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Novas tecnologias e a sustentabilidade do sistema tributário

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24/12/2011 às 07:59
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6 PROPOSTAS DE SOLUÇÕES

Talvez a maior decepção para o leitor interessado no assunto da tributação das relações virtuais é, ao chegar no final de uma obra, verificar que são traçados apenas esboços sobre o assunto. São raros os doutrinadores que ousam prever ao apontar soluções para a sustentabilidade do sistema.

Tal receio justifica-se pela novidade e dinâmica do tema, pois a cada instante os conceitos modificam-se, transformam-se e se reestruturam, mudando teorias e idéias antes consolidadas.

Assim foi com o provedor de acesso à internet, por exemplo, o qual era dado como certa a incidência do ICMS sobre tais empresas, em face da prestação de serviços de comunicação. Porém, em um curto espaço de tempo, foram consolidadas novas teorias e, conseqüentemente, a incidência do referido imposto caiu por terra.

Devido a estas evoluções, que estão cada vez mais constantes e rápidas, é praticamente impossível tecer uma linha ideal, tanto na teoria como na prática. Sendo assim, somente o tempo poderá dizer qual das correntes doutrinárias se sobressairá sobre as demais. Diante disso, o presente estudo não irá apontar a solução mais correta, mas sim apresentar as idéias mais coerentes e viáveis, deixando ao leitor tirar suas próprias conclusões.

A única conclusão unânime na doutrina é enunciada por Barros (2003, p. 97) como sendo a necessidade de "formulação de novos conceitos jurídicos, adequados à também nova realidade criada pelo surgimento da Internet, e a conseqüente alteração de provisão constitucionais".

Emerenciano (2003, p. 70) enuncia que existem dois grandes grupos: um primeiro entendendo que não devem ser criadas novas figuras tributárias, mas sim preservar as estruturas existentes; e outro defendendo que é preciso revisar conceitos fiscais tradicionais, para adaptá-los a realidade emergente. Entretanto, Finkelstein (2004, p. 129), bem como Portella (2007, p. 110), apontam um terceiro grupo, que entende que o mercado se regulará sozinho, pela denominada Lex mercatoria.

São essas as três principais e mais difundidas correntes doutrinárias acerca do tema, que serão descritas abaixo, sendo que todas seguem a premissa básica de que o Direito não pode ser visto como algo pronto e acabado, mas sim em constante adequação:

6.1 LEX MERCATORIA

A Lex Mercatoria pode ser definida como sendo o conjunto de regras e institutos concernentes ao comércio internacional comumente aplicados pelos mercadores, conscientes de que se tratem de regras de direito ou pelo menos que os outros contraentes se comportem observando as mesmas regras.

No comércio tradicional é comum a existência de organismos internacionais que passaram a ser responsáveis pela edição de regras gerais como, por exemplos, a Câmara de Comércio Internacional de Paris. Em face dos conflitos de jurisdição e soberania que as relações virtuais propiciam, seria bastante plausível que estes mesmos organismos passem a gerir tais atividades.

Em um mundo globalizado e integrado pela internet, é primordial a uniformização da legislação sobre seu funcionamento. Finkelstein (2004, p. 129) afirma que a aplicação da Lex Mercatoria para solver disputas de algumas questões em operações comerciais eletrônicas "pode vir a ser uma boa opção para dirimir tais conflitos", pois este meio está carente de regras e, face sua espantosa expansão, poderá culminar em um caos jurídico, travando a evolução do meio.

Ocorre que esses organismos internacionais vêem o comércio eletrônico como formas de incrementar o mercado, expandir investimentos e atrair capital. Além do mais, a história nos lembra que as regras ditadas pela Lex Mercatoria carecem de rigor técnico, são pobres de conteúdo, de difícil acesso e falta de previsibilidade, comprometendo um dos elementos basilares do Estado Democrático de Direito, que é a segurança jurídica. Desde 1622, quando Gerald Malynes compilou a primeira definição de Lex Mercatoria, a incerteza sempre preponderou sobre as referidas regras.

