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Imposto Sobre Serviço e o Local da Prestação

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01/10/2001 às 00:00
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Sumário:  I. Introdução; 2. A autonomia municipal; 3. Algumas considerações sobre os impostos municipais; O Imposto Predial e Territorial Urbano – IPTU; O Imposto sobre a transmissão de bens imóveis, inter vivos; O Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza; 4. O local da prestação; 5.Conclusão; Notas; Bibliografia


Introdução

A importância da célula municipal é visível desde a mais remota Antigüidade, embora não possuíssem ainda as características dos Municípios de hoje.

Os povos vencidos pelo Exército romano, que se sujeitavam às imposições do Senado Romano, e à estrita obediência às leis romanas, recebiam as prerrogativas de continuarem a praticar o comércio e a sua vida civil. As comunidades que recebiam essas vantagens chamavam-se de Municípios, isto é, munus, eris, que significam, na língua latina, dádivas, privilégios, e capere, verbo latino que significa receber. Surge, então, o significado etimológico de Município: aquela entidade que recebeu privilégios.

A Idade Média conservou os traços existentes do Município romano, apesar da invasão visigótica e da influência árabe. Os invasores acabaram por absorver a idéia municipalista.

Nessa época, a qualidade de cidade, com independência e autonomia, reconhecida pelos soberanos, pelas ordens eclesiásticas e militares os - fueros municipais -, foi uma forma de reação ao sistema feudal.

Ainda como reação ao feudalismo, a cidade francesa de Mans revelou-se contra os Barões, o mesmo ocorrendo em outras cidades da Europa. Em 1789 na França existiam mais de 40 mil comunas.

Antes do descobrimento do Brasil, em Portugal, o Município chamava-se Conselho (conclium), órgão local de governo, constituído de um alcaide, com funções administrativas e judiciais, representando o poder central, composto pelos juizes, os homens bons e os almocatés. No século XIV surgem os representantes da Coroa nos Conselhos, chamados juizes de fora, que simbolizavam o centralismo do controle do poder pela Coroa. No século XV, com as Ordenações Afonsinas surgem os vereadores, porém os documentos legislativos portugueses foram retirando a força das comunas.

No Brasil colônia os portugueses aqui chegaram com as instituições municipais nos moldes do direito lusitano, composto por um alcaide, juizes ordinários, vereadores, almotacés e os homens bons. A centralização pelas Capitânias restringiu a expansão municipal, mas não impediu o seu desenvolvimento, graças ao amparo da Igreja e por iniciativa própria, com o poder de criar arraiais e o de convocar as juntas do povo para decidir sobre diversos assuntos da Capitania. Fortaleceu-se o Município em virtude da distância com a Coroa e das guerras com Espanha e Índia.

É com a Constituição Imperial de 1824, que o Município adquire a sua primeira ordem de matriz constitucional, obtendo as Câmaras Municipais Capítulo autônomo como se vê em seus artigos 167, 168 e 169.

A Lei 28 de 1o de outubro de 1828, foi o primeiro e básico documento legislativo, que organizou a administração municipal no Brasil Império, todavia essa regulamentação levou à centralização organizacional, o que gerou repulsa através de Ato Adicional, em 1.834, mas que teve um efeito contrário ao que se esperava, tornando-se o germe da morte das liberdades municipais, segundo afirmou o Visconde de Uruguai.

A Constituição Republicana de 24 de fevereiro de 1891, em seu artigo 68, garantiu a autonomia dos municípios, em tudo quando respeitasse o seu peculiar interesse. A de 1934, fortaleceu os Municípios com a repartição das competências de dois para três entes, estabeleceu bases para a organização municipal, com a fixação da eletividade do Prefeito e dos Vereadores da Câmara Municipal (art. 13), sendo o primeiro eleito por esta. Esse mesmo artigo garantia a participação dos Municípios nas receitas tributárias da União e dos Estados.

Na Constituição de 1988, o Município encontra o seu esplendor com a sua elevação à categoria de entidade política, pois a "República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito...", e tem a sua autonomia assegurada em seu artigo 18, corroborada pelas prerrogativas dos artigos 29 e 30, garantidores da auto-organização, através de lei orgânica de sua elaboração legislativa, pela Câmara Municipal, e não mais pelo Estado-membro eletividade do Prefeito, Vice-Prefeito e Vereadores.

Os artigos 182 e 183 traçam a política de desenvolvimento urbano, garantindo ao Município a elaboração de um plano diretor, obrigatório para todos os Municípios com população superior a vinte mil habitantes, que lhe concede o poder de regulamentar a ocupação do solo urbano, sujeitando-o à desapropriação pela falta de cumprimento de sua função social.

