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A arbitragem como forma de solução de conflitos no processo civil.

Aspectos práticos, críticos e teóricos

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01/01/2012 às 10:22
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CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA

Não obstante se tenha conferido ao presente tópico o título referente ao conceito e à natureza jurídica do instituto da arbitragem, como se perceberá pela leitura e exposição do capítulo, a questão não poderia deixar de passar pela análise das formas de solução de conflitos possíveis no ordenamento jurídico pátrio.

Formas, inclusive, utilizáveis na resolução dos conflitos de índole civil, em consonância com o objeto do presente estudo, não se podendo deixar de estabelecer um sub item referente às formas de heterocomposição de conflitos, isso porque, como será devidamente demonstrado, não se pode pretender inserir a arbitragem em categoria diversa, o que a sujeitará aos lineamentos próprios desta categoria.

Da mesma forma, parece que de nada adiantaria estabelecer o conceito e a natureza jurídica, sem que fosse delimitado o objeto sobre o qual se poderá operar o instituto, daí se haver optado pela pertinência de se também dedicar mais um sub item ao estudo do objeto específico da arbitragem nos termos da nova legislação que se pretende abordar ( e aqui se insere a discussão sobre os direitos patrimoniais disponíveis e a própria situação do problema nas relações de consumo ).

Tais ponderações se fazem importantes para que se busque, de uma forma didática e explicativa, orientar o leitor a respeito do alcance do presente capítulo, facilitando a própria leitura e compreensão do texto, servindo a presente e breve explanação como um plano prévio deste tópico.

4.1. - Conceito

Não existe consenso doutrinário acerca da natureza jurídica da arbitragem, enquanto instituto, o que, pelo óbvio, irá se refletir na própria forma de conceituá-la, isso porque, como se exporá nas linhas que se seguem, ocorre oscilação em relação às opiniões acerca de tais definições.

E tal ponderação se faz importante na medida em que, delimitada tal natureza jurídica, e, por conseqüência, sendo possível estabelecer seu conceito, a arbitragem poderá ser destacada de outros institutos congêneres (como a mediação, a auto-composição etc).

Para certo segmento doutrinário, a arbitragem poderia ser entendida como um sistema de solução de conflitos [61], enquanto para outros doutrinadores seria entendido como um processo de solução de litígios ou divergências [62], ou uma técnica ou meio [63] (paraestatal) de solução destes conflitos.

Outro segmento, ainda, divide a arbitragem entre os vários ramos do direito (direito internacional público, direito comercial, direito internacional privado, ou arbitragem de câmbio e no próprio direito processual civil), e, na acepção específica do processo civil, em sintonia, inclusive, com a idéia buscada no presente trabalho, destacam a acepção da arbitragem enquanto forma de jurisdição, ou seja, um "poder conferido a certas pessoas determinadas por lei ou indicadas pelas partes para solucionarem a controvérsia judicial ou extrajudicial relativa a direito patrimonial disponível, suscitada entre elas". [64]

De todo modo, parece, a despeito de tal variedade conceitual, que existem certos elementos comuns, voltados ao aspecto de que, seja técnica, meio, processo, sistema ou poder, como aventado acima, o instituto se presta, ou seja, tem a finalidade de solucionar conflitos de interesses.

A noção de sistema comporta várias acepções, sendo um conceito filosófico que, portanto, pretenderia explicar a conceituação da arbitragem sob um prisma mais amplo, que, inclusive, extrapolaria os limites da ciência jurídica, como se pode perceber pelo grande número de significados do verbete sistema, destacado por Maria Helena Diniz. [65]

A mesma situação ocorre entre as opiniões que se prestam a conceituar a arbitragem como técnica, ou como meio de solução de conflitos intersubjetivos de interesses, e, até se poderia argumentar que poderia parecer mero preciosismo diferenciar-se entre meio e técnica ( dentre vários significados possíveis em vários ramos científicos, optou-se pelo de técnica de aplicação do direito, por razões óbvias, ou seja, por ter maior afinidade com o tema em estudo ), mas, em sede doutrinária, se trata de situações diferentes, como ainda asseverado por Maria Helena Diniz, para quem:

"TÉCNICA DE APLICAÇÃO DO DIREITO: Conjunto de meios que possibilitam a aplicação do direito por um órgão competente, juiz, Tribunal, autoridade administrativa ou particular, orientando a subsunção, a integração, havendo lacunas e a correção do direito se houver antinomia." [66]

E, indo além, na mesma obra, para a mesma doutrinadora, meio seria "um expediente adotado para obter um fim", o que seria algo muito mais abrangente do que uma técnica, na acepção destacada acima.

De todo modo, pela pesquisa desenvolvida, percebe-se que a noção de meio ou técnica se encontra difundida de forma mais acentuada em relação ao aspecto comum a todas as definições, qual seja, o de solução de conflitos.

Isso também se adequaria ao entendimento do segmento doutrinário que apregoa que a jurisdição teria natureza de processo, tal como destacado acima, posto que, como sabido, a noção de processo seria a de um instrumento para a garantia do exercício de um poder, ou mesmo do próprio direito de ação, logo, um meio.

