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A responsabilidade civil por fato do produto ou serviço nas relações de consumo

24/12/2011 às 09:36
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O Código de Defesa do Consumidor é um divisor de águas em relação à interpretação do ordenamento jurídico. Se antes o consumidor, parte vulnerável da relação de consumo, estava desprotegido, atualmente ele conta com todos os recursos necessários para garantir o equilíbrio dessa relação.

1 INTRODUÇÃO

As mudanças ocorridas na sociedade trazem modificações, também, para o ordenamento jurídico, que tenta adaptar-se às transformações, de modo a não perder sua eficácia nem se tornar ultrapassado.

Desde sua criação, o Código de Defesa do Consumidor tem sido um grande colaborador para a atualização hermenêutica do ordenamento jurídico e uma referência para todas as áreas do Direito.

O presente trabalho tem por finalidade analisar como se dá o instituto da responsabilidade civil nas relações de consumo, quais foram as mudanças trazidas pelo Código de Defesa do Consumidor - Lei nº. 8.078 de 1990 - ao ordenamento jurídico brasileiro e quais são as novas formas de avaliar as relações consumeristas.

Será analisado, ainda, o Direito do Consumidor na Constituição Federal, a origem, os elementos, a finalidade, as hipóteses em que incidirá a responsabilidade civil e as regras e as exceções de aplicação da responsabilidade dentro dos acidentes de consumo.

Apesar de o conceito de consumidor e o de fornecedor estarem previstos no CDC, o legislador não definiu o de relação de consumo, "deixando o conceito em aberto justamente para lhe dar a maior amplitude possível" [01].

A relação de consumo deve ser composta por dois sujeitos, o fornecedor (art. 3º do CDC) e o consumidor (art. 2º do CDC). Caso esses sujeitos não estejam presentes, não poderá ser aplicado o Código de Defesa do Consumidor.

O conceito de consumidor pode suscitar dúvidas em relação ao significado do termo "destinatário final" utilizado no final do art. 2° do CDC. "Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final", esse é o conceito de consumidor standard ou strictu sensu.

Existem duas teorias acerca da definição do termo "consumidor", a teoria maximalista e a finalista. Para a primeira basta que o produto seja retirado do mercado para que aquele que o adquiriu seja compreendido como consumidor. Já para a segunda, para ser compreendido como consumidor não basta apenas que o sujeito retire um produto do mercado, é preciso, ainda, que ele seja o destinatário final daquele produto. Pode ser entendido como destinatário final aquele que consome, adquire, utiliza, esgota o produto adquirido para seu uso próprio, "e não para desenvolvimento de outra atividade negocial" [02].

A teoria pioneira, sem dúvidas, é a finalista. Contudo, há jurisprudências recentes que consideram a hipossuficiência e a vulnerabilidade daquele que adquiriu o produto, independentemente da finalidade que ele dê para esse produto, mesmo que seja uma finalidade profissional, ele será considerado consumidor.

De fato, não se pode comparar um taxista autônomo que trabalha em veículo próprio, com uma fábrica multinacional de veículos, sendo aquele vulnerável e hipossuficiente em relação a este. Logo, dependerá do caso concreto se será ou não aplicado o Código de Defesa do Consumidor.

Da mesma forma, aquele que vende sua única casa, propriedade de sua família, por motivos de mudança, por exemplo, sem intermediação de uma imobiliária, não pode comparar-se a uma imobiliária multinacional com vários empreendimentos.

O CDC, ainda em seu art. 2°, parágrafo único, equiparou a consumidor a "coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo". Esse consumidor por equiparação é também chamado pela doutrina de consumidor bystander.

Alguns elementos da relação de consumo e sua definição podem ser encontrados no próprio CDC. Segundo o art. 3 ° do CDC, fornecedor é "toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação e distribuição ou comercialização de produtos ou prestações de serviço".

Logo, o fornecedor pode ser o Estado, pois o artigo fala em empresas públicas ou privadas, devendo ser incluídas as concessionárias de serviços públicos. Os fornecedores podem ser, ainda, entes despersonalizados, ou seja, aqueles que, "embora não dotados de personalidade jurídica quer no âmbito mercantil, quer no civil, exercem atividades produtivas de bens e serviços" [03].

