Capa da publicação Atuação tardia do Estado em áreas de exclusão social extrema: a invasão do Complexo do Alemão
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Atuação tardia do Estado em áreas de exclusão social extrema: o poder biopolítico na invasão do Complexo do Alemão na cidade do Rio de Janeiro

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04/01/2012 às 08:05
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3 O Estado Soberano Brasileiro

Dentro deste cenário em que se encontra o estado social brasileiro e a realidade social do Complexo do Alemão, o mais relevante de todo o trabalho reside em reconhecermos uma evidente coexistência de uma disfarçada autocracia dentro de um ambiente de democracia, considerado autocracia como um modelo de estado onde o princípio constitucional de se manter o poder nas mãos do povo se torna um conceito errado, pois supostamente ele não tem a capacidade de delegar e construir uma forma de governo. Neste sentido, como o Estado estaria representado por uma estrutura que rodeia o sistema social, o exercício do poder é dado ao governante para estabelecer e impõr suas decisões sobre as pessoas e esta capacidade envolve a moral e a ética de um soberano para o exercício do poder para que as pessoas sejam capazes de cumprir e manter a ordem conforme a vontade estabelecida, mesmo que para tanto, seja necessário suprimir direitos e garantias constitucionais. Alguns autores denominam este ambiente de estado democrático totalitário, onde as decisões não levam em conta a vontade do povo mas a vontade do poder político que supostamente realiza a vontade da maioria, diríamos, um conceito moderno de ditadura (BOBBIO: 1997, p. 229):

Asimismo, el carácter distintivo más importante entre dictadura clásica y dictadura moderna radica en la extensión del poder, que ya no está solamente circunscrito a la función ejecutiva, sino que se extiende a la función legislativa e incluso a la constituyente, aunque en el caso específico el gobierno revolucionario francés tiende a presentarse como un gobierno que no abole, sino suspende excepcional y provisionalmente la constitución y por tanto como dictadura en el sentido clásico de la palabra.

Poderíamos considerar um mal necessário a existência, mesmo que provisória, de um estado soberano em um Estado Democrático de Direito, considerando a situação lamentável em que se encontram as comunidades de viventes em territórios de exclusão social extrema? Se existe uma distorção entre sociedade de iguais e desiguais na cidade do Rio de Janeiro, certamente, não foi causada pelas pessoas que se instalaram contra a livre vontade, fora da cidade formal, afinal de contas, elas também pertencem ao conceito de sociedade civil.

A transformação da relação entre Estado e sociedade e o desenvolvimento histórico da capital carioca, visto do ponto de vista dos governantes e do ponto de vista dos governados tem se mostrado completamente divergente, o que deve ser considerado para quem se propõe a questionar o poder, e suas formas e critérios de legitimidade dentro desse contexto de democracia. Esta distorcida relação político social brasileira encontra-se alinhada com situações observadas em todos os países latino americanos, ditos neoliberais, conforme podemos constatar em Boron (2003, p. 17/18):

No sorprende pues constatar la creciente desestabilización social de nuestros países y los preocupantes signos que hablan de la debilidad de sus reconquistadas democracias. Este es un dato que suelen pasar por alto quienes se conforman com una mirada sobre las apariencias y los aspectos más superficiales de la realidad. Lo cierto, en cambio, es que más allá de los formalismos las democracias latinoamericanas se han ido vaciando de contenidos. Por eso no suscitan ni esperanzas ni expectativas, y sus promesas han caído en el vacío. No por casualidad las diversas encuestas de opinión que se practican en la región registran el alto grado de frustración de los ciudadanos con los desempeños de los gobiernos democráticos. El escepticismo, la apatía y la indiferencia ante los dispositivos institucionales de la democracia crecieron sin pausa en los últimos años. De persistir este desencanto será apenas cuestión de tiempo antes de que el mismo se extienda desde los gobiernos que se supone deben encarnar las aspiraciones de la democracia al régimen democrático en sí mismo. Este contagio será inevitable en la medida en que los gobiernos, con apenas ligeras diferencias entre ellos, se desentendieron de la suerte de los ciudadanos y concentraron sus esfuerzos en complacer las demandas de las minorías y de una rapaz plutocracia que se presenta como la concreción histórica de las conquistas democráticas y las virtudes del libre mercado.

