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A evolução do princípio da igualdade e sua aplicação sob a ótica material na Constituição Federal

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24/01/2012 às 09:12

Resumo:


  • O princípio da igualdade evoluiu da igualdade formal, baseada na uniformidade perante a lei, para a igualdade material, que reconhece a necessidade de tratamentos diferenciados para grupos vulneráveis.

  • A igualdade material implica tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais na medida de suas desigualdades, promovendo justiça social e acessibilidade de oportunidades.

  • A Constituição Federal de 1988 incorporou o princípio da igualdade material em diversos dispositivos, buscando concretizar a dignidade da pessoa humana e reduzir desigualdades sociais e econômicas.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

3. O princípio da igualdade material na Constituição Federal

Como já demonstrado anteriormente, a igualdade formal, entendida como a igualdade perante a lei, tem sido insuficiente para que se efetive a igualdade material, sendo necessário o resgate do princípio aristotélico de justiça distributiva, que determina o tratamento igual dos iguais e o tratamento desigual dos desiguais na medida da desigualdade. Essa preocupação veio traduzida na Constituição Federal de 1988.

Já no preâmbulo da Constituição Federal, a igualdade e a justiça aparecem como valores supremos da sociedade. Cabe lembrar que apesar de o preâmbulo da Constituição não possuir caráter normativo, poderá ser utilizado como fonte de interpretação das normas constitucionais, já que nele estão traçadas as diretrizes políticas, filosóficas e ideológicas da Constituição.

Além disso, não podemos deixar de mencionar o princípio fundamental da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CF/88), que deverá orientar a interpretação de todo o ordenamento jurídico. Portanto, o princípio da igualdade deve ser observado com a finalidade de concretizar a dignidade da pessoa humana. Para que isso ocorra, alguns segmentos da sociedade necessitam de tratamento legislativo diferenciado, possibilitando aos seus membros o gozo de uma vida com dignidade ou o tratamento com dignidade diante de certas situações em razão de sua vulnerabilidade.

Destaque-se, também, que a ideia de igualdade consta entre os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, previstos no art. 3º da Constituição Federal ("I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; III - (...) reduzir as desigualdades sociais e regionais e; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação"). Essas normas programáticas têm como meta o alcance da igualdade material e vinculam o legislador, que deverá editar normas que possibilitem a redução das desigualdades sociais, econômicas e culturais.

Ao tecer seus comentários a respeito dos objetivos fundamentais da República, Alexandre de Moraes faz a seguinte observação:

"Os poderes públicos devem buscar os meios e instrumentos para promover condições de igualdade real e efetiva e não somente contentar-se com a igualdade formal, em respeito a um dos objetivos fundamentais da República: construção de uma sociedade justa.

Para adoção desse preceito deve existir uma política legislativa e administrativa que não pode contentar-se com a pura igualdade legal, adotando normas especiais tendentes a corrigir os efeitos díspares ocasionados pelo tratamento igual dos desiguais" [16].

A Constituição Federal abre o título dos direitos e garantias fundamentais afirmando no "caput" do art. 5º que "todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza". A igualdade de todos prevista neste artigo deve se compatibilizar com o princípio da dignidade da pessoa humana e com os objetivos definidos no art. 3º. Portanto, não basta ao Estado se abster de discriminar, mas deve também atuar positivamente no sentido da redução das desigualdades e da inclusão social.

Ainda no artigo 5º, verificamos que o inciso XXXII [17] dispõe a respeito da defesa do consumidor, que deve ser tratado legislativamente de forma diferenciada dentro da relação de consumo, em razão de sua vulnerabilidade diante das práticas abusivas do mercado, promovendo assim a igualdade material entre o consumidor e o fornecedor.

Os incisos LXXIV [18] e LXXVI [19] do art. 5º determinam a prestação pelo Estado de assistência jurídica integral, bem como a obtenção do registro de nascimento e da certidão de óbito gratuitamente àqueles que comprovarem a insuficiência de recursos. Tais dispositivos pretendem efetivar a igualdade material, pois permitem aos hipossuficientes o pleno acesso à Justiça, bem como a igualdade de tratamento e de oportunidades, atendendo, assim, ao princípio da dignidade da pessoa humana.

A igualdade material também está prevista nos direitos sociais (art. 7º, CF/88), como mencionamos no item anterior, ao tratarmos das ações afirmativas. Ademais, corroborando a necessidade de concretização de um novo modelo estatal, que atua positivamente para que haja igualdade de oportunidades para os grupos menos favorecidos, a Lei Maior, ao dispor sobre a organização do Estado, deixa expresso no inciso X, do art. 23, que é competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios "combater as causas da pobreza e os fatores de marginalização, promovendo a integração social dos setores desfavorecidos".