O conceito de fornecedor trazido pelo CDC já é bastante esmiuçado e auto-explicativo. O fornecedor, contudo, não pode figurar no outro pólo da relação de consumo, uma vez que lhe falta a vulnerabilidade. Logo, se houve uma negociação entre fornecedores, esta será regulada pelo Código Civil.

Existem três modalidades de fornecedores: os reais, são aqueles que integram o processo de criação, produção e fabricação do produto; os aparentes, são aqueles que "apõe no produto seu nome, sinal, marca" [04] e, por fim, os presumidos, como o importador, por exemplo, que, apesar de o produto ser de outro país, ele responderá por seus defeitos.

O art. 7º do CDC aduz que os direitos previstos no Código de Defesa do Consumidor não excluem outros direitos decorrentes de tratos internacionais ou mesmo da legislação interna, ou daqueles que derivem dos princípios gerais de direito, analogia ou equidade.

Como já foi explanado anteriormente, consumidor é o destinatário final do produto adquirido. Não sendo ele o destinatário final, e o produto utilizado para fins comerciais, ou no caso de relações entre fornecedores, a legislação aplicada será a do Código Civil, assim exemplifica Rizatto Nunes:

Vamos supor que José da Silva adquira um automóvel em uma concessionária. Ele é consumidor e a revendedora é fornecedora. A relação é típica de consumo. Isso trará uma série de direitos a José: a responsabilidade objetiva do fabricante em caso de vício e/ou defeito, declaração de nulidade de cláusulas contratuais abusivas, promessa prévia como integrante do contrato etc. Por outro lado, se José tivesse comprado o veículo de um amigo que queria vender seu automóvel para adquirir um novo, está relação estaria regulada pelo Código Civil, já que seu amigo não é considerado fornecedor [05].

A Lei nº. 8.078/90 será aplicada sempre que houver relação de consumo, não importando a área de Direito em que ela ocorra, estando os elementos da relação de consumo presentes, a legislação correta a ser utilizada é o Código de Defesa do Consumidor.

Para chegar a essa conclusão, é de suma importância a delimitação do conceito de consumidor, que pode ser encontrado no art. 2° da Lei nº. 8.078/90, pois não é suficiente que o indivíduo apenas retire o produto do mercado para ser entendido como consumidor, é preciso, ainda, analisar qual fim ele destinará à mercadoria adquirida.

Se a intenção precípua do Código de Defesa do Consumidor é restabelecer o equilíbrio de uma relação entre desiguais – consumidor e fornecedor – e a relação em questão for entre iguais, não havendo hipossuficiência nem vulnerabilidade, não há o que se falar em aplicação do CDC.

Também não serão regidas pelo CDC as prestações de serviço a título gratuito, ou seja, aquelas atividades em que não há lucro nem vantagem financeira para aquele que a exerce. Uma questão importante é o serviço aparentemente gratuito, neste "o fornecedor obtém algum interesse patrimonial no serviço, ainda que indireto", nesses casos será aplicado o CDC.

A responsabilidade civil que rege o Código Civil, em regra, é a subjetiva, e a exceção é a objetiva (exemplos: art. 37, §6º da CF/88 e o art. 927, parágrafo único, e os arts. 927, 932, 933 CC/02), exatamente o contrário do que ocorre no Código de Defesa do Consumidor, em que a regra é a responsabilidade objetiva, e a exceção é a subjetiva, como nos casos dos profissionais liberais.

O Código Civil será aplicado subsidiariamente no Direito do Consumidor, e, em caso de conflito, prevalecerá o que estiver disposto no Código de Defesa do Consumidor por ser lei especial em relação ao Código Civil.

A responsabilidade civil tem como escopo fazer que o indivíduo que foi lesado por um ato danoso volte ao seu statu quo ante, assim, surge para aquele que causou o dano a obrigação de indenizar, tornar indene o lesado.

No Código Civil de 2002, o instituto da responsabilidade civil tem grande destaque, seu art. 927 aduz que "Aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo". No referido artigo, podemos ver os pressupostos da responsabilidade civil: conduta, ação omissiva ou comissiva, praticada por um ser humano (e culposa - culpa em lato sensu no caso da responsabilidade subjetiva), nexo de causalidade (a ponte que liga a conduta ao dano) e dano.

No art. 927, caput, é possível identificar a responsabilidade subjetiva, pois expõe sobre o ato ilícito, o qual está definido pelo próprio Código Civil de 2002, em seu art. 186 [06]. Pode ser entendido por ato ilícito a violação de uma norma jurídica, de um "dever jurídico de não lesar" [07].

