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Testes psicológicos nos concursos públicos.

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31/01/2012 às 07:39
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8. Necessidade de Lei formal para exigir-se testes psicológicos tanto na Administração direta como na indireta: a Súmula 686 do Supremo Tribunal Federal [25]

Para que se possa exigir testes psicológicos dos candidatos a cargo ou emprego público, imperioso que exista lei formal autorizando sua realização, questão esta há muito pacificada na jurisprudência brasileira, desde as Cortes Superiores até as instâncias ordinárias.

Tanto é assim, que a matéria mereceu por parte do E. Supremo Tribunal Federal - STF, inclusive, a edição da Súmula 686, aprovada em 24.09.03, que expressa a posição dominante daquela Corte sobre o tema, cuja redação é a seguinte:

"SÚMULA 686 - SÓ POR LEI SE PODE SUJEITAR A EXAME PSICOTÉCNICO A HABILITAÇÃO DE CANDIDATO A CARGO PÚBLICO."

Depois da edição da referida Súmula o STF voltou a analisar a questão inúmeras vezes, tendo recentemente, no AI 745942 AgR, Rel. Ministra Cármen Lúcia Antunes ROCHA, Primeira Turma, j. em 26.05.09, DJE 01.07.09, reafirmado:

"AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. EXAME PSICOTÉCNICO. AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO.

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou-se no sentido da possibilidade da exigência do exame psicotécnico quando previsto em lei e com a adoção de critérios objetivos para realizá-lo. Precedentes."

Não destoam deste entendimento os julgados do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA - STJ, como se pode inferir das ementas abaixo:

"ADMINISTRATIVO. EXAME PSICOTÉCNICO PARA INGRESSO EM CURSO DE FORMAÇÃO DA POLÍCIA FEDERAL. CARÁTER SUBJETIVO DA AVALIAÇÃO, CUJOS CRITÉRIOS NÃO SÃO DE CONHECIMENTO DO CANDIDATO.

É legal a exigência de aprovação em exame psicotécnico para provimento de cargos públicos, desde que seja previsto em lei e no edital, além de impugnável mediante recurso. O que não se permite é a avaliação feita com base em critérios subjetivos, dos quais o candidato não possa ter conhecimento. Precedentes. (…).

(STJ, AgRg no Ag 995.147/DF, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Quinta Turma, j. em 19/06/2008, DJe 04/08/2008)."

"PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. DECADÊNCIA. NÃO-OCORRÊNCIA. CONCURSO PÚBLICO. INGRESSO NA CARREIRA POLICIAL. EXAME PSICOTÉCNICO. APROVEITAMENTO DE TESTES REALIZADOS ANTERIORMENTE. VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA IGUALDADE E IMPESSOALIDADE. NÃO-CABIMENTO. PREVISÃO LEGAL. EXIGIBILIDADE. CARÁTER SUBJETIVO, SIGILOSO E IRRECORRÍVEL. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES. RECURSO ORDINÁRIO CONHECIDO E PROVIDO EM PARTE.

(...)

O Superior Tribunal de Justiça firmou compreensão segundo a qual é exigível, em concurso público, a aprovação em exame psicotécnico quando previsto em lei, mormente para ingresso na carreira policial, em que o servidor terá porte autorizado de arma de fogo e, pela natureza das atividades, estará sujeito a situações de perigo no combate à criminalidade. Todavia, tem rejeitado sua realização de forma subjetiva e irrecorrível. (…).

(STJ,RMS 17.103/SC, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Quinta Turma, j. em 03/11/2005, DJ 05/12/2005 p. 338)."