O artigo 156 atribui o poder de instituir os impostos que lhes competem, além das taxas e da contribuição de melhoria, nos termos do artigo 145.

É importante ressaltar a participação dos Municípios na repartição das receitas tributárias da União e dos Estados, segundo o artigo 158, que obteve uma razoável elevação em relação à Constituição anterior, por volta de quatro para quinze por cento, mesmo porque, a autonomia garantida implicou no aumento das atribuições dos Municípios, naquilo que lhe é de seu peculiar interesse, como os Conselhos Tutelares, na proteção da Criança e do Adolescente; os Conselhos de Saúde, para controle e aplicação das verbas recebidas para a saúde; a aplicação e fiscalização das leis de trânsito, segundo o novo Código de Trânsito nacional; e outras que lhes estão sendo outorgadas em face do pensamento de que a solução dos problemas do povo se resolve no âmbito de seu domicílio.

A autonomia municipal transformou-se em um princípio constitucional, que não poderá sofrer limitações pelas leis Federais e Estaduais, significando uma verdadeira invasão de competência, ressalvados aquelas impostas pelo próprio texto constitucional, que não retira a autonomia dos municípios.

Os Municípios brasileiros são vistos como entidades diferentes, da forma como estes se apresentam em outros países, em face ao tratamento autônomo que lhe é dispensado, e como um ser integrante da federação, com personalidade política própria, partícipe do chamado federalismo cooperativo.

O tratamento dos assuntos de peculiar interesse pelos governos locais, é matéria que a muito se discute e se diverge, como se viu do texto de Stuart Mill, desde 1863 na Inglaterra, até o pensamento heróico de Pedro Lessa, ao analisar a Constituição de 1891, veementemente combatido por Oliveira Viana, chamando-o de pensadores utópicos e sonambúlicos, por que vivenciam teses longe da realidade fática social brasileira, como expressão típica do pensamento conservador, que não se permite sonhar com um progresso futuro além do realismo cotidiano, contrário ao progresso da civilização e do próprio ser humano, que se encontra nesta orbe com o fim precípuo de evoluir, em busca de sua plenitude divina.(1)


2. A Autonomia Municipal

O reconhecimento de que os Municípios são partes integrantes da Federação é tão somente um início de outras inovações quanto à Municipalidade, como se vê nas palavras de José Afonso da Silva, a Constituição de 1988 modifica a posição dos municípios na Federação, porque os consideram componentes da estrutura federativa. Realmente, assim o diz em dois momentos. No art. 1o declara que a República Federativa do Brasil é formada pela União indissolúvel dos Estados e Municípios, e do Distrito Federal. No art. 18 estatui que a organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.(2)

O Município integra a Federação, nos conformes do texto constitucional vigente, como entidade político-administrativa, dotada de autonomia política, administrativa e financeira. Trata-se de reivindicação antiga do administrativista Hely Lopes Meirelles que, com excelente visão jurídica, já considerava tal circunstância antes mesmo da promulgação da Carta Constitucional.(3) Oportuna se faz a transcrição de suas palavras a esse respeito: "O Município brasileiro é entidade estatal integrante da Federação. Essa integração é uma peculiaridade nossa, pois em nenhum Estado Soberano se encontra o Município como peça do regime federativo, constitucionalmente reconhecida."(4) Dizia ainda o saudoso jurista: "dessa posição singular de nosso Município é que resulta a sua autonomia político-administrativa, diversamente do que ocorre nas demais Federações, em que os Municípios são circunscrições meramente administrativas".

Em artigo publicado tratando da questão ambiental relacionada ao Município, as Procuradoras do Município de São Paulo, Maria Sylvia Ribeiro Barreto e Maria Lúcia Correia, também enfatizaram tal particularidade, conforme se depreende da leitura do seguinte trecho: "a nova Constituição Brasileira, em seu art. 1o, acolheu definitivamente a figura do Município como entidade federativa, fixando-lhe competências (art. 30) e assegurando-lhe autonomia política, administrativa e financeira (arts. 18 e 156)".(5) E, conjuntamente, repetiram-se: "trata-se de uma peculiaridade da federação brasileira". No mesmo sentido é a orientação do também Procurador do Município do Rio de Janeiro, Marco Antônio Ferreira Macedo, segundo a qual "...O Município, na Federação brasileira, é pessoa política, entidade alçada ao patamar constitucional de componente da República Federativa." (6).

