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A utilização articulada da preclusão e da eventualidade no processo civil

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04/02/2012 às 14:33

Resumo:


  • O uso articulado dos institutos da preclusão e da eventualidade incentiva a concentração processual, limitando o agir das partes no processo.

  • Embora o juiz não esteja sujeito ao regime da eventualidade, indiretamente é afetado por esse sistema direcionado às partes litigantes, pois não pode julgar algo diferente do que foi exposto por elas.

  • A rigidez do sistema processual civil brasileiro em relação à inalteração da causa de pedir e pedido pode ser modificada para permitir uma regra mais flexível de apresentação/modificação, como proposto no Projeto n° 166/2010 para um novo CPC.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

V. Mudança necessária no sistema de preclusões e eventualidades referentes à alteração da causa de pedir e pedido – aproximação do processo civil da linha do processo penal?

Tratemos, nas últimas linhas, de maneira mais intensa, a respeito dos limites estabelecidos pelo sistema de preclusões e eventualidades à alteração da causa de pedir e pedido no sistema processual – apontando para a necessária modificação legislativa no marco pátrio autorizador de alteração na causa de pedir e pedido. Mesmo porque a prática no direito comparado, contrabalançando o rigorismo formal com o princípio da economia processual, e a própria concepção de um moderno processo cooperativo, indica no sentido de ser viável a relativização dessa inflexível estabilização no Brasil, em limites moderados, respeitando-se a situação cultural da nossa sociedade.

Frisemos, de antemão, que a estabilização do processo, mediante a inalteração da causa de pedir e pedido, possui duplo fundamento: um particular, com efeitos privados, consiste na realização prática do princípio da lealdade processual, o qual não consiste apenas na fidelidade à verdade, mas compreende a colocação clara e precisa dos fatos e dos fundamentos jurídicos por ambas as partes, de modo a não se surpreender, nem um nem outro, com alegações novas de fatos ou indicação de provas imprevistas. O outro fundamento da estabilização do processo é o do interesse público na boa administração da justiça, que deve responder de maneira certa e definitiva à provocação consistente no pedido do autor [35].

Um sistema legislativo que permitisse livremente a alteração dos elementos da ação geraria instabilidade na prestação jurisdicional e, consequentemente, nas relações jurídicas em geral. O juiz, como já mencionamos, deve decidir sobre o que foi expressamente pedido, nos limites da causa petendi; sendo que se o autor tiver outro pedido, ou até deseje expor outro fato jurídico principal, que o faça, reforça-se, em processo distinto.

Essa máxima do processo civil, compara Vicente Grego Filho, não encontra fiel parâmetro no processo penal pátrio, cujo sistema prevê a possibilidade de adequação do pedido à verdade real (CPP, arts. 383 e 384); justificando-se nesse campo uma maior liberdade porque o processo criminal deve esgotar a atividade jurisdicional sobre todo fato da natureza (melhor composto durante a instrução), e não apenas sobre o que foi pedido formalmente (na oportunidade preambular), de modo que, no âmbito especificamente penal, se faz indispensável "a existência de mecanismo de adequação do objeto do processo ao fato" [36] – desde que, completemos, seja resguardado o direito ao amplo contraditório a partir do momento processual oportunizador da emenda [37].

Estamos, no entanto, no atual momento do processo civil pátrio, próximos de aproximarmos as linhas sobreditas de (histórica) diferenciação para com o processo criminal; seguindo, por outro lado, uma verdadeira tradição do direito processual civil continental-europeu, como comenta Paolo Biavati, em que, embora haja naturais restrições implementadas pelos sistemas processuais, sensível é que "as preclusões são menos rígidas e além disso o espaço de defesa das partes é consideravelmente amplo" [38].

Isto porque o Projeto n° 166/2010 para um novo CPC, alterando sensivelmente os ditames do atual art. 264 c/c art. 294 do Código Buzaid, fixa, no art. 314, que "o autor poderá, enquanto não proferida a sentença, aditar ou alterar o pedido, desde que o faça de boa-fé e que não importe em prejuízo ao réu, assegurando o contraditório mediante a possibilidade de manifestação deste no prazo mínimo de quinze dias, facultada a produção de prova suplementar" [39].

Assim, da mesma forma que se sucede no processo penal, o juiz poderá autorizar o aditamento/emenda posterior da petição inicial, mesmo se já está esteja em pleno andamento a fase instrutória. Como necessário contrapeso, deve ser dada oportunidade ao réu para se defender em relação a esse complemento, no mesmo prazo da contestação (quinze dias), momento em que deverá, se necessário, requerer produção de provas complementares.

De fato, a inovação legislativa, já aprovada no Senado e prestes a ser aprovada na Câmara Federal, era esperada, já que pleiteada há bom tempo pela melhor doutrina [40], a qual vinha denunciando a discrepância da solução processual pátria (rígida) em relação aos modelos alienígenas europeus. No entanto, o limite para a alteração da causa de pedir e pedido chega a surpreender, já que o sistema atual é absolutamente rígido (impedindo a alteração da causa de pedir e pedido após o saneamento) e passa a ser significativamente flexível (autorizando a alteração da causa de pedir e pedido até o momento de prolação da decisão exauriente de mérito).

