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Novas tecnologias e a sustentabilidade do sistema tributário

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24/12/2011 às 07:59
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5 QUESTÃO FUNDAMENTAL

Tudo o que é novo causa certa apreensão e cautela por parte das pessoas. Principalmente quando a mudança é substancial. Assim deve ser encarado o surgimento da internet. Ocorre que a internet não está nascendo, mas já está amplamente difundida e, por parte do legislador, pouco foi feito. Em matéria tributária, quase nada.

Assim, uma vez que o sistema atual (rígido e tradicional) em nada se atualizou, é certo que este estará cercado de dificuldades, tanto em qualificar, quantificar, identificar e fiscalizar a arrecadação de tributos originados no comércio eletrônico.

Especialistas já apontam, com bastante clareza, que diversos impostos sofrerão problemas "preocupantes" no momento da subsunção do fato a norma. Segundo Portella (2007, p. 67), os tributos desvinculados como o IR, PIS, COFINS, ICMS, ISS, II, IE, IPI e IOF apresentarão dificuldades de especificar a natureza do bem, a quantia recebida, o momento do pagamento, o lugar, etc.

Em suma, de acordo com o mesmo autor:

O estudo do controle tributário do comércio eletrônico encontra-se em uma encruzilhada de dilemas que envolve a otimização dos procedimentos tributários, a luta contra a potenciação dos métodos de evasão fiscal, a garantia de desenvolvimento da internet e das práticas mercantis que a mesma abarca, assim como a aquisição dos meios para o financiamento dos gastos públicos.(PORTELLA, 2007, p. 67)

Portanto, não é simples o desafio de adaptar o modelo atual ao comércio eletrônico. Trata-se da necessidade de remodelar um sistema rígido, burocrático e tradicional, que morosamente se adapta as novidades tecnológicas. As questões levantadas pela internet originam uma série de novas perspectivas para a aplicação dos regimes fiscais.

Infelizmente, para a maioria dos doutrinadores, tais mudanças são encaradas apenas como o levantamento de problemas já existentes, apenas enfatizados com o surgimento da internet, e que não merecem muita atenção. Porém, é consenso dos estudiosos do tema que existem três situações importantes que surgem com o novo meio: a) detecção das operações telemáticas, b) identificação dos fatores que participam em tais operações e c) arrecadação dos tributos.

5.1 LIMITES DE ADEQUAÇÃO

O Fisco está, em virtude dos mais diversos fatores, cercado de limites à sua vontade de arrecadar. A internet veio aumentar essas limitações ao poder tributar. Conjugando-se o modelo do sistema tributário tradicional em contraposição com a onda de novidades que a internet está inserindo no dia-a-dia da sociedade, é de se verificar que o Estado terá sérias restrições e dificuldades em manter seu sistema equilibrado, comprometendo ainda mais as bases do já frágil e decadente modelo atual.

A arquitetura aberta e global da internet e o potencial de não identificação dos sujeitos envolvidos são empecilhos ao controle desse meio, resultando em sérios riscos e problemas jurídicos, principalmente relacionados ao Direito Tributário.

Conforme Emerenciano (2003, p. 66), são inúmeras as novas questões no campo da tributação, "geradas pela inadequação dos conceitos legais existentes, diante das novas realidades fruto das operações possíveis de serem realizadas pela internet". Segundo ele, já existe uma preocupação bastante relevante acerca das transações virtuais relativas a produtos físicos e digitais, dos serviços específicos baseados na internet, da localização do servidor, do lucro obtido no exterior, da dupla tributação e do futuro do ICMS, ISSQN e no Imposto sobre a Exportação e Importação.

De acordo com alguns analistas, o comércio eletrônico e a prestação de serviços realizados via internet podem, no futuro, via a colocar significativas dificuldades para os sistemas tributários nacionais. Isso ocorreria porque a expansão do comércio eletrônico tende a tornar mais difícil e complexa a arrecadação de impostos pelos governos (BARROS, 2003, p.37)

Cumpre destacar que a grande dificuldade da doutrina refere-se ao comércio de bens digitais, intangíveis, que circulam por meio de bits. É certo que os bens tangíveis, materiais, negociados com o auxílio da rede em pouco alteram os conceitos até hoje existentes.