Importante registrar a preocupação da ordem econômica (art. 170 CF/88) em assegurar a todos a existência digna, conforme os ditames da justiça social, incluindo entre os seus princípios a redução das desigualdades regionais e sociais [20]. Além disso, o inciso IX deste artigo dispõe a respeito do "tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País".

A busca da igualdade material está positivada ainda no art. 193 da Constituição Federal, que fixa como objetivos da ordem social o bem-estar e a justiça sociais [21]; no art. 196, que impõe o dever do Estado de garantir o acesso universal e igualitário às ações de saúde [22]; no inciso I, do art. 206, que inclui entre os princípios da educação a igualdade de condições para o acesso e permanência na escola [23]; no art. 227, que determina o tratamento prioritário e diferenciado da criança e do adolescente [24]; no inciso II, do parágrafo 1º, do art. 227, que impõe a implementação de programas de atendimento especializado para as pessoas portadoras de deficiência física, sensorial ou mental, bem como de integração social do adolescente e do jovem portador de deficiência [25]; no art. 244, que fixa que a lei disporá sobre a adaptação dos logradouros, edifícios públicos e veículos de transporte coletivo, permitindo a acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência [26], entre outros dispositivos.

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Por fim, cabe citar o princípio da capacidade contributiva, expresso no parágrafo 1º do art. 145 da Constituição Federal [27], que pretende efetivar a justiça distributiva fiscal ao dispor que os impostos serão graduados na medida da capacidade econômica dos contribuintes, permitindo o tratamento tributário diferenciado de grupos de contribuintes, de acordo com a situação econômica de cada grupo.

Verifica-se, diante do exposto, que o princípio da igualdade sob a ótica material foi positivado em diversos dispositivos da Constituição Federal, que se tornaram fundamento de validade das normas infraconstitucionais, estabelecendo discriminações positivas para certos grupos de pessoas, como, por exemplo, o art. 373-A da CLT e o parágrafo 3º do art. 10 da Lei nº 9.504/97 (Mulheres); a Lei nº 7853/89 e o parágrafo 2º do art. 5º da Lei nº 8.112/90 (Portadores de Deficiência); a Lei nº 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente); a Lei nº 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor), entre outras.


Conclusão

Podemos concluir ao final de nosso estudo que, sob o ângulo material, o princípio da igualdade admite a discriminação desde que o discrímen seja empregado com a finalidade de promover a efetiva igualdade de oportunidades e de tratamento em face das diferenças biológicas, sociais e culturais.

Para que não haja violação ao princípio da igualdade, o tratamento legislativo diferenciado para certos grupos de pessoas ou para situações específicas deve estar de acordo com os interesses protegidos pela Constituição Federal.

A Constituição Federal de 1988 estabeleceu implícita e expressamente os casos em que o princípio da igualdade deve ser aplicado em sua ótica material, visando à concretização do princípio da dignidade da pessoa humana e dos objetivos traçados em seu art. 3º. Com isso, a Lei Maior trouxe o fundamento de validade das legislações infraconstitucionais que criam direitos diferenciados para segmentos da sociedade considerados vulneráveis.

Portanto, é possível afirmar que a Constituição de 1988 consolidou o novo conteúdo semântico do princípio da igualdade juntamente com a nova concepção do papel do Estado Brasileiro, que assume a postura ativa, implementando políticas e programas que promovem a igualização na fruição de direitos, concretizando a ideia de Estado Democrático de Direito.


Bibliografia

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TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. 2ª ed., São Paulo: Saraiva, 2003.