Estando o Brasil integrado no comportamento biopolítica da América Latina, toda ação de estado de exclusão e inclusão, de poder e soberania encontra-se, a princípio, legitimada pela omissão dos poderes constituídos e dos próprios estados que integram o continente. A soberania brasileira, tal qual a dos países latino americanos não se ajusta ao conceito de soberania onde os princípios de igualdade, liberdade e fraternidade deveriam prevalecer, mas naquele em que o poder do estado se estabelece pela força diante de uma realidade social caótica em que não mais se ajusta por instrumentos normativos ou pelas regras do bom censo. As áreas de exclusão social extrema não surgiram da noite para o dia e, por isso mesmo, os programas de recuperação social devem estabelecer períodos razoáveis para que os efeitos possam ser percebidos, respeitando-se a condição do ser humano local como integrante da política do tempo e do espaço que ocupa, assim sendo "(...) não apenas a conditio sine qua non, mas a conditio per quan – de toda a vida política" (ARENDT: 2007, p. 16), porquanto essa ação que se espera do estado deva ser uma ação plural a todas as pessoas "(...) pelo fato de sermos todos os mesmos, isto é, humanos, sem que ninguém seja exatamente igual a qualquer pessoa que tenha existido, exista ou venha a existir" (ARENDT: 2007, p.17).

3.1 A (i)legitimidade da força na invasão do Complexo do Alemão

Em 27 de Junho de 2007, o governo do Rio de Janeiro implementou uma primeira ação de força policial a que denominaram de "mega operação" contra grupos criminosos inseridos nas favelas do Complexo do Alemão envolvidos com tráfico de entorpecentes. Neste primeiro momento, após intensa batalha, registra-se que as autoridades envolvidas na atividade fizeram publicar mundo a fora o êxito da operação, informando a morte de narcotraficantes, bem como teria a força pública apreendido grande quantidade de armas de fogo e drogas, finalizando uma série de incursões realizadas preliminarmente nos meses que antecederam os Jogos Pan-americanos de 2007. Os eventuais excessos praticados por policiais e reclamados pelos viventes deste território de exclusão jamais foram devidamente investigados e, muito menos, divulgados, nem por isso se tornaram ilegítimos em face da necessidade de retomada da ordem imposta pelo estado soberano, em que pese o princípio da proibição do excesso estar enumerado no art. 5º da CRFB/88 (JUNIOR e NERY: 2009, p. 174):

O princípio da proibição de excesso também é identificado com o princípio da proporcionalidade em sentido lato... possuindo papel principal no controle da atuação restritiva da liberdade individual. Para a doutrina, esse princípio comporta subdivisão em três elementos ou subprincípios: a) idoneidade (ou adequação), b) necessidade e c) proporcionalidade em sentido estrito. Na sua atribuição mais comum, o subprincípio da idoneidade consiste em que as medidas restritivas em causa sejam aptas a realizar o fim visado com a restrição ou contribuam pra o alcançar. O subprincípio da necessidade preconiza que, entre todos os meios idôneos disponíveis e igualmente aptos a perseguir o fim visado com a restrição, deve-se escolher o que produza efeitos menos restritivos. Por sua vez, o princípio da proporcionalidade diz respeito à justa medida ou à relação de adequação entre os bens e interesses em colisão, ou, mais especificamente, entre o sacrifício imposto pela restrição e o benefício por ela almejado (Novais. Princípios, II, n.1.3, PP. 161/163). A proibição de excesso é garantia fundamental.

Os excessos praticados pela força pública do Estado na mega operação e não divulgados corretamente na mídia torna evidente que operações em um território de exceção não ocorrem, por lógica, dentro da legalidade e dentro dos princípios determinados em um Estado Democrático de Direito, tanto é verdade que Filho (2010, p. 20) descreve:

Na ocasião, acompanhamos as notícias sobre a "mega operação" no Complexo do Alemão tanto através dos veículos de comunicação da chamada "grande mídia" – O globo online, Revista Época, Revista Veja etc. – como através dos jornais e revistas da "mídia alternativa". Percebemos que se tratava, então, de uma mesma operação policial contada, no entanto, a partir de dois pontos de vista completamente diferentes. Enquanto a "grande mídia" afirmava que a operação policial foi um sucesso e que a mesma representava uma inovação no combate a criminalidade, a "mídia alternativa" chamava atenção para os fortes indícios de execuções sumárias.