Mas nem por isso ela merece ser descartada. Enquanto as Organizações internacionais e as nações não chegam a um consenso, atualmente, ainda que de forma tímida, é a própria Lex Mercatoria que vem gerindo os negócios virtuais. Ora, inexistindo um código amplo e capaz de regular as situações concretas, os internautas vêm definindo os rumos do comércio eletrônico.

O comércio eletrônico já possui uma linguagem específica, é virtualmente cursado via internet, detém tecnologia própria e condições de ter amplitude muito maior que as operações comerciais internacionais. No futuro próximo, com a consolidação das atuais práticas comerciais, assim como a fixação de normas internacionais costumeiras para definir novas figuras ou normas contratuais, será possível criar pelo uso, uma e-lex-mercatoria. (FINKELSTEIN, 2004, p. 134)

Porém, no âmbito tributário, tais ponderações são preocupantes. Em troca do desenvolvimento do mercado, da evolução tecnológica e econômica, a lei do mercado minimamente irá se preocupar com a arrecadação estatal. Melhor dizendo, a tributação das relações virtuais será a última preocupação do mercado, cada vez mais consumerista.

O comércio gira em torno do lucro, dos investimentos, das aplicações. O tributo é um obstáculo para seus objetivos e, por isso, é, na maioria das vezes, combatido e criticado. A consolidação da Lex mercatoria no comércio eletrônico poderá aprofundar ainda mais a previsão de colapso da arrecadação estatal.

Esta teoria sofre duras críticas das demais correntes, pois é dever do Estado interferir desde já neste novo meio, a fim de manter a sustentabilidade do sistema tributário, sob pena de falência. Lanari (2005, p. 152) afirma que não cobrar tributos das operações envolvendo o comércio tributário "implicaria na chancela da velha e odiosa repartição dos encargos tributários". Já Portella (2007, p. 129), afirma que esta teoria padece de exatidão pelo fato de que o leque de oportunidades geradas pelo meio "são suficientes para garantir um desenvolvimento satisfatório desta forma de comercializar".

Por tais motivos, não seria nesta modalidade de auto-regulamentação da internet que serão encontradas as melhores soluções para o problema da tributação na internet, pois o interesse de um será por demais preponderante sobre o do outro, desequilibrando o sistema.

6.2 FISCALIZAÇÃO E ATUAÇÃO INTENSIVA

A internet, se por um lado permite o anonimato e agilidade nas transações mercantis, fornece também ao Governo uma importante ferramenta de controle financeiro. Em um mundo no qual toda a riqueza circula por meio de computadores interligados, cartões de crédito e contas on line, é fácil e simples implementar um sistema capaz de controlar toda a movimentação financeira do contribuinte e, a partir disto, tributar suas movimentações.

Essa medida, por certo, iria aumentar a fama de autoritarismo e violação da privacidade das pessoas, mas iria solucionar muitos outros problemas gerados com a falta de arrecadação. Seria a flexibilização de alguns direitos em prol da sustentabilidade do sistema tributário.

Mas não bastaria apenas uma rígida fiscalização, como também é necessária a previsão legal de algum tributo prevendo esta forma de tributação. Este novo tributo deverá incidir sobre as operações comerciais realizadas pela internet, atendendo os anseios sociais de equidade interpessoal e internacional, eficiência econômica, neutralidade competitiva, aceitação internacional, eficácia fiscal, simplicidade, baixo custo operacional, certeza legal e flexibilidade para adaptação ao desenvolvimento tecnológico estrutural.

Esta proposta é criticada por vários autores, pois, conforme afirma Lanari (2005, p. 170), "não se deve admitir nenhum tipo de tributo exclusivamente para o ambiente da internet, em que pese a relativa facilidade de se instituir um bit tax [06]". Portella (2007, p. 135) corrobora tal entendimento, ao afirmar que "o Bit Tax, "ademais de ineficaz, apareceria como um entrave ao desenvolvimento do comércio eletrônico".