5.1.1 Desenvolvimento do meio

É notório e de fácil percepção que a internet é um conglomerado internacional de relações jurídicas entre pessoas ligadas mediante o uso de uma rede de computadores. Sendo de abrangência global, ao legislador brasileiro cabe também a tarefa de seguir as tendências internacionais, sob pena de ficar excluído deste novo nicho de mercado.

Como já visto acima, ao contrário da tendência histórica brasileira, a União Européia, bem como os Estados Unidos da América, optaram por um modelo de relaxar a carga tributária sobre este setor, a fim de proporcionar mais rapidamente sua evolução.

Tal isenção tem um objetivo lógico e extremamente essencial no futuro da sociedade globalizada, que é a de propiciar que seu povo esteja inserido na Sociedade da Informação e seja capaz de nele atuar. Se o futuro do planeta é a informação, é fundamental incentivar as pessoas a mergulhar neste novo mundo.

Assim também dispõe Olivo (2001, p. 27), enunciando que:

no processo de crescimento e expansão do comércio eletrônico é fundamental que a fiscalidade seja aplicada para garantir que o comércio eletrônico possa evoluir e atingir o seu pleno potencial em benefício da economia comunitária e promover níveis mais elevados de emprego.

É neste mesmo sentido que deve agir a sociedade brasileira, evitando a imposição de uma carga tributária que afaste investimentos e oportunidades de expansão na área. Em um estudo realizado por Goolsbee (PORTELLA, 2007, p. 56), conclui-se que "a aplicação do regime de imposição sobre compras eletrônicas reduziria o número de consumidores de bens virtuais em até 24%."

Ainda, não se pode ignorar que o Brasil necessita seguir as tendências internacionais para não se isolar e ficar defasado no mercado. Como o fenômeno da globalização prevê a união de todas as economias mundiais, é corrolário básico para o sucesso do meio a adoção das exigências mundiais sobre o tema.

Sendo assim, uma vez que as organizações internacionais privilegiam uma tributação moderada sobre a internet, sempre objetivando seu pleno desenvolvimento, tais enunciados também constituem um empecilho ao poder do Fisco.

Afora isso, é dispositivo expresso da Constituição que o Estado promoverá e incentivará o desenvolvimento científico (art. 218), isto é, um dos deveres governamentais é apoiar os novos meios. Tal preceito é fundamental para inserir o povo brasileiro na era da Informação, meta esta almejada pelas grandes potências mundiais.

5.1.2 Direitos Fundamentais

Os direitos fundamentais são algumas das ferramentas que os contribuintes têm para repelir a obrigação tributária. Portanto, o Fisco não pode ignorar que os direitos fundamentais são imperativos e devem ser observados.

As regras dos sigilos fiscais e bancários, da correspondência, das comunicações, dos profissionais, da privacidade, do domicílio, do direito de não produzir prova contra a sua pessoa, da alegação de constrangimento ilegal, etc., são algumas das hipóteses que limitam o poder de fiscalizar, muitas delas colocadas como direitos fundamentais do indivíduo e da coletividade (CF/88, art. 5). (ICHIHARA in FOLMANN, 2006, p .332)

Antes de o legislador partir para a tributação sistemática do comércio eletrônico, ele precisa sempre lembrar-se da função essencial do tributo em um Estado Democrático de Direito: libertar o homem de toda forma de submissão e de opressão, como a pobreza econômica, fraqueza física e enfermidades, falta de acesso a serviços fundamentais, falta de informação, analfabetismo, exploração por segmentos sociais e econômicos, marginalização social e cultural, exclusão digital, falta segurança e educação, etc.