Neste sentido, de se pedir licença para destacar a opinião de Antônio Carlos Araújo Cintra et alii, para quem:

"Processo é conceito que transcende ao direito processual. Sendo instrumento para o legítimo exercício do poder, ele está presente em todas as atividades estatais ( processo administrativo, legislativo ) e mesmo não-estatais ( processos disciplinares dos partidos políticos ou associações, processos das sociedades mercantis para aumento de capitais etc. )." [67]

Por isso parece mais aceita a noção instrumental da arbitragem, ou seja, a tentativa de conceituá-la ou como técnica, meio ou processo, sendo de se destacar que, como se exporá nas linhas que se seguem, no próximo subtítulo, a idéia de se conceituar a arbitragem como atividade jurisdicional ou poder jurisdicional ainda gera muita polêmica, por estar intimamente ligada à própria natureza jurídica do instituto, havendo, como se demonstrará, pelo menos três teorias a respeito do tema.

De modo, como dito acima, parece mais adequada a idéia de um conceito ligado a um caráter instrumental do instituto, ou seja, de um instituto entendido como meio (noção mais ampla) de solução de conflitos, o que não colidiria pela razão apontada, com as noções de técnica ou processo (não deixariam de ser espécies do gênero meio).

Reforça tal ponto de vista, por exemplo, a opinião de João Roberto da Silva, para quem:

"A arbitragem é, portanto, um meio alternativo de solução de conflitos, em questões patrimoniais de direitos disponíveis em que as partes, de própria vontade, pactuam suas vontades no sentido de submeterem possíveis controvérsias provenientes de contratos entre elas celebrados, ao julgamento de um juízo privado, ou seja, ao árbitro." [68]

Mas a arbitragem não é o único meio de solução de conflitos que encontra sustentação normativa no ordenamento jurídico brasileiro, o que recomenda que se passe a analisar tal aspecto, de modo a que se possa melhor aproximar do que seria um conceito mais restrito do instituto, do que o apresentado até o momento.

Daí a necessidade de se partir para a elaboração de mais um sub item neste terceiro capítulo, que será voltado à análise de tais ponderações, separando a arbitragem de outros meios ou técnicas de solução de conflitos.

4.2. –Forma de heterocomposição

Pacificado, desta feita, o caráter instrumental, poder-se-ia aduzir que o instituto, enquanto meio de solução de conflitos, não pode ser confundindo com outras formas congêneres, destinadas à mesma finalidade.

Isso porque, como é sabido, e foi destacado na parte histórica da presente monografia, existem várias formas de solução de conflitos, podendo-se destacar a auto-tutela, a auto-composição e as formas de heterocomposição, dentre as quais destacam-se a mediação, a arbitragem e a jurisdição estatal. [69]

A arbitragem, não pode ser confundida como uma forma de auto-tutela no ordenamento jurídico pátrio, posto que, por definição, tal forma de solução de conflitos está relacionada ao uso da força pelos litigantes, o que somente é admitido pela legislação, em caráter excepcional, em situações de urgência.

Neste sentido, de se destacar o quanto aventado por Carlos Eduardo Ferraz de Mattos Barroso, para quem:

"A primeira forma de composição de conflitos de interesses, surgida quando da ausência de um Estado organizado, com poder suficiente para coibir os homens de buscar a solução de suas lides através da lei do mais forte e subjugo forçado do mais fraco. Muito embora seja uma espécie primária de composição de litígios, ainda hoje os ordenamentos jurídicos prevêem a possibilidade do ofendido agir imediatamente para repelir a injusta agressão, ante uma situação de urgência. São os exemplos do desforço imediato nas possessórias e do penhor legal ..." [70]

Não se cuida, no caso da arbitragem, por definição, de uma situação excepcional e de urgência, ou pelo uso da força, o que a afasta da noção de auto-tutela, devendo-se destacar que, de igual modo, não se trata de situação de auto-composição.

Essa pressupõe o ajuste prévio entre as partes, sem qualquer sujeição imposta pela força, de uma parte em detrimento da outra [71], e pode ensejar três situações básicas, a submissão do réu ( reconhecimento expresso do pedido ), a transação ( concessões recíprocas ) e a submissão do autor ( renúncia ) [72], percebe-se, aliás, que são as situações versadas no artigo 269, incisos II, III e V do Código de Processo Civil brasileiro.

No caso da solução arbitral, como forma de solução de conflitos, não se parte de uma idéia de auto-composição, em que os próprios envolvidos, espontaneamente, chegam a um consenso que ponha fim ao litígio, de modo que não se pode pretender classificar o instituto como forma de auto-composição, mas, em verdade, de heterocomposição, na medida em que a solução do litígio contará com a participação de um terceiro em relação às partes.

Tal forma de solução de conflitos, ou seja, a heterocomposição, se divide em três formas básicas [73], a mediação, a tutela ( ou atividade jurisdicional estatal ) e o instituto em comento nesta monografia, a arbitragem.

E, com a mediação, a arbitragem não pode ser confundida, posto que, na primeira, tem-se a figura de um terceiro, o mediador, que irá chamar as partes, para tentar a solução do litígio mediante propostas, sem, no entanto, ter qualquer poder de coação ou coerção sobre os litigantes. [74]

Na solução arbitral, ao contrário, tem-se um terceiro, denominado árbitro ( pode ser uma pessoa física ou um grupo de pessoas ), que será dotado de poder para decidir o conflitos entre os litigantes, através de uma decisão proferida por um laudo arbitral, nos estritos termos previstos pela Lei nº 9.307/96 ( em seus artigos 13 a 18 ).