A constatação de que o Município brasileiro já fazia parte da Federação como ente político autônomo antes do advento do atual texto constitucional era refutada por vários doutrinadores, e ainda hoje o é, como já visto; porém, toda e qualquer dúvida acerca de tal questão não mais pode subsistir. "Seja pela positivação constitucional, seja pela importância histórica do municipalismo na implantação da colônia, estamos convencidos, à sociedade, de sua posição como entidade federativa, e não simples unidade territorial dotada de autonomia político-constitucional.(7).

Manoel Gonçalves Ferreira Filho, pelo texto constitucional anterior (67, emendado em 69), já ensinava que Município, no Direito Constitucional Brasileiro em vigor, é entidade política, de existência prevista como necessária, com autonomia e competência mínima rigidamente estabelecida, (8) ressaltando-se que aquele texto já considerava a Municipalidade como entidade preexistente e mesmo necessária, porquanto lhe conferia competência no art. 15, e lhe distribuía rendas no art. 24. Com os primeiros albores da Carta Magna de 1988 pudemos, desde logo, verificar a integração da capacidade política do Município, ou seja, a autonomia municipal se fez plena por intermédio das mãos do constituinte.(9)

Ultimando a análise desse aspecto tão importante do município brasileiro, oportuna é a citação do entendimento de Celso Ribeiro Bastos, em obra também editada antes do advento da atual Constituição: "O Município é contemplado como peça estrutural do regime federativo brasileiro pelo Texto Constitucional vigente, ao efetuar a repartição de competência entre três governamentais diferentes: a federal, a estadual e a municipal".(10)

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Até o advento da Carta Magna em vigor, as municipalidades tinham o reconhecimento constitucional de possuírem governo próprio e competência exclusiva correspondente à parcela mínima no que se refere à sua atuação, fiscalização e regulação normativa. Por força do art. 18, c/c o art. 29, ambos da Constituição Federal, a autonomia municipal foi assegurada em sua plenitude, posto que o texto atual prevê o poder de auto-organização pelo Município, além do governo próprio, com competências exclusivas ampliadas, envolvendo quatro capacidades: de auto-organização, de autogoverno, de autolegislação (ou capacidade normativa própria) e de auto-administração. (11)

Preconiza o art. 29 da Constituição da República: o município se regerá por lei orgânica, votada em dois turnos, com o interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos nesta Constituição do respectivo Estado. É norma inovadora nunca antes tratada na tradição constitucional brasileira, atendendo aos anseios e à própria realidade nacional. Todavia, até a Carta Política de 1988, os Municípios eram organizados pelos seus respectivos Estados conforme leis orgânicas de competência estadual. Somente no Rio Grande do Sul houve uma insurreição a tal prática, já que naquele Estado cada Município já possuía sua própria lei orgânica, elaborada pela respectiva Câmara Municipal.

É bem verdade que a Constituição Federal enumerou certas matérias que devem ser necessariamente tratadas na Lei Orgânica Municipal, o que não retira do Município a sua autonomia, pois assim o fez, e é o que deve fazer a lei maior; como comando constitucional do Estado politicamente organizado, assim sintetizadas: a) a posse do Prefeito, do Vice-Prefeito e dos Vereadores e seus compromissos; b) a inviolabilidade dos Vereadores por suas opiniões, palavras e votos no exercício do mandato, na circunscrição do Município; c) proibições e incompatibilidades, no exercício da vereança, similares, no que couber, ao disposto na Constituição do respectivo Estado, para os membros da Assembléia Legislativa; d) organização das funções legislativas e fiscalizadoras da Câmara Municipal; e) cooperação das associações representativas de bairro com o planejamento municipal; f) iniciativa legislativa popular sobre matéria de interesse específico do Município, da cidade ou de bairros, através da manifestação de pelo menos cinco por cento do eleitorado; g) perda do mandato do prefeito, incluindo como uma de suas causas o fato de ele assumir outro cargo ou função na administração pública direita ou indireta, ressalvada a posse em virtude de concurso público e observado o disposto no art. 38, I, IV e IV.

As competências dos Municípios na ordem constitucional brasileira estão inseridas no artigo 30. Todas elas ali enumeradas se relacionam à administração pública no tocante ao interesse local. Nas palavras de Michel Temer"(12).

Tal assunto já é motivo de antigas reflexões, como se vê das palavras de Stuart Mil:

"AS AUTORIDADES centrais só podem bem desempenhar, ou bem cumprir, uma parte muito pequena dos negócios públicos; e mesmo em nosso governo, o menos cent5ralizado da Europa, a parte legislativa (pelo menos a do corpo governante) se ocupa mais de assuntos locais, empregando o poder supremo do Estado para cortar pequenos nós que poderiam ser desatados de melhor maneira. O enorme volume de assuntos privados que toma o tempo do Parlamento, e atrai os pensamentos de seus membros individuais, distraindo-os de suas obrigações para com o grande conselho da nação, é encarado por todos os pensadores e observadores como um grave mal, e o que é pior, um mal que tende a crescer"(13).