Ocorre que, como já visto, as diretrizes internacionais repudiam a criação de um imposto exclusivo para o comércio eletrônico. Tal forma de controle da internet permitiria, ainda, o fácil desenvolvimento da censura e controle dos acessos, isso sem falar na tão temida violação da privacidade e da intimidade dos internautas.

6.3 ADEQUAÇÃO DO MODELO TRADICIONAL

Aqui repousa a grande maioria da doutrina. O motivo para tal consenso reside no realismo dos estudiosos, pois é muito mais fácil acreditar na evolução progressiva da legislação do que em uma mudança radical no sistema, que é o que exigem as propostas acima elencadas.

O Direito, como já visto, possui uma ampla capacidade de adequar-se as novas situações. Tal evolução, segundo Braghetta (2003, p. 73), não possui nenhuma menção explícita na Lei Maior, mas "a tributação de comércio que se dê pela forma eletrônica, per se, não motiva nem impede a arrecadação de receitas das operações oriundas dessa novel relação mercantil com base nos moldes atuais".

Portella (2007, p. 137), defende esta teoria, pois, segundo ele, é a que mais se adapta aos princípios gerais de tributação eletrônica fixadas pelos organismos internacionais. Em suas palavras, "o mais adequado é optar pela aplicação do regime tributário vigente, com adaptações potnuais quando sejam imprescindíveis". De acordo com Lanari (2005, p. 241), "os ordenamentos tributários podem e devem ser adaptados às peculiaridades do comércio eletrônico, sem a necessidade de criação de nenhum tributo novo e exclusivo". Braghetta (2003, p. 137) também assim conclui:

Acreditamos que tanto as normas jurídicas de direito público interno como os conceitos tradicionais de fiscalidade internacional existentes são, ressalvados um ou outro aspecto, suficientes e adequados também para a tributação dessa nova maneira de circular mercadorias.

Nesta proposta de solução, será preciso unir esforços para identificar a escolha dos critérios de residência ou fonte nas operações telemáticas de âmbito internacional, a eleição pelo critério de tributação na fonte ou na residência ou na fonte de renda, a adoção de uma política financeira que privilegie o desenvolvimento do meio em detrimento da efetividade da fiscalização.

São igualmente defendidos os seguintes aspectos formais de controle tributário, sempre originados nos modelos materiais tradicionais vigentes, mas com certas adaptações:

a)estruturação das autoridades de controle de forma a estarem aptas as desenvolvimento de seu labor em ambiente telemático, como, por exemplo, estruturação de uma administração pública telemática, incorporação de técnicas telemáticas aos procedimentos de controle tributário, estruturação de um amplo sistema de intercâmbio de dados e preparação de recursos humanos qualificados;

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b)estabelecimento de uma sistemática de controle sobre os intermediários do comércio eletrônico, como a identificação e classificação dos intermediários e determinação das melhores estratégias de atuação sobre cada um dos grupos de indivíduos identificados.

c)Arrecadação dos tributos derivados do comércio eletrônico baseada na adoção de pagamentos eletrônicos, ampliação do sistema de contas correntes, agilização dos sistemas internacionais de transferência de fundos e no fomento e melhora dos programas inteligentes de auditoria.

Como se pode perceber, mesmo nesta modalidade de solução, existem radicais transformações que devem recair sobre o modelo tradicional, sob pena do mesmo padecer. Não será preciso refazer todo o corpo normativo atual, pois em muitas situações o comércio eletrônico já é passível de ser enquadrado dentro no sistema atual, mas certos conceitos precisam ser adequados.

