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Capital x trabalho na Constituição Federal de 1988 e a opção por soluções de mercado

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29/01/2012 às 12:40

Resumo:


  • O Preâmbulo da Constituição Federal propõe uma sociedade baseada na harmonia e justiça, mas a realidade revela um conflito intrínseco entre capital e trabalho, agravado pelo sistema capitalista.

  • A Constituição valoriza o trabalho humano e a livre iniciativa, mas esta valorização muitas vezes se traduz em uma competição que pode desfavorecer o trabalhador diante do poder do capital.

  • Existe um impasse hermenêutico na Constituição sobre como tratar o conflito entre capital e trabalho, que pode ser abordado de maneira mais filosófica e principiológica ou de maneira mais confrontativa, refletindo os choques históricos entre esses dois vetores.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

6. A natural opção capitalista da Constituição Federal.

Não apenas o texto constitucional, em seu artigo 170, supratranscrito, traduz a opção capitalista da Constituição Federal, tornando-se útil retranscrevê-lo novamente:

"artigo 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: I – soberania nacional; II – propriedade privada; III – função social da propriedade; IV – livre concorrência; V – defesa do consumidor."(grifei)

Observe-se na praxis dos grupos políticos sócio-trabalhistas que seus reclamos pelos "ditames da justiça social" fotografam a dificuldade de sua inclusão em sistema de "livre concorrência", quando se percebe que tais reclamos teriam que ser identificados e recolhidos pelos sindicatos de trabalhadores de cada categoria, e trazido ao embate, em regime de "livre concorrência" frente aos sindicatos patronais, concorrendo ambos para a elaboração de acordos de trabalho e outros que tentariam traduzir tais "ditames".

Nem poderia ser outra a obra legislativa do conjunto de deputados com o perfil conservador conforme pesquisa de Leôncio M. Rodrigues, anteriormente citada, quando conclui:

"O segmento dos empresários é predominante. Contando todos os setores e ramos de atividade econômica e ignorando a dimensão dos empreendimentos, 44% dos deputados tinham (ou têm) atividades de tipo empresarial, como proprietários, sócios ou administradores. Junto como os profissionais liberais e profissões intelectuais, os empresários perfazem 75% dos parlamentares." [24](grifei)

A opção constitucional é feita, portanto, na direção do sistema capitalista, implicando em que os demais fundamentos contidos no artigo 170, - como "existência digna", "ditames da justiça social" e "função social da propriedade" ou ficam em segundo plano, - expressando as negociações havidas entre constituintes conservadores e progressistas – ou devem ser enquadrados na moldura capitalista que compõem o texto deste citado artigo, - expressando, como consequência, uma preferência menor ou secundária com relação a tais fundamentos sociais, tendo sido usados, à época, para compor com grupos políticos progressistas a aprovação final do texto constitucional, conforme mencionado acima, e novamente transcrito:

"Se os progressistas foram mais bem-sucedidos nas subcomissões e comissões temáticas, apoiados, principalmente, pelos movimentos sociais, na Comissão de Sistematização eles tiveram que retroceder e negociar com as forças conservadoras." [25]

Se retirássemos ao artigo 170, a parte de texto que o compromete com o capitalismo, - seus incisos II, propriedade privada e IV, livre concorrência - que implicam na adesão da CF ao sistema capitalista, e sem que tal alternativa redacional trouxesse qualquer dificuldade de leitura a seu hipotético engajamento social, teríamos outro texto – quimera (social)! - com este mesmo artigo 170 re-redigido, e de diferente e oposto significado:

"Artigo 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: (I –soberania nacional;) III – função social da propriedade, e V – defesa do consumidor." (grifei) [26]

Mas não foi este o texto escolhido para a ordem econômica na opção constitucional, prevalecendo a opção capitalista, empurrando os fundamentos acima sublinhados, por força da gravidade, ao campo capitalista, onde enfrentarão, de saída, a "livre iniciativa" – integrante de seu caput – e sobretudo a "livre concorrência", capaz de, por sua própria dinâmica de liberdade no mercado, envolver e mesmo submeter os demais fundamentos sociais ali mencionados – "existência digna, justiça social e função social da propriedade" - a menos que se queira trazer o conflito de interpretação para dentro do próprio artigo 170 da Constituição Federal.

Neste caso, a opção final acabará sendo o espírito da lei aliado à mente do constituinte, vetores ambos que, à luz dos estudos acima mencionados, e base desta reflexão, apontam para a adoção da solução conservadora adotada pelo grupo de deputados constituintes unidos em torno do chamado Centrão cuja opção, como observado na pesquisa de Leôncio M. Rodrigues, foi:

"Se os progressistas foram mais bem-sucedidos nas subcomissões e comissões temáticas, apoiados, principalmente, pelos movimentos sociais, na Comissão de Sistematização eles tiveram que retroceder e negociar com as forças conservadoras." [27]

Pois estas forças conservadoras materializaram, constitucionalmente, a opção capitalista, - opção pelo fator "capital" e por seu predomínio, em detrimento do fator "trabalho", - apontando pela prevalência do capital face a conflitos emergentes.

