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O moral e direito à informação jornalística

O segredo de justiça

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1. INTRODUÇÃO

O presente estudo tem por escopo a compatibilização entre a liberdade de imprensa e o direito moral, sob o ângulo das causas que correm em segredo de justiça e a sua posterior publicação pela imprensa. A visão aqui apresentada contempla a análise da jurisprudência dominante em nossos tribunais, com o apoio, na doutrina, de alguns conceitos elementares sobre o tema.

A liberdade de imprensa sempre foi proclamada nos textos constitucionais brasileiros, com maior ou menor grau de liberdade. O dano moral é, de há muito, objeto de tutela no ordenamento jurídico brasileiro, mas a sua reparação, em termos civis, nem sempre foi reconhecida pela jurisprudência.

A imprensa, na evolução do estado brasileiro, segue a forma de estrutura de poder para, assim sendo, negar ou conceder à coletividade as informações de interesse geral e/ou particular. Por forma de estrutura de poder entenda-se as eras de democracia plena (CF/46 e CF/88) e as fases de exceção (CF/37 e CF/67 com a Emenda de 69). Não é preciso um espírito genial para concluir que nas fases de ditadura a imprensa foi, sobremaneira, controlada. É a censura oficial como meio de garantia do status quo. Nos períodos de estado democrático de direito a imprensa é livre; limitada, claro, pelos direito da personalidade. Nessa linha de idéias, pode-se afirmar que a imprensa está para a democracia como o corpo está para a vida.


2. O DANO MORAL

Dito isso, cumpre, em respeito aos propósitos deste trabalho, fixar algumas preliminares. Por direitos da personalidade entende-se, com Maria Helena Diniz(1): "É o direito da pessoa de defender o que lhe é próprio, ou seja, a sua integridade física (vida, alimentos, o próprio corpo vivo ou morto), a sua integridade intelectual (liberdade de pensamento, autoria científica, artística e literária) e a sua integridade moral (honra, recato, segredo pessoal, profissional e doméstico, imagem, identidade pessoal, familiar e social) (Goffredo Telles Jr. e R. Limongi França). É o direito comum da existência, porque é simples permissão dada pela norma jurídica, a cada pessoa, de defender um bem que a natureza lhe deu, de maneira primordial e direta. (Goffredo Telles Jr.)." Na parte que interessa, o dano moral é, em termos jurídicos, a ofensa à dignidade da pessoa humana, traduzida em violação aos seus sentimentos inatos. A dor moral encontra-se exatamente no padecimento injusto e grave, infligido por um ato público reprovável.

Que o dano moral é passível de reparação integral, dúvidas não existem. De fato, o velho Código Civil, traduzindo máxima do direito universal, prevê que o dano se compensa (art. 159). Ao estatuir a reparação do dano decorrente de ato ilícito, o Código não qualificou qual dano (material ou moral) é reparável. Simplesmente traz o substantivo - dano, desprovido de qualquer adjetivo. É o que se lê:

"Art. 159. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano."

Pelo Código Civil, para que o agente se responsabilize pela reparação de um dano causado na esfera jurídica de outrem, deve ser apurada a culpa: grave, leve ou levíssima. Só isso. Todavia a doutrina nacional, e com ela a jurisprudência, por alguns anos, ficou entre admitir a reparação pura e autônoma do dano moral ou só autorizar a reparação da dor moral, quando correlativamente existisse um dano patrimonial passível de ressarcimento.

Sustentavam os adeptos da teoria negativista, que a dor moral não tem preço, e, como tal, não é possível fixar-se o quantum indenizatório. Mais a mais, considerando que, em se tratando de dor moral, não seria possível a volta ao estado anterior; caso autorizada a reparação do dano moral sofrido, concluíam pela negativa.

Tudo isso já foi superado. O que vigora no sistema jurídico brasileiro, como princípio geral de direito, é o dever de reparar o dano causado. Como deixa certo Yussef Said Cahali: Dizer-se que repugna à moral reparar-se a dor alheia com o dinheiro é deslocar a questão, pois não se está pretendendo vender um bem moral, mas simplesmente se sustentando que esse bem, como todos os outros, deve ser respeitado; ressaltando-se que (...), por outro lado, mais imoral seria ainda proclamar-se a total indoneidade do causador do dano".(2)

Com o advento da Constituição Federal de 1988, a lei das leis, não é possível pensar diferente. Há, como direito fundamental, norma expressa (inciso X, art. 5º):

"Art.5º.............................(omissis)..........................................

