IV. A consequência pela inobservância dos requisitos para a criação de Unidades de Conservação
Conforme dito acima, "as Unidades de Conservação são criadas por ato do Poder Público" (artigo 22, caput, da Lei 9.985/2000), o que significa dizer que normas emanadas do Poder Executivo podem criar uma Unidade de Conservação, como vem ocorrendo na prática; mesmo porque o processo de criação de normas infralegais se mostra muito menos moroso do que o processo legislativo.
Em primoroso estudo sobre os efeitos dos vícios do ato administrativo, Ricardo Marcondes Martins assevera que "o vício consiste numa contrariedade ao Direito, e, assim, ato viciado significa ato praticado em desconformidade com a ordem jurídica, reflete uma violação em maior ou menor medida ao Direito, globalmente considerado. Como regra geral, o Direito não tolera o vício: os atos viciados devem ser regularizados, saneados ou eliminados." [14]
Dessa forma, a manutenção da ordem jurídica e a higidez do sistema dependem da correção do vício percebido no ato administrativo. Nos dizeres de Weida Zancaner, "a Administração Pública tem o dever de restaurar o princípio da legalidade toda a vez que o tiver violado em razão da edição de atos viciados." [15]
Como se sabe, a correção do vício em casos de ilegalidade pode se dar de duas formas: a invalidação ou a convalidação. A primeira "é a eliminação, com eficácia ex tunc, de um ato administrativo ou da relação jurídica por ele gerada ou de ambos, por haverem sido produzidos em dissonância com a ordem jurídica." [16] Já a segunda "é um ato, exarado pela Administração Pública, que se refere expressamente ao ato a convalidar, para suprir seus defeitos e resguardar os efeitos por ele produzidos." [17]
Mas, afinal, quando adotar a invalidação e quando proceder com a convalidação de atos administrativos?
Sobre o tema, o artigo 55 da Lei 9.784/1999, que disciplina os processos administrativos na esfera federal, estabelece que, "em decisão na qual se evidencie não acarretarem lesão ao interesse público nem prejuízo a terceiros, os atos que apresentarem defeitos sanáveis poderão ser convalidados pela própria Administração."
Por oportuno, observe-se que, a despeito do termo "poderão", contido no referido dispositivo, a doutrina é assente ao afirmar que a convalidação de atos administrativos não consiste em mera faculdade da Administração Pública, mas sim, em poder-dever, quando verificada a hipótese de seu cabimento. Sobre o tema, vale trazer a esclarecedora doutrina de Sérgio Ferraz e Adílson de Abreu Dallari:
"O art. 55 da Lei 9.784/1999 não transformou em faculdade da Administração a operação de convalidação. A flexão verbal ‘poderão’, nele utilizada, significa a expressa atribuição de um poder-dever: ‘expressa’ porque sempre existiu, mesmo antes da aludida lei; ‘poder-dever’ porque a convalidação é emanação direta dos princípios da legalidade e da segurança jurídica, não restando aberta, para o agente administrativo, a avaliação de dever, ou não, trilhar esse caminho, na forma do magistério de Celso Antônio Bandeira de Mello. O dever de convalidar sempre existiu, porque a convalidação é emanação direta dos princípios da legalidade e da segurança jurídica, não remanescendo, destarte, margem de violação para o agente administrativo." [18]
Assim, na hipótese de haver vício sanável de menor gravidade, bem como constatado, no caso concreto, o menor potencial lesivo da convalidação em relação à invalidação, é poder-dever da Administração a manutenção do ato, com a correção do vício. Do contrário, isto é, em se tratando de vício insanável e/ou de hipótese em que a convalidação implicar graves prejuízos a terceiros ou ao interesse da coletividade, o ato deverá ser invalidado.
É exatamente essa a orientação que deve ser observada no caso dos requisitos para a criação de Unidades de Conservação.
Caso o defeito do ato de criação da Unidade de Conservação seja motivadamente considerado sanável e a sua correção não implicar graves prejuízos, há que se manter a sua validade, com o saneamento do vício.