E, por fim, destaca-se outra forma de heterocomposição, que seria a referente à tutela ou atividade jurisdicional estatal, que parte do pressuposto do princípio da inevitabilidade do acesso à jurisdição, ou seja, na medida em que o artigo 5º, inciso XXXV da Constituição Federal de 05.10.1.988 estabelece que não se excluirá de apreciação pelo Poder Judiciário, lesão ou ameaça de lesão a direito, assumiu o Estado lato sensu, a função de pacificar os conflitos de interesses entre litigantes, o que se faz através da tutela enquanto forma de heterocomposição.

Sobre o tema, para conveniente que peça licença para destacar o seguinte entendimento:

"A atividade mediante a qual os juízes estatais examinam as pretensões e resolvem os conflitos dá-se o nome de jurisdição. Pela jurisdição, como se vê, os juízes agem em substituição às partes, que não podem fazer justiça com as próprias mãos (vedada a autodefesa); a elas que não podem mais agir, resta a possibilidade de fazer agir, provocando o exercício da função jurisdicional." [75]

Outra questão será a referente à possibilidade de se entender a arbitragem como uma forma de jurisdição não estatal, o que, não entanto, não lhe retira o caráter de heterocomposição, e, como se exporá nos capítulos seguintes, pois este é um dos escopos do presente trabalho, como destacado na introdução, surgem várias controvérsias a respeito desse caráter jurisdicional da arbitragem.

Mas, além de se haver tecido comentários sobre o caráter instrumental da arbitragem ( como meio, técnica, ou processo ), e de se haver concluído pelo seu caráter como forma de heterocomposição, de forma de se restringir, ainda mais o conceito, convém, antes da análise de sua natureza jurídica, que se teçam alguns comentários acerca do seu objeto.

4.3. – Objeto

Mas, de todo modo, não se cuida de um meio de solução de todo e qualquer conflito intersubjetivo de interesses, mediante utilização de um terceiro (heterocomposição) mas, nos termos da legislação de regência, a Lei nº 9.307/96 (a conhecida Lei de Arbitragem), somente daqueles conflitos de interesses versando sobre direitos patrimoniais disponíveis.

Estes, por sua vez, num primeiro momento, não suscitariam maiores dúvidas, eis que, além de se cuidar de matéria doutrinariamente construída, encontrariam definição legal expressa no novo Código Civil, a Lei nº 10.406/01 (em seu artigo 841), quando cuidou do instituto da transação (forma de extinção de obrigações mediante concessões recíprocas).

Neste sentido, de se pedir licença para destacar o seguinte trecho doutrinário em relação a tal tema:

"Direitos patrimoniais disponíveis são aqueles de caráter particular, que podem ser objeto de transação (art. 841 do Novo Código Civil ). São aqueles bens que podem ser livremente alienados ou negociados, por encontrarem-se desembaraçados, tendo o alienante plena capacidade jurídica para tanto. Não estão no âmbito do direito disponível as questões relativas ao direito de família, e em especial ao estado de pessoa ( filiação, pátrio poder, casamento, alimentos ), aquelas atinentes ao direito de sucessão, as que tem por objeto as coisas fora do comércio, as obrigações naturais, as relativas ao direito penal, entre tantas outras, já que ficam estas matérias todas fora dos limites em que pode atuar a autonomia da vontade dos contendentes." [76]

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Com igual entendimento, reforçando o caráter de livre disposição, que, quanto a este aspecto, resta como matéria pacífica, de se aduzir, ainda:

"DISPONÌVEL

. Na linguagem jurídica, disponível, de dispor ( latim, disponere ), quer exprimir tudo, de que se possa dispor livremente. E, a rigor da técnica jurídica, quer então significar toda espécie de bens que possam ser negociados ou alienados, porque se encontrem livres e desembaraçados e porque possa o alienante dispor deles a seu bel-prazer, visto ter capacidade jurídica e estar na livre administração de seus bens." [77]

Interessante, ainda, a consideração trazida por Carreira Alvim, no sentido de que, em relação a tal disponibilidade do objeto, não se pode pretender alcançar a abrangência que certas matérias indisponíveis atingiram em sede de possibilidade de transação processual judicial ( asseverando, com propriedade, que certos direitos seriam indisponíveis, mas transigíveis ), posto que, como é sabido, alimentos e créditos oriundos de acidentes do trabalho tem natureza indisponível, mas, não obstante tal caráter, admite-se transação judicial ( daí se falar em direito indisponível transigível ) em relação ao quantum debeatur, posto que, para o referido autor, o âmbito da arbitragem é restrito à disponibilidade do objeto, por expressa determinação legal. [78]

Entender-se de modo diverso, inclusive, implicaria em ter que se admitir, por exemplo, a intervenção do Ministério Público, ou, previamente buscar-se alvará judicial, o que seria contrasenso posto que, como destacado na introdução e na parte histórica do presente trabalho, o que as partes buscam pela solução arbitral é uma via mais célere que a jurisdicional estatal.

Com isso, diminuirão críticas no que tange à possibilidade de prejuízos ao interesse público, eis que, se indisponíveis os direitos em questão, a arbitragem não poderá ser utilizada.