X- são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação. "

Por tratar-se de norma definidora de direito individual, e por não depender de norma intercalar para surtir seus efeitos (art. 5º, § 1º, da CF/88), não é possível afastá-la, de início, do cenário jurídico, para excluir e/ou limitar a reparação do dano moral. Existindo gravame injusto que atinja a dignidade, honra, imagem, ou fama de uma pessoa, o dano será indenizado. Esta é a interpretação conforme a constituição. Tanto que, no ordenamento jurídico brasileiro, a proteção do dano moral se espraia pelo Direito Penal (CP, arts. 138 a 140), passa pelo Código Civil (art. 159), vai pelo Código de Defesa do Consumidor (art. 6º, VI), e por várias e várias leis extravagantes (Leis nºs 4.117/62; 5.250/67, verbi gratia). É o que se lê na doutrina de José Carlos Barbosa Moreira: "... há que abandonar em definitivo, e sem reservas, a doutrina, profundamente reacionária, da não reparabilidade do dano moral, que, aliás, nem se compreende como possa ter criado tão fortes raízes no pensamento jurídico brasileiro, quando a simples leitura sem preconceitos do art. 159, primeira parte do CC é suficiente para evidenciar a imcompatibilidade entre ela e o nosso Direito Positivo: a norma, com efeito, refere-se a "prejuízo" e a prejuízo e a "dano", sem qualificá-los, e, portanto, sem restringir sua própria incidência ao terreno patrimonial. É irrelevante a circunstância de só estarem reguladas em termos expressos, na parte do Código atinente à liquidação, algumas hipóteses específicas de dano moral (arts. 1.547 e ss.) porque, para as outras, aí não contempladas, existe a norma subsidiária do art. 1.553, de acordo com a qual, "nos casos não previstos neste capítulo, se fixará por arbitramento a indenização."(3)

Dano, neste contexto, significa a diminuição ou subtração de um bem jurídico, a lesão de um interesse. E a reparação do dano moral nada mais é do que a consagração e reconhecimento, pelo direito, do valor e importância desse bem, que se deve proteger tanto quanto, senão mais do que os bens materiais e interesses que a lei protege.(4)

A reparação da dor moral visa a compensar a sensação de dor da vítima com uma contrasensação agradável. O dinheiro, em sede de reparação por danos morais, não desempenha a função de equivalência, como em regra, assume nos danos materiais, porém, concomitantemente, reveste a função satisfatória e a punitiva.(5)

A reparação do dano moral tem por objetivo desistimular a ação de quem pratica para o futuro. Ao definir a inviolabilidade do direito à imagem e à honra, o constituinte impôs o ressarcimento pecuniário mais para desestimular a ação do que para indenizar a inviolabilidade perdida.(6)

"A indenização por dano moral é arbitrável, mediante estimativa prudencial que leve em conta a necessidade de, com a quantia, satisfazer a dor da vítima e dissuadir, de igual e novo atentado, o autor da ofensa.

.............(omissis).................

E, se não conseguiu provar a existência de dano patrimonial, cuja reparação não pediu (cf. fls.), não há nem como nem por onde negar-lhe restituição do dano puramente moral, que está no sofrimento injusto e grave infligido por aquele ato público, de valor social desprimoroso, ou seja, ‘o que a dor retira à normalidade da vida, para pior’ (Pontes de Miranda, Tratado de Direito Privado, SP, Ed. RT, 3. ed, 2. reimp., 1984 t. XXVI, p.32, §3.108,n.2).

..............(omissis).........

Não se trata de pecunia doloris ou pretium doloris, que se não pode avaliar ou pagar; mas satisfação de ordem moral, que não ressarce prejuízos e danos e abalos e tribulações irressarcíveis, mas representa a consagração e o reconhecimento, pelo direito, do valor e importância desse bem, que se deve proteger tanto quanto, senão mais do que os bens materiais e interesses que a lei protege. (do Voto do Min. Oscar Correia, no RE 97.097, in RTJ 108/294, cf., ainda, pp. 287-295).