A partir do art. 186, pode ser visualizada a culpa, elemento necessário para que se configure a responsabilidade subjetiva, a qual é a regra geral do ordenamento pátrio, enquanto a responsabilidade objetiva é a exceção.

A conclusão é que foi adotada a responsabilidade objetiva como sistema geral da responsabilidade do CDC. Assim, toda indenização derivada da relação de consumo se sujeita ao regime da responsabilidade objetiva, salvo quando o Código expressamente disponha em contrário [08].

A responsabilidade no Código de Defesa do Consumidor é objetiva, ou seja, independe de culpa, "fundada no dever de segurança do fornecedor" [09], essa e se funda também na Teoria do Risco.

Para a Teoria do Risco, aquele que aufere lucro da atividade empresarial deve responder pelos ônus causados a essa atividade. Segue o brocardo Ubi emolumentum, ibi onus, que significa onde há ganho, há despesa. Existe ainda a Teoria do Risco Integral, segundo ela, o dever de indenizar está presente mesmo nos casos de excludentes da responsabilidade civil. Essa teoria não é utilizada, pois há casos de excludentes da responsabilidade civil no CDC, como os presentes no art. 12, §3° e no art. 14, §3° do CDC.

Ou seja, admite-se o risco, mas não um risco integral, que justifique a responsabilização mediante a mera relação de causalidade entre o fornecimento, ou a atividade do fornecedor, e o dano havido. Não, assim, uma causalidade pura, senão, antes, uma causalidade que agrega a necessidade de demonstração de um defeito do produto ou serviço. Uma ausência de qualidade, da qualidade devida [10].

A diferença entre a responsabilidade por fato do produto ou do serviço e a responsabilidade por vício do produto ou do serviço é que nesta há um defeito que causa o mau funcionamento do produto ou serviço. Já naquela há um defeito que se exterioriza causando dano ao consumidor que adquiriu a coisa defeituosa.

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Alguns doutrinadores criticam o termo "responsabilidade pelo fato do produto ou serviço" utilizado pelo Código do Consumidor por ter um "caráter estático, a lembrar da responsabilidade civil pelo fato da coisa presente na doutrina civil" [11] defendendo que o termo mais adequado seria "acidente de consumo".

Os produtos colocados no mercado devem ser seguros e adequados ao consumo. Caso não os sejam, e o defeito nele presente se exteriorize, ocorrerá a responsabilidade do fornecedor pelo fato do produto ou do serviço, ou, como utilizam alguns doutrinadores, um acidente de consumo.

A responsabilidade, aplicada no caso do art. 12, do CDC, que regula a responsabilidade pelo fato do produto ou do serviço, será claramente objetiva, uma vez que os responsáveis responderão independentemente da existência de culpa.

Uma exceção à responsabilidade objetiva ocorrerá no caso dos profissionais liberais, em que a responsabilidade se dará mediante a comprovação de culpa, segundo o art. 14, §4º, do CDC. A razão dessa exceção se dá, pois "os contratos intuitu personae, assim negociados, em regra são lastreados na confiança que se tem no conhecimento técnico do profissional" [12].

O profissional liberal, também chamado de profissional autônomo, é aquele que presta serviço pessoalmente e não tem subordinação em relação a quem contrata o seu serviço.

Não há discussão se a responsabilidade é contratual ou extracontratual no caso da responsabilidade por fato do produto ou serviço, pois essa terminologia será afastada. O que ocorrerá é uma responsabilidade legal, a responsabilidade pelo fato do produto ou do serviço. Em relação à classificação tradicional da responsabilidade contratual e extracontratual, "tem sido constante a obtemperação de que essa divisão se supera no campo consumerista" [13].

Sérgio Cavalieri Filho exemplifica a responsabilidade pelo fato do produto, com um caso verídico, ocorrido no Rio de Janeiro, a ação, nesse caso, foi considerada procedente, "uma senhora adquiriu um copo de geléia de mocotó de uma marca conhecida, abriu-o e, com uma colher, deu de comer a seus dois filhos, crianças de dois e três anos de idade. Horas depois as duas estavam mortas; a perícia constatou que havia raticida na geléia" [14].

