6. A natural opção capitalista da Constituição Federal.
Não apenas o texto constitucional, em seu artigo 170, supratranscrito, traduz a opção capitalista da Constituição Federal, tornando-se útil retranscrevê-lo novamente:
"artigo 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: I – soberania nacional; II – propriedade privada; III – função social da propriedade; IV – livre concorrência; V – defesa do consumidor."(grifei)
Observe-se na praxis dos grupos políticos sócio-trabalhistas que seus reclamos pelos "ditames da justiça social" fotografam a dificuldade de sua inclusão em sistema de "livre concorrência", quando se percebe que tais reclamos teriam que ser identificados e recolhidos pelos sindicatos de trabalhadores de cada categoria, e trazido ao embate, em regime de "livre concorrência" frente aos sindicatos patronais, concorrendo ambos para a elaboração de acordos de trabalho e outros que tentariam traduzir tais "ditames".
Nem poderia ser outra a obra legislativa do conjunto de deputados com o perfil conservador conforme pesquisa de Leôncio M. Rodrigues, anteriormente citada, quando conclui:
"O segmento dos empresários é predominante. Contando todos os setores e ramos de atividade econômica e ignorando a dimensão dos empreendimentos, 44% dos deputados tinham (ou têm) atividades de tipo empresarial, como proprietários, sócios ou administradores. Junto como os profissionais liberais e profissões intelectuais, os empresários perfazem 75% dos parlamentares." [24](grifei)
A opção constitucional é feita, portanto, na direção do sistema capitalista, implicando em que os demais fundamentos contidos no artigo 170, - como "existência digna", "ditames da justiça social" e "função social da propriedade" ou ficam em segundo plano, - expressando as negociações havidas entre constituintes conservadores e progressistas – ou devem ser enquadrados na moldura capitalista que compõem o texto deste citado artigo, - expressando, como consequência, uma preferência menor ou secundária com relação a tais fundamentos sociais, tendo sido usados, à época, para compor com grupos políticos progressistas a aprovação final do texto constitucional, conforme mencionado acima, e novamente transcrito:
"Se os progressistas foram mais bem-sucedidos nas subcomissões e comissões temáticas, apoiados, principalmente, pelos movimentos sociais, na Comissão de Sistematização eles tiveram que retroceder e negociar com as forças conservadoras." [25]
Se retirássemos ao artigo 170, a parte de texto que o compromete com o capitalismo, - seus incisos II, propriedade privada e IV, livre concorrência - que implicam na adesão da CF ao sistema capitalista, e sem que tal alternativa redacional trouxesse qualquer dificuldade de leitura a seu hipotético engajamento social, teríamos outro texto – quimera (social)! - com este mesmo artigo 170 re-redigido, e de diferente e oposto significado:
"Artigo 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: (I –soberania nacional;) III – função social da propriedade, e V – defesa do consumidor." (grifei) [26]
Mas não foi este o texto escolhido para a ordem econômica na opção constitucional, prevalecendo a opção capitalista, empurrando os fundamentos acima sublinhados, por força da gravidade, ao campo capitalista, onde enfrentarão, de saída, a "livre iniciativa" – integrante de seu caput – e sobretudo a "livre concorrência", capaz de, por sua própria dinâmica de liberdade no mercado, envolver e mesmo submeter os demais fundamentos sociais ali mencionados – "existência digna, justiça social e função social da propriedade" - a menos que se queira trazer o conflito de interpretação para dentro do próprio artigo 170 da Constituição Federal.
Neste caso, a opção final acabará sendo o espírito da lei aliado à mente do constituinte, vetores ambos que, à luz dos estudos acima mencionados, e base desta reflexão, apontam para a adoção da solução conservadora adotada pelo grupo de deputados constituintes unidos em torno do chamado Centrão cuja opção, como observado na pesquisa de Leôncio M. Rodrigues, foi:
"Se os progressistas foram mais bem-sucedidos nas subcomissões e comissões temáticas, apoiados, principalmente, pelos movimentos sociais, na Comissão de Sistematização eles tiveram que retroceder e negociar com as forças conservadoras." [27]
Pois estas forças conservadoras materializaram, constitucionalmente, a opção capitalista, - opção pelo fator "capital" e por seu predomínio, em detrimento do fator "trabalho", - apontando pela prevalência do capital face a conflitos emergentes.