Uma solução intermediária, que já tivemos a oportunidade de recentemente defender [41], com base na doutrina especializada no assunto [42], seria de se abrir a possibilidade de modificação da demanda na primeira audiência de debates (prevista no art. 331 do CPC), depois de esclarecidos os fatos da causa em diálogo mantido pelo órgão judicial com as partes. Vai mais longe, pois, o Projeto, ficando, no entanto, dentro de limite tolerável, já que, no nosso sentir, seria desaconselhável a legislação adjetiva autorizar a modificação da causa de pedir e pedido até em segundo grau de jurisdição, em razão da celeuma processual que poderia daí decorrer.

A respeito, vale recordar que, como bem asseverou Carlos Alberto Alvaro de Oliveira [43], a experiência histórica da Itália (a partir da chamada "contra-reforma" de 1950, determinada pela Lei n° 581, que modificava o CPC italiano de 1940) não recomenda a adoção de um sistema extremamente liberal, em que até em fase recursal poderiam as partes propor novas exceções e novos meios de prova, o que foi tema de extrema crítica pelos operadores de direito daquele país [44] e modificação posterior, via Lei n° 353, da década de 90 [45].

Por fim, ainda com relação à possibilidade de alteração da causa de pedir e pedido em momento posterior ao saneamento do feito, pensamos que limite importante, inclusive preservado pelo art. 314 do Projeto n° 166/2010, é o de impossibilitar que tal medida processual seja realizada por iniciativa oficiosa do Estado-juiz.

De fato, entendemos que risco que não poderia se cogitar de correr é o de viabilizar alterações nos rumos da demanda por iniciativa do magistrado, como sugerido por Júnior Alexandre Moreira Pinto, ao sustentar que "até um determinado momento, como por exemplo, antes do início da instrução, devem as partes e até mesmo o juiz, ter liberdade para trazer ao processo fatos novos, que vão surgindo de acordo com as alegações propostas" [46].

Discorda-se do jurista no ponto de admitir a alteração da causa de pedir pelo próprio julgador, precipuamente porque tal posicionamento se coloca de maneira indevida contra o tão destacado princípio dispositivo (em sentido próprio ou material, que merece não mais do que pontualíssimas limitações, sob pena de ingerência na imparcialidade do magistrado) e contra a própria teoria da substanciação, fortemente sistematizada no direito processual civil pátrio ao longo da história (em nível maior, inclusive, do que no modelo continental-europeu).

Tem-se, portanto, que posição mais conservadora no tópico também há de vingar, devendo a pensada novel alteração legislativa permitir que se suceda modificação da causa de pedir e pedido até a prolação de sentença (vedada a propositura de novas questões em segundo grau de jurisdição), desde que proposta fundamentadamente por uma das partes (nunca pelo julgador), cabendo daí ao magistrado acolhê-la ou não (a partir de razoável justificativa).


Conclusão

A utilização articulada dos institutos da preclusão e da eventualidade incentiva a concentração processual, representando, a incidência dos fenômenos sobre os litigantes, uma (necessária) limitação ao agir das partes no processo. Tanto o autor como o réu precisam alegar simultaneamente as suas razões, especialmente na preambular fase postulatória do iter (na inicial e contestação, respectivamente) – espaço da eventualidade; sob pena de não mais ser permitido aquele movimento em etapa ulterior – espaço da preclusão.

Embora defendamos que o Estado-juiz não esteja sujeito ao regime da eventualidade e mesmo ao regime da preclusão temporal, pode-se constatar que indiretamente o magistrado acaba sendo afetado por esse sistema de preclusões/eventualidades direcionados às partes litigantes, já que não poderá, por regra, julgar coisa diversa daquelas expostas pelas partes (mesmo que tenha conhecimento de que não foi devidamente precisa/completa a exposição da causa de pedir e/ou do pedido) – tudo em respeito ao princípio dispositivo, garantidor da (fundamental) imparcialidade do agente político do Estado.

Assim, estando todos os integrantes da relação jurídica processual (Estado-juiz e partes litigantes) indireta ou diretamente sujeitos aos reflexos da articulada utilização das técnicas da preclusão e eventualidade, realmente se mostra adequado que seja fixada regra mais flexível de apresentação/modificação da causa de pedir e pedido – como já vinha reclamando a doutrina especializada pátria e é agora objeto de um das propostas legislativas para um novo código de processo civil brasileiro.

No entanto, para que tal significativa modificação nos rumos da lide seja viabilizada, no nosso sentir há de ser requerida expressamente pelas partes (e não pelo magistrado) e não deve ser incrementada em momento procedimental que possa causar mais transtornos do que soluções – o que se daria em modelo processual extremamente liberal, não aconselhado, em que até em segundo grau de jurisdição pudessem ser implementadas alterações no objeto litigioso.


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Sobre o autor
Fernando Rubin

Advogado do Escritório de Direito Social, Bacharel em Direito pela UFRGS, com a distinção da Láurea Acadêmica. Mestre em processo civil pela UFRGS. Professor da Graduação e Pós-graduação do Centro Universitário Ritter dos Reis – UNIRITTER, Laureate International Universities. Professor Pesquisador do Centro de Estudos Trabalhistas do Rio Grande do Sul – CETRA/Imed. Professor colaborador da Escola Superior da Advocacia – ESA/RS. Instrutor Lex Magister São Paulo. Professor convidado de cursos de Pós graduação latu sensu. Articulista de revistas especializadas em processo civil, previdenciário e trabalhista. Parecerista.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RUBIN, Fernando. A utilização articulada da preclusão e da eventualidade no processo civil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3139, 4 fev. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21009. Acesso em: 28 dez. 2024.

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