A "livre concorrência" acaba provocando a instalação do conflito entre o capital e o trabalho, apontando para soluções ao sabor do mercado e da livre negociação e do natural sistema de pressões e contrapressões na relações existentes entre estes dois vetores da produção.

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O artigo 170 da Constituição Federal concentra, à plenitude, o conflito entre capital e trabalho como vivenciado entre os constituintes, viabilizando a solução capitalista de negociação em regime de livre concorrência.

Mas não abole o conflito, que permanece, inda que pretendam os ativistas do Poder Judiciário enfatizar, na Constituição, o cumprimento de seus direitos sociais.

A "livre concorrência", além de se constituir em fundamento da ordem econômica capitalista, se insere igualmente como um fundamento da seleção natural das espécies em geral, e da espécie humana em particular, todos competindo pela sobrevivência, valendo dizer que, por esta via, a Constituição Federal, deborda para uma dimensão darwiniana, do ponto de vista seletivo engendrado pela "livre concorrência", fundamento maior a prevalecer a ser melhor explorado na hermenêutica da ordem jurídica que produziu.

O conflito entre o capital e o trabalho encontrou, na Constituição Federal brasileira, uma opção capitalista.


Notas

  1. "Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: I - soberania nacional; II - propriedade privada; III - função social da propriedade; IV - livre concorrência; V - defesa do consumidor;"
  2. Dicionário Aurélio – Editora Nova Fronteira - Internet
  3. De autoria de Sidney Guerra e Lilian Márcia Balmant Emerique, na Revista da Faculdade de Direito de Campos, Ano VVI, nº 7 – Dezembro de 2005.
  4. Texto citado, pág. 297
  5. O artigo em questão menciona ao obra de Peter Häberle: "Hermenêutica constitucional. A sociedade aberta dos intérpretes da constituição: contribuição para a interpretação pluralista e ‘procedimental’ da constituição". Porto Alegre: S.A. Fabris, 1997. p.12
  6. "Entre Duas Repúblicas", Editora Universidade de Brasília, 2001; ‘Sociedade fechada e sociedade aberta, cap. XV e ‘A Sociedade aberta e o indivíduo’, cap. XXI.
  7. Publicado em DADOS – Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, Vol. 44, nº 3, 2001, pp. 513 a 560.
  8. "Hermenêutica dos Direitos Fundamentais", pág. 301
  9. , Idem, pág. 300
  10. Idem, pág. 302
  11. Idem, pág. 306
  12. Pág. 129, "Entre Duas Repúblicas", Norberto Bobbio, Editora Universidade de Brasília, 2001
  13. Idem, pág. 308
  14. Idem, pag. 309
  15. Publicado em DADOS – Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, Vol. 44, nº 3, 2001, pp. 513 a 560. Autora: Celina Souza
  16. "Federalismo e descentralização na Constituição de 1988: Processo decisório, Conflitos e Alianças"; Autora: Celina Souza; pág. 513
  17. Idem, pág. 515
  18. In Ver. Bras. Ci. Soc. Vol 17, nº 48 – São Paulo, fevereiro 2002.
  19. Idem, Quadro II – As categorias ocupacionais e profissionais.
  20. Idem, obra citada de Leôncio Martins Rodrigues
  21. "Federalismo e descentralização na Constituição de 1988: Processo decisório, Conflitos e Alianças"; Autora: Celina Souza; pág. 517
  22. ANC – Assembléia Nacional Constituinte
  23. Págs. 539 a 541 do trabalho da Autora Celina de Souza
  24. Idem, obra citada de Leôncio Martins Rodrigues
  25. Pág. 541 do trabalho de Celina de Souza
  26. "CF - artigo 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: I – soberania nacional; II – propriedade privada; III – função social da propriedade; IV – livre concorrência; V – defesa do consumidor."(grifei)
  27. Pág. 541 do trabalho de Celina de Souza
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Sobre o autor
Paulo Guilherme Hostin Sämy

Experiência anterior em bancos, RH, mercado financeiro, comércio exterior e marketing. Eleito Analista do Ano 2004 da Abamec/Apimec - Associação dos Analistas do Mercado de Capitais. Articulista do Monitor Mercantil desde 1998, com temas correlacionados à área financeira, economia e política. Publicação anterior de artigos na revista da ABAMEC,- sobre mercado financeiro - em 'Tendências do Trabalho', então da Editora Suma Econômica - sobre administração - e na revista "Engenho e Arte", sobre alguns aspectos iniciáticos. Vídeos de treinamento publicados através da Editora Suma Econômica: "Criatividade em Equipe" e "O Príncipe: Estratégias de Ataque e Defesa nas Disputas de Poder".

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SÄMY, Paulo Guilherme Hostin. Capital x trabalho na Constituição Federal de 1988 e a opção por soluções de mercado. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3133, 29 jan. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20959. Acesso em: 22 dez. 2024.

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