O homem demanda por uma ordem tributária humanística, baseada nos mandamentos constitucionais de bem-estar e vida digna. Conforma afirma Lanari (2005, p. 150), "na estruturação desse novo direito tributário, a tributação do comércio eletrônico é um imperativo de justiça social". Segundo a autora, a tributação justa deve sempre levar em consideração a capacidade tributária, a neutralidade econômica e a equidade.

Afora esta busca pela dignidade da pessoa humana, também não pode o legislador ignorar a tendência internacional, não pode ir de encontro com os princípios e regras do atual modelo e, tampouco, impedir o desenvolvimento deste novo meio, como será visto abaixo. É dentro de todas estas limitações que caberá ao Estado a discricionariedade de optar por um modelo eficaz e justo.

5.1.3 Diretrizes internacionais

De acordo com o já exposto, é possível afirmar que somente com um consenso global sobre a tributação na internet, com a conseqüente uniformização dos tributos, será possível elaborar um sistema tributário capaz de garantir a manutenção dos princípios e a aplicação ou adaptação de normas e conceitos já consagrados ao fenômeno do comércio eletrônico.

Por isso, é impossível o Estado brasileiro ignorar os dispositivos internacionais, principalmente aqueles propostos por entidades como a OECD e a OMC.

Ocorre que as disposições internacionais prezam pelo desenvolvimento do meio e pela justa tributação, indo de encontro com a política nacional de imposição de tributos cada vez mais onerosos. Desta forma, surgem apenas duas situações ao Estado: 1) seguir a dinâmica global e se inserir no mercado eletrônico, desonerando o contribuinte ou 2) isolar-se no desenvolvimento deste mercado e tributar de maneira pesada os internautas, desestimulando a evolução do meio.

5.1.4 Revolução de Conceitos

A internet traz a tona mudanças no modus operandi do Direito, introduzindo novos modelos, conceitos e paradigmas. Em contrapartida, o Direito Tributário continua estruturado em uma base sólida, conservadora e limitado pelos mais diversos princípios do direito. As normas tributárias, como já visto, foram elaboradas sobre fatos fisicamente perceptíveis, devidamente tipificadas, estabelecendo-se sobre determinado tempo, espaço, forma e sujeitos tangíveis.

Acontece que, com o surgimento de conceitos, formas de utilização e produtos não especificados em qualquer texto normativo brasileiro, deixou ao intérprete uma lacuna estrutural, que resulta em certa margem de discricionariedade. Percebe-se uma profunda inadequação dos meios em face das hipóteses de incidência, uma vez que os conceitos utilizados geram dúvidas quanto à abrangerem, ou não, o comércio eletrônico.

Alguns doutrinadores, de maneira mais radical, já expõem que não há como tributar os novos modelos de comércio ditados pela internet, veja:

Quaisquer atividades e transações que hoje ocorrem no âmbito da internet não são tributáveis, no Brasil, pelos impostos ora conhecidos relativos à produção e circulação, pela falta de expressa previsão legal, importando assim em hipótese de não-incidência tributária. (OLIVO, 2001, p. 36)

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Ocorre que são poucos os que assim se posicionam. Porém, é bastante difundido que, em casos não muito raros, existe a impossibilidade legal e fática de tributação nos moldes atuais. Tal ocorrência pode ser constatada, por exemplo, no download de músicas de um CD (Compact Disc). O que tradicionalmente seria tributado pelo ICMS agora não mais constitui hipótese de incidência.

Em sede de comércio eletrônico direto pode não existir a transferência de mercadoria ou produto ou serviço, tampouco existir um local físico identificável. O momento da concretização da operação também é mitigado, bem como a identificação das partes envolvidas.

Essa inadequação de conceitos e modos de operação prejudica a subsunção do fato à norma, pela inexatidão conceitual que a internet traz. Além do mais, ainda que em um esforço imaginário fosse possível encaixar algum tributo sobre determinada operação on line, um novo e gigantesco obstáculo surgiria: como fiscalizar e arrecadar tal tributo.