Neste caso, o produto estava com defeito, caso o defeito fosse descoberto antes da ingestão, ele seria um vício do produto – por ser uma violação do dever de adequação do produto. Porém, como o defeito se tornou externo causando dano à vítima, será acidente de consumo – pois ocorreu uma quebra no dever de segurança. É possível compreender, por esse exemplo, como se dá a exteriorização do defeito do produto.

A definição de produto pode ser encontrada no próprio CDC, art. 3º, §1º. Produto é qualquer bem – tudo aquilo suscetível de apreciação econômica – móvel ou imóvel, material ou imaterial.

Em relação aos serviços, a Súmula nº. 297 STJ esclareceu sobre as instituições financeiras, entendendo que elas fazem parte da relação de consumo. E no Código há outras previsões, no art. 3º, §2º do CDC, "inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista".

O defeito, que se exterioriza e causa um dano, pode ser entendido como "falta, imperfeição, deformidade" [15]. Enfim, defeito é uma falha no produto oferecido ao fornecedor pelo consumidor, que não pode ser retirada sem que este produto perca sua finalidade. Contudo, sua definição é realizada pelo intérprete por ser um conceito jurídico indeterminado. "O caráter defeituoso do produto ou serviço, portanto, depende de uma valoração, cuja tarefa será do juiz" [16].

Existem três modalidades de defeito: a) o de concepção – em que o defeito ocorre na criação do produto, geralmente, é nessa espécie de defeitos que ocorre o recall; b) o de fabricação – ocorre na produção do bem, é uma "falha instalada no processo produtivo, mecânico ou manual" [17]; c) o de informação - pode ocorrer de o produto, por não ter informado sua correta utilização, ocasionar um acidente de consumo, como pode ser encontrado no final do art. 12, CDC.

O Código de Defesa do Consumidor traz alguns critérios para que se defina produto ou serviço defeituoso em seu art. 12, caput e §1º, I a III e, no art. 14, §1º, I a III. Os danos causados pelo defeito presente no produto podem ser morais ou materiais, estes afetam o patrimônio da vítima e podem ser contabilizados pecuniariamente, enquanto aqueles ferem a vítima na sua subjetividade.

Um dos direitos assegurados pelo consumidor é o da "a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais", como expõe o art. 6 º, VI do CDC. Em relação à cumulação do dano material e o moral, essa questão já foi pacificada pela Súmula nº. 37 do STJ: "São cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral oriundos do mesmo fato".

A regra é que aquele que alega deve provar suas alegações (art. 333 do CPC). Contudo, no Direito do Consumidor, poderá ocorrer a inversão do ônus da prova em favor do consumidor, se o juiz considerar sua alegação verossímil ou quando for o consumidor hipossuficiente para produzir tal prova.

O fornecedor tem para com o consumidor uma presunção do dever de segurança em relação ao seu produto. No caso supracitado, aquela mãe que deu a geleia de mocotó aos filhos supunha estar dando um alimento seguro. Esse dever de segurança é guiado pela Teoria da Qualidade e pelo Princípio da Confiança. Ressalta Antônio Herman Benjamin que "O dever de qualidade que a lei faz afeto ao fornecedor. A este se impõe o dever de garantir que o produto ou o serviço estejam em conformidade com o padrão de qualidade que assegure a justa expectativa, a confiança do consumidor" [18].

Destarte, o fornecedor tem o dever de colocar, no mercado, à disposição do consumidor, produtos e serviços seguros, sob pena de responder objetivamente pelos danos causados por seus produtos. Existe também o dever de que o fornecedor atenda à expectativa do consumidor em relação à utilização do produto, é o chamado Princípio da Confiança.

É o princípio da confiança, instituído pelo CDC, para garantir ao consumidor a adequação do produto e do serviço, para evitar riscos e prejuízos oriundos dos produtos e serviços, para assegurar o ressarcimento do consumidor, em caso de insolvência, de abuso, desvio da pessoa jurídica-fornecedora, para regular também alguns aspectos da inexecução contratual do próprio consumidor. [19]

Logicamente não há nenhum produto completamente seguro, por isso "o direito só atua quando a insegurança ultrapassar o patamar da normalidade e da previsibilidade" [20]. O dever de segurança do fornecedor perdura mesmo depois de adquirido o produto ou o serviço, por isso existem os recalls, expressão americana que, em português, significa "reconvocar".