Da mesma forma se comporta a jurisprudência dos demais tribunais pátrios, dos quais citamos, a título de exemplo: TRF4: AC 2007.71.00.013836-7/RS, Rel. Des. Federal Valdemar Capeletti, Quarta Turma, j. em 22.04.09, DJE 04.05.09; Do TRF1: AC 2003.39.00.009780-9/PA, Rel. Des(a). Federal Selene Maria De Almeida, Quinta Turma, j. em 24.06.09, DJE 03.07.2009; Do TJSC: MS n. 2008.035592-3, Rel. Des. Newton Trisotto, Grupo de Câmaras de Direito Público, j. em 15.06.09, DJE 14.07.09; Do TJRS: AC n. 70023762677, Rel. Des(a) Matilde Chabar Maia, Terceira Câmara Cível, j. em 15.01.09, DJE 05.02.09; entre muitos outros.

Se para a Administração Direta parece não existir dúvida quanto à exigência de Lei formal para aplicação dos testes (face à menção na Súmula 686 a cargo público, próprio do regime estatutário), é importante perquirirmos se tal obrigatoriedade se estende à administração indireta, a exemplo das empresas estatais, gênero do qual são espécies as empresas públicas e as sociedades de economia mista, por admitirem seu pessoal sob o regime celetista.

A questão é relevante, vez que não raro as empresas públicas e sociedades de economia mista incluem nos editais a exigência de testes psicológicos, mesmo que na inexistência de lei, alegando: i) que por serem pessoas jurídicas de direito privado e regidas pelo regime celetista estariam dispensadas de tal exigência, ou ii) que a própria CLT autorizaria os testes psicológicos.

A tese não se sustenta face o disposto no art. 37, caput, e incisos I e II, da Constituição da República, que exige que a investidura em cargo ou emprego público dá-se na forma prevista em lei, o que nos permite concluir que:

tanto a administração pública direta como a administração indireta (autarquias, fundações públicas, empresas públicas e sociedades de economia mista, entes destinados a atuação descentralizada da função estatal) devem pautar-se pelos mesmos princípios, em destaque o da legalidade.

pouco importa o regime jurídico com o qual o servidor se vinculará ao Estado, se estatutário (cargo) ou se celetista (empregado), os requisitos para o acesso só podem ser os previstos em lei (37, I, CR). Lei, bom que se diga, em sentido formal e material, produzida pelo Poder Legislativo competente, não servindo para suprir sua ausência atos infralegais, a exemplo de portarias e editais de concurso;

o acesso à cargo ou emprego público, seja na administração pública direta ou indireta, apenas pode dar-se pela via do concurso público [26]. Concurso Público, que como consignado expressamente no inciso II, do art. 37, da CR, deve ter seus requisitos previstos em lei

Com efeito, a Constituição Federal ao tratar da forma de acesso aos cargos e empregos públicos da Administração não excluiu ou distinguiu do regramento previsto no art. 37 e incisos às empresas estatais, pelo contrário, a elas fez expressa referência, quando incluiu na sua redação a administração pública indireta.

E nem seria razoável tivesse a CR dispensado tratamento diverso, pois as empresas estatais, enquanto integrantes da administração pública indireta, nada mais são do que o próprio Estado atuando descentralizadamente, ainda que num regime de direito privado. Todavia, se estas empresas estatais personificam o Estado, por certo continuam submetidas aos princípios balizadores da administração pública (art. 37, caput).

Assim, quando a Súmula 686 do STF utilizou-se do termo cargo público, não quis restringir a exigência de lei unicamente aos estatutários, pois, como visto, tal distinção violaria a própria dicção do art. 37, caput, e incisos I e II, da Constituição da República. A exigência de lei deve ser entendida em sentido amplo, compreendendo igualmente o acesso a emprego público.

E nem argumente que a própria CLT, a exemplo do art. 168 e §2º [27], autorizaria o exame psicotécnico, pois, além de genéricos e fazerem referência a exame médico admissional (o que não se confunde com etapa eliminatória de concurso público), falecem aos referidos dispositivos a indicação de critérios objetivos mínimos de como se daria tal exame, não servindo como fundamento legal para o mesmo.