5.1.5 Rigidez do modelo tributário nacional

A maior barreira que o Direito enfrenta para poder tributar as operações realizadas por meio do comércio eletrônico é o próprio Direito. Muito embora a sociedade esteja sufocada pela carga tributária, é na lei que as pessoas possuem sua maior defesa. É verdade que influências internacionais, princípios gerais e exigências do mercado constituem uma das forças adversárias do Fisco, mas é no rígido sistema legislativo que ele enfrenta seu maior percalço.

A obrigação de pagar um tributo está subordinada a existência de previsão legal. Somente aquilo que está tipificado por ser tributado. Ainda, uma vez tipificado, tais mandamentos devem seguir uma série de preceitos para assegurar sua constitucionalidade.

As circunstâncias da chamada Nova Economia, mormente a definição das redes de computadores, em especial a internet, como espaço de intercâmbio e interação, com a conseqüente transposição para esse ambiente da sede do comércio internacional, ameaçam as fórmulas tradicionais de tributação, que são adequadas à economia da era industrial, de produção e consumo de bens corpóreos, de comércio realizado em local identificável. (...) Com a realização de negócios inteiramente no ciberespaço, sem recibos e sem vestígios, resta dificultado, se não impossibilitado, qualquer tipo de fiscalização, com comprometimento da eficiência do sistema e da arrecadação. (LANARI, 2005 p. 123)

De acordo com Lanari (2005, p. 243), "o Direito Tributário e os princípios gerais de tributação constituem um manto protetor dos contribuintes, que impede que o ato de soberania estatal se transforme em autoritarismo fiscal". Como já visto, somente um fato abstratamente previsto pode ser tributado.

A grande questão é que, como o modelo atual é conservador e não especifica de maneira clara as inovações trazidas pela internet, muito dos fatos oriundos do comércio eletrônico não podem ser tributados. Cada um dos aspectos da hipótese de incidência será afetado, descaracterizando muitas situações antes tributáveis.

5.1.5.1 Sujeito Passivo

Novas tecnologias fazem nascer novas formas de burlar o Fisco. Assim também é com a internet. Criar pessoas virtuais anônimas, sem um correspondente físico, em cybercafés ou em lan houses é algo que qualquer adolescente pode fazer. Uma vez criada esta pessoa virtual, ela será capaz de realizar as mais diversas operações jurídicas, entre elas aquelas com relevância tributária.

Este cenário é qualificado como "melindroso" por Lanari (2005, p. 129), explicando que esta questão de difícil solução "refere-se à identificação dos usuários da internet e, por conseguinte, do sujeito passivo da obrigação tributária".

Esta facilidade de "esconder-se" na internet é própria da estrutura da rede, criada de maneira aberta, a fim de que os dados contidos em um ponto não se percam para o resto dos envolvidos. Portella (2007, p. 96) afirma que o "anonimato é uma das principais características da internet". Segundo ele, comprar, vender, realizar transações bursáteis ou prestar serviços implica, em muitos casos, "em não ter o mínimo conhecimento a respeito da identidade dos indivíduos com os quais se negocia". Ainda, outra hipótese perfeitamente possível é uma criança se fazer passar por um sujeito capaz e realizar transações vultosas.

Além da dificuldade de identificação dos sujeitos, surgem também problemas como as pessoas estabelecidas em paraísos fiscais e as técnicas de encriptação. A encriptação, em face de suas amplas possibilidades de causar danos ou crimes, é restringida em vários países, inclusive no Brasil. Porém, a pirataria permite a utilização destes meios obscuros em qualquer estabelecimento.

Em suma, não identificado o sujeito passivo, não há como tributar e, novamente, o Fisco fica prejudicado. Por fim, também é possível verificar que uma das grandes conseqüências trazidas pelo comércio eletrônico é a eliminação de intermediários para a realização de negócios. Portanto, significa a eliminação de substitutos e responsáveis tributários, bem como colaboradores do Fisco.

5.1.5.2 Aspecto Temporal

A determinação do tempo da operação terá conseqüências na fixação do período impositivo, como do momento do pagamento dos distintos impostos. A definição do momento da transação eletrônica é possível, mas o maior problema ocorre na manipulação destes dados.

