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Repercussão geral em recurso extraordinário: transcendência em matéria tributária

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4. Algumas questões constitucionais-tributárias com e sem repercussão geral reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal

Dentro do universo das apreciações acerca da repercussão geral da questão constitucional tributária discutida nas razões do recurso extraordinário, encontramos ponto de convergência seja quando da decisão pelo reconhecimento da transcendência, seja por sua negativa, que revela e aproxima os parâmetros para a possível compreensão da expressão "repercussão geral", necessária à admissão do recurso.

Os argumentos que ora se expõe, bem como às conclusões a eles relacionadas, que abaixo seguirão, adianta-se, não têm a pretensão de esgotar o tema, almejando sim, que a comunidade jurídica ponha-se em reflexão sobre a importância de uma definição razoável e coerente acerca do presente mecanismo filtrante dos recursos extraordinários, porquanto a utilização do conceito vago "repercussão geral" carece de estudo, discussões e meditações, em favor de um mínimo de previsibilidade (segurança jurídica), na sua utilização.

4.1. A existência ou não de repercussão geral quando a questão constitucional envolvida não atingir a sociedade como um todo

Observou-se, ao longo da análise das manifestações fundamentadas dos Ministros do Supremo Tribunal de decisões afetas ao Direito Tributário, que se tem considerado ausente a repercussão geral, quando as questões discutidas nas razões do recurso extraordinário não repercutem na sociedade como um todo, fundamento este, encabeçado pelo Ministro Menezes Direito, em mais de um julgado da Corte.

Cita-se, a título de exemplo, o julgamento preliminar de repercussão geral no RE 578.635-RG/RS (publicado em 17/10/2008), cuja discussão travada estava na possibilidade ou não da exigibilidade da contribuição social destinada ao INCRA das empresas urbanas, sustentando a parte recorrente a violação de diversos dispositivos e princípios inseridos na Carta Política de 1988.

Em sua manifestação, como relator do caso, o eminente Ministro Menezes Direito pronunciou pela inexistência de repercussão geral da questão, nos seguintes termos:

"Entendo que a matéria constitucional discutida nestes autos não possui repercussão geral porque está restrita ao interesse das empresas urbanas eventualmente contribuintes da referida exação. A solução adotada pelas instâncias ordinárias no deslinde da controvérsia não repercutirá política, econômica, social e, muito menos, juridicamente na sociedade como um todo." (Trecho da manifestação do Min. Menezes Direito, no RE 578.635-RG/RS – p. 2654) [Destaque nosso]

Por outro lado, na mesma assentada, o eminente Ministro Marco Aurélio Mello, divergindo do relator, defendeu a existência da repercussão geral, porquanto:

"Reitero o que sempre ressalto sobre a valia do instituto da repercussão geral:

[...] cumpre encarar o instituto da repercussão geral com largueza. O insturmento viabiliza a adoção de entendimento pelo Colegiado Maior, com o exercício na plenitude, do direito de defesa. Em princípio, é possível vislumbrar-se grande número de processos, mas, uma vez apreciada a questão, a eficácia vinculante do pronunciamento propicia a racionalização do trabalho judiciário.

No caso, trata-se de tributo que repercute no campo jurídico de forma alargada. Tudo recomenda que haja o crivo do Supremo, presente a constitucionalidade declarada pela Corte de origem." (Trecho da manifestação do Min. Marco Aurélio Mello, no RE 578.635-RG/RS – p. 2658/2659) [Destaque nosso]

É estreme de dúvidas que a contribuição social destinada ao INCRA está sendo exigida de todas as empresas urbanas, cujo universo ultrapassa seis dígitos – o que independentemente do mérito da causa – sobrelevando a relevância econômica, social, assim como jurídica da questão, o que inegavelmente transcende os interesses subjetivos da causa.

Não obstante, os Ministros da Alta Corte, vencidos o Ministro Marco Aurélio Mello e Gilmar Mendes e não tendo se manifestado a Ministra Ellen Gracie, decidiram pela inexistência de repercussão geral da questão constitucional suscitada, prevalecendo, com isso, a necessidade de ela repercutir na sociedade como um todo.

Nesse mesmo sentido, o julgamento do RE 585.740-RG/RJ (publicação 22/02/2008), onde estava em pauta a possibilidade de extensão da forma de cálculo da COFINS e da contribuição ao PIS, conferidas às empresas de comercialização de veículos usados, para todas as outras pessoas jurídicas que atuam no ramo industrial, decidiu a Corte Suprema não existir repercussão geral na questão ventilada, vencido o Ministro Marco Aurélio, não tendo se manifestado a Ministra Ellen Gracie.