.............(omissis)..........

A indenização é por inteiro, posto que não predefinida. Se não os dispõem a lei, não há critérios objetivos para cálculo de expiação pecuniário do dano moral, que, por definição mesma, nada tem com eventuais repercussões econômicas do ilícito. A indenização é, pois, arbitrável (art. 1.553 do CC), e como já acentuou formoso aresto desta Câmara, tem outro sentido como anota Windscheid, acatando opinião de Wachter: compensar a sensação de dor da vítima com uma sensação agradável em contrário (nota 31 ao § 455 das Pandette, trad. Fadda e Bensa). Assim, tal paga em dinheiro deve representar para a vítima uma satisfação, igualmente moral ou, que seja psicológica, capaz de neutralizar ou anestesiar em alguma parte o sofrimento impingido (...) A eficácia da contrapartida pecuniária está na aptidão para proporcionar tal satisfação em justa medida, de modo que tampouco signifique um enriquecimento sem causa da vítima, mas está também em produzir no causador do mal, impacto bastante para dissuadi-lo de igual e novo atentado. Trata-se, então, de uma estimação prudencial’ (Ap. n. 113.190 -1, Rel. Des. Walter Moraes).".


3. A LIBERDADE DE INFORMAÇÃO JORNALÍSTICA

O valor liberdade, no ano de 1789, assumiu a posição de um dos tripés da revolução que instituíra a República francesa. De fato, o movimento constitucionalista, que nos derradeiros decênios do século XVIII e início do século seguinte levantou a bandeira da necessidade da existência de documentos formais e escritos consubstanciadores de direitos e garantias individuais dos cidadãos e regras de organização do Estado, destacou sobremaneira a importância da liberdade de manifestação do pensamento. Ainda que a história registre algumas tentativas de resguardo do direito à liberdade de imprensa, notadamente na Inglaterra, é somente a partir das constituições francesa e norte-americana que a tutela da opinião é elevada ao plano de proteção dos textos constitucionais.

Modernamente, a garantia da liberdade de expressão e de informação encontra-se prevista na grande maioria das constituições dos países ocidentais, da mesma maneira que é disposição obrigatória nos principais documentos internacionais de proteção aos direitos humanos.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos, firmada pelos países integrantes da Organização das Nações Unidas, em 1948, e a Convenção Americana de Direitos Humanos – mais conhecida como Pacto de São José da Costa Rica -, reconhecem a fundamentalidade deste direito, como base dos estados democráticos. Esta última norma, que já foi devidamente incorporada à ordem jurídica interna do Brasil, expressamente afirma que "toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento e de expressão. Este direito compreende a liberdade de buscar, receber e difundir informações e idéias de toda índole, sem consideração de fronteiras."

Antes de ingressar na seara do direito constitucional positivo local, uma breve incursão pelos textos constitucionais de alguns países serve para uma melhor compreensão da dignidade que o direito à informação e a livre expressão do pensamento encontra nos mais diversos ordenamentos.

A Constituição espanhola de 28 de dezembro de 1978, na seção dedicada aos direitos fundamentais e liberdades públicas, assegura:

"Artigo 20º - 1 – São reconhecidos e protegidos os direitos:

a) De expressar e difundir livremente o pensamento e as idéias e opiniões pela palavra, por escrito ou por qualquer outro meio de reprodução;

b) De produção e criação literária, artística, científica e técnica;

c) De liberdade de cátedra;

d) De comunicar ou receber livremente informação verídica por qualquer meio de difusão. A lei regulará o direito à cláusula de consciência e de segredo profissional.

2 – O exercício destes direitos não pode ser restringido mediante qualquer tipo de censura prévia.

3 – A lei regulará a organização e o controle parlamentar dos meios de comunicação social dependentes do Estado ou de qualquer entidade pública e garantirá o acesso a esses meios por parte dos grupos sociais e políticos significativos, respeitando o pluralismo da sociedade e das diversas línguas de Espanha.

4 – As liberdades enunciadas no presente artigo têm como limite o respeito dos direitos reconhecidos neste título, os preceitos das leis que o desenvolvem e, especialmente, o direito à honra, à intimidade, à imagem e à proteção da juventude e da infância.