A "livre concorrência" acaba provocando a instalação do conflito entre o capital e o trabalho, apontando para soluções ao sabor do mercado e da livre negociação e do natural sistema de pressões e contrapressões na relações existentes entre estes dois vetores da produção.
O artigo 170 da Constituição Federal concentra, à plenitude, o conflito entre capital e trabalho como vivenciado entre os constituintes, viabilizando a solução capitalista de negociação em regime de livre concorrência.
Mas não abole o conflito, que permanece, inda que pretendam os ativistas do Poder Judiciário enfatizar, na Constituição, o cumprimento de seus direitos sociais.
A "livre concorrência", além de se constituir em fundamento da ordem econômica capitalista, se insere igualmente como um fundamento da seleção natural das espécies em geral, e da espécie humana em particular, todos competindo pela sobrevivência, valendo dizer que, por esta via, a Constituição Federal, deborda para uma dimensão darwiniana, do ponto de vista seletivo engendrado pela "livre concorrência", fundamento maior a prevalecer a ser melhor explorado na hermenêutica da ordem jurídica que produziu.
O conflito entre o capital e o trabalho encontrou, na Constituição Federal brasileira, uma opção capitalista.
Notas
- "Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: I - soberania nacional; II - propriedade privada; III - função social da propriedade; IV - livre concorrência; V - defesa do consumidor;"
- Dicionário Aurélio – Editora Nova Fronteira - Internet
- De autoria de Sidney Guerra e Lilian Márcia Balmant Emerique, na Revista da Faculdade de Direito de Campos, Ano VVI, nº 7 – Dezembro de 2005.
- Texto citado, pág. 297
- O artigo em questão menciona ao obra de Peter Häberle: "Hermenêutica constitucional. A sociedade aberta dos intérpretes da constituição: contribuição para a interpretação pluralista e ‘procedimental’ da constituição". Porto Alegre: S.A. Fabris, 1997. p.12
- "Entre Duas Repúblicas", Editora Universidade de Brasília, 2001; ‘Sociedade fechada e sociedade aberta, cap. XV e ‘A Sociedade aberta e o indivíduo’, cap. XXI.
- Publicado em DADOS – Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, Vol. 44, nº 3, 2001, pp. 513 a 560.
- "Hermenêutica dos Direitos Fundamentais", pág. 301
- , Idem, pág. 300
- Idem, pág. 302
- Idem, pág. 306
- Pág. 129, "Entre Duas Repúblicas", Norberto Bobbio, Editora Universidade de Brasília, 2001
- Idem, pág. 308
- Idem, pag. 309
- Publicado em DADOS – Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, Vol. 44, nº 3, 2001, pp. 513 a 560. Autora: Celina Souza
- "Federalismo e descentralização na Constituição de 1988: Processo decisório, Conflitos e Alianças"; Autora: Celina Souza; pág. 513
- Idem, pág. 515
- In Ver. Bras. Ci. Soc. Vol 17, nº 48 – São Paulo, fevereiro 2002.
- Idem, Quadro II – As categorias ocupacionais e profissionais.
- Idem, obra citada de Leôncio Martins Rodrigues
- "Federalismo e descentralização na Constituição de 1988: Processo decisório, Conflitos e Alianças"; Autora: Celina Souza; pág. 517
- ANC – Assembléia Nacional Constituinte
- Págs. 539 a 541 do trabalho da Autora Celina de Souza
- Idem, obra citada de Leôncio Martins Rodrigues
- Pág. 541 do trabalho de Celina de Souza
- "CF - artigo 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: I – soberania nacional; II – propriedade privada; III – função social da propriedade; IV – livre concorrência; V – defesa do consumidor."(grifei)
- Pág. 541 do trabalho de Celina de Souza