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A redução da jornada de trabalho: da luta pela saúde à luta pelo emprego

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09/01/2012 às 07:03
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3. A REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA E A REDUÇÃO DA JORNADA DE TRABALHO COMO OPÇÃO AO DESEMPREGO

Independentemente do crescimento econômico do País, o processo de globalização, de transformação dos modelos produtivos e da organização do trabalho fazem gerar uma forte competição entre as empresas, observando-se como estratégia destas o alongamento das jornadas de trabalho através do emprego de horas extras, em vez da contratação de novos trabalhadores.

Assim, a partir desse novo modelo econômico, a política do governo passa a ser de enfatizar a supremacia dos mecanismos de mercado, a retirada do Estado da economia e o incentivo aos círculos de excelência produtiva, o que viabiliza o crescimento econômico mas exclui parcelas crescentes da população - aumentando assustadoramente os níveis de desemprego.

Os anos 90 marcam essa nova fase. As empresas passam a introduzir inovações tecnológicas acompanhadas - e subordinadas - à implementação de novas formas de organização da produção e do trabalho. Surgem assim as "células ou ilhas de produção", grupos de trabalho participativos e polivalentes - além de inúmeros programas de controle e desenvolvimento da qualidade.

O sistema just in time, por exemplo,passa a controlar a produção com o objetivo básico de atender o cliente da empresa o mais rápido possível. Assim, ao envolver as várias etapas da produção no interior das empresas - assim como os fornecedores externos -, faz gerar alterações na natureza do trabalho e das funções laborais.

Os trabalhadores, além de responsáveis por múltiplas funções de operação e controle de qualidade, passam agora a ser submetidos a ritmos muito mais intensos de trabalho. E essa intensificação do trabalho acaba por gerar, a longo prazo, um aumento da exaustão física e psíquica dos trabalhadores, gerando as chamadas "doenças ocupacionais".

A terceirização - outra invenção do sistema capitalista - passa a possibilitar ao empregador a concentração de suas pesquisas, planejamentos e investimentos, tão-somente na atividade-fim de sua empresa. O que significa dizer que se transfere o conjunto das atividades, seja de apoio ou mesmo de produção, para outras empresas, objetivando reduzir custos e simplificar o processo produtivo. Tal medida fez gerar rebaixamento salarial e informalização das relações de trabalho, colaborando para o que se chama de "precarização dos postos de trabalho".

A partir daí, o que se observa é que tais mudanças fazem gerar períodos de crescimento sustentado das taxas de produtividade, diminuindo os custos relativos da força de trabalho, além do tempo necessário da produção. E, nesse sentido, dados do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Sócioeconômicos (DIEESE, 2004) destacam que, somente na indústria, a produtividade já dobrou nos últimos dez anos, o que possibilitaria aos trabalhadores reivindicarem jornadas de trabalho menores - sem se falar em aumento demasiado de custos pelos empresários.

Para as Centrais Sindicais, a implementação da redução de jornada serviria como um mecanismo eficaz de abertura de novos postos de trabalho, pois novos trabalhadores poderiam desempenhar as tarefas anteriormente realizadas no período suprimido.

Ademais, considerando a exigência cada vez maior de qualificação profissional para preenchimento de novos postos de trabalho e daqueles já ocupados, o tempo livre possibilitaria a milhares de pessoas a disponibilidade de carga horária para tal especialização.

O desfecho desse quadro seria a retirada de milhões de pessoas da situação de desemprego, problema este que tanto colabora para o aumento da violência, da evasão escolar, além de inúmeras outras questões, tais como a perda de recolhimentos à Previdência Social - esta já tão debilitada.

Partindo-se do pressuposto que a redução da jornada de trabalho diminuiria o desemprego, defendem os Sindicalistas que haveria um aumento da massa salarial, o que causaria elevação do consumo e do crescimento econômico, além da ampliação da arrecadação dos impostos e a diminuição dos gastos sociais, como o seguro-desemprego.

Contudo, a análise não é tão simples assim. É necessário a consideração de algumas questões paralelas que o tema abarca, tais como a interferência do mecanismo das horas extras e o controle governamental do incremento tecnológico.

Isso porque, da análise da redução da jornada semanal de trabalho ocorrida no Brasil, em 1988, quando então a jornada máxima legal passou de 48 para 44 horas semanais, surgem indícios que muitos postos de trabalho foram perdidos em razão da desconsideração dessas questões.

SADI DAL ROSSO (1998, p.78), verificando os efeitos sofridos pelo Brasil quando da redução da jornada de trabalho implementada pela Constituição Federal de 1988, estuda detalhadamente a diminuição da jornada e seu efeito no emprego, fazendo uma análise em termos quantitativos. E, como resultado de seu estudo, conclui que a alteração elevou a oferta de novos postos de trabalho.