5 – A apreensão de publicações, gravações e outros meios de informação só poderá dar-se por decisão judicial."

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Nos Estados Unidos da América, o texto originário, do ano de 1787, não dispunha sobre este direito, o que somente veio a ocorrer por ocasião da primeira emenda, aprovada em 1789 e ratificada pelos estados federados em 15 de dezembro de 1791:

"Artigo I – É vedado ao Congresso Nacional estabelecer qualquer religião de Estado ou proibir o livre exercício de qualquer culto e restringir a liberdade de palavra e de imprensa, o direito dos cidadãos de se reunirem pacificamente e o de apresentarem petições ao Governo para reparação de injustiças."

A Constituição portuguesa de 2 de abril de 1976, ao restabelecer a normalidade democrática no país, após o regime facista que até então oprimia a nação, teve o cuidado de inscrever a liberdade de imprensa e dos meios de comunicação social no âmbito dos direitos, liberdades e garantias pessoais, ao lado de outros direitos fundamentais como a vida e a integridade pessoal, assim normatizando, no art. 38:

"1. É garantida a liberdade de imprensa.

2. A liberdade de imprensa implica a liberdade de expressão e criação dos jornalistas e colaboradores literários, bem como a intervenção dos primeiros na orientação ideológica dos órgãos de informação não pertencentes ao Estado, a partidos políticos ou a confissões religiosas, sem que nenhum outro setor ou grupo de trabalhadores possa censurar ou impedir a sua livre criatividade.

3. A liberdade de imprensa implica o direito dos jornalistas, nos termos da lei, ao acesso às fontes de informação e à proteção da independência e do sigilo profissionais, bem como o direito de elegerem conselhos de redação.

4. A liberdade de imprensa implica o direito de fundação de jornais e de quaisquer outras publicações, independentemente de autorização administrativa, caução ou habilitação prévias.

5. As publicações periódicas e não periódicas podem ser propriedade de pessoas singulares, de pessoas coletivas sem fins lucrativos ou de empresas jornalísticas e editoriais sob forma societária, devendo a lei assegurar, com caráter genérico, a divulgação da propriedade e dos meios de financiamento da imprensa periódica.

6. Nenhum regime administrativo ou fiscal nem política de crédito ou de comércio externo podem afetar, direta ou indiretamente, a liberdade de imprensa e a independência dos órgãos de informação perante os poderes político e econômico, devendo o Estado assegurar essa liberdade e independência, impedir a concentração de empresas jornalísticas, designadamente através de participações múltiplas ou cruzadas, e promover medidas de apoio não discriminatório à imprensa.

omissis."

A Constituição da Alemanha - Lei Fundamental de 23 de Maio de 1949 -, a exemplo dos outros textos constitucionais, encarta a liberdade de expressão e de imprensa entre os direitos fundamentais, in verbis:

"Artigo 5º - 1. Todas terão o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento, pela palavra, por escrito e pela imagem, e o direito de se informar, sem impedimento, em fontes abertas a todos. São garantidas a liberdade de imprensa e a liberdade de informação pela rádio e pelo cinema. Não é admitida censura.

2. Estes direitos têm por limites as disposições das leis gerais, as leis de defesa da juventude e as garantias do direito à honra.

omissis."

A liberdade de pensamento e sua correspondente exteriorização, portanto, é direito fundamental de primeira geração, oponível contra o Estado, que não tem autorização para imiscuir-se na esfera subjetiva do cidadão para tutelar e dirigir suas idéias e posicionamentos diante do mundo, assegurado a todos a não proibição de fazer divulgar estas opiniões por qualquer meio – jornais impressos, livros, televisão, rádio, internet etc. Mais ainda. Acoplado à liberdade de pensamento e sua correspondente divulgação está o direito do indivíduo informar-se sem impedimentos e de ser informado de modo integral e adequado.

Interessa, nesta parte do trabalho, verificar o papel da Imprensa.