Conforme afirma Portella (2007, p. 90), "há sistemas eletrônicos que permitem informar o instante exato de uma compra e venda telemática, mas com a mesma facilidade pode-se manipulá-la".

A falta de segurança jurídica configura-se como o principal problema trazido pela internet ao aspecto temporal. A solução seria adotar um sistema global que não permita tais alterações, mas em se tratando de ambientes virtuais, descobrir uma ferramenta capaz de manipulá-la é mera questão de tempo.

5.1.5.3 Aspecto Espacial

A definição do lugar onde se realiza uma determinada transação eletrônica tem sido seguramente uma das questões que mais preocupam governos e entidades internacionais.

Nas palavras Cezaroti (2005, p. 140), o "primeiro problema com o qual nos deparamos é a identificação do estabelecimento onde ocorreu o fato gerador do imposto". Da mesma forma que na determinação do sujeito passivo, a determinação do local da operação é bastante dificultada pelos meios eletrônicos.

O tamanho do problema é fácil de ser identificado por um exemplo concreto: imagine-se um empresário conectado à internet por meio de seu laptop, dentro de um trem de rota internacional, fechando um negócio de prestação de serviços com um adolescente situado em uma lan house. Como se determinará o aspecto espacial desta relação?

Pela legislação vigente, não há como enquadrar referida situação, pois, conforme anuncia Ataliba (2006, p. 105) "um determinado fato, ainda que revista todos os caracteres previstos na hipótese de incidência, se não se der em lugar nela previsto implícita ou explicitamente, não será fato imponível". Resumindo, não determinará o nascimento de nenhuma obrigação tributária.

Não é possível enquadrar um exemplo como este em um local físico, por isso a necessidade da legislação tributária evoluir. Tal fenômeno gera preocupação na doutrina, e logo passará a incomodar o Fisco, veja:

Certas circunstâncias relacionadas ao comércio eletrônico, em si considerados, também trazem conseqüências para a operacionalidade dos sistemas tributários. Uma delas é a identificação do lugar de ocorrência do fato gerador de uma operação tributável. (LANARI, 2005, p. 128)

A questão fundamental é saber onde se localizam os diversos fatores que interagem numa determinada transação. A Internet potencializa as possibilidades de manipulação dos requisitos normativos existentes nos distintos países para a identificação da sede da empresa. De acordo com Portella (2007, p. 87), "tanto o critério do lugar da constituição dos bens, como o critério do domicílio social abrem grandes possibilidades para a realização de fraudes".

Para solucionar-se este problema será necessária a concentração de esforços para investigar onde estão localizados os diversos fatores que intercedem na relação, fato este que está longe de ser alcançado, pois será preciso uma cooperação internacional e uma nova rede de controle das operações eletrônicas para que seja possível a troca de informações tributárias relevantes.

5.1.5.4 Aspecto Qualitativo

É neste aspecto que o Fisco enfrentará a maior dificuldade em identificar e captar o tributo. O aspecto qualitativo é o fato ou o ato que acarreta na obrigação de tributar. Ocorre que o sistema tributário está calcado em atos fisicamente perceptíveis. Em nenhum momento foi previsto a transferência on line de bens.

Essa é conclusão dos mais diversos estudiosos do tema, cujas idéias podem resumidas na conclusão de Portella (2007, p. 70):

Os problemas específicos relacionados com a identificação do objeto numa relação mercantil pela internet, com explícitas implicações sobre o regime tributável aplicável, referem-se a) às dificuldades na classificação dos produtos telemáticos em bens ou serviços; b) às dificuldades relativas à natureza jurídica do software; c) às questões relativas à classificação de determinados serviços que não existiam antes da chegada da rede e que são específicos deste ambiente; d) aos problemas relativos à natureza jurídica da internet enquanto serviço de comunicação ou de informação.