Passado os jogos, identifica-se um retorno ao status quo, com o afastamento do Estado e o retorno dos grupos de criminosos, bem como de grupos paramilitares constituídos de agentes públicos, ambos determinados a controlar toda e qualquer atividade lucrativa no Complexo do Alemão. Os dois bandos passam a se confrontar entre si, demandando ineficaz atuação do poder estatal em uma verdadeira guerra civil urbana de país que se diz democrático e em tempo de paz, mas que como bem alertam Trindade, Peytrignet e Santiago (2003, p. X), "Los ojos de La humanidad se encontraban fijados en El Golfo Pérsico. Pero las atrocidades en diversas partes del globo no se detuvieron. Las violaciones a los más básicos derechos de La persona humana y los atropellos a su dignidad sucedían momento a momento en Palestina, en Sierra Leona, en Sudán, em Cachemira, en Cuba, en China, en México...".

Obviamente que ninguém negue a necessidade de modificação das práticas de atuação de forças públicas no interior de favelas, entretanto, os esforços de alteração desaparecem rapidamente quando se evidenciam as manifestações da opinião pública socialmente incluída que, alheia aos verdadeiros acontecimentos, se sente menos ameaçada e assim, se (i)legitima as incursões policiais fortemente armadas nas comunidades, mesmo onerosas e ineficientes ao controle social. Como observa Oliveira (2011, p. 06):

As hierarquias e as relações de poder determinam onde e quais as propostas serão formuladas e executadas. São os sujeitos políticos de instâncias superiores de representação – tanto do Estado quanto da iniciativa privada, e até mesmo da própria sociedade civil organizada, em salas fechadas, com acesso restrito, que colocarão suas prioridades, formas de atuação, atribuições e urgências no processo. Dessa forma, as decisões mais importantes não passam pelos conselhos ou fóruns de debate. Foram pré-determinadas e chegam muitas vezes para ser referendadas.

Na permanência do modo de operar do estado que se seguiu a esta primeira grande invasão, no dia 25 de novembro de 2010, com ajuda de veículos blindados das Forças Armadas e de Segurança Pública Estadual e Federal, uma nova mega operação se instala nas favelas do Complexo do Alemão, em especial, Vila Cruzeiro e Morro do Alemão. Após intenso combate urbano que durou mais de dois dias, amplamente divulgado pela TV, a sociedade incluída assiste à fuga de inúmeros criminosos do tráfico e a contabilização de cerca de 35 mortos. Do ponto de vista estratégico, diferente da mega operação anterior, que nada alterou a relação de cumplicidade (i)legítima entre agentes públicos e a marginalidade, ficou evidenciado uma certa coordenação e planejamento a fim de se evitar mortes de inocentes o que viabilizou o apoio dos próprios moradores locais. Por mais necessárias que se façam as mega operações policiais em áreas de exclusão social extrema, há uma grave e perversa realidade sendo tratada tardiamente e o Estado brasileiro precisa inverter a ordem do pensamento que se encontra sedimentado na cultura política ocidental e que vigora nas democracias modernas, pois como afirmam Méndez, O’Donnell e Pinheiro (2000, p. 11):

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(...) quando as sociedades latino-americanas passaram por transições de ditaduras para governos civis, as práticas autoritárias de seus governos não foram afetadas por mudanças políticas ou eleições: sob a democracia prevalece um sistema autoritário, incrustado em especial nos aparelhos de Estado de controle da violência e do crime. Não há nenhuma dúvida de que o processo de consolidação democrática faz emergir e fortalecer os cinco campos que interagem entre si e se sustentam – a sociedade civil, a sociedade política, o Estado de Direito, o aparato estatal (um Estado "usável"), a sociedade econômica, como assim magistralmente propuseram Juan Lins e Alfred Steban.

Paralelamente à operação armada, instalaram-se nas comunidades cariocas as chamadas Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), que tem como objetivo principal, aproximar a força pública da realidade de seus moradores e passar a agir de acordo com suas necessidades, em que pese existirem ainda cerca de mil comunidades no Rio consideradas de extrema pobreza. Desta forma, talvez seja prematuro acreditar ser este o começo de uma solução definitiva, senão apenas mais uma ação midiática da biopolítica que antecede grandes eventos, considerando que a cidade carioca será sede da copa do mundo de 2014 e das olimpíadas de 2016 e num cenário de violência urbana, não se atrai investidores e muito menos capital externo.

