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Contrato eletrônico entre pessoas de países diferentes e lei aplicável

28/12/2011 às 06:53
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Nos contratos eletrônicos firmados por aceitante domiciliado no Brasil com proponente domiciliado em outro país, deve ser observado o art. 9º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, aplicando-se a legislação estrangeira ao caso concreto.

O Direito Internacional Privado possui normas chamadas de indiretas ou indicativas ("sobredireito"), que não normatizam condutas ou pacificam conflitos, mas apenas definem qual a norma aplicável ao caso concreto.

Apesar de sua denominação, trata-se de um ramo do Direito interno (e não internacional) que regulamenta a escolha da norma jurídica incidente sobre as relações internacionais entre pessoas de direito privado, a fim de solucionar conflitos de leis no espaço. Por essa razão, nos Estados Unidos e na Inglaterra também é chamado de "Conflict of laws".

No Brasil, a principal norma que trata da resolução de conflitos entre normas de diferentes países é a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Decreto-Lei nº 4.657/42), em seus arts. 7º/13 e 16/17.

Há conflito de leis no espaço quando dois ou mais países têm normas jurídicas diferentes que recaem sobre um mesmo ato ou fato jurídico. Pode ser: a) positivo, se as normas de Direito Internacional Privado dos Estados preveem a aplicação das leis de seus próprios direitos internos; b) ou negativo, se as normas indicativas dos países apontam para a não incidência de suas leis internas, ou uma remete reciprocamente a solução para o ordenamento do outro (duplo reenvio, que é vedado no Brasil pelo art. 16 do Decreto-Lei nº 4.657/42).

Entre os conflitos que podem ser resolvidos com base na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro está a contratação eletrônica por meio da internet, quando envolve pessoas situadas em países diferentes.

O art. 9º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro assim regulamenta a questão:

"Art. 9º Para qualificar e reger as obrigações, aplicar-se-á a lei do país em que se constituírem.

§ 1º Destinando-se a obrigação a ser executada no Brasil e dependendo de forma essencial, será esta observada, admitidas as peculiaridades da lei estrangeira quanto aos requisitos extrínsecos do ato.

§ 2º A obrigação resultante do contrato reputa-se constituída no lugar em que residir o proponente".

Duas situações diferentes decorrem da norma: (a) como regra geral, sobre as obrigações decorrentes do contrato incide a lei do país do proponente; (b) excepcionalmente, a lei brasileira se aplica sobre as formalidades essenciais do contrato, caso haja obrigação a ser cumprida no país.

Ou seja, sempre deve ser aplicada a lei do Estado do proponente do contrato sobre as normas materiais das obrigações contratuais, podendo a lei brasileira ser utilizada apenas nas normas formais de obrigação executada no Brasil.

De forma similar, o art. 435 do Código Civil dispõe que "reputar-se-á celebrado o contrato no lugar em que foi proposto".

Porém, com base na Lei nº 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor), vários doutrinadores defendem que a incidência da lei estrangeira na venda de produto para consumidor domiciliado no Brasil, por meio da internet e por pessoa situada em outro país, causa desequilíbrio à relação jurídica [01].

Entre os argumentos utilizados, destacam-se os seguintes: (a) considerando que o contrato é aderido online pelo consumidor em seu computador, por meio da internet, o local de contratação deve ser reputado como tendo se efetivado no domicílio do consumidor (ou seja, no país de destino do produto); (b) e a vedação, pelo art. 51, IV, da Lei nº 8.078/90, de cláusula que coloque o consumidor em desvantagem exagerada.

O primeiro argumento ignora que o contrato de compra e venda concretizado por meio da internet normalmente é um contrato entre ausentes, ou seja, com a ocorrência de lapso temporal entre a proposta e a aceitação, e não pode ser ignorado que o local de emissão da proposta é diferente do lugar da aceitação (e, invariavelmente, os contratantes estão em países distintos).

Ainda que o contrato não seja firmado entre ausentes, nos denominados contratos entre presentes em rede (por exemplo, por meio de programa de chat ou com o uso de webcam) [02], não se modifica o fato de que o proponente e o aceitante estão em lugares diferentes, sendo absurda a ideia de que o contrato é feito com o computador, mas não por meio dele. Em outras palavras, a internet é um meio para a contratação, e não um local de celebração do contrato [03].

Acrescenta-se que a lei aplicável é aquela da residência do proponente, e não a do país de registro do domínio da página na internet, ou de seu provedor. Por exemplo, se um brasileiro domiciliado no Brasil compra um produto oferecido à venda por uma pessoa jurídica espanhola, cujo website é mantido por um provedor de Portugal e em domínio de internet na Inglaterra, incidirá no caso concreto a legislação da Espanha.