Isso, torna-se a insistir, eis que já frisado na introdução do presente trabalho, no âmbito do processo civil brasileiro, o que evita discussões, no âmbito desta monografia, como a advinda da utilização da arbitragem na solução dos dissídios coletivos do trabalho, em virtude da nova redação conferida ao artigo 114 da Constituição Federal (como sabido, há muita resistência em entender direitos trabalhistas, de natureza alimentar, como direitos de natureza disponível, o que acaba por inviabilizar a sua aplicação no âmbito dos conflitos individuais não obstante a permissão constitucional no âmbito coletivo) [79].

Essa orientação, restritiva da aplicação do instituto ao âmbito dos direitos patrimoniais privados e que foi trazida pela norma contida no artigo 1º da Lei de Arbitragem acaba sendo consentânea com o entendimento que o Supremo Tribunal Federal vem conferindo à constitucionalidade da arbitragem no direito brasileiro, o que será destacado nos últimos capítulos do presente trabalho.

Ainda dentro da análise do conceito, sob a ótica do objeto passível de discussão pela arbitragem, convém que se destaque que não se podem empregar como expressões sinônimas os termos arbitragem e arbitramento, o que alteraria, por completo, o objeto a ser estudado e o próprio conteúdo a ser dirimido ( questão que está sendo enfrentada neste sub-item ).

Tal ocorre porque, malgrado tenha sido o arbitramento empregado originariamente para englobar a idéia de arbitragem (isso, durante a Idade Média, como, aliás, frisado no primeiro capítulo da presente monografia), o instituto implicava na acepção de forma de solução de conflitos entre Estados, no direito internacional público (o que, implicaria possibilidade de discutir direitos indisponíveis ), noção essa que foi se afastando, no decorrer dos séculos, do vocábulo arbitragem. [80]

Maria Helena Diniz [81], inclusive, em obra já destacada durante o desenvolvimento dos capítulos anteriores, chega a apontar vários outros significados da expressão arbitramento, inclusive dentro do processo civil (apontando a idéia de uma perícia para aferição do valor de um dado bem ou direito), em sentido diverso do empregado quando se tem em mente a idéia da arbitragem, o que bem ilustra a impropriedade de se empregar uma expressão pela outra.

4.3.1. – Objeto patrimonial disponível e relação de consumo

Mas, ainda dentro do objeto, não se pode pretender deixar de analisar a situação das relações de consumo, eis que, muitas vezes, o que se tem é uma compra e venda versando sobre objeto patrimonial disponível, que, em tese, ante o demonstrado até então, seria passível de instituição de convenção de arbitragem.

Contudo, caso se cuide de uma relação que possa ser tida como consumerista, ou seja, disciplinada pela Lei nº 8.078/90, o chamado Código de Proteção e Defesa do Consumidor, algumas considerações deverão ser tecidas, observando-se algumas cautelas.

Isso porque não se desconhece a argumentação dos defensores da arbitragem no sentido de que a legislação vedaria a imposição da arbitragem, ao menos no que tange às relações de consumo [82], tal como deflui, de forma expressa da norma contida no artigo 51, inciso VII do Código do Consumidor.

Mas a questão é mais complexa do que possa parecer num primeiro momento, posto que, o que a legislação consumerista veda é a imposição compulsória da arbitragem em uma relação de consumo.

Em relação a tal aspecto, a disposição chega a ser redundante e nem precisaria estar escrita, eis que, como sabido, eis que já destacado, a arbitragem deve surgir de um acordo de vontades, em tese bilateral, não se podendo dar maior crédito a imposições unilaterais.

Mas, não se pode pretender que se cuide de uma proteção pífia, aparente, sem maior efetividade, o que, do ponto de vista prático, apresenta alguns óbices, posto que, em primeiro lugar, sobretudo, entre empresas, surgem, algumas vezes, dificuldades para caracterizar uma relação como sendo de consumo, e, portanto, estando regida de acordo com as regras previstas pela Lei nº 8.078/90.

Sobre o tema já se manifestou a jurista Cláudia Lima Marques, em célebre obra, afastando a incidência da legislação protetiva do consumidor ( Lei nº 8.078/90 ) de uma grande esfera dos contratos de empréstimo bancário, como se observa pela transcrição do seguinte trecho de sua obra (aliás adotado por inúmeros segmentos da jurisprudência pátria):

"Resta saber se o consumidor é o co-contratante no contrato em exame. Já observamos que a característica maior do consumidor é ser o destinatário final do serviço, é utilizar o serviço para si próprio. Nesse sentido, é fácil caracterizar o consumidor como destinatário final de todos os contratos de depósito, de poupança, e de investimentos que firmar com bancos. A dificuldade está na caracterização do consumidor, nos contratos de empréstimo, onde há uma obrigação de dar, de fornecer o dinheiro, que é bem juridicamente consumível. Nestes casos, a pessoa é destinatária final fática, mas pode não ser a destinatária final econômica ..... Neste sentido, podemos concluir que os contratos entre o Banco e os profissionais, nos quais os serviços prestados pelos Bancos estejam, em última análise, canalizados para a atividade profissional destas pessoas físicas (profissionais liberais, comerciantes individuais ) ou jurídicas (sociedades civis e comerciais ), devem ser regidos pelo direito comum, direito comercial e leis específicas sobre o tema. Só excepcionalmente, por decisão do Judiciário, tendo em vista a vulnerabilidade do contratante e sua situação equiparável ao do consumidor stricto sensu, serão aplicadas as normas especiais do CDC a estes contratos entre dois profissionais. Para caracterizar estes contratos como contratos de consumo ou não o fator decisivo não é a existência de uma lei especial ( por exemplo, Lei do Mercado de Capitais ), que regule o contrato bancário, decisiva é a presença de um consumidor ou de um profissional-vulnerável, que possa também ser equiparado ao consumidor, em matéria de proteção contratual." [83]