Em reforço argumentativo ao aqui postulado, trazemos julgado do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, que em mandado de segurança impetrado por candidato contra a ELETRONORTE S.A, nulificou o teste de avaliação psicológica, por não haver previsão legal para o mesmo. Trata-se da Apelação Cível n. 20050111408680APC, Rel. Des. Sérgio ROCHA, Quarta Turma, j. em 31.03.08, DJ 09.04.2008, assim ementado:

"APELAÇÃO CÍVEL - ADMINISTRATIVO - CONCURSO PÚBLICO - ELETRONORTE - CABIMENTO DO MANDADO DE SEGURANÇA - EXAME PSICOLÓGICO - CANDIDATO NÃO-RECOMENDADO - AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL E CRITÉRIOS OBJETIVOS - PRINCÍPIO DA LEGALIDADE.

O Coordenador da Comissão de Concurso da ELETRONORTE, sociedade de economia mista, enquadra-se no conceito de autoridade para fins de impetração de mandado de segurança quando o ato impugnado (eliminação de candidato de concurso público) está sujeito às normas de Direito Público.

Decreta-se a nulidade do teste de avaliação psicológica do candidato (concurso para Engenheiro de Manutenção Eletrônica), em face da inexistência de previsão legal (Art. 5º, II, CF/88; STF 686; TJDFT 20) e ausência de critérios objetivos.

(…)."

Para finalizar, vejamos o que decidiu o Supremo Tribunal Federal, nos autos do AgReg no RE 559.069-1/DF, Relatora Ministra Ellen GRACIE, publicado em 26 de maio de 2009, DJE 10.06.09, pois dá o exato alcance da Súmula 686, in verbis:

CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. EXAME PSICOTÉCNICO. NECESSIDADE DE LEI. PRECEDENTES.

É irrelevante para o desate da questão o objeto da investidura, quando em debate a violação direta do art. 37, I, da Constituição Federal.

A exigência de exame psicotécnico prevista apenas em edital importa em ofensa constitucional. Precedentes.

A CLT carece dos critérios objetivos para ser tida como lei formal a regular exame psicotécnico. Precedentes.

Agravo regimental improvido."

E do corpo do acórdão, destacamos:

"(...). Sustenta a parte agravante, em síntese, o seguinte:

não incidir a Súmula/STF 686, uma vez que não se trata de cargo público, mas sim de emprego público regido pelas normas jurídicas das empresas privadas, inclusive trabalhistas.

a CLT legitima a utilização de exame psicotécnico para a contratação de empregado público, nos termos do art. 168.

não há que se falar em ausência de previsão legal para realização do exame psicotécnico, pois a lei trabalhista é de aplicação compulsória ao caso concreto.

(…)

É o relatório.

VOTO

A senhora Ministra Ellen Gracie - (…).

2. A questão aqui tratada não diz respeito ao objeto da investidura decorrente da aprovação em concurso público (cargo, emprego ou função públicos), à luz de determinado regime jurídico, mas sim à existência de requisitos de ingresso não previstos em lei para a sua acessibilidade, o que violaria o disposto no art. 37, I, da Constituição Federal, conforme sustentou o ora agravado.

Neste sentido, a restrição estabelecida pelo dispositivo constitucional não fez qualquer distinção quanto à atividade pública exercida ser de cargo, emprego ou função pública. Assim, como restou afirmado na decisão agravada, viola a Constituição Federal a exigência de exame psicotécnico prevista apenas em edital de concurso, sem que haja prévia lei formal.

Este tem sido o entendimento do Tribunal de longa data, o que ensejou a elaboração da Súmula/STF 686, resultado de uma extensa lista de precedentes que lhe serviram de respaldo no sentido de reconhecer como infringentes ao art. 37, I, da Constituição Federal a previsão de exame psicotécnico em edital ou outro ato administrativo, sem previsão legal. (…).