Compete, também, ao Município, suplementar a legislação federal e a estadual no que couber. José Afonso da Silva anota, sobre tal dispositivo, que aí, certamente, competirá aos Municípios legislar supletivamente sobre: 1) proteção do patrimônio histórico, cultural e artístico, turístico e paisagístico; 2) responsabilidade por dano ao meio ambiente, do consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico local; 3)educação, cultura, ensino e saúde no que tange à prestação desses serviços no âmbito local; 4) direito urbanístico local e outros.(14)

Cumpre-lhe, ainda, instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas; criar, organizar e suprimir distritos; organizar e prestar diretamente ou sob regime de concessão ou permissão os serviços públicos de interesse local; manter programas de educação pré-escolar e de ensino fundamental; prestar serviços de atendimento à saúde da população; promover o adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, parcelamento e ocupação do solo urbano; promover a proteção do patrimônio histórico, cultural local, dentre outras competências.

No que pertine à política urbana de ocupação, utilização e fruição do solo urbano, a Carta Magna reservou um capítulo específico para tal fim, estabelecendo o objetivo de ordenar o plano de desenvolvimento das funções sociais da cidade, e por que não dizer a da própria função social da propriedade urbana, timidamente regulada pela Constituição Federal, com o propósito de garantir o bem-estar de seus habitantes, e atribuiu a responsabilidade por tal política aos Municípios, que deverá observar diretrizes gerais fixadas em lei federal (art. 21, inc. XX, do texto). O§ 1o, do art. 182, da Lei Maior, estabeleceu que o plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana. Matéria que cuida de interesse local por excelência.

Como mencionou resumidamente José Afonso da Silva, "inegavelmente, os Municípios brasileiros saíram bastante fortalecidos pela Constituição que lhes conferiu, sem dúvida, uma posição de destaque no sistema federativo brasileiro"(15).

Sob a óptica do Direito, "a autonomia municipal é a faculdade que a pessoa política Município tem de, dentro do círculo de competência pré-traçado pela Constituição, organizar, sem interferências, seu governo e estabelecer, sponte proria, suas normas jurídicas (João Mangabeira)" (16). Este último aspecto (competência para legislar) ganha particular relevo, para que bem se caracteriza a autonomia jurídica do Município.

A autonomia encerra sempre uma faculdade legislativa, que supõe a aptidão de estabelecer, por direito próprio, e não por delegação, regras obrigatórias. Faculdade tal que não é soberana, porque se devem manter nos limites impostos pela Constituição, como apregoava Laband, citado por Carrazza.

Destarte, o conceito de autonomia municipal fixou-se em duas características essenciais: a) o provimento privativo dos cargos governamentais; b) competência exclusiva no trato de assuntos de seu peculiar interesse (Hans Kelsen).

A administração municipal será exercida de modo a corresponder ao que seu povo, por seus representantes, estabelecer nas leis votadas pelas suas Câmaras, sem a interferência de outros poderes (estaduais, federais, nacionais e internacionais), obviamente, desde que não se afastem dos preceitos constitucionais.

A título de exemplo, toda lei tributária municipal válida é suprema sobre outra da União, do Estado ou de outro Município, com a qual conflite. Assim, se uma lei municipal e uma estadual regularem uma matéria tributária de competência municipal, a lei estadual deve ceder, por estar fora de seu campo de competência, não será se não um simulacro de lei.

Do ponto de vista jurídico como decorrência da autonomia que possuem, os Municípios brasileiros são iguais entre si. Assim, dizer que o Município "A" é superior ao Município "B" em razão de ter rendas mais expressivas ou maior população, é despir-se do campo jurídico, para enveredar pelo campo político ou sociológico.(17)

A Carta Constitucional de 1988 é tida pelos mais ilustres doutrinadores, como uma Constituição principiológica, na qual a autonomia municipal é um dos princípios ali positivados, na categoria de um dos seus princípios fundamentais, como se observa no Título I que abre o arcabouço do Texto Constitucional, após o seu preâmbulo, constituindo o Município na formação indissolúvel da República Federativa do Brasil, corroborado pelas normas ditadas pelo artigo 18, do mesmo Texto.