São inúmeros os exemplos concretos que apresentam características inovadoras para o direito tributário. Surgem problemas na identificação do objeto da transação eletrônica, na classificação dos produtos telemáticos em bens ou serviços, natureza jurídica do software enquanto obra de arte, científica ou técnica, classificação de determinados serviços específicos do ambiente telemático, natureza jurídica da internet enquanto serviço de comunicação ou informação, natureza da contraprestação, download de produtos digitalizados e compra de produtos digitalizados para sua exploração, hospedagem de páginas virtuais e armazenamento de dados, teletrabalho, assessoramento profissional, subscrição de acesso à páginas interativas e fornecimento de informação, entre outros casos que já fazem parte do cotidiano do cidadão.

Um esforço bastante grande deverá ser feito para enquadrar conceitos como gerar renda, importar, exportar, industrializar, circulação de mercadoria, etc., no âmbito virtual, pois estes estão calcados em situações fisicamente perceptíveis e palpáveis. Nas palavras de Barros (2003, p. 96), em alguns casos, "é difícil definir se o bem transacionado via Internet é uma mercadoria ou serviço ou discriminar devidamente os diferentes serviços prestados, quando a venda ser faz sob a forma de pacotes".

Um exemplo bastante atual e que já demonstra como o Fisco terá problemas para arrecadar determinados tributos pode ser visto no caso do ICMS, que supostamente incidiria sobre os Provedores de Internet. Como já visto, é um novo produto que surge, rompendo conceitos, que impede a sua tributação.

Além da problemática de enquadrar as operações derivadas da internet, devido à ausência de previsão legal, a fiscalização será dificultada em face da agilidade e dinâmica do meio, que permite a realização de negócios que deixam poucos vestígios. A ausência de intermediários diminui substancialmente a possibilidade da Receita cruzar dados e identificar fraudes e sonegações fiscais.

5.1.5.5 Aspecto quantitativo

Para se chegar ao aspecto quantitativo do tributo deverão ser determinados todos os aspectos acima relacionados. Uma vez identificados, será possível atribuir-lhes uma valoração econômica. Segundo Portella (2007, p. 90), é importante para a determinação do aspecto quantitativo definir a) a natureza do objeto, b) o valor efetivamente pago, c) a determinação da alíquota, d) o regime de isenção e e) o pagamento eletrônico.

A relevância do objeto da transação se reflete na determinação da base de cálculo, na averiguação da alíquota e no regime de isenção. Identificar um objeto para saber se trata-se de uma consulta médica, um programa de computador ou uma obra de arte, terá repercussões na valoração do tributo.

Com relação a valoração dos objetos resta dificultada em face da negociação, que é bastante comum na internet, de dois ou mais produtos complementares, pois o problema estaria em determinar qual seria a quantia paga pela aquisição de cada um dos objetos contratados.

Já a definição das alíquotas passa diante da necessidade de classificar os objetos da transação eletrônica, pois serviços ou bens possuem diferentes tabelas de mensuração. O regime de isenção, além do problema de classificar a relação, tem o obstáculo da definição dos sujeitos da relação.

Por fim, o pagamento eletrônico levanta outra questão relevante: em muitos casos os cartões eletrônicos não deixam margem a que se efetue o procedimento de inspeção, já que esta modalidade de pagamento nem sempre obriga o registro dos movimentos efetuados, ou o arquivamento dos dados relativos aos mesmos.

Todas as questões acima se somam as demais dificuldades trazidas com o advento da internet para o Direito Tributário, que culminam na impossibilidade de identificar a obrigação tributária, constituir um crédito e exigir o tributo do cidadão.

5.2 INSUSTENTABILIDADE E NECESSIDADE DE REFORMA

A arrecadação do Estado, da maneira que está estruturada, se confrontada com a definição de sustentabilidade, não possui vários de seus requisitos, entre eles as bases sólidas, estáveis, duradouras e, muito menos, seguras. É de se concluir que o modelo atual poderá sofrer um colapso, por isso é insustentável.