Do contrário, isto é, mostrando-se insanável o vício ou sendo constatada a possibilidade de ocorrência de prejuízos a terceiros ou à coletividade, impõe-se a invalidação do ato de criação da Unidade de Criação.
Quanto a esta hipótese, não se pode deixar de ponderar que a invalidação do ato de criação de Unidade de Conservação somente deve ser adotada em situação extrema, notadamente quando a constatação do vício ensejar a caracterização de abuso de poder e desvio de finalidade do agente público, uma vez que a preservação de áreas com relevância ambiental é fundamental para o alcance do direito de todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, tal como previsto no artigo 225, caput, da Constituição Federal, além de atender ao já mencionado ditame constitucional pela criação de Espaços Territoriais Especialmente Protegidos.
IV. Referências bibliográficas
ANTUNES, Paulo de Bessa. "Áreas protegidas e propriedade constitucional." São Paulo: Atlas, 2011.
ANTUNES, Paulo de Bessa. "Direito Ambiental."11.ª ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2008.
FERRAZ, Sérgio; e DALLARI, Adílson de Abreu. "Processo Administrativo." 2.ª ed. São Paulo: Malheiros, 2007.
GRANZIERA, Maria Luiza Machado. "Direito Ambiental."São Paulo: Atlas, 2009.
MACHADO, Paulo Affonso Leme. "Direito Ambiental Brasileiro."16.ª ed. São Paulo: Malheiros, 2008.
MARTINS, Ricardo Marcondes. "Efeitos dos Vícios do Ato Administrativo."São Paulo: Malheiros, 2008.
MILARÉ, Édis. "Direito do Ambiente."7.ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.
NERY JÚNIOR, Nelson; e NERY, Rosa Maria de Andrade. "Código de Processo Civil Comentado." 10.ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.
ZANCANER, Weida. "Da convalidação e da invalidação dos atos administrativos."3ª ed. São Paulo: Malheiros, 2008.
Notas
- http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/noticia_visualiza.php?id_noticia=1703&id_pagina=1http://www.ibge.gov.br/home/geociencias/recursosnaturais/ids/ids2010.pdf
- "Áreas protegidas e propriedade constitucional." São Paulo: Atlas, 2011, p. 9.
- Nesse ponto, invocamos lição de Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery, in verbis: "O jurista tem a grave tarefa de promover a melhor aplicação do direito, aumentando, com sua atividade, o grau de certeza da ciência do direito. A tarefa do jurista é a luta contra o arbítrio. Tudo o que ele escreve e exterioriza serve de norte para ações futuras, motivo pelo qual não pode interpretar o direito contra os preceitos éticos, morais e principalmente, democráticos." In: "Código de Processo Civil Comentado". 10ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 692.
- A partir da inclusão do Capítulo VI ("Do Meio Ambiente") no Título VIII ("Da Ordem Social").
- "Direito do Ambiente." 7.ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 908.
- "Direito Ambiental."11ª ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2008, p. 557.
- "Direito Ambiental Brasileiro." 16ª ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 814.
- "Direito Ambiental." São Paulo: Atlas, 2009, p. 375.
- Apelação Cível em Mandado de Segurança n.º 2005.035384-1. Tribunal de Justiça de Santa Catarina. DJ. 25.05.2006.
- Agravo de Instrumento n.º 2006.01.00.015900-0/BA. TRF 1ª Região. Sexta Turma. DJ 24.11.2006.
- MILARÉ, Édis. Ob. cit., p. 1080.
- Idem, p. 1081.
- Agravo de Instrumento n.º 2005.04.01.020976-0/PR. TRF 4ª Região. Terceira Turma. DJ 22.03.2006.
- "Efeitos dos vícios do ato administrativo." São Paulo: Malheiros, 2008, p. 269.
- "Da convalidação e da invalidação dos atos administrativos."3ª ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 85.
- Idem, p. 124.
- Idem, Ibidem.
- Processo Administrativo. 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 257.