E para que não se alegue que estar-se-ia destacando-se posições isoladas, ainda de se destacar, sobre o tema, a lição de Toshio Mukai, para quem:

"Observe-se, por outro lado, que, entretanto, a pessoa jurídica só considerada consumidor, pela Lei, quando adquirir ou utilizar produto ou serviço como destinatário final, não assim, quando o faça na condição de empresário de bens e serviços com a finalidade de intermediação ou mesmo como insumos ou matérias-primas para a transformação ou aperfeiçoamento com fins lucrativos (com o fim de integrá-los em processo de produção, transformação, comercialização ou prestação a terceiros)." [84]

E, ainda mais, a Lei nº 9.307/96, ao instituir o novo modelo de arbitragem no Brasil, já apresentou a possibilidade de inserção de cláusulas compromissórias, ou mesmo convenções de arbitragem, no bojo de contratos de massa, notadamente os de adesão, muitas vezes comuns em sede consumerista, surgindo daí a necessidade de se integrar as próprias disposições do artigo 54 e seus consectários do Código de Proteção e Defesa do Consumidor, com os termos da norma contida no artigo 4º da Lei de Arbitragem da qual se cuida.

Isso porque, como não pode deixar de ser destacado, a Lei nº 9.307/96 é especial e posterior à própria Lei nº 8.078/90, de modo que parece ter havido uma derrogação parcial desta última em relação a tal tema, possibilitando-se, em algumas situações, e respeitados os parâmetros acima destacados, a inserção de cláusulas ou convenções de arbitragem em contratos de adesão.

Assim, uma primeira dificuldade já surgiria daí, posto que, nem sempre será possível ao empresário caracterizar uma relação envolvendo um grande grupo econômico, como uma relação de consumo, e com isso não se poderia ensejar a aplicação da norma contida no artigo 4º da Lei nº 9.307/96, que, supostamente, resguardaria as relações de consumo em matéria de arbitragem.

Mas, mesmo que assim não fosse, o que se admite por mero amor à dialética, de se ponderar que o mesmo artigo 4º, mencionado acima, com seus consectários, não é apto à uma proteção efetiva do consumidor, a despeito de opiniões divergentes.

Tal ocorre porque, se o parágrafo primeiro deste artigo tivesse se limitado a permitir a arbitragem apenas quando a instituição quando partisse do consumidor, não permitindo que tal instituição figurasse em contrato de adesão (ou seja, como estipulação do proponente restando ao aderente concordar, ou, com o montante global e total das cláusulas), até que se poderia pensar numa proteção mais efetiva.

Contudo, esse não foi o entendimento do legislador pátrio, que, ao revés, previu a iniciativa do consumidor, mas inseriu a partícula "ou", possibilitando, expressamente, a instituição por contrato de adesão, mesmo quando a iniciativa da arbitragem não seja do consumidor.

E, de nada adianta o estabelecimento formal de uma garantia em favor do consumidor, no gênero de exigir-se que a arbitragem seja instituída de forma clara e destacada do texto de um contrato, posto que, do ponto de vista da efetividade, ou o consumidor aderirá para obter o produto, ou, se discordar, não realizará o contrato (a experiência bancária esta aí para que todos possam verificar como ocorre do ponto de vista empírico).

Isso, pelo óbvio, não poderia ser entendido como uma inconstitucionalidade expressa da nova lei, que, ao contrário, sob a égide formal tem sido reconhecida como constitucional (existe capítulo específico nesta obra a respeito do tema), mas dentro de uma proposta crítica de análise do instituto, como já asseverado na introdução do presente livro, não se pode deixar de apontar para este aspecto negativo da questão, que deve ser sopesado.

E iniqüidades, pelo óbvio, ocorrerão, devendo-se pensar, por exemplo, no caso de um grande banco que, para efetuar o refinancimento de uma dívida já vencida, com o devedor, imponha um contrato com uma cláusula de convenção de arbitragem, o fazendo de forma expressa e clara, com destaques e negrito para a cláusula, e através da qual se estabeleça (já adiantando os termos do próprio compromisso) que o árbitro seja o gerente de um outro banco, também associado à FEBRABAN, ou jurista que já tenha publicado teses justificando a cobrança de juros onzenários por instituições financeiras, contrariando os termos de jurisprudência majoritária de Tribunal Superior do país.

Do ponto de vista prático, não se poderá deixar de consignar que tais dados deverão ser sopesados e discutidos, até porque, como sabido, a coação e a própria lesão são causas de anulabilidade de um ato jurídico, e a instituição de arbitragem, seja por uma convenção em instrumento único, seja, por meio de cláusula compromissória em outra espécie de ajuste, não deixam de ser atos jurídicos passíveis de nulidade.