Essa miserável realidade de favelas, evidenciada em tantas cidades do Brasil e da América Latina, mais do que políticas de operações policiais, necessita da presença permanente do Estado para implantar serviços públicos a alterar a realidade, de outra forma, estaremos condenados a vivenciar situações que demonstram uma forma de atuar do estado que representa um verdadeiro instituto de legalização da ilegalidade, num contexto aparente de estado de necessidade ao se impor a ordem onde o poder político deixou de estar presente deliberadamente, o que na visão de Nissen (apud AGAMBEN. 2004, p. 73) responde pela "(...) mesma necessidade que Maquiavél exprimia sem restrições quando, no Discorsi, sugeria "romper" o ordenamento jurídico para salvá-lo (‘Porque quando, numa república, falta semelhante meio, se as ordens forem cumpridas, ela vai necessariamente à ruína; ou, para não ir a ruína, é necessário rompê-las’ [ibidem, p. 138])".


CONCLUSÃO

A atuação tardia do Estado em áreas de exclusão social extrema não se tem mostrado legítima e eficaz, uma vez que a atuação nestes verdadeiros cenários de exclusão ou territórios de exceção se faz, em regra, por intermédio de força policial em operações de grande envergadura e com grande utilização de arsenal bélico, mais adequados a um campo de batalha. E, seja onde for, é inadmissível um cenário de guerra a combater inimigos em meio a viventes detentores dos mesmos direitos dos que vivem bem, excluídos de participar da vida política e das decisões de sua comunidade. Como questiona Oliveira (2011, p. 10): "Essa é a primeira pergunta que nos vem à cabeça. Como romper com tais códigos que mantêm relações de assimetria entre os sujeitos e que compromete qualquer tentativa de estabelecimento de uma esfera pública plural e democrática, onde todos possuem as mesmas oportunidades de agir político"?

O Complexo do Alemão e todas as favelas brasileiras apresentam condições sociais e circunstanciais que estimulam o crescimento da violência e da criminalidade, pois se o Estado não oferece condições mínimas de vida e não cumpre com as garantias e direitos previstos em sua constituição, assim, alguns de seus moradores sentem-se estimulados a atuarem para personagens que lhes oferecem, mesmo que ilicitamente, mais atenção e respeito. E atenção e respeito aqui significam poder nas palavras de Martinelli (2011, p. 04) que,

(...) não é apenas o potencial domínio sobre uma área. Também é o poder de transformar a vida própria e da família; é o poder de comprar uma casa, um automóvel, roupas, remédios, e até de ajudar as pessoas próximas. No documentário Notícias de uma guerra particular, um dos traficantes entrevistados reconhece que, apesar de ser crime, o tráfico o ajudou a dar uma aposentadoria digna à mãe. Nessa mesma obra, o então chefe da Policia Civil do Rio de Janeiro, Helio Luz, confirma que o tráfico só não é bom negócio para quem nunca passou fome.

Não se poderá exigir o cumprimento de deveres por parte das pessoas se o estado não respeitar os compromissos assumidos, não se poderá alcançar um ambiente social fraterno se aqueles que detêm o poder ainda o usam timidamente para programar as necessárias reformas que garantam aqui um país livre, desenvolvido e democrático. Se o Estado não mudar sua conduta, seu caráter e sua vontade de acontecer, em breve novas invasões policiais se farão necessárias, seja no Complexo do Alemão ou em qualquer outra área de exclusão social extrema, pois além da presença da força estatal, os viventes necessitam viver bem em um território que lhes permita crescerem como pessoas e como agentes políticos de transformação, iguais aos demais membros deste país. Alerta-nos Arendt (2007, p. 320/321) que "talvez nada indique mais claramente o irrevogável fracasso do homo faber em afirmar-se na era moderna que a rapidez com que o princípio da utilidade, a própria quintessência de sua concepção do mundo, foi declarado inadequado e substituído pelo princípio da maior felicidade do maior número".