No caso dos recalls, o produto já foi adquirido pelo consumidor, mas, por ser constatado defeito, o fabricante convoca esse consumidor para saná-lo antes que este se exteriorize, causando dano ao consumidor, ou, no caso de vício – em que só uma falha no dever de adequação do produto – o recall ocorre apenas para trocar o produto por outro adequado.

Contudo, existem produtos que, por sua natureza, trazem consigo um risco inerente. Um exemplo disso são os medicamentos tarja preta. Nesse caso, cabe ao fornecedor o dever de informar sobre tais riscos ao comercializar esses produtos.

A regra é que o fornecedor não responde pelos danos decorrentes do risco inerente, por não ser defeituoso um produto ou serviço nessas condições. Transferir as conseqüências dos riscos inerentes para o fornecedor seria um ônus insuportável; acabaria por inviabilizar o próprio fornecimento [21].

No art. 8° do Código de Defesa do Consumidor, podemos constatar os casos de risco inerente, in verbis "os produtos e serviços colocados no mercado de consumo não acarretarão riscos à saúde ou segurança dos consumidores, exceto os considerados normais e previsíveis em decorrência de sua natureza e função".

A responsabilidade pelo fato do produto ou do serviço será solidária (exceto no caso do art. 13), ou seja, responderão todos aqueles que concorreram para o dano. A responsabilidade solidária não pode ser presumida, deve estar em lei. E essa responsabilidade pode ser compreendida, por exemplo, pelo teor do art. 7°, parágrafo único do CDC, "Tendo mais de um autor a ofensa, todos responderão solidariamente pela reparação dos danos previstos nas normas de consumo".

Ao abrir, no recesso de seu lar, um litro de determinado refrigerante, para servi-los aos seus dois filhinhos, a tampa explodiu, bateu com tal violência em um dos seus olhos que a deixou cega daquela vista. À luz da responsabilidade tradicional, quem seria o causador do dano? A quem aquela senhora poderia responsabilizar? A garrafa que não seria, porque a coisa não responde por coisa alguma. Poderia responsabilizar o vendedor do refrigerante, o supermercado, digamos? (...). Poderia a vítima responsabilizar o fabricante? [22]

A responsabilidade solidária existe exatamente para salvaguardar o consumidor de não ter a quem imputar o dano sofrido, dando-o oportunidade de ingressar na justiça contra qualquer daquelas opções dadas a ele pelo Código de Defesa do Consumidor.

A exceção à responsabilidade solidária está no art. 13 do CDC, nesse caso, a responsabilidade será subsidiária. Esse artigo aduz que o comerciante é subsidiariamente responsável quando não puderem ser identificados o fabricante, o construtor, o produtor ou o importador; o produto for fornecido sem identificação clara do seu fabricante, produtor, construtor ou importador, ou quando o comerciante não conservar adequadamente os produtos perecíveis.

No primeiro caso, inc. I e II do art. 13, não é razoável que o consumidor, por não saber quem é o fabricante, o produtor, o construtor ou o importador tenha o seu direito tolhido. Logo, poderá ajuizar ação contra o comerciante, tendo este, posteriormente à indenização do réu, o direito de ação regressiva contra aquele que, substancialmente, é responsável pelo dano, assim como garante o art. 13, parágrafo único do CDC, "Aquele que efetivar o pagamento ao prejudicado poderá exercer o direito de regresso contra os demais responsáveis, segundo sua participação na causação do evento danoso".

Contudo, esse direito não poderá ser exercido no mesmo processo. Após encerrado o processo principal, o direito de regresso poderá ser reclamado em lide autônoma, uma vez que o Código de Defesa do Consumidor vedou o instituto processual da denunciação da lide em seu art. 88.

A segunda hipótese presente, no inc. II, versa sobre a má conservação de produtos perecíveis, aqueles que podem deteriorar-se num curto espaço de tempo. Nesse caso, é apropriado que o comerciante seja responsabilizado, uma vez que era sua obrigação conservar os produtos que comercializa adequadamente.

Antes que se fale em responsabilidade pelo vício do produto ou do serviço, é necessário, preambularmente, ressaltar a distinção entre vício e defeito. Vício é uma distorção no produto ou no serviço que acarreta o seu mau funcionamento, tornando o produto inadequado, contudo não causa um dano externo ao consumidor. O defeito causa dano, afetando diretamente a segurança do consumidor, expondo-o a risco.

