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Reserva florestal legal: o papel do poder público e do particular

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30/01/2012 às 13:03
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7. Obrigatoriedade de averbar e recuperar a área independentemente de esta possuir vegetação nativa.

Outra questão interessante cinge-se em saber se as áreas rurais não cobertas por vegetação estão obrigadas a respeitar os limites da reserva florestal legal.

Os possuidores e proprietários rurais defensores da tese que as áreas não cobertas estão fora da abrangência dos arts. 1º e 16 do Código Florestal, aduzem que o artigo 16 é claro ao dispor que a proteção deverá ser dada apenas às florestas e outras formas de vegetação nativa, estando isentos do dever de averbar a Reserva Legal quando a propriedade restar descoberta de vegetação.

Com data vênia, o entendimento acima não deve prosperar, e é neste sentido que a doutrina e os Tribunais Superiores vêm alertando, ao mencionarem que obrigatoriedade de delimitação, demarcação e averbação no registro de imóveis da reserva mencionada é exigência longeva, prevista no Código Florestal desde 1965, e não inovação introduzida pela Medida Provisória 2.166-67.

Bem por isso, vale registrar que o acolhimento da tese acima citada seria uma afronta ao princípio da função social da propriedade, sendo uma benesse ao proprietário ou possuidor rural onde a terra fosse desprovida de vegetação, desobrigando-o de recompô-la, bem como desprestigiando o instituto da Reserva Florestal Legal dos proprietários cujas áreas já possuam vegetação, criando uma interpretação em oposição tanto ao princípio da isonomia como da tutela ambiental.

É bem de ver, ademais, que o Superior Tribunal de Justiça reagiu bem e pacificou a tese que nas áreas rurais descobertas de vegetação, impõe-se aos proprietários a averbação da reserva legal à margem de matrícula do imóvel, ainda que não haja na propriedade área florestal ou vegetação nativa.

A propósito do tema, Paulo Affonso Leme Machado, em sua clássica obra, Direito Ambiental Brasileiro, preleciona que o fato de inexistir cobertura arbórea na propriedade não elimina o dever do proprietário de instaurar a reserva florestal. E mais adiante, assim pontifica:

"... Pondere-se que, ao se dar prazo para a recomposição, não se está retirando a obrigação do proprietário de, desde já, manter área reservada na proporção estabelecida de 20% ou 50% - conforme o caso. Se nessa área inexistir floresta, nem por isso poderá o proprietário exercer atividade agropecuária ou exploração mineral. A área de reserva florestal, desmatada anteriormente ou não, terá cobertura arbórea pela regeneração natural ou pela ação humana (MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. Paulo Malheiros Editore. 6ª Ed. 1996, págs. 568/569.)

Desse modo, dando uma interpretação harmoniosa, o Superior Tribunal de Justiça afirmou que caberá ao proprietário nesta situação o dever de recompor e manter a vegetação de acordo com a fração estabelecida em lei, como pode ser resumido no julgado a seguir exposto:

ADMINISTRATIVO. DIREITO AMBIENTAL. RESERVA LEGAL. ARTS 16 E 44 DA LEI Nº 7.771/65. NECESSIDADE DE AVERBAÇÃO 1. Nos termos do artigo 16 c/c art. 44 da Lei 7.771/65, impõe-se aos proprietários a averbação da reserva legal à margem de matrícula do imóvel, ainda que não haja na propriedade área florestal ou vegetação nativa. 2. Em suma, a legislação obriga o proprietário a manter e, eventualmente, recompor a fração da propriedade reservada por lei. (...) (RMS nº 18.301/MG, Rel. Min. JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, DJ de 03/10/2005). 4. Recurso especial provido. (REsp 865.309/MG, 2ª T., Min. Castro Meira, DJe de 23/10/2008)


8. Responsabilidades e competências no procedimento administrativo de instituição de reserva legal.

De outro lado, cabe aferir, as responsabilidades e competências dos proprietários e possuidores rurais e do Poder Público no procedimento administrativo de instituição da Reserva Florestal Legal.

Depreende-se, portanto, que a delimitação e a averbação da reserva legal constituem responsabilidade do proprietário ou possuidor de imóveis rurais, que deve, inclusive, tomar as providências necessárias à restauração ou à recuperação das formas de vegetação nativa para se adequar aos limites percentuais previstos nos incisos do art. 16 do Código Florestal, incumbindo à agência ambiental estatal somente a aprovação da sua localização.

Note-se, a propósito, que nada impede o poder-dever de fiscalização das agências ambientais no que toca a efetivação da reserva, cobrando dos proprietários a delimitação, manutenção e recomposição da vegetação quando for o caso.

Sendo assim, ressuma evidente que ao proprietário caberá a delimitação e a averbação da reserva legal, e de outro lado, à agência ambiental competente caberá aprovar o projeto apresentado, além do poder de polícia ambiental.