Conforme o cenário até agora delineado, pode-se extrair algumas afirmações acerca do modelo tributário nacional:

i-a carga tributária recai fortemente sobre a população consumerista;

ii-os desvios de dinheiro público e a corrupção consomem parte da arrecadação;

iii-existe uma necessidade cada vez maior de arrecadação;

iv-o Estado deve respeito à rigidez da legislação tributária;

v-e também respeito aos direitos fundamentais do cidadão;

vi-o tributo deve ser utilizado na busca da dignidade da pessoa humana.

O Fisco já padece de sérios problemas, como a necessidade cada vez maior de arrecadação e o sufocamento da população consumerista. Isso, por si só, já justifica a insustentabilidade. As relações virtuais apenas aceleram o comprometimento e a urgência de reforma do atual modelo.

Com a internet, como já visto, é certa a queda na arrecadação, a qual será cada vez maior se considerado que o potencial do comércio eletrônico ainda não se encontra totalmente explorado. Por isso, conforme afirma Lanari (2005, p. 240), "as operações eletrônicas com intangíveis representam um grande desafio às Fazendas Públicas". É opinião majoritária entre os doutrinadores que o Fisco terá que se adequar aos novos meios, criando novos modos de arrecadação e fiscalização, sob pena de sofrer conseqüências desastrosas nos cofres públicos.

A sustentabilidade do sistema tributário, em face do comércio eletrônico direto, será agravado pelos seguintes motivos:

i-o Estado deve adotar as tendências internacionais;

ii-é certa a massificação da internet;

iii-necessidade de estimular o desenvolvimento do meio;

iv-dificuldade de adequação da relação virtual aos aspectos qualitativos, pessoais, temporais e quantitativos da norma tributária;

v-impossibilidade de fiscalização sem irromper direitos fundamentais.

Por tais motivos, está devidamente fundamentada a insustentabilidade do modelo atual, cujas conseqüências, embora pareçam distantes, já são sentidas em alguns setores da economia. Um exemplo gritante e capaz de bem elucidar o presente estudo está na telefonia e nos bens digitais, que serão melhores estudados abaixo.

5.2.1 Telefonia

Não obstante todas as afirmações feitas até aqui parecem dar conta de um futuro não tão próximo, o cenário não muito animador prospectado neste estudo já está em pleno desenvolvimento.

A diminuição na tributação logo poderá ser percebida no setor da telefonia. É sabido que estas empresas são umas das maiores arrecadadoras de ICMS dos Estados. As empresas de telecomunicações arrecadaram, somente no Estado do Paraná, quase R$ 960 milhões no ano de 2006, o que corresponde a 13,89% do total arrecadado pelo Estado, ficando atrás somente das indústrias (31,32%), comércio (22,46%) e das fornecedoras de energia (15,18%) [05].

Sendo assim, devido às vantagens da "comunicação" via internet, utilizando-se de ferramentas como o VOIP, Windows Messenger, Skype, entre outros, é certo que um número cada vez maior de pessoas, principalmente aquelas que se utilizam diariamente de ligações a longa distância, irão migrar para esse novo meio.

Esta nova tecnologia proporciona, além da vantagem do uso da WebCam, ou seja, ainda que precariamente, é possível visualizar a pessoa que está no outro lado da ligação, está o fato de que é mais economicamente viável. Isso porque, uma vez que se utiliza da Internet, não constitui um serviço de comunicação, caracterizando-se apenas por uma troca de informações. Devido a esta característica, não há a incidência do ICMS, tornando-o menos oneroso.

A conversa por meio da Internet nada mais é do que o envio de dados de um computador ao outro, assim como o download de arquivos. Esta característica peculiar afasta a hipótese de incidência do ICMS, pois seu critério qualitativo fora afetado, descaracterizando-o.

Ainda não existe um manifesto receio por parte do Fisco, bem como das empresas de telecomunicação, devido ao baixo índice de pessoas que utilizam esta tecnologia. Mas é certo que haverá um crescimento do meio, e logo haverá um movimento para regular estas novas formas de comunicação. Enquanto isso, uma queda gradual de lucros começará a afetar os setores envolvidos com a telefonia, bem como uma diminuição, ainda que sutil, na arrecadação.