Também é mister que seja feita a distinção entre o vício do produto e o vício redibitório encontrado no Código Civil. Primeiramente, vício redibitório é aquele em que a coisa recebida contém vício oculto, que a torne imprópria para o uso ou lhe diminua o valor. O Código Civil, em relação aos vícios redibitórios, é menos abrangente e exige mais requisitos que o Código do Consumidor.

Alguns requisitos relevantes são que a coisa deve ter sido adquirida por contrato de compra e venda ou doação onerosa, que o defeito seja grave, oculto e contemporâneo à celebração do contrato. No caso do Vício do Produto e do Serviço, não existem esses requisitos. Nas relações de consumo, serão aplicadas as regras do CDC, sendo as do Código Civil aplicáveis subsidiariamente.

Apesar de não estar exposto expressamente no art. 18 do CDC, a responsabilidade, no caso da responsabilidade pelo vício do produto ou serviço, é objetiva e solidária e independe se são vícios aparentes ou ocultos.

Uma exceção à responsabilidade solidária pode ser encontrada no art. 18, §5º, em que o CDC aduz que será responsável, no caso dos produtos ‘in natura", o fornecedor imediato do produto, a não ser quando for possível identificar claramente o seu produtor, "Considera-se produto in natura "o alimento de origem vegetal ou animal, que prescinde para o seu consumo imediato, apenas, a remoção da parte não comestível e os tratamentos indicados para a sua perfeita higienização e conservação" [23]. Será também responsável o fornecedor imediato quando ele próprio fizer "pesagem ou medição e o instrumento utilizado não estiver aferido segundo os padrões oficiais" [24].

Os vícios podem ser de qualidade, quantidade ou informação. O vício de qualidade, que pode ser encontrado no art. 20, ocorre quando torna o produto impróprio para o consumo (o que será definido pelo art. 18, § 6º), diminua seu valor ou haja uma dessemelhança entre a oferta do fornecedor e a realidade do produto.

Uma exceção à responsabilidade pelo vício do produto são as liquidações, pois nestas os fornecedores informam os vícios dos produtos ao consumidor. "Neste caso, apenas será exigido que a existência do vício seja adequadamente informada ao consumidor, assim como, dado a diminuição de utilidade ou valor do produto comercializado, seu preço seja inferior ao preço da mesma mercadoria sem vícios" [25].

O vício de quantidade, disposto no art. 19, ocorre quando há uma dessemelhança entre a informação oferecida pelo fornecedor, na embalagem, por exemplo, e a real informação do produto.

E, por fim, o vício de informação que ocorre quando o fornecedor não informa a correta utilização do produto, e, com a utilização errônea realizada pelo consumidor, surge um vício neste produto, que pode potencializar um acidente de consumo.

Caso ocorra vício no produto ou no serviço, o consumidor terá algumas alternativas apontadas pelo art. 20 do CDC. Se o vício não for sanado dentro do prazo de trinta dias (prazo este que poderá ser diminuído ou ampliado, com o limite mínimo de sete dias e o máximo de cento e oitenta dias, caso haja convenção entre as partes), o consumidor poderá recorrer às alternativas do art. 18, §1º, do CDC.

A substituição do produto por outro é a primeira opção do art. 18, §1º. Essa substituição, caso não haja outro produto idêntico, poderá ser feito por produto da mesma espécie "mediante complementação ou restituição de eventual diferença de preço" [26].

No caso do inc. II, o negócio entre fornecedor e consumidor é desfeito, tendo o fornecedor o dever de restituir a quantia paga pelo consumidor. Essa restituição deve ser monetariamente atualizada e imediata, e o fornecedor não deve oferecer resistência para realizar tal restituição.

A terceira hipótese encontra-se no inc. III do art. 18, §1º, é o abatimento proporcional do preço. Nesse caso, ocorre a pretensão quanti minoris, em que continuará a relação de consumo entre fornecedor e consumidor, porém o valor que deverá ser pago pelo produto sofrerá redução em razão de seu vício, se o valor não tiver sido pago ainda. Caso já tenha sido pago, o consumidor poderá exigir a restituição da diferença entre o preço inicial e o preço após o abatimento.

Existe uma quarta hipótese, que não se encontra no art.18, mas, sim, no art. 19, II. Esta ocorrerá quando houver um vício de quantidade, e o consumidor optar pela complementação do peso ou da medida que estejam em falta.