3.Quanto à adoção da CLT para legitimar a utilização do exame psicotécnico, melhor sorte não assiste à parte agravante pois não obstante a CLT prever a possibilidade de um exame complementar de aptidão física e mental, dita legislação carece de critérios objetivos de reconhecido caráter científico para a realização de citados exames como também já deixou assentado a jurisprudência da Corte, … ." (sem grifos no original)

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Finalizamos o ponto com recente decisão do STF nos autos do AI 758533 QO-RG, Rel. Min. Gilmar MENDES, julgado em 23.06.10, onde, reconhecendo a repercussão geral da questão, tratou de reafirmar a sua jurisprudência, no sentido de que o exame psicológico somente pode ser exigido se houver lei em sentido material que expressamente o autorize, além de estar previsto no edital, in verbis:

"Questão de ordem. Agravo de Instrumento. Conversão em recurso extraordinário (CPC, art. 544, §§ 3° e 4°).

2. Exame psicotécnico. Previsão em lei em sentido material. Indispensabilidade. Critérios objetivos. Obrigatoriedade.

3. Jurisprudência pacificada na Corte. Repercussão Geral. Aplicabilidade.

Questão de ordem acolhida para reconhecer a repercussão geral, reafirmar a jurisprudência do Tribunal, negar provimento ao recurso e autorizar a adoção dos procedimentos relacionados à repercussão geral."

Portanto, sob qualquer ângulo que se analise a questão, inegável que a exigência de exame psicológico como requisito para o acesso a emprego público, sem que haja previsão legal, viola o princípio da legalidade, notadamente o que dispõe o art. 37, inciso I e II, da Constituição Federal, não bastando mera previsão no edital.


9. Necessidade de previsão editalícia dos critérios de avaliação dos candidatos com vistas a aferir nível intelectual e as aptidões específicas sob pena de nulidade do teste psicológico [28]

Outro aspecto a ser enfrentado diz respeito à previsão no edital dos critérios de avaliação a serem utilizados nos testes psicológicos. Partimos da premissa que tais critérios devem estar previstos já no edital, de forma transparente e previamente conhecida.

A necessidade de transparência destes critérios alia-se a inúmeros princípios da Administração Pública, a exemplo dos princípios da publicidade, do concurso público, da isonomia entre candidatos e da vinculação da Administração Pública ao edital, bem como a observância das regras emanadas de Resoluções do Conselho Federal de Psicologia que tratam de testes e exames a serem aplicados em concursos públicos.

Como é curial, o edital do concurso deve obedecer aos princípios da Administração Pública (37, caput, da CR), dando plena publicidade aos critérios que irão parametrar a avaliação do candidato.

A esse respeito trazemos as importantes considerações de Willian Douglas Resinente dos SANTOS, acerca dos critérios que devem parametrar os exames psicológicos:

"A matéria chegou por diversas vezes aos Tribunais, sendo hoje ponto pacífico que o exame psicotécnico deve ser baseado em critérios científicos, objetivos, motivados, públicos e com possibilidade de recurso por parte do candidato."

(...)

"... os órgãos responsáveis pela realização dos concursos, ou suas terceirizadas, têm atualmente incidido erro que exclui indevidamente muitos candidatos dos concursos, bem como compromete a validade do certame. Não é um erro novo, mas antigo. O que existe de novo é podermos percebê-lo a partir das evoluções já proporcionadas pela submissão do tema aos areópagos pátrios.

Trata-se da omissão em editais quanto à apresentação prévia dos critérios que serão levados em conta no momento da análise do perfil psicológico dos candidatos. Não se apresentam os critérios, o que será levado em conta, o que tecnicamente é considerado apto ou inapto; é omisso em relação às respectivas pontuações, ferindo assim o sacramental princípio da segurança jurídica." [29]

Nessa senda, para atendimento ao princípio da publicidade, os critérios norteadores da avaliação psicológica dos candidatos devam constar no Edital do concurso.

O Decreto Federal 6.944/2009, alterado pelo Decreto n° 7.308/2010 exige no artigo 14 e parágrafos 4° e 5° os seguintes requisitos prévios:

Art. 14 (...)

§ 4º A avaliação psicológica deverá ser realizada mediante o uso de instrumentos de avaliação psicológica, capazes de aferir, de forma objetiva e padronizada, os requisitos psicológicos do candidato para o desempenho das atribuições inerentes ao cargo.