Entretanto, ressalta que o "efeito emprego" ficou em torno de 0,7%, o que estaria muito abaixo dos 8,33% esperados. Diante desse quadro, como aponta o autor, é primordial que se controle as horas extras, pois o que se observou foi que, logo após a promulgação da Constituição de 1988, a utilização de jornadas extraordinárias pelo setor de empregos formais pulou de 24,4% para 41,2%. E, como esse aumento assustador ocorreu logo após a entrada em vigor da nova legislação, houve uma conclusão lógica, por parte do autor, que tal mecanismo serviu como válvula de escape para as empresas deixarem de contratar novos funcionários.

Outro importante estudo foi feito por economistas da USP e PUC-RJ (GONZAGA, MENEZES FILHO E CAMARGO, 2003). Os pesquisadores, ao estudarem os efeitos da redução da jornada de trabalho prescrita pela Constituição Federal de 1988 sobre o mercado de trabalho, chegaram a conclusões igualmente satisfatórias.

Os autores, por meio de resultados empíricos, conseguiram demonstrar que a alteração da Constituição provocou uma diminuição da jornada efetiva de trabalho, além de ter aumentado o salário-hora dos trabalhadores empregados na época.

Fora isso, descobriram que tal alteração não afetou a probabilidade de o trabalhador ficar desempregado em 1989. O emprego, muito pelo contrário, se tornou mais estável no referido ano, porquanto houve uma diminuição da probabilidade de o trabalhador afetado ficar sem emprego. E, por tudo isso, concluíram os autores que, pelo menos no período de 1988 a 1989, não foram constatados efeitos negativos na questão do emprego.

Assim, todos esses estudos mostram-se importantes, pois existe também um movimento em sentido contrário ao Sindicalismo, representado principalmente pela Confederação Nacional da Indústria e pela FIESP (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo). Estas pressupõem um aumento da folha de pagamento das empresas, e, como resultado disso, há a ocorrência de demissões, perda de competitividade do Brasil no mercado internacional e aumento da automatização nas indústrias.

O setor empresarial, dessa forma, quando não comprometido com a causa de "gerar novos postos de trabalho", acaba por aumentar a carga horária de seus empregados, em vez de contratar novos funcionários. Visam ao máximo diminuir suas perdas, disseminando a ideia de que a saída para o problema não estaria em se mudar a legislação nacional, e sim flexibilizar a jornada de trabalho e se negociar através de acordos e convenções coletivas.

Mas a realidade é outra. Dados apurados pelo DIEESE (1997) constataram (em 1988) que, dos documentos firmados entre empregados e empregadores no setor privado - registrados pelo Sistema de Acompanhamento de Contratações Coletivas - SACC/DIEESE, entre 1993 e 1995 -, 51 instrumentos apresentaram pelo menos uma cláusula relativa à jornada de trabalho – porém apenas 11 continham efetivamente algum tipo de redução do tempo laboral.

Consequentemente, desses 11 instrumentos encontrados, 05 referiam-se a categorias diferenciadas; 01 instrumento reduzia a jornada apenas em um período do ano; um único instrumento vinculava a redução da jornada de trabalho à sua flexibilização; e 03 implantavam a redução da jornada no seu setor administrativo.

Para aqueles que reduziram a jornada de seu setor administrativo, um exemplo foi o caso da ex-Coperbo (PE), que, em 1993, instituiu uma jornada de 42 horas semanais para os seus empregados e, em 1995, baixou essa jornada para 40 horas semanais. A Acesita e a Bahia Sul Celulose também - em 1993 - instituíram uma jornada para os seus empregados de 43,5 horas semanais e, em 1994, reduziram-na para 41 horas, adotando mais à frente - em 1995 - a jornada de 40 horas semanais.

Todavia, apenas 01 instrumento estendeu a redução da jornada para todos os seus empregados, sem falar em qualquer tipo de flexibilização, que foi a negociação conquistada pelos trabalhadores do setor de papel e papelão de Lajes, em Santa Catarina - a qual implantou a redução da jornada para 42,5 horas semanais, em 1994.

Por fim, o DIEESE (1997) constatou que, do conteúdo das cláusulas pesquisadas nos acordos e convenções coletivas de trabalho nos últimos anos, nenhuma negociação tratou da regulamentação da adoção desses processos de inovação tecnológica e organizacional pelas empresas, o que faz gerar um impacto extremamente negativo sobre o nível de emprego, significando a eliminação de muitos postos de trabalho.

Ademais, nesse mesmo sentido, buscando tornar mais concreta essa ideia da redução da jornada de trabalho, vale ressaltar ainda algumas experiências já ocorridas no Brasil.

SADI DAL ROSSO (1996, p. 328) analisa, assim, uma Indústria do ABC Paulista que, desde a sua instalação no Brasil, introduziu a jornada de trabalho de 40 horas semanais, seguindo o padrão de trabalho norte-americano.

A "Equipamentos Metal Ltda", nome fictício dado a essa empresa no intuito de evitar sua identificação, instalou-se em Diadema, São Paulo, em 1978 - tendo como produção máquinas de largo porte, para varrer, lavar e secar grandes áreas como fábricas, rodoviárias, aeroportos e hospitais.