Sustentou novamente o Ministro Menezes Direito, relator do recurso:

"Essa questão, relativa à alegada possibilidade de extensão da forma de cálculo da COFINS e da contribuição ao PIS fixada para as empresas que atuam no ramo industrial, não possui repercussão geral a ensejar o julgamento do recurso extraordinário por esta Corte. A supremacia do princípio da igualdade tributária não será afetada pelo caso em tela, de modo que o conflito deduzido em juízo pela parte, qualquer que seja a solução, não repercutirá, política, econômica, social e, muito menos juridicamente na sociedade como um todo, limitando-se, no máximo, ao âmbito de atividade da recorrente." (Trecho da manifestação do Min. Menezes Direito, no RE 585.740-RG/RJ – p. 682) [Destaque nosso]

Manifestando em voto escrito, o Ministro Marco Aurélio Mello foi enfático ao dizer que:

"Observem a importância da repercussão geral:

Conforme venho ressaltando, cumpre encarar o instituto da repercussão geral com largueza. O instrumental viabiliza a adoção de entendimento pelo Colegiado Maior, com o exercício, na plenitude, do direito de defesa. Em princípio, é possível vislumbrar-se grande número de processos, mas, uma vez apreciada a questão, a eficácia vinculante do pronunciamento propicia a racionalização do trabalho judiciário.

Relativamente ao tema de fundo, está-se diante de situação concreta passível de repetir-se em um sem-número de processos, incumbindo ao Supremo definir o alcance do princípio da isonomia encerrado no artigo 150, inciso II, da Carta da República." (Trecho da manifestação do Min. Marco Aurélio Mello, no RE 585.740-RG/RJ – p. 686)

No caso acima, estão envolvidas todas as sociedades industriais do país, que estiverem no regime da não-cumulatividade atinente às referidas contribuições [26], ultrapassando os interesses subjetivos da causa, bem como denotando a relevância do ponto de vista econômico e social.

Já num posicionamento diametralmente oposto ao dos julgados acima apresentados, no RE 587.008-RG/SP (publicado em 10/10/2008), onde se discutia a presença da relevância e repercussão da discussão acerca da majoração de alíquota da Contribuição Social Sobre o Lucro (CSLL) sem o respeito da garantia nonagesimal prevista no art. 195, § 6º, da CR/88, o Tribunal entendeu pela existência da transcedência nas questões discutidas, saindo vencidos, entretanto, os Ministros Menezes Direito, Carlos Britto, Celso de Mello, Cezar Peluso, Eros Grau e Ricardo Lewandowski.

Em sua manifestação, como relator do caso, o eminente Ministro Menezes Direito manteve seu entendimento pela inexistência de repercussão geral da questão, nos seguintes termos:

"A questão suscitada nestes autos, referente à validade da exigência da Contribuição Social Sobre o Lucro com base na nova alíquota, que foi majorada de 18% para 30%, exclusivamente no período de janeiro a 5 de junho de 1996, não possui repercussão geral a ensejar o julgamento do recurso extraordinário por esta Corte. A matéria está restrita aos interesses das pessoas jurídicas sujeitas à referida contribuição, não repercutindo política, econômica, social ou juridicamente na sociedade como um todo." (Trecho da manifestação do Min. Menezes Direito, no RE 587.008-RG/SP – p. 2646) [Destaque nosso]

Doutra banda, o eminente Ministro Marco Aurélio Mello, divergindo do relator, defendeu a existência de repercussão geral, sendo acompanhado pelos Ministros Carmén Lúcia, Gilmar Mendes, Joaquim Barbosa, Ellen Gracie, porquanto:

"A questão discutida na espécie envolve relações jurídicas diversas, ou seja, de todos os contribuintes do referido tributo sujeitos à majoração verificada. Cumpre ao Supremo esclarecer se a anterioridade nonagesimal diz respeito ou não, também, às emendas constitucionais. Vale frisar que, nessa fase, não cabe definição sobre tal matéria, mas tão-somente sobre a repercussão geral." (Trecho da manifestação do Min. Marco Aurélio Mello, no RE 587.008-RG/SP – p.2650) [Destaque nosso]

Observa-se que, nos três precentes citados apenas um parcela significativa da sociedade estava envolvida. Porém o resultado, [27] divergiu significativamente, diante de fatos que guardavam estreita semelhança [28] entre os dois primeiros e o terceiro.

Aumentando ainda mais a distorção acima apresentada, no RE 590.186-RG/RS (publicado em 26/09/2008) – cuja questão constitucional gravita em torno da incidência do IOF sobre as operações de mútuo praticadas entre pessoas jurídicas ou entre pessoas jurídicas e físicas, segundo as mesmas regras aplicáveis às operações praticadas pelas instituições financeiras – os Ministros, por unanimidade, decidiram pela existência de repercussão geral.