No filme Cidade dos Homens, vemos retratado um pouco dessa situação marginal a que está submetida as favelas do Rio e do Brasil onde, frequentemente nascem crianças de pais muito jovens e sem nenhuma responsabilidade ou educação. Essas crianças, na visão do diretor Morelli (2008, p. 11),

(...) crescerão sem pai e serão criadas pelas mães e avós. Para piorar, essas jovens mães são abandonadas pelo Estado que as ignora. Nessas famílias partidas não existe figura paterna. O resultado dessa abstinência é que, quando essas crianças crescem, freqüentemente projetam a imagem paterna no traficante, esse sim poderoso, com dinheiro, mulheres e tênis de marca, numa ilusão de que assim teriam um futuro melhor. O filme joga luz nessa questão pessoal dentro de uma visão social mais ampla. Ao contar a estória do nascimento de um pai que luta para cuidar do seu filho em um lugar incrivelmente hostil, de alguma maneira, contamos a estória de muitos. A despeito do seu abandono, esses jovens são fortes o bastante para guiar suas vidas com alegria e esperança. Tentam construir um presente enquanto sonham com um futuro incerto. O filme tenta se aproximar dessas comunidades e dar voz às suas estórias, materializar seus desejos e humanizar seus conflitos.

As favelas se tornaram um território de exceção, pois aqui há ausência elevada de direitos e garantias constitucionais que determinam muitos problemas graves, pois como diz Agamben (2004, p. 78): "O estado de exceção não é uma ditadura (constitucional ou inconstitucional, comissária ou soberana), mas um espaço vazio de direito, uma zona de anomia em que todas as determinações jurídicas - e, antes de tudo, a própria distinção entre público e privado - estão desativadas". Se existe crime sendo praticado nas favelas também existe sendo praticado por pessoas de classes sociais bem mais favorecidas e por que o Estado não os combate com a mesma força e proporcionalidade? Como adverti Martinelli (2011, p. 04), "a reprimenda somente sobre um dos lados é insuficiente. Não se defende, aqui, maior expansão do direito penal; o que se quer é a igualdade de tratamento a todos que praticam atos ilícitos e a punição a todos que alimentam a miséria humana, não apenas aos miseráveis".

Para tanto, se desejamos que esta paridade seja possível, simultaneamente à constituição de programas sociais, devem os recursos assegurarem a todos os personagens brasileiros independência e capacidade de expressão, respeito e oportunidades iguais para que o sentimento de estima transforme o perfil dos próprios moradores de favelas em personagens atuantes, dentro de uma nova estrutura social firmada na inclusão e na não exclusão. Como afirma Oliveira (2011, p. 12), "(...) mais importantes que dados quantitativos apresentados à opinião pública pelos meios de comunicação sobre os "sucessos do PAC para as comunidades carentes", faz-se necessário considerar os seus resultados qualitativos (...)", em sintonia com o que procuramos demonstrar neste ensaio de que "(…) não basta ser apenas um beneficiário da política do programa, mas, sobretudo, participar da elaboração e da implementação da política como sujeito de proposição na transformação de sua própria realidade".

A ação do Estado em áreas de exclusão social extrema, definitivamente, não pode ter a conotação de extermínio de vidas nuas, uma minoria de miseráveis sobreviventes nascidos em comunidades abandonadas que somente tiveram a oportunidade de aprender a ideologia de um mundo paralelo, inegavelmente diferente desse mundo formal e que não se comunicam e não se compreendem. O ambiente biopolítico não será abandonado, entretanto, pode ceder espaço a um novo Estado que verdadeiramente represente o povo em um processo permanente de modificação da moral vigente que exclui e evidencia preconceitos que corrompem e maculam a construção da democracia plena neste país.

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Sobre o autor
Paulo Roberto de Medeiros

Oficial da Polícia Militar do Estado de Minas Gerais Professor de Direito Penal e Processo Administrativo da Academia de Polícia Militar de Minas Gerais na Escola de Formação de Oficiais Bel em Direito e aluno do Curso de Doutorado em Direito Penal pela Universidade de Buenos Aires, Argentina Especialista em Segurança Pública pela Fundação João Pinheiro, Belo Horizonte/MG Especialista em Educação Física pela Pontifícia Universidade Católica do PR Aluno do Curso de Gestão Estratégica da Academia de Polícia Militar.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MEDEIROS, Paulo Roberto. Atuação tardia do Estado em áreas de exclusão social extrema: o poder biopolítico na invasão do Complexo do Alemão na cidade do Rio de Janeiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3108, 4 jan. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20782. Acesso em: 22 nov. 2024.

Mais informações

Artigo jurídico apresentado como conclusão da disciplina de Teoria del Derecho, do Prof. Dr. Marcelo Rafin, do Curso de Doutorado em Direito Penal da Universidade de Buenos Aires.

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