A empresa multinacional que conta com capital norte-americano tem outras fábricas localizadas nos EUA, Inglaterra, Holanda, Japão, Canadá e Austrália, e sempre manteve a jornada de 40 horas semanais sem problemas. Seu diretor de pessoal, inclusive, chegou a afirmar que "a jornada de quarenta horas é vantajosa para a empresa porque o pessoal se interessa muito mais, porque é uma vantagem oferecida quando se quer contratar e porque aumenta o emprego"; ou seja, os trabalhadores mantêm maior atenção, concentração e menor cansaço - o que acaba por gerar uma maior produtividade.

A Volkswagen do Brasil, em São Bernardo do Campo, uma das maiores empresas automobilísticas do País, também já fechou diversos acordos com o Sindicato de seus trabalhadores, versando sobre jornada de trabalho. E foi assim que, em novembro de 2001, firmou uma redução na jornada de trabalho dos seus empregados para 34 horas semanais (CHAIM, 2002).

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Desse modo, na ocasião, o acordo levou em consideração a demanda da fábrica, estipulando, em 2002, jornadas diferenciadas por mês. Assim, fixou-se 34 horas para os meses de janeiro e fevereiro; 40 horas para os meses de março e abril; 42 horas para maio; 40 horas em junho; e 34 horas para os meses de julho a novembro. Em dezembro, para compensar os 15 dias de férias do final de ano, a jornada semanal ficou fixada em 40 horas.

Nesse caso, a redução da jornada foi acompanhada por uma redução do salário em 12,5%, aplicando-se, ademais, o banco de horas como forma de flexibilização da duração da jornada de trabalho. À época, o seu vice-presidente chegou a afirmar que a redução dava fôlego para a empresa e qualidade de vida aos funcionários - mas infelizmente tais conquistas acabaram por retroceder nos anos seguintes.

Na Cofap, de São Bernardo do Campo, a reivindicação histórica dos metalúrgicos do ABC também já obteve conquistas. Em 01° de março de 2004, começou a valer a redução da jornada de trabalho - porém sem diminuição de salário - para 40 horas e 40 minutos, enfatizando a Empresa o enfoque na geração de novos postos de trabalho. Contudo, da mesma forma que a Volks, tal conquista acabou se mostrando temporária.

Mais recentemente, os trabalhadores da Metalúrgica Gestamp, em São José dos Pinhais/PR, firmaram um acordo de redução da jornada, sem redução salarial, de 42 horas para 40 horas. A medida, que começou a valer em janeiro de 2010, também foi seguida por outras fábricas situadas em Curitiba, tais como a TK Sofedit, Aethra e Keiper, o que acabou por totalizar um montante de 2 mil trabalhadores beneficiados.

Por fim, vale ressaltar que não é só na Metalurgia que foram firmados acordos de redução da jornada de trabalho. O Sindicato dos Trabalhadores em Processamento de Dados do Estado de São Paulo fechou um acordo com o Sindicato das Empresas de Processamento de Dados que concedeu reajuste de 6% nos salários e redução de 40 horas semanais a partir de janeiro de 2011.

Mas analisando-se a tese Patronal da preferência pelas negociações coletivas, constata-se que, apesar de o Brasil apresentar inúmeras negociações coletivas bem-sucedidas, no que diz respeito à redução da jornada de trabalho, tal mecanismo ainda se mostra impotente e insuficiente frente à totalidade das empresas e da população economicamente ativa que compõem a economia brasileira.

Como bem define a CLT, no seu art.611, a Convenção Coletiva de Trabalho "é o acordo de caráter normativo, pelo qual dois ou mais Sindicatos representativos de categorias econômicas e profissionais estipulam condições de trabalho aplicáveis, no âmbito das respectivas representações, às relações individuais de trabalho", sendo "facultado aos Sindicatos representativos de categorias profissionais celebrar Acordos Coletivos com uma ou mais empresas da correspondente categoria econômica, que estipulem condições de trabalho, aplicáveis no âmbito da empresa ou das acordantes respectivas relações de trabalho".

Assim, tais negociações coletivas se apresentam limitadas, na medida em que se mostram necessariamente temporárias e reversíveis, ou seja, possuem prazo máximo de vigência de 02 anos, segundo consta da redação do art.614, § 3°, da CLT. Ademais, abrangem somente os sujeitos aptos a negociar, quais sejam, as categorias profissionais, setores da atividade econômica ou empresas - o que acaba por excluir grande parte da população ativa brasileira, principalmente os trabalhadores de pequenos estabelecimentos não representados por grandes Sindicatos.

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Sobre a autora
Marluce de Oliveira Rodrigues

Graduada em Direito pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). Pós-Graduada em Direito do Trabalho pela Universidade Gama Filho (UGF). Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF). Estudante Pesquisadora no Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Trabalho, Política, Movimentos Sociais e Serviço Social da UFF.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RODRIGUES, Marluce Oliveira. A redução da jornada de trabalho: da luta pela saúde à luta pelo emprego. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3113, 9 jan. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20807. Acesso em: 26 abr. 2024.

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