E, por mais que o consumidor saiba o que ocorre, não conseguirá obter a repactuação se não firmar a convenção, nada podendo fazer em relação ao árbitro, posto que, formalmente, não se encontram presentes quaisquer das hipóteses de impedimento ou suspeição que poderiam ser alegadas em face de um Juiz estatal (isso sem que se mencione que o critério de decisão pode ser, como já mencionado linhas atrás, o da equidade, ainda mais amplo, permitindo uma margem de discricionariedade cada vez maior, agravando-se a questão formulada ).

Verifica-se, portanto, que o grande problema será o de que, admitindo-se a regularidade do estabelecimento da arbitragem nessas condições (e dificilmente se poderá impedir que isso ocorra), o Poder Judiciário não estará presente para corrigir distorções e limitar abusos, como, para que se permaneça com o mesmo exemplo, ocorreu na vasta jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, em matéria bancária, com várias súmulas limitadoras (não se desconhece que a própria Lei nº 9.307/96 estabelece que o próprio árbitro decidirá sobre questões referentes à inexistência, invalidade ou ineficácia da cláusula compromissória).

E não se pretende aduzir que os árbitros não venham a ser imparciais, como exige a lei que o sejam, mas corre-se o sério risco de que, em contratos de adesão, se escolham representantes de classes setoriais, ideologicamente comprometidos com o desfecho da lide, o que não se pode conceber, por razões óbvias (ainda não se ponderou a respeito, mas não se pode deixar de considerar que o árbitro estará exercendo função de agente público, ainda que de investidura temporária, não se podendo deixar de analisar a questão sob a ótica do próprio princípio da moralidade dos atos do Poder Público, expressamente previsto na norma contida no artigo 37 da Constituição Federal em vigor).

Resta, portanto, saber-se se há necessidade de uma mera garantia formal da democracia, ou se urge o estabelecimento de mecanismos eficazes de garantia efetiva das liberdades públicas, posto que, se optar-se pela segunda proposta, a arbitragem parece colaborar para a inversão das prioridades na forma susomencionada, não obstante o reconhecimento de sua constitucionalidade (questão diversa) e suas eventuais vantagens para que se alcancem a celeridade e a satisfatividade processuais.

Tecidas, desta forma, as breves considerações acerca do conceito de arbitragem, de se passar à análise da natureza jurídica do instituto, o que, como se observará, fomenta acalorados debates doutrinários.

4.4. – Natureza Jurídica

Como sabido, não basta que se tenha o conceito de instituto para diferenciá-lo dos seus congêneres, sendo necessário que se examine sua natureza jurídica, e essa atividade, como preconizado pela doutrina, poderia ser sintetizada de modo tal que "determinar a natureza jurídica de uma instituição é estabelecer seu ser jurídico, ou seja, sua posição no mundo do direito, ou, ainda, sua essência." [85]

A questão da natureza jurídica do instituto da arbitragem, não obstante o seu caráter instrumental a que se chegou em item anterior desta monografia, não é um assunto pacífico seja no direito nacional, seja no direito estrangeiro, havendo, inclusive, divergências a respeito de quantas correntes básicas haveria acerca de tal tema.

Ora, para alguns autores, haveria duas correntes básicas para explicar a natureza jurídica do instituto, uma publicista e outra privatista. [86] Mas, divergindo desta opinião, outro segmento entende possível a identificação de uma terceira corrente, de índole intermediária entre essas mesmas duas já citadas. [87]

E, como se pode perceber pelo próprio nome, o segmento doutrinário que pode ser classificado como privatista, parte da premissa de que a arbitragem tem um caráter contratual, o que, numa acepção mais tradicional, aproximaria o instituto do direito privado, até porque o material lógico sobre o qual se disporá em laudo arbitral pertine, como visto acima, em direitos disponíveis, típicos deste direito privado. [88]

No plano do direito estrangeiro, parece preconizar este aspecto privatista da arbitragem, Salvatore Satta, para quem haveria entre as partes um contrato de locação de serviços, como, ademais aduzido no capítulo referente ao estudo do direito estrangeiro, sendo conveniente, para ilustrar tal posicionamento, que se destaque o seguinte trecho de sua obra a respeito deste tema:

"Entre as partes e o árbitro pois se poderá observar que venha a constituir um contrato de locação de serviços, do qual fluirão direitos e obrigações recíprocos (arts. 813, 814); porém se isto é real, verdadeiro ainda será esse contrato e não exaurirá a relação entre as referidas partes e o árbitros, uma vez que estes são dotados de uma faculdade que exorbita a prestação comum, e que os coloca em uma posição de supremacia a respeito daqueles que os escolheram. Será um erro dizer que essa faculdade legal tem cunho jurisdicional, e como tal seja isso oriundo da lei, ou da designação das partes; de jurisdição, não têm os árbitros qualquer elemento, nem podem fazer jurar testemunho, nem ordenar seqüestro, nem uma injunção etc.;". [89]

No direito brasileiro, antes da publicação da Lei nº 9.307/96, esta corrente contratualista ou privatista, preconizava a idéia segundo a qual o cumprimento do laudo arbitral acabaria sendo visto como a implementação de uma obrigação de fazer inscrita no compromisso, e que, portanto, se houvesse descumprimento, a questão poderia se resolver em perdas e danos. [90]

Tal concepção, no entanto, foi alterada pelo advento da chamada Lei da Arbitragem de 1.996, que conferiu ao laudo arbitral a situação jurídica de título executivo judicial (alterando-se a própria redação do artigo 584 do Código de Processo), tratando o árbitro como Juiz de fato e de direito (artigo 18 da Lei nº 9.307/96).