§ 5º O edital especificará os requisitos psicológicos que serão aferidos na avaliação."

Isso também deflui do Conselho Federal de Psicologia – CFP.

É que a Resolução CFP Nº. 01/2002 que regulamenta a Avaliação Psicológica em Concurso Público e processos seletivos da mesma natureza, em seus considerandos preambulares atenta para a "... necessidade de orientar os órgãos públicos e demais pessoas jurídicas a respeito das informações relacionadas à avaliação psicológica que devem constar nos Editais de concurso para garantia dos direitos dos candidatos."

A Resolução CFP nº. 01/2002 em seu artigo 3º prescreve o seguinte:

"Art. 3° - O Edital deverá conter informações, EM LINGUAGEM COMPREENSÍVEL AO LEIGO, sobre a avaliação psicológica a ser realizada e OS CRITÉRIOS DE AVALIAÇÃO, relacionando-os aos aspectos psicológicos considerados compatíveis com o desempenho esperado para o cargo." (grifo nosso)

Portanto, não basta para satisfazer tal exigência que o edital traga informações genéricas acerca do que se pretende mensurar na avaliação psicológica, sem trazer qualquer informação sobre os critérios de avaliação a que serão submetidos os candidatos, em regra fazendo alusão ao o uso de instrumentos psicológicos específicos...".

Também não é suficiente fazer alusão aos aspectos da personalidade a serem mensurados, a exemplo da higidez psíquica do candidato, equilíbrio emocional, potencial intelectual e aptidões específicas, relacionados ao desempenho das funções inerentes ao cargo ou emprego público.

Nem se queira argumentar que ao se referir à (i) higidez psíquica do candidato, ao (ii) equilíbrio emocional, ao (iii) potencial intelectual e às (iv) aptidões específicas que seriam verificadas pelos Exames Psicológicos, estar-se-ia cumprindo a exigência de informar os critérios de avaliação preconizada no art. 3º, da Resolução CFP 01/2002 e em obediência ao que têm decidido nossos tribunais.

Uma coisa é o que se pretende mensurar. Outra, radicalmente diferente é como se irá medir, objetivamente, tais aspectos da personalidade no candidato. Portanto, os critérios de avaliação psicológica devem estar previstos previamente no edital, em consonância com o princípio da vinculação ao instrumento convocatório.

Decorre do princípio da vinculação ao instrumento convocatório que os critérios de avaliação/julgamento devem estar previstos antecipadamente no edital, impedindo que tais critérios sejam modificados ou fixados a posteriori.

Evidentemente, não é necessário que o edital diga o nome do teste a ser aplicado, contudo, é fundamental que os editais respondam – entre outras – às seguintes indagações:

Quais habilidades o teste irá mensurar?

Quanto tempo será disponibilizado para a aplicação de cada testes?

Qual será o percentil de corte nos teste de Nível Intelectual?

Qual o percentil de corte nos testes de Perfil de Personalidade?

Qual índice mínimo exigido em quaisquer dos testes isoladamente considerados?

A reprovação em apenas um dos testes será suficiente para reprová-lo?

Qual e como será calculada a média geral dos testes?

Como serão calculadas as notas caso o candidato não responda a todas as questões de cada teste? Etc.

Mas afinal, quais as consequências práticas de macular-se o princípio da vinculação ao instrumento convocatório, ao não se revelar previamente os critérios de avaliação e os percentis de corte?

Primeiro, quando o candidato já conhece através do edital como será avaliado em seu teste psicológico e os respectivos percentis de corte, por evidente que poderá administrar melhor seu tempo e o grau de dedicação a cada teste a qual será submetido.

Segundo, ao conhecer o modo pelo qual será avaliado, o candidato realizará seu teste de modo mais tranquilo e sereno, não sendo surpreendido por instruções confusas e complexas no momento em que se encontra naturalmente fragilizado ao ser examinado na intimidade da sua personalidade.