Mais uma vez como Relator do recurso, o Ministro Menezes Direito, agora indo em direção oposta ao que defende em outros julgados, como os supramencionados, entendeu pela existência da repercussão geral da questão constitucional, manifestando-se:

"Entendo que a matéria constitucional discutida nestes autos transcende o interesseu subjetivo das partes, na medida em que se discute a constitucionalidade de norma legal que prevê a incidência de imposto que, em princípio, pode ser exigido da maioria das pessoas físicas e jurídicas do país. Assim, a questão constitucional possui relevância econômica, porquanto afeta grande número de contribuintes, além de influir na arrecadação." (Trecho da manifestação do Min. Menezes Direito, no RE 590.186-RG/RS) [Destaque nosso]

O Ministro Marco Aurélio Mello, como noutros julgados, manteve sua convicção a respeito da repercussão geral, especialmente em casos como o acima apresentado, repetindo:

"Atentem para o alcance da repercussão geral:

Conforme venho ressaltando, cumpre encarar o instituto da repercussão geral com largueza. O instrumental viabiliza a adoção de entendimento pelo Colegiado Maior, com o exercício, na plenitude, do direito de defesa. Em princípio, é possível vislumbrar-se grande número de processos, mas, uma vez apreciada a questão, a eficácia vinculante do pronunciamento propicia a racionalização do trabalho judiciário.

No caso, verifica-se situação jurídica, dirimida pela Corte de origem de forma contrária à contribuinte, que pode se repetir, sob o ângulo constitucional, em um sem-número de processos. Tudo recomenda que o Supremo defina o alcance do preceito da Carta Federal aplicável à espécie, tal como ressaltado pelo ministro Menezes Direito." (Trecho da manifestação do Min. Marco Aurélio Mello, no RE 590.186-RG/RS)

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Refletindo sobre todos os casos que até então apresentamos, parece-nos que o Alta Corte brasileira, tem oscilado quanto ao que significa a expressão "repercussão geral", vez que, em matéria de direito tributário, como demonstrado alhures, sobretudo em casos similares aos que acima foram apresentados, é presumível a relevância de pelo menos uma das áreas da dinâmica da sociedade, apontadas pela Lei n. 11.418/06, quais sejam, econômica, política, social ou jurídica.

Ademais, algumas manifestações dos Ministros da Corte, embasaram ainda na ausência da repercussão geral, tangendo o mérito do recuro extraordinário, o que conforme, reiteradas vezes lembrado pelo Ministro Marco Aurélio Mello "que, nessa fase, não cabe definição sobre tal matéria, mas tão-somente sobre a repercussão geral" [29], dizendo ainda que: "venho consignando sobre a importância do instituto da repercussão geral, devendo resistir à tentação, no exame, de formar juízo sobre a procedência ou a improcedência do que revelado nas razões do extraordinário." [30]

Fato este que não restou autorizado pelo texto constituional ou pela Lei n. 11.418/06


5. Conclusão

À guisa de conclusão, esperando contribuir para o debate na comunidade jurídica e na sociedade em geral, de forma a aquilatar o papel e a busca pela eficiência, por nós almejados, para Alta Corte brasileira, órgão da cúpula de um dos três poderes da República, fazendo com que ela prospere no cumprimento do mister que lhe foi atribuído pela Carta Política de 1988, sem deixar de decrescer na legitimidade de suas decisões, conclui-se que, quanto ao mecanismo filtro cognominado de repercussão geral das questões constitucionais, como requisito de admissibilidade do recurso extraordinário:

i)O interprete há de empreender esforços para atribuir consubstancioso sentido à expressão "repercussão geral", a partir do que foi delienado pela Lei n. 11.418/06, com o auxílio do método de pensamento tópico;

ii)O Supremo Tribunal Federal tende a fortalecer esse sentido, a partir dos precedentes que forem surgindo ao longo da aplicação do instituto;

iii)A violação à Constituição, em regra, há de se presumir como relevante pelo menos em alguma das áreas mencionadas pela lei de regência (econômica, política, social ou jurídica), em virtude do status das normas constitucionais dentro do ordenamento jurídico;

iv)Em questões atinentes ao Direito Constitucional Tributário a relevância se torna mais evidente tendo em vista sê-lo estratégico e analitacamente disciplianda sua estrutura pela Carta da República vigente;

v)A demonstração de repercussão geral em questões constitucionais-tributárias circunscreve, praticamente, diante da transcedência dos efeitos da decisão, por ultrapassarem os interesses subjetivos da causa.

vi)Entretanto, nos precedentes até então julgados, constata-se uma oscilação acerca do que se considera a transcendência da questão discutida, o que leva à falta de previsibilidade (segurança jurídica) das decisões até então tomadas.

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Sobre o autor
Leonardo Farias Alves de Moura

Advogado e Consultor Tributário em Belo Horizonte/MG. Especialista em Direito Tributário.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MOURA, Leonardo Farias Alves. Repercussão geral em recurso extraordinário: transcendência em matéria tributária. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3141, 6 fev. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21024. Acesso em: 19 abr. 2024.

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