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Como perder uma oportunidade de ficar calado.

Os Vetos à Lei 9.957/2000

01/10/2001 às 00:00
Leia nesta página:

Sumário: 01. Introdução. 02. O veto ao § 5º do art. 852-H. 03. O veto do § 2º do Art. 852-I. 04. O veto do inciso I do art. 895. 05. Considerações Finais.Notas


01. Introdução.

Existem certas oportunidades na vida em que o silêncio é a melhor opinião a ser dada!

Este foi o primeiro pensamento que me veio à mente quando tive acesso aos vetos presidenciais à Lei 9.957/2000, que instituiu o rito sumaríssimo no processo trabalhista.

De fato, tal novel procedimento, da forma como veio disciplinado no texto ao final editado, aparenta ser menos um nascituro no ordenamento jurídico, com as imperfeições naturais a serem sanadas e temperadas pela jurisprudência especializada, e mais um "Frankenstein" normativo, totalmente descaracterizado do seu projeto e proposta original.

A finalidade declarada deste rápido artigo, portanto, é analisar, ainda sob o impacto da sua publicação, os (lamentáveis) vetos presidenciais ao novo diploma legal.


02. O veto ao § 5º do art. 852-H.

O § 5o do art. 852-H estava assim redigido:

      "Art. 852-H......................................................

§ 5o Faculta-se às partes, no prazo comum de setenta e duas horas, a apresentação de quesitos, vedada a indicação de assistente técnico."

Nas razões de veto, explicou o Exmo. Sr. Presidente da República que "o prazo de 72 horas para apresentação de quesitos pode, em alguns casos, ser excessivo, já que tal ato processual poderá ser praticado na própria audiência, como de resto todos os demais, ou em prazo inferior a 72 horas, segundo o prudente critério do juiz. Ademais, em homenagem ao princípio da ampla defesa, não se justifica a vedação de indicação de assistente técnico, que em nada atrasa a prova pericial, pois seu laudo deve ser apresentado no mesmo prazo dado ao perito do juízo."

Ora, se o procedimento sumaríssimo pretende que todos os atos sejam praticados em audiência, é lógico que a realização da prova pericial imporá o fracionamento da assentada.

O veto à proibição de indicação de assistentes técnicos é, dentro da lógica do absurdo (adotada pelo Poder Executivo, já que a redação original do projeto era sua), a menos ruim, vez que privilegia o princípio constitucional da ampla defesa.

Todavia, tal veto acaba por gerar uma controvérsia sobre a aplicabilidade ou não das regras do CPC na espécie, vez que há quem defenda, como José Luiz Ferreira Prunes(1), que a própria indicação de assistentes técnicos é inaplicável ao processo do trabalho, por ter regras próprias na Lei 5.584/70.

Este veto, portanto, impediu que a controvérsia doutrinária fosse encerrada (ou, no mínimo, diminuída), deixando uma "lacuna" legal que somente será preenchida, a passos lentos, pela diuturna prática jurisprudencial.


03. O veto do § 2º do Art. 852-I.

Já o art. 852-I tinha um § 2º com a seguinte redação:

      "Art. 852-I.........

§ 2o Não se admitirá sentença condenatória por quantia ilíquida."

Este dispositivo foi vetado sob a justificativa de que "poderá, na prática, atrasar a prolação das sentenças, já que se impõe ao juiz a obrigação de elaborar cálculos, o que nem sempre é simples de se realizar em audiência".

Este veto tem sido objeto de execrações em dois sentidos distintos.

O primeiro é porque, em uma lei que pretende dar maior efetividade ao processo trabalhista, acaba-se por não enfrentar um de seus maiores entraves, que é a liquidação sentença, uma vez que, se mantida a obrigatoriedade da sentença líquida constante do projeto original, economizar-se-ia longo tempo do processo de execução, já que, se admitido recurso contra a decisão, a falta de insurgência contra os parâmetros de cálculos implicaria no seu reconhecimento, caso a sentença fosse mantida (como na maioria dos casos).

O que faltou, na espécie, foi coragem para exigir que toda decisão prolatada, em qualquer grau de jurisdição, fosse líquida, o que transparece da parte final do veto, ao afirmar que seria "prudente vetar o dispositivo em relevo, já que a liquidação por simples cálculo se dará na fase de execução da sentença, que, aliás, poderá sofrer modificações na fase recursal.