Terceiro, é que a partir do momento que os critérios de avaliação não são revelados, nem tampouco as notas de corte, ou ainda como será realizada a média aritmética para chegar-se ao resultado final, ocorre, ao menos potencialmente, um obstáculo intransponível. É que se couber a Comissão Organizadora do Concurso a "prerrogativa" de fixar tais critérios fora do edital, jamais poderá fazê-lo sem divulgar com antecedência aos candidatos, e nunca após a aplicação da bateria de provas, pois isto permitirá que fixe os critérios de acordo com suas conveniências, podendo, inclusive, burlar o concurso público para beneficiar este ou aquele candidato, violando, frontalmente, a impessoalidade e o tratamento isonômico aos candidatos.

O problema é velho conhecido do Direito Administrativo. Como poderia a Administração, ao realizar processo licitatório para a compra de um veículo, escolher, após a apresentação das propostas, quais os critérios que deverão incidir para a escolha da proposta vencedora? Nunca! Pois é exatamente o que acontece quando os critérios de avaliação a serem utilizados nos testes psicológicos não estão previstos no edital.

A omissão dos critérios de avaliação viola claramente aos princípios da publicidade, impessoalidade, isonomia, legalidade, igualdade, vinculação ao instrumento convocatório, segurança jurídica.

Nesta linha, importante os fundamentos trazidos pela juíza federal Maria Cláudia de Garcia Paula ALLEMAND, em antecipação de tutela na Ação Ordinária que tramita na 5ª Vara Federal Cível da Seção Judiciária do Espírito Santo, cuja sentença abordou a necessidade de critérios prévios de avaliação nos testes psicológicos:

"... em momento algum há a indicação, ainda que mínima, dos critérios que seriam utilizados em tal avaliação, impossibilitando aos candidatos conhecer, previamente, quais os tipos de testes que seriam realizados nessa etapa.

[...] deve haver a divulgação de balizas mínimas que possibilitem, à compreensão mediana, conhecer o que está por vir, de modo a prestigiar a transparência e a igualdade na aplicação dos exames, requisitos de todo e qualquer certame levado a efeito pela Administração.

No caso em comento, o edital apenas se refere a "aplicação e avaliação de baterias de testes psicológicos", destinados a analisar a "aptidão, o nível mental e a personalidade" dos candidatos, sem dar a conhecer, entretanto, de que forma e com base em que critérios isso se daria.

Tais exigências restariam atendidas, em meu sentir, se houvesse, verbi gratia, no edital, que o nível mental do candidato seria avaliado por meio de testes de raciocínio lógico-dedutivo, nos quais o aproveitamento esperado corresponderia a determinado percentual de acertos nas proposições lógico-matemáticas apresentadas.

[...]" [30]

A jurisprudência tem endossado a tese ora defendida. Destacamos os seguintes julgados:

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL

Segunda Turma Cível

Apelação Cível 2005.01.1.134345-5

Rel. Desª. Carmelita Brasil

Data do julgamento: 26.09.2007

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. CONCURSO PÚBLICO. CARREIRA POLICIAL CIVIL DO DISTRITO FEDERAL. AGENTE DE POLÍCIA CIVIL. AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA. NÃO RECOMENDAÇÃO. CRITÉRIOS OBJETIVOS. PREVISÕES LEGAL E EDITALÍCIA. RECURSO. ASSEGURAÇÃO. DEVIDO PROCESSO LEGAL. VISTA DO RESULTADO. OBSERVÂNCIA DAS NORMAS ORIGUNDAS DO CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA. LEGALIDADE. PROSSEGUIMENTO DOS CANDIDATOS NÃO RECOMENDADOS. IMPOSSIBILIDADE.

[...]

3 – A avaliação psicológica materializada através de questões objetivas e cujos resultados são aferidos pela via eletrônica, observado o perfil psicográfico delineado pela norma editalícia em conformidade com as normas editadas pelo Conselho Federal de Psicologia – CFP, resta desprovida do subjetivismo que possibilita a ocorrência de aferições discricionárias, revestindo-se de legitimidade, notadamente porque, guardando subserviência aos princípios da igualdade, isonomia, impessoalidade, legalidade e moralidade administrativas, as questões formuladas foram apresentadas a todos os concorrentes de forma indistinta.