Carreira Alvim enumera os vários precursores da doutrina contratualista no direito estrangeiro, trazendo, ao lado de Salvatore Satta, transcrito acima, juristas como Chiovenda, Crisanto Mandrioli e Elio Fazzalari, em relação ao posicionamento doutrinário italiano, destacando, ainda, no direito alemão, como partidários desta corrente, Leo Rosemberg e Adolfo Schonke. [91]

A corrente publicista, por sua vez, entende a arbitragem como manifestação de um poder de dizer o direito, aproximando o instituto do direito público (o direito processual, como sabido, em sede doutrinária é destacado como um ramo do direito público), até porque se cuidaria de atividade sucedânea e complementar do Poder Judiciário, com o que as partes estabeleceriam verdadeiro critério de competência para o julgamento, aduzindo, ainda, que o laudo seria exeqüível tal como uma sentença judicial [92].

Em alusão a tal corrente, também denominada processualista, e para melhor entendê-la, de se aduzir a opinião de Luiz Fernando Guilherme, para quem:

"A segunda corrente vê na convenção arbitral – que é negócio jurídico privado – a fonte dos poderes dos árbitros, ou, antes, da vontade das partes, mas é a vontade da lei que permite celebra-la. Em outros termos, sobreleva o aspecto processual do contrato de compromisso, cujo principal efeito seria a derrogação das regras de competência estatais, acentuando a identidade entre o laudo proferido pelo árbitro e a sentença emanada do juiz togado." [93]

Tal como apontado acima, em relação ao segmento contratualista (privatista), Carreira Alvim também procurou apontar os principais autores estrangeiros que apontam no sentido de que se teria um caráter publicista em relação à natureza jurídica da arbitragem, e, quanto a este aspecto, observa-se que defendem esta tendência autores como Sérgio La China e Ludovico Mortara, sustentando, em síntese, que os árbitros, por lei, seriam investidos de jurisdição, posto que tal legislação lhes permite o cumprimento de ato de soberania do Estado, e, sendo assim, sua atividade seria da mesma natureza da dos magistrados togados oficiais. No direito brasileiro, de se destacar os entendimentos de Humberto Theodoro Jr. e Hamilton de Moraes e Barros, concordando com este aspecto jurisdicional sobre a natureza jurídica da arbitragem, além do próprio Carreira Alvim. [94]

Entre os dois extremos, surge uma terceira corrente doutrinária, de cunho mais eclético, tanto que denominada intermediária, segundo a qual embora tenha origem privada, advindo de um acordo de vontades entre as partes, advém de uma atividade do árbitro de dizer o direito, sem que, no entanto, tal atividade seja entendida como jurisdicional, isso porque a decisão do árbitro não seria, propriamente, uma sentença, eis que dependeria de contribuição judicial para que passe a ter executoriedade. [95]

No direito nacional, defendem este posicionamento, José Carlos de Magalhães e Luiz Olavo Baptista, para quem, em comentários sobre as correntes publicista e contratualista, concluem pela corrente intermediária, do seguinte modo:

"As duas posições, contudo, são extremadas e podem ser conciliadas. A arbitragem possui base contratual, que é o compromisso, de característica estritamente consensual e que estabelece as diretrizes do juízo arbitral que institui. Mas o laudo arbitral não é ato integrativo do compromisso, nele tem seu fundamento e seus limites, mas seus efeitos decorrem da lei e não da vontade das partes. Assim, as duas posições devem ser entendidas como radicais, pois se a arbitragem é contratual em seu fundamento inicial, é também jurisdicional, ante a natureza pública do laudo arbitral, como forma privada de solução de litígios." [96]

Ainda relevante, a opinião de Luiz Fernando Guilherme que, sobre tal corrente doutrinária, sintetiza, dizendo muito, em pouco:

"A terceira corrente sustenta, de um lado, que a decisão do árbitro não é uma sentença, porquanto precisa do decreto de executoriedade (não só para ser executiva, mas também para ser obrigatória), de outro, que o árbitro e o juiz concorrem para a formação da decisão da controvérsia, o que evidencia que a sentença ( e também o juízo ) é constituída tanto pelo laudo como pelo decreto do magistrado." [97]

Defendem este posicionamento, na doutrina estrangeira, autores de grande renome como Francesco Carnelutti, Piero Calamandrei e Hugo Rocco. [98]