Em relação aos vícios de serviço (art. 20, §2º, CDC), estes ocorrem quando são impróprios para os fins a que se destinam ou não atendem às normas regulamentares de prestabilidade. No caso da responsabilidade por vício do serviço, as alternativas, de livre escolha do consumidor, são semelhantes àquelas presentes no art. 18, §1º.

A primeira hipótese do inc. I é a reexecução do serviço sem custo adicional, a qual poderá ser exigida pelo consumidor quando o serviço não atingiu o fim a que se destinava, podendo esta reexecução ser "confiada a terceiros, por conta e risco do fornecedor" [27].

Em relação às perdas e danos, aduz Bruno Miragem que "A opção do consumidor pela reexecução do serviço, assim como seu atendimento pelo fornecedor, não o exime das perdas e danos decorrentes do vício de execução, no que respeita tanto a danos materiais ou morais decorrentes da falha na prestação do serviço" [28].

A segunda hipótese encontrada no inc. II é a restituição da quantia paga pelo consumidor, que, diferentemente do vício do produto em que é possível devolvê-lo, não há como desfazer o serviço, de forma que é de suma importância a correta caracterização do vício. A última hipótese do art. 20 é o abatimento proporcional do preço, da mesma forma que no vício do produto há uma pretensão quanti minoris. Será abatido o valor adequado ao vício contido no serviço executado.

As excludentes no caso da responsabilidade por fato do produto ou do serviço podem ser encontradas no art. 12, §3º, do CDC. Nos casos de excludentes da responsabilidade, não há a configuração do nexo de causalidade entre a conduta e o dano. Além das excludentes tradicionais (caso fortuito ou força maior), que também são aplicadas nas relações de consumo.

A primeira hipótese é a não colocação do produto no mercado, inc. I do art. 12, §3º. Nesse caso, não há como ligar a conduta ao dano, uma vez que não haverá conduta se o fornecedor não produziu aquele produto. Logo, não há nexo de causalidade. Contudo, é dever do fornecedor provar que não colocou aquele produto no mercado (inversão do ônus da prova), e, até que haja essa prova, presume-se que o fornecedor colocou o produto no mercado.

A segunda hipótese é a de inexistência do defeito, inc. II do art. 12, §3º. Se o defeito não existe não há razão para haver responsabilidade. Novamente não há nexo de causalidade, uma vez que, se não há defeito, o dano não foi causado pela conduta do fornecedor. Dessa forma, deve haver a comprovação plena pelo fornecedor de que não havia defeito, caso contrário, haverá responsabilidade. Igualmente o ônus da prova será do fornecedor.

A terceira hipótese, encontrada no inc. III do art.12, §3º, é a de culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro. A culpa exclusiva do consumidor ocorrerá quando a vítima for inteiramente responsável pela conduta danosa, enquanto na culpa exclusiva de terceiro, este não participou diretamente da relação de consumo, mas sofreu dano em decorrência desta.

Nesse caso, também não há o nexo de causalidade, uma vez que a conduta foi realizada pelo consumidor ou pelo terceiro, e não pelo fornecedor. Nesse caso, diferentemente da teoria clássica, não há culpa concorrente, ainda que possa haver "a possibilidade de diminuição do quantum da indenização" [29].

O "terceiro", nesse caso, será aquele que não faz parte do rol listado pelo CDC, ou seja, não faz parte da cadeia de fornecimento do produto. Não se pode entender como terceiro o comerciante, apesar de não fazer parte da cadeia de fornecimento. Este responderá subsidiariamente.

Logo, mesmo que o consumidor tenha agido com culpa (em sentido amplo) e concorrido para o dano com sua conduta, não se afastará a responsabilidade do fornecedor. Assim como nas outras hipóteses de exclusão da responsabilidade, haverá a inversão do ônus da prova, cabendo ao fornecedor provar a culpa exclusiva da vítima ou do terceiro.

A definição de caso fortuito e força maior, apesar de elas terem sido equiparadas pelo Código Civil de 2002, é um tema ainda controverso na doutrina. Concordamos com a nova vertente da doutrina consumerista a qual entende que a força maior ocorre nos casos em que haveria um fato externo e inevitável. Já o caso fortuito teria como características um fato necessário e inevitável, haveria o externo e o interno.