[...]

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE RORAIMA

MANDADO DE SEGURANÇA - CONCURSO PÚBLICO. PRELIMINARES DE ILEGITIMIDADE PASSIVA, INCOMPETÊNCIA TERRITORIAL, IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO, NECESSIDADE DE CAUÇÃO, DILAÇÃO PROBATÓRIA E LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO - REJEIÇÃO. MÉRITO - EXAME PSICOTÉCNICO - AVALIAÇÃO REALIZADA COM BASE EM CRITÉRIOS SUBJETIVOS E NÃO REVELADOS - OFENSA AOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA LEGALIDADE, IMPESSOALIDADE, ISONOMIA, MORALIDADE E PUBLICIDADE - CONCESSÃO DA SEGURANÇA. [...]

Lícita é a exigência de aprovação em exame psicotécnico para preenchimento de cargo público, desde que previsto em lei e no edital. Todavia, sua exigibilidade está condicionada na aferição em critérios objetivos, previamente determinados, a fim de possibilitar ao candidato o conhecimento de seu conteúdo e fundamentação do resultado. Com isso, veda-se a realização de exames psicotécnicos subjetivos, tendentes à prática de atos de segregação e arbitrariedades. Precedentes do STJ e STF.

Segurança concedida." MS nº 010 03 001498-8 - Boa Vista/RR, Relator: Des. Robério Nunes, Relator Designado: Juiz Convocado Cristóvão Suter, Pleno, por maioria, j. 26.11.03 - DPJ nº 2850 de 23.03.04, pg. 01.

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

AI 693164, Relator (a): Min. GILMAR MENDES, julgado em 06/02/2008, publicado em DJe-041 DIVULG 06/03/2008 PUBLIC 07/03/2008

DECISÃO: Trata-se de agravo contra decisão que negou processamento a recurso extraordinário fundado no art. 102, III, a, da Constituição Federal, interposto em face de acórdão que decidiu pela legitimidade da exigência de exame psicológico, nos termos da Lei Complementar estadual no 10.990, de 1997.

[...]

No presente caso, há previsão legal do exame psicotécnico (Lei Complementar estadual no 10.990, de 1997) e o edital do concurso descreveu de forma minuciosa os critérios da avaliação psicológica (fl. 42), sendo exigível, portanto, o referido exame. Assim, nego seguimento ao agravo (art. 557, caput, do CPC). Publique-se. Brasília, 6 de fevereiro de 2008. Ministro GILMAR MENDES Relator

Diante disso, a necessidade de critérios objetivos previstos com clareza no edital tem sido uma das razões mais frequentes a ensejar a invalidação de testes psicológicos pelo Judiciário, que corretamente tem exigido minucioso detalhamento de modo a evitar subjetivismos e desvios de finalidade na adoção a posteriori de critérios eliminatórios.

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Sobre o autor
Rodrigo Valgas dos Santos

Mestre em Direito do Estado pela Universidade Federal do Paraná - UFPR. Pós-Graduado em Direito Administrativo pela Universidade Regional de Blumenau - FURB. Presidente do Instituto de Direito Direto administrativo de Santa Catarina IDASC (2005/2010) e seu atual Diretor Acadêmico. Professor de Direito Administrativo de graduação e pós-graduação da Faculdade de Direito de Florianópolis/SC (CESUSC) e da extensão da Escola Superior da Magistratura de Santa Catarina – ESMESC. Conselheiro do Instituto de Brasileiro de Direito Administrativo - IBDA, Presidente da Comissão de Estudos Jurídicos e Legislativos da OAB/SC (gestão 2010/2013). Advogado e Consultor Jurídico.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS, Rodrigo Valgas. Testes psicológicos nos concursos públicos.: Dilemas e reflexões entre Direito e Psicologia. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3135, 31 jan. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20984. Acesso em: 29 mar. 2024.

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