino de guerra", supostamente idealizado para fins de motivação, mas que era composto por palavras fortes e de baixo calão, contrárias às suas convicções cultural e religiosa. Tese defensiva centrada na ausência de obrigação imposta pela empresa e na origem espontânea da prática adotada pelos empregados, responsáveis pela própria definição dos conteúdos dos referidos "hinos de guerra". Acervo probatório que não evidencia a obrigatoriedade do canto do "hino de guerra" em reuniões matinais, tampouco a imposição de sanções ou repreensões aos empregados que não aderissem à referida prática idealizada de modo espontâneo pelos próprios trabalhadores. Pretensão indenizatória improcedente." (TRT – 10ª Reg., 3ª T., Proc. RO n. 00847-2009-021-10-00-7, Rel. Juiz Douglas Alencar Rodrigues, julg. em 17.08.2010) [26]
Como se vê, a prática de adoção de gritos de guerra, como estratégia motivacional, não configura, por si só, ilícito trabalhista, passível de condenação por danos morais, desde que não seja imposta aos empregados e não apresente o grito teor inadequado, ou seja, não contenha palavras inapropriadas ou de baixo calão, conteúdo sexista ou racista, ou de alguma outra forma contrário à moral e aos bons costumes. A singela alusão a batalhas ou lutas contra a concorrência não é o bastante para tornar o conteúdo ofensivo, a ponto de justificar condenação por danos morais, pois é da própria índole deste tipo de manifestação a referência a embates.
Nem mesmo a maior suscetibilidade de um ou outro empregado ou a sua divergência com o método de motivação adotado pelo empregador pode justificar o deferimento de indenização. A existência de dano moral leva em conta o comportamento médio das pessoas e não os extremos de suscetibilidade, como bem realçado em julgado do Tribunal da 15ª Região, em que se registra o seguinte: "...no seio da ex-empregadora, por ocasião de datas comemorativas, havia utilização de indumentária típica alusiva à ocasião, utilização esta sem qualquer imposição patronal, a qual não tinha outro objetivo senão à de integração dos próprios trabalhadores. Tanto que eram fornecidas livremente comidas e bebidas, bandas de música, etc. nessas ocasiões, tudo por conta da empregadora, e onde se realizavam disputas internas para se chegar à qual dos grupos (ilha) era atribuída a vitória, desta resultando apenas prêmios motivacionais (Patrícia – f. 41), sem qualquer menoscabo aos vencidos. Destarte, ainda que a sensibilidade da laborista possa ser mais acentuada do que a da média das demais pessoas, do que não se tem qualquer prova, porém, nem assim se vislumbra dano à sua moral, pois não se comprovou que a utilização de fantasias nas referidas ocasiões especiais o fossem por intransponível imposição patronal. Nem que da recusa desencadeasse perseguições ou desprestígio a futuras promoções, como alegado. Nem mesmo se mostra razoável, igualmente, que a preconizada utilização a tivesse exposto social e intimamente ao ridículo. Portanto, com todo o respeito, não se vislumbra qualquer dano ao patrimônio moral da obreira; e sem ele não há indenização (CC, artigo 186 e 927/954)" [27].