No que se refere a caso fortuito externo, não decorre a responsabilização do fornecedor, pois seria um fato necessário e inevitável, mas que ocorreria fora do âmbito de sua empresa, seria um fato "estranho à organização ou à atividade da empresa" [30]. No caso de fortuito interno, o fato se ligaria à atividade da empresa e haveria a responsabilização do fornecedor por integrar os riscos com que o fornecedor deve arcar, segundo a teoria do risco.


2 CONCLUSÃO

O Código de Defesa do Consumidor garante, de forma eficaz, os direitos básicos do consumidor, como a saúde, a segurança, a liberdade etc., os quais, cada vez mais difíceis de serem garantidos em um mundo globalizado em que, praticamente, não existem fronteiras entre os Estados.

Outro avanço significativo é a responsabilidade objetiva, garantida pelo CDC, diferentemente do Código Civil. Essa espécie de responsabilidade não permite que o fornecedor se esconda atrás da ‘culpa’ e se exima de indenizar.

A responsabilidade solidária salvaguarda o consumidor que, apesar de ter direitos assegurados, não sabe contra quem ajuizar uma ação de indenização. Destarte, poderá ajuizar contra todos aqueles que concorreram para o dano.

O Código de Defesa do Consumidor é um divisor de águas em relação à interpretação do ordenamento jurídico. Se antes o consumidor, parte vulnerável da relação de consumo, estava desprotegido, atualmente ele conta com todos os recursos necessários para garantir o equilíbrio dessa relação.


Notas

  1. GREGORI, Maria Stella. A responsabilidade das empresas nas relações de consumo. Revista do Consumidor, São Paulo, ano 16, n. 62, abr./jun., 2007, p. 165.
  2. CAVALIERI FILHO, Sérgio, op. cit., p. 470.
  3. GRINOVER, Ada Pellegrini et al., op. cit., p. 44.
  4. GODOY, Cláudio Bueno de. Responsabilidade pelo fato do produto e do serviço. In: SILVA, Regina Beatriz Tavares da (Coord.). Responsabilidade civil nas relações de consumo. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 143.
  5. NUNES, Luiz Antônio Rizzato. Manual de introdução ao estudo do direito: com exercício para sala de aula e lições de casa. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 132.
  6. Art. 186 do Código Civil de 2002 "aquele que por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito".
  7. MIRAGEM, Bruno, op. cit., p. 253.
  8. SIMÃO, José Fernando. Fundamentos da responsabilidade civil no Código de Defesa do Consumidor. In: SILVA, Regina Beatriz Tavares da (Coord.). Responsabilidade civil nas relações de consumo. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 118.
  9. CAVALIERI FILHO, Sérgio, op. cit., p. 17.
  10. GODOY, Cláudio Bueno de, op. cit., p. 138.
  11. Idem, Ibidem.
  12. GODOY, Cláudio Bueno de, op. cit., p. 147.
  13. Idem, Ibidem, p. 139.
  14. CAVALIERI FILHO, Sérgio, op. cit., p. 477.
  15. BUENO, Francisco da Silveira. Minidicionário da língua portuguesa. São Paulo, FTD: LISA, 1996, p. 182.
  16. MIRAGEM, Bruno, op. cit., p. 263.
  17. GRINOVER, Ada Pellegrini et al., op. cit., p. 184.
  18. GODOY, Cláudio Luiz Bueno de, op. cit., p. 136.
  19. MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. 3. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1998, p. 576.
  20. CAVALIERI FILHO, Sérgio, op. cit., p. 479.
  21. Idem, Ibidem, p. 481.
  22. Idem, Ibidem, p. 474.
  23. MIRAGEM, Bruno, op. cit., p. 314.
  24. Art. 19, § 2º, CDC.
  25. MIRAGEM, Bruno, op. cit., p. 310.
  26. Art. 18, § 4º, CDC.
  27. Art. 20, I, CDC.
  28. MIRAGEM, Bruno, op. cit., p. 320.
  29. MIRAGEM, Bruno, op. cit., p. 283.
  30. Idem, Ibidem.
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Sobre a autora
Liana Holanda de Melo

Graduanda em Direito na Faculdade Christus, em Fortaleza (CE).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MELO, Liana Holanda. A responsabilidade civil por fato do produto ou serviço nas relações de consumo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3097, 24 dez. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20708. Acesso em: 24 abr. 2024.

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