O segundo argumento desconsidera que a lei aplicável é determinada por lei, e não por cláusula contratual.

Se, de um lado, aparentemente existe fundamento para a aplicação da lei brasileira a compra feita por brasileiro domiciliado no país, por meio da internet, de produto vendido no exterior, por outro lado se ignora a situação extremamente desvantajosa que isso pode criar: o vendedor pode, com a venda de um mesmo produto para pessoas de diferentes países, ser obrigado a se submeter a leis brasileiras, portuguesas, argentinas, belgas, japonesas, chinesas, angolanas, guineenses, chilenas, canadenses, bolivianas, mexicanas, etc. Logo, um microempresário brasileiro que vende camisetas personalizadas pela internet e tem um faturamento mensal de R$ 1.500,00, pode ser obrigado a contratar uma assessoria permanente para adaptar seu contrato e produto a leis dos países de seus clientes, atuais e futuros. Em resumo, o vendedor-proponente ficaria em situação de desequilibro extremo, ao ser obrigado a conhecer as normas pertinentes de todos os países do mundo, enquanto ao comprador só se exige que se informe sobre as leis pertinentes do país do proponente. Acerca dessa desproporção, afirma-se que "no comércio internacional (DIPr), não seria prático nem razoável que um fornecedor devesse, ao realizar a sua oferta ao público, investigar os ordenamentos jurídicos de todos os seus potenciais consumidores e adequar a sua proposta a cada ordenamento diferente com o qual manteria relações comerciais" [04].

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Há, ainda, quem confunda a lei aplicável com a competência jurisdicional para a resolução da controvérsia. O fato de incidir lei estrangeira sobre compra de produto por pessoa domiciliada no Brasil não importará necessariamente na ausência de competência do Judiciário brasileiro para decidir litígio decorrente do contrato [05].

Reitera-se, não se trata de cláusula contratual que gera vantagem desproporcional a uma das partes, mas sim de norma legal que resolve conflito entre leis de diferentes países [06].

Acrescenta-se que, apesar de posterior, o Código de Defesa do Consumidor não revogou o art. 9º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, norma especial (e indicativa) de Direito Internacional Privado, que determina qual a norma aplicável em situações determinadas.

Em consequência, nos contratos eletrônicos (entre presentes ou ausentes) firmados por pessoa domiciliada no Brasil (na condição de aceitante) com pessoa domiciliada em outro país (na qualidade de proponente), deve ser observado o art. 9º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, aplicando-se a legislação estrangeira ao caso concreto.


Notas

  1. Nesse sentido: RELVAS, Marcos. Comércio eletrônico: aspectos contratuais da relação de consumo. Curitiba: Juruá, 2005, p. 113.
  2. Defendendo a aplicação da lei brasileira (ou seja, do CDC) a contrato firmado entre presentes pela internet: LAWAND, Jorge José. Teoria geral dos contratos eletrônicos. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2003, p. 134.
  3. Sobre o assunto: ALMEIDA, Eliane Moraes de. A contratação via internet: aspectos jurídicos. Movendo Ideias, Belém, v. 8, nº 13, p. 33-38, jun. 2003.
  4. MULHOLLAND, Caitlin. Internet e contratações: panorama das relações contratuais eletrônicas de consumo. Rio de Janeiro: Renovar, 2007, p. 129. Entretanto, na sequência a autora defende a aplicação da lei do domicílio do consumidor, pela tutela específica conferida a ele.
  5. Por exemplo, o art. 88, II, do Código de Processo Civil, prevê a competência (concorrente) do Judiciário brasileiro quando a obrigação tiver de ser cumprida no país.
  6. Igualmente afirmando que o art. 9º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro deve ser observado quando um dos contratantes estiver fora do território brasileiro: BOIAGO JÚNIOR, José Wilson. Contratação eletrônica: aspectos jurídicos. Curitiba: Juruá, 2005, p. 134.
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Sobre o autor
Oscar Valente Cardoso

Professor, Doutor em Direito, Diretor Geral da Escola da Magistratura Federal do Rio Grande do Sul, Coordenador do Comitê Gestor de Proteção de Dados do TRF da 4a Região, Palestrante, Autor de Livros e Artigos, e Juiz Federal

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARDOSO, Oscar Valente. Contrato eletrônico entre pessoas de países diferentes e lei aplicável. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3101, 28 dez. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20729. Acesso em: 21 dez. 2024.

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