Tais afirmações, apesar de parecerem simples, são importantes na medida em que evitam decisões judiciais conflitantes condenando o Poder Público a delimitar e averbar a reserva legal do particular, que, como assinalado acima, demonstra-se ilegal, conforme evidencia o seguinte julgado do STJ:

3. A delimitação e a averbação da reserva legal constitui responsabilidade do proprietário ou possuidor de imóveis rurais, que deve, inclusive, tomar as providências necessárias à restauração ou à recuperação das formas de vegetação nativa para se adequar aos limites percentuais previstos nos incisos do art. 16 do Código Florestal. 4. Nesse aspecto, o IBAMA não poderia ser condenado a delimitar a área total de reserva legal e a área de preservação permanente da propriedade em questão, por constituir incumbência do proprietário ou possuidor. 5. O mesmo não pode ser dito, no entanto, em relação ao poder-dever de fiscalização atribuído ao IBAMA, pois o Código Florestal (Lei 4.771/65) prevê expressamente que "a União, diretamente, através do órgão executivo específico, ou em convênio com os Estados e Municípios, fiscalizará a aplicação das normas deste Código, podendo, para tanto, criar os serviços indispensáveis" (art. 22, com a redação dada pela Lei 7.803/89). (REsp 1.087.370/PR, 1ª T., Min. Denise Arruda, DJe de 27/11/2009)

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9. Necessidade de prévia averbação da reserva legal para fins de não-incidência do Imposto Territorial Rural - ITR.

Noutro viés, outro assunto que trouxe polêmica ao judiciário cinge-se a controvérsia acerca da necessidade de prévia averbação da reserva legal para fins de não-incidência do Imposto Territorial Rural - ITR.

Cabe destacar que a área de reserva legal é isenta do ITR, consoante o disposto no art. 10, § 1º, II, "a", da Lei 9.393, de 19 de dezembro de 1996, por isso que ilegítimo o condicionamento do reconhecimento do referido benefício à prévia averbação dessa área no Registro de Imóveis.

Faz-se mister acrescentar que o ITR se trata de tributo sujeito a lançamento por homologação, ou seja, pagamento antecipado, não estando a declaração a que se refere a isenção sujeita a comprovação prévia por parte do contribuinte, mas sim a eventuais penalidades e cobrança suplementar em caso de comprovação da sua não autenticidade.

Portanto, apesar da importância da averbação da área de reserva legal na matrícula do imóvel, com bem destaca a grande maioria dos juristas da seara ambiental, à vista da função de fiscalizar o cumprimento da proteção ambiental, o âmbito registral da reserva legal não deve prevalecer sobre o princípio da legalidade tributária estrita, não cabendo interpretação ou integração analógica na aplicação no benefício da isenção.

Demais disso, para o Superior Tribunal de Justiça deve-se reconhecer o direito à subtração do limite mínimo de 20% da área do imóvel, estabelecido pelo artigo 16, da Lei nº 4.771/1965, relativo à área de reserva legal, porquanto, mesmo antes da respectiva averbação, que não é fato constitutivo, mas meramente declaratório, já havia a proteção legal sobre tal área.

Nesse sentido, é a dicção que se extrai do julgado proferido pelo STJ, a exemplo dos que segue transcrito:

"A falta de averbação da área de reserva legal na matrícula do imóvel, ou a averbação feita após a data de ocorrência do fato gerador, não é, por si só, fato impeditivo ao aproveitamento da isenção de tal área na apuração do valor do ITR, ante a proteção legal estabelecida pelo artigo 16 da Lei nº 4.771/1965." (REsp nº 1.060.886/PR, Relator Ministro Luiz Fux, in DJe 18/12/2009).


10. Conclusão

Pelo exposto, infere-se que o Poder Público passa a estar presente, sobretudo, numa atividade de prevenção (fiscalização) e/ou sanção.

De outro lado, encontra-se a coletividade, ponto central das diretrizes ambientais, especialmente, nas funções comissivas de preservar os recursos naturais através do desenvolvimento sustentável, utilizando eficazmente os instrumentos legais, como o licenciamento ambiental, reserva legal e sujeição às áreas especialmente protegidas.

Não é por outro motivo que o caput do artigo 225 da Constituição Federal determina que o Poder Público e a coletividade têm a obrigação de atuar na defesa e na preservação do meio ambiente, tendo em vista o direito das gerações presentes e futuras.

Sendo assim, conclui-se que a reserva florestal legal configura uma limitação administrativa, em regra, não indenizável, cabendo, portanto, ao particular a obrigação de demarcá-la, averbá-la, mantê-la e/ou regenerá-la e ao Poder Público a obrigação de aprovar a localização da área, bem como fiscalizar seu efetivo cumprimento.


11. Referências Bibliográficas

ANTUNES, Paulo Bessa. Direito Ambiental. 11ª edição. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.

CARVALHO FILHO, José dos Santos, Manual de Direito Administrativo, 23ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.

GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 1993

MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 6ª ed. São Paulo Malheiros Editore. 1996.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 35ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009.

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Sobre o autor
Romero Suassuna

Advogado em Recife (PE). Ex-assessor da Agência Estadual do Meio Ambiente de Pernambuco.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SUASSUNA, Romero. Reserva florestal legal: o papel do poder público e do particular. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3134, 30 jan. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20983. Acesso em: 5 nov. 2024.

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