As poucas críticas que esta teoria possui reside na rigidez e burocracia do sistema tributário atual, no qual uma mudança de tamanha monta poderá desfigurar a unidade e a ordem, criando conceitos contraditórios. Ainda, outra ferrenha crítica está no fato de que o Código Tributário Nacional não acompanha os parâmetros delineados pela Constituição de 1988, estando ultrapassado, e precisaria de uma reforma mesmo sem o surgimento e evolução da internet.


7. CONCLUSÃO

Não existe ainda um movimento político, econômico e social acerca do tema internet porque grande parte da população sequer possui acesso a um computador. Sendo assim, o impacto deste novo meio em todos os setores da economia ainda é mínimo, se comparado com países como Estados Unidos e os membros da União Européia.

Porém, este cenário está mudando rapidamente. Hoje, computadores estão sendo adquiridos de forma tão intensa quanto os televisores eram na década de 80. Isso resultará que, muito em breve, o computador se tornará um elemento essencial em cada lar brasileiro. Uma vez adquirido este equipamento, a massificação da internet ocorrerá de forma progressiva.

Assim sendo, a partir do momento em que a sociedade se conscientizar de que um computador tem um potencial muito maior do que uma simples máquina de escrever, o Sistema Tributário Nacional sofrerá um duro golpe na arrecadação.

Diante deste contexto, não existe discricionariedade suficiente do Direito Tributário capaz de abranger as novas formas de relação entre as pessoas, geradas pela internet. Portanto, a realização de mudanças é necessária. E é certo que elas ocorrerão, mais cedo ou mais tarde.

Ocorre que da mesma forma que certamente o Fisco criará formas de tributar as relações virtuais, os contribuintes conseguirão arrumar formas de sonegar. A própria estrutura da internet, que foi concebida de um modo que não possa ser controlada de um único ponto, acarretará na impossibilidade de controle absoluto sobre os usuários.

Aliado a isso, o Fisco fica também limitado devido aos elementos que o Direito criou, visando proteger os contribuintes. São princípios e regras que dificultam a ação do Estado sobre as pessoas. Soma-se, por fim, a influência internacional, que mitiga a soberania estatal e impede que este venha a agir da maneira que lhe convenha.

O grande dilema está em como efetuar estas mudanças. Historicamente o legislador vem optando por impor pesadas cargas tributárias sobre as novas tecnologias. Assim foi com a iluminação pública e as empresas de telecomunicações.

Porém, diante da internet, não é possível assim proceder. São questões internacionais que precisam ser obedecidas. Da mesma forma, o cidadão brasileiro consumerista não pode mais suportar um ônus ainda maior em matéria tributária. Criar novos tributos sobre o comércio eletrônico não resolverá o problema de arrecadação do Estado, mas somente comprometerá ainda mais o insustentável sistema tributário atual.

O atual modelo é insustentável, em face da carga tributária crescente que impõe às pessoas. Por causa da redefinição dos modos de operação gerada pela internet, o perecimento do sistema será acelerado. Evoluir se torna essencial, mas esse desenvolvimento não poderá acontecer da maneira que o legislador nacional é acostumado a fazer.

Não basta criar novos tributos. A escolha de um novo modelo deverá ser calcado na evolução da tecnologia, privilegiando-a. Somente assim será possível o nascimento de um sistema sustentável, sólido e eficaz.

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Sobre o autor
Kristian Rodrigo Pscheidt

Professor em Direito. Mestre em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (2014). Especialista em Teoria Geral da Norma e Interpretação pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET/SP). L.L.M em Direito de Negócios pela FMU (2014). Especialista em Direito Tributário pelo Centro Universitário Curitiba (2010) . Graduação em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (2008). Graduação em Jornalismo pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (2004). Advogado no S. B. Lewis Advogados & Consultores (www.lewis.adv.br)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PSCHEIDT, Kristian Rodrigo. Novas tecnologias e a sustentabilidade do sistema tributário. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3097, 24 dez. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20699. Acesso em: 25 abr. 2024.

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