5.2.2 Bens digitais

Atualmente, é comum jovens, crianças e adultos deslocarem-se até seus computadores para divertirem-se operando jogos, realizando pesquisas, ouvindo música, desenhando ou implementando atividades dessa natureza, sem receber qualquer adimplemento por estes procedimentos, não se configurando uma prestação de serviços, uma vez que não se identifica um ato positivo, material ou não, do devedor em benefício ao credor.

"Nem mesmo na utilização de bases de dados encontra-se presente a prestação de serviços", afirma Emereciano (2003, p. 172). Levando-se em comparação com o conceito de bem digital, que é um bem móvel sujeito ao regime dos direitos autorais, com o da prestação de serviços, que exige uma obrigação de fazer, conclui-se que este não pode ser tributado pelo ISS.

O bem digital deve ser negociado mediante contratos de licença de uso, cessão de direitos e contrato de locação, não incidindo, assim, o imposto denominado de ISS.

Tal entendimento vem sendo corroborado com a posição adotada pelo Superior Tribunal de Justiça sobre o conceito de prestação de serviços, conforme decisão prolatada no RE 116.121-3/SP, DJ de 25.05.2001, do Relator Ministro Celso de Mello, veja:

TRIBUTO – FIGURINO CONSTITUCIONAL. A Supremacia da Carta Federal é conducente a glosar-se a cobrança de tributo discrepante daqueles nela previstos.

IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS – CONTRATO DE LOCAÇÃO. A terminologia constitucional do Imposto Sobre Serviços revela o objeto da tributação. Conflita com a Lei Maior dispositivo que imponha o tributo considerado contrato de locação de bem móvel. Em Direito, os institutos, as expressões e os vocábulos têm sentido próprio, descabendo confundir a locação de serviços com a de móveis, práticas diversas regidas pelo Código Civil, cujas definições são de observância inafastável – artigo 110 do Código Tributário Nacional.

Diante deste julgado pode-se chegar à conclusão de que a única possibilidade de incidência do ISS é sobre uma obrigação de fazer, vedada a ampliação por força da repartição de competências. Sendo assim, os bens digitais, da forma acima expostas, comportam apenas um "permitir", mas nunca um "fazer", não incidindo assim o tributo.

Esta é a conclusão de Emereciano (2003, p. 175), que enuncia que é "inexorável que os bens digitais, quando objeto de cessão de uso ou em seus modos de fruição, não estão sujeitos à incidência do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza".

Embora menos gritante que o exemplo da telefonia, acima exposto, a não incidência do ISS sobre estas relações on-line configura, na certa, uma tendência de queda da arrecadação. É certo e previsível a migração cada vez maior das pessoas para este tipo de entretenimento. Com o aumento destas atividades, a sociedade irá usufruir menos de espaços tradicionais, como cinemas, bares, parques, praças, etc., passando a consumir menos, uma vez que não estarão expostas à oferta dos mais variados produtos.

Isso representará uma queda gradativa e constante na arrecadação por meio do ISS, que a longo prazo poderá comprometer o Estado, reforçando a sua insustentabilidade e necessidade de reforma do sistema tributário.

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Sobre o autor
Kristian Rodrigo Pscheidt

Professor em Direito. Mestre em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (2014). Especialista em Teoria Geral da Norma e Interpretação pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET/SP). L.L.M em Direito de Negócios pela FMU (2014). Especialista em Direito Tributário pelo Centro Universitário Curitiba (2010) . Graduação em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (2008). Graduação em Jornalismo pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (2004). Advogado no S. B. Lewis Advogados & Consultores (www.lewis.adv.br)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PSCHEIDT, Kristian Rodrigo. Novas tecnologias e a sustentabilidade do sistema tributário. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3097, 24 dez. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20699. Acesso em: 25 abr. 2024.

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