Ponderadas as três correntes, e, tendo em vista o regime jurídico que a Lei nº 9.307/96, ( neste sentido, sua norma contida no artigo 31 ) alterando a estrutura do instituto, diante do que foi estabelecido pelo regime anterior ( o do Código de Processo Civil de 1.973, em seus artigos 1.072 a 1.102, expressamente revogados, trazia regime que previa a necessidade de homologação do laudo arbitral para que fosse executado ), pretendeu conferir autonomia à autoridade do árbitro para dirimir conflitos de interesses, tornando desnecessária a homologação judicial ( o que acabava por tornar ineficaz o instituto, remetendo, novamente a análise do caso ao Poder Judiciário, moroso pelo excesso de serviços, como se exporá adiante ), não se pode pretender a aplicação de uma corrente eclética ou intermediária, que afastava o caráter jurisdicional do instituto, como aventado acima, pela necessidade de concorrência entre árbitro e Juiz, ou seja, mesmo tendo em vista que o árbitro ainda não dispõe de autonomia para determinar atos de execução, a legislação nacional alterou a situação anterior, em que havia necessidade de concorrência entre árbitro e Juiz para a eficácia da decisão, de modo que a sentença arbitral se torna completa diante da atividade exclusiva do árbitro, esgotando-se a atividade de dizer o direito.

Não se pode, diante disso, pretender retirar o caráter jurisdicional da arbitragem pelo regime atual do instituto, que tornou desnecessária a homologação da decisão arbitral que pode ser executada, desde logo, sem a necessidade de atividade de integração estatal (tanto que a redação da norma contida no artigo 584 e seus incisos do Código de Processo Civil foi alterada para que se inserisse a sentença arbitral como título executivo judicial).

Desta forma, mesmo tendo uma natureza, quanto à sua origem, contratual, privada, implica, como reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal, e será desenvolvido oportunamente, em capítulo que se seguirá, as partes podem, por este ajuste, renunciar ao acesso à jurisdição estatal.

De tal modo, não há como se deixar de atentar para o fato de que o árbitro está dotado do mesmo poder do Juiz Togado estatal, o que reforça o caráter jurisdicional do instituto, e, como destacado acima, não há mais como, diante da expressa letra da lei, em se afastar tal caráter ou tornar o instituto um híbrido intermediário, pela desnecessidade de intervenção do Poder Judiciário para a total eficácia da decisão arbitral.

Conclui-se, portanto, pelo caráter jurisdicional do instituto nos termos em que a questão veio a ser abordada e disciplinada no direito brasileiro, pela Lei nº 9.307/96. Tal lei, inclusive, de forma expressa, tratou o árbitro como juiz de fato e de direito ( artigo 18 ), denominando suas decisões finais como sentenças arbitrais ( artigo 32 ), o que implica em dizer que, numa interpretação literal da vontade do legislador, a arbitragem é um instituto de natureza jurisdicional.

E esta conclusão acaba por ser embasada pelos ensinamentos de considerável entendimento doutrinário acerca do direito nacional, podendo-se destacar, por exemplo, o já destacado Carreira Alvim, para quem:

"Existem diversos sistemas que possibilitam alcançar a resolução dos litígios, sendo o mais prestigiado deles o sistema jurisdicional, em que o Estado se encarrega de instituir adrede órgãos destinados a essa finalidade (juízos), reservando-se, com exclusividade ou não, o monopólio da distribuição da justiça. É o denominado sistema da justiça pública, que tem no Estado não só o seu organizador, como, sobretudo, o seu fiel garantidor, pela força que põe ( e só ele pode pôr ) a serviço da atividade jurisdicional. ... A verdadeira natureza jurídica da arbitragem, é, entre nós, de cunho jurisdicional, possuindo a sentença arbitral a mesma eficácia que a ordem jurídica reconhece à sentença judicial ( art. 31, LA )." [99]

Trazendo novos argumentos que reforçam o caráter jurisdicional da arbitragem, de se considerar, ainda, a opinião de João Roberto da Silva, segundo a qual:

"Extrai-se da Lei nº 9.307/97 uma preocupação em evitar ao máximo a interferência do Poder Judiciário no processo arbitral, cabendo a esse decidir todas e quaisquer questões relacionadas com a matéria a ele submetida pelas partes, exceto aquelas de direito indisponível. O árbitro, por este motivo, é qualificado como juiz de fato e de direito, equiparando-se aos juízes ordinários para efeitos de impedimento e suspeição, e aos funcionários públicos para os fins de responsabilidade criminal. Assim, a decisão do árbitro é uma sentença que produz os mesmos efeitos de uma decisão judicial, e é título executivo judicial ( art. 584, III do Código de Processo Civil )." [100]

Por essas razões todas, diante tudo quanto destacado acima, mesmo que não se cuide de opinião unânime, parece assistir melhor razão ao segmento que defende o caráter jurisdicional do instituto em exame no presente trabalho, de modo que se deve concluir, em relação à natureza jurídica jurisdicional.

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Sobre o autor
Julio Cesar Ballerini Silva

Advogado. Magistrado aposentado. Professor da FAJ do Grupo Unieduk de Unitá Faculdade. Coordenador nacional dos cursos de Pós-Graduação em Direito Civil e Processo Civil, Direito Imobiliário e Direito Contratual da Escola Superior de Direito – ESD Proordem Campinas e da pós-graduação em Direito Médico da Vida Marketing Formação em Saúde. Embaixador do Direito à Saúde da AGETS – LIDE.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Julio Cesar Ballerini. A arbitragem como forma de solução de conflitos no processo civil.: Aspectos práticos, críticos e teóricos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3105, 1 jan. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20760. Acesso em: 22 nov. 2024.

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