A possibilidade da criação, incorporação, fusão e desmembramento de Municípios, nos termos do § 4o do artigo 18, e demais limitações de ordem constitucional, não afetam a autonomia municipal, porque é da própria natureza da Constituição Federal a organização político-administrativa do País, da mesma forma que a possibilidade dos Estados incorporar-se entre si, subdividir-se ou desmembrar-se para se anexarem no futuro, ou formarem novos Estados ou Territórios Federais, mediante aprovação da população diretamente interessada, através de plebiscito, e do Congresso Nacional, mediante lei complementar (§3o, do art. 18), não afeta a Federação, ou o princípio federativo.

A Constituição, elaborada por um Poder originário, cria, estabelece os princípios e as normas que regerão o Estado que se forma, e este Poder originário, tem o condão de estabelecer as exceções que lhe convier, que não poderão ser modificadas pelo Poder derivado. Entre eles encontram-se os princípios que regem a Carta Constitucional elaborada pela Assembléia Nacional Constituinte.

O Poder derivado não pode suprimir a autonomia municipal, pois é pétreo esse princípio. Restringi-la, modificá-la, quando muito dentro dos estritos limites já estabelecidos pelo Poder originário, o que não a elimina.

O princípio da autonomia municipal é dos mais relevantes de quantos existem em nosso direito positivo (Geraldo Ataliba). Deveras, Kelsen observa - com muita propriedade - que a importância de uma norma jurídica pode ser aferida pela intensidade de sanção que acarreta, acaso descumprida. Ora, se um Estado-membro violar a autonomia de um dos Municípios localizados em seu território, ele é passível, até, nos termos do art. 34, VII, "c", da Constituição, de intervenção federal, medida que implica quebra (temporária, é certo) do próprio princípio federativo; verdadeira chave de abóbada de nosso sistema jurídico, como se depreende da simples leitura do art. 60, § 4o, I da mesma Carta Constitucional ("Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir a forma federativa de Estado").(18)

O pensamento de Stuart Mill, em 1861, em defesa do liberalismo social e político, e contrário à tirania da maioria, das convenções e das opiniões dominantes, em pleno reino unido já pregava com sabedoria a representatividade dos corpos locais, outorgando-lhes as atribuições administrativas de interesse local, que envolviam até a administração local da polícia, das prisões e da própria justiça.

"De início, é óbvio que todas as tarefas puramente locais - tudo o que diz respeito a uma única localidade - deve recair sobre as autoridades locais. A pavimentação, a iluminação, a limpeza de uma cidade, e em circunstâncias normais também os esgotos, são importantes apenas para os seus habitantes. A nação como um todo só se interessa por esses problemas na medida em que se interessa pelo bem-estar pessoal de todos os seus cidadãos individuais. Mas entre as tarefas classificadas como locais, ou executadas por funcionários locais, existem muitas que poderiam muito bem ser chamadas de tarefas nacionais, uma vez que são parte, pertencente à localidade, de algum ramo da administração pública cuja condução importa igualmente para toda a nação: as prisões, por exemplo, muitas das quais neste país estão sob a administração do Condado: a polícia local; a administração local da justiça, da qual grande parte, especialmente nas cidades livres, é executada por funcionários eleitos e pagos pelos fundos locais. Não se pode dizer que nenhum desses assuntos tem uma importância local, distinta de sua importância nacional. Não seria uma coisa pessoalmente indiferente para o resto do país, se uma cidade se tornasse um covil de ladrões ou um foco de desmoralização, devido à má administração de sua polícia; ou se, pela má organização de suas prisões, a punição que as cortes de justiça pretendessem infringir sobre os criminosos ali confinados (que poderiam ter vindo de outros distritos, ou lá cometido seus crimes) fosse dobrada em intensidade ou aliviada até a impunidade de fato. Além do mais, as condições que constituem a boa administração destes serviços são as mesmas em toda a parte; não há uma boa razão para que a polícia, as prisões ou a justiça sejam administradas de maneira diferente em uma ou outra parte do reino; ao mesmo tempo em que existe um grande perigo em que em coisas tão importantes, para as quais as mentes mais instruídas no Estado não são mais do que adequadas, as capacidades locais, sempre inferiores, possam cometer erros suficientemente graves para manchar consideravelmente a administração geral do país"."(19)

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Sobre o autor
Pedro Victório Daud

promotor de Justiça em Sergipe, titular da Vara de Falências e Concordatas, professor universitário

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DAUD, Pedro Victório. Imposto Sobre Serviço e o Local da Prestação. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 6, n. 51, 1 out. 2001. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2100. Acesso em: 29 mar. 2024.

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