A outra linha de crítica do veto parte daqueles que interpretam teleologicamente a norma, pois se é exigido que a petição inicial indique pedido certo ou determinado, com os valores correspondentes, tem-se, por disposição expressa do parágrafo único do art. 459 do CPC, que quando "o autor tiver formulado pedido certo, é vedado ao Juiz proferir sentença ilíquida".

Ora, se a intenção da nova lei foi dar celeridade ao feito, exigindo, no entender de parte da doutrina, inclusive, a petição inicial líquida (e não somente certa e determinada), afastar a obrigatoriedade da sentença líquida é um contra-senso. Afinal de constas, por mais que a decisão demorasse para ser prolatada, por certo demoraria menos do que toda a via crucis ora existente na fase de liquidação do julgado, com idas e vindas decorrentes de outra infeliz intervenção do legislador com a Lei 8.432/92 (que instituiu o procedimento "alternativo" de quantificação do julgado por simples cálculos, o que é outra história...).


04. O veto do inciso I do art. 895.

Por fim, o inciso I do § 1º do art. 895, que tratava do recurso ordinário, também vetado, tinha o seguinte texto:

      "Art. 895 .....................

I - somente será cabível por violação literal da lei, contrariedade a súmula de jurisprudência uniforme do Tribunal Superior do Trabalho ou violação direta da Constituição da República, não se admitindo recurso adesivo;"

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Explicando o motivo do veto, afirmou o Chefe do Poder Executivo que "não seria conveniente manter a regra insculpida no inciso I do § 1o do art. 895, que contém severa limitação do acesso da parte ao duplo grau de jurisdição, máxime quando já se está restringindo o acesso ao Tribunal Superior do Trabalho."

Este é, sem sombra de dúvida, o mais inexplicável dos vetos.

Com efeito, se o sentido da lei é dar celeridade ao processo e é senso comum que o momento que mais o atrasa é a fase recursal, permitir, ainda, o Recurso Ordinário, de forma ampla, neste rito é manter tudo do jeito que está.

Note-se, a propósito, que a Lei 5.584/70, que já previa um rito sumário no processo trabalhista, permitia (e continua permitindo, tendo em vista o jeito que a lei nova ficou) a irrecorribilidade em processos (ou seja, instância única, salvo matéria constitucional) em que a alçada fosse fixada em valor inferior ao dobro do salário mínimo legal, o que nunca foi considerado inconstitucional pelos tribunais superiores.

Ademais, todo o procedimento da nova lei (com registro resumido de depoimentos - art. 852-E - e dispensa do relatório - art. 852-I) somente tem sentido em instância única, pois se a matéria de fato poderá ser revista por uma instância superior, não é recomendável que o Juiz não registre em ata tudo que as partes solicitarem, pois isto poderá caracterizar um efetivo cerceio do direito de defesa (ou de produção de prova), contraditório e devido processo legal.

Como se tudo isto não bastasse, é, no mínimo, surreal, que o Poder Executivo vete um dispositivo pelo qual lutou tanto, já que era a essência do rito sumaríssimo.

Tal veto somente pode se justificar por algum tipo de lobby poderoso dos chamados "Tribunais nanicos" que, em um rito sem cabimento do Recurso Ordinário em matéria de fato, poderiam dar novo alento aos que propuseram sua extinção, já que fatalmente "morreriam por inanição", em função de uma considerável diminuição do movimento processual.


05. Considerações Finais.

De tudo quanto foi exposto, com a descaracterização praticamente completa da Lei, por causa de três infelizes vetos, e tendo em vista que o Sr. Presidente da República não tem formação jurídica para propô-los, uma única conclusão se eleva: alguém perdeu uma excelente oportunidade de ficar calado!

E por causa desta tagarelice inoportuna, convivamos nós, meros mortais, com o fruto mal legislado de uma boa idéia, que somente o tempo, senhor de toda razão, pode dizer se dará certo.


Nota

1. A Prova Pericial no Processo Trabalhista, São Paulo, LTr Editora, 1995.

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Sobre o autor
Rodolfo Pamplona Filho

juiz do Trabalho na Bahia, professor titular de Direito Civil e Direito Processual do Trabalho da Universidade Salvador (UNIFACS), coordenador do Curso de Especialização Lato Sensu em Direito Civil da UNIFACS, mestre e doutor em Direito do Trabalho pela PUC/SP, especialista em Direito Civil pela Fundação Faculdade de Direito da Bahia

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Como perder uma oportunidade de ficar calado.: Os Vetos à Lei 9.957/2000. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 6, n. 51, 1 out. 2001. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2089. Acesso em: 29 mar. 2024.

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