Notas

  1. Curso de Direito Constitucional Positivo. 24ª ed., São Paulo: Malheiros, 2005, p.172/175.
  2. "No centro do período axial, entre 600 e 480 a.C., coexistiram, sem se comunicarem entre si, alguns dos maiores doutrinadores de todos os tempos: Zaratustra na Pérsia, Buda na Índia, Lao-Tsé e Confúncio na China, Pitágoras na Grécia e o Dêutero-Isaías em Israel. Todos eles, cada um a seu modo, foram autores de visões do mundo, a partir das quais estabeleceu-se a grande linha divisória histórica: as explicações mitológicas anteriores são abandonadas, e o curso posterior da História passa a constituir um longo desdobramento das idéias e princípios expostos durante esse período". COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 6ªed., São Paulo: Saraiva, 2008, p.8.
  3. Ética a Nicômaco. Os Pensadores: Abril Cultural, 1979, p.129
  4. RAMOS, André de Carvalho. Teoria Geral dos Direitos Humanos na Ordem Internacional. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p.84/85.
  5. Curso de Direito Constitucional Positivo, 24ª ed., São Paulo: Malheiros, 2005, p. 216.
  6. Manual de Filosofia do Direito. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 345.
  7. MARQUES, Claudia Lima; BENJAMIN, Antônio Herman V.; MIRAGEM, Bruno. Comentários ao Código de Defesa do consumidor: arts. 1 ao 74: aspectos materiais. 2ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 41.
  8. TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. 2ª ed., São Paulo: Saraiva, 2003, p. 414.
  9. O conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3ª ed., São Paulo: Malheiros, 2003, p.21.
  10. Ibidem, p.43.
  11. Direito Constitucional. Teoria do Estado e da Constituição. Direito Constitucional Positivo. 12ª ed., Belo Horizonte: Del Rey, 2006, p. 531.
  12. "Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: (...) XX - proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos, nos termos da lei".
  13. STJ - REsp 1179115/RS, 2.ª T., j. 11.05.2010 - v.u. - rel. Min. Herman Benjamin - DJe12.11.2010. Ver nesse mesmo sentido: STJ, REsp 1132476/PR, 2ª T., j. 13/10/2009, v.u., rel. Min. Humberto Martins, DJe 21/10/2009; TRF 5ª Região, APELREEX 19116/PB, 2ª T., j. 04/10/2011, v.u., rel. Des. Fed. Francisco Barros Dias, DJe 13/10/2011; TRF 2ª Região, AMS 2008.38.03.009930-3/MG, 5ª T., j. 30/11/2011, v.u., rel. Des. Fed. Selene Maria de Almeida, e-DJF1 de 09/12/2011..
  14. TRF 4ª Região, EINF 2008.71.00.002224-2, Segunda Seção, j. 04/11/2011, v.u., rel. Des. Fed. Jorge Antonio Maurique, D.E. 23/11/2011.
  15. A constitucionalidade do "sistema de cotas" também é objeto da ADPF 186/DF, ajuizada pelo Partido Democratas-DEM, buscando a declaração da inconstitucionalidade dos atos da Universidade de Brasília – UNB, que utilizaram o critério étnico-racial na seleção de candidatos para ingresso na universidade. A medida cautelar foi indeferida e a ação aguarda julgamento.
  16. Direitos Humanos Fundamentais: teoria geral, comentários aos arts. 1º a 5º da Constituição da República Federativa do Brasil, doutrina e jurisprudência, 8ª ed., São Paulo: Atlas, 2007, p. 65
  17. "Art. 5º (...); XXXII - o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor"
  18. "Art. 5º (...); LXXIV - o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos".
  19. "Art. 5º (...);LXXVI - são gratuitos para os reconhecidamente pobres, na forma da lei:
  20. a)o registro civil de nascimento;

    b)a certidão de óbito;

  21. "Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: (...)VII - redução das desigualdades regionais e sociais".
  22. "Art. 193. A ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais".
  23. "Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação".
  24. "Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola".
  25. "Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão".
  26. "Art. 227. (...); § 1º O Estado promoverá programas de assistência integral à saúde da criança, do adolescente e do jovem, admitida a participação de entidades não governamentais, mediante políticas específicas e obedecendo aos seguintes preceitos: (...) II - criação de programas de prevenção e atendimento especializado para as pessoas portadoras de deficiência física, sensorial ou mental, bem como de integração social do adolescente e do jovem portador de deficiência, mediante o treinamento para o trabalho e a convivência, e a facilitação do acesso aos bens e serviços coletivos, com a eliminação de obstáculos arquitetônicos e de todas as formas de discriminação".
  27. "Art. 244. A lei disporá sobre a adaptação dos logradouros, dos edifícios de uso público e dos veículos de transporte coletivo atualmente existentes a fim de garantir acesso adequado às pessoas portadoras de deficiência, conforme o disposto no art. 227, § 2º".
  28. "Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos: (...)§ 1º - Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte".
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Sobre a autora
Anna Luiza Buchalla Martinez

Procuradora da Fazenda Nacional. Mestre em Direitos Difusos e Coletivos pela UNIMES. Especialista em Direito Tributário pelo IBET.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARTINEZ, Anna Luiza Buchalla. A evolução do princípio da igualdade e sua aplicação sob a ótica material na Constituição Federal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3128, 24 jan. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20924. Acesso em: 22 dez. 2024.

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