Não há negar a indiscutível imprescindibilidade da liberdade de imprensa para a existência saudável da democracia. O caráter individualista e liberal da liberdade de pensamento, como concebido no final do século XVII, vem evoluindo e transformando-se, ao ponto de não mais corresponder a um direito apenas do indivíduo isolado, mas da própria sociedade. É neste sentido que VALÉRIO ZANONE(7), entre outros, chama a imprensa de Quarto Poder.

Aceitar a liberdade de expressão individual como uma das condições necessárias para a viabilidade do regime democrático implica o reconhecimento da própria liberdade de imprensa. Tem, portanto, a imprensa, uma autêntica missão pública. RUDOLF STREINZ, em estudo sobre a jurisprudência recente do Tribunal Federal de Constitucionalidade alemão, seleciona significativo momento de uma decisão daquela Corte onde é precisada a função da imprensa(8):

"Una prensa libre, no sometida a censura alguna por el poder público es un elemento esencial des Estado Libre; es imprescindible en especial para la democracia moderna una prensa política de regular aparición. Si el ciudadano debe tomar decisiones políticas, tiene que estar ampliamente informado, pero también deve conocer y evaluar comparativamente las opiniones que otros se han formado.

La prensa mantiene en marcha eta permanente discusión, ella obtiene las informaciones, adopta su posición al respecto y actúa con ello como fuerza orientadora en la discusión pública. En ella se articula la opinión pública; los argumentos se aclaran en afirmación y réplica, adquieren contornos nítidos y facilitan al ciudadano su opinión y decisión. En la democracia representativa la prensa está simultáneamente como órgano de enlace y contralor entre el pueblo y sus elegidos representantes en el parlamento y gobierno. Ella sintetiza crítica y continuamente las nuevas opiniones y pretenciones que se crean en la sociedad y sus grupos, formula consideraciones y las acerca a los políticamente actuantes órganos del Estado, los que de esta manera pueden medir permanentemente sus decisiones en la medida de las concepciones realmente representadas en el pueblo."

A livre manifestação do pensamento e da expressão da atividade intelectual, artística e de comunicação, aliada ao amplo acesso à informação, são opções políticas fundamentais inseridas na Constituição Federal de 1988. O cotejo entre as normas locais e aquelas extraídas de constituições alienígenas permite afirmar que o constituinte nacional estabeleceu disposições protetivas da liberdade de pensamento e imprensa somente restringíveis na medida de outras disposições da própria Constituição, não deixando margens para que o legislador ordinário faça restrições a seu livre critério.

Afora a possibilidade da adoção de restrições por ocasião da vigência do Estado de Sítio (art. 139, CF/88), as limitações à liberdade de imprensa não são outras senão aquelas inerentes ao sistema de direitos fundamentais, notadamente a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas.

Tão importante é o direito à informação jornalística(9) que a jurisprudência vem repetindo sua preponderância sobre os interesses puramente individuais, desde que seu exercício esteja direcionado ao bem maior da coletividade, respeitados, naturalmente, as indevidas intromissões injustificadas nas esferas da intimidade e vida privada das pessoas.

Neste sentido, a lição de VITAL SERRANO NUNES JÚNIOR(10):

"Em suma, a crítica deve, antes de mais nada, ser pontilhada pelo princípio da boa -fé e, em outro passo, referir-se a um fato notório, vale dizer, noticiável, e com ele manter relação de estreita fidelidade. Satisfeitos esses pressupostos, o direito à crítica passa a ter um caráter preferencial em relação aos direitos fundamentais da personalidade. Fora desse contexto, o direito à crítica continua a existir, porém despido desse caráter preferencial.

Perfilando esse entendimento, o acórdão relatado pelo ilustre juiz PEDRO GAGLIARDI: "No cotejo entre o direito à honra e o direito de informar, temos que este último prepondera sobre o primeiro. Porém, para que isto ocorra, é necessário verificar se a informação é verídica e o informe ofensivo à honra alheia é inevitável para a perfeita compreensão da mensagem (...). Neste contexto, que é onde se insere o problema proposto à nossa solução, temos as seguintes regras:

1ª - O direito à informação é mais forte do que o direito à honra;

2ª - Para que o exercício do direito à informação, em detrimento da honra alheia, se manifeste legitimamente, é necessário o atendimento de dois pressupostos:

A – a informação deve ser verdadeira;

B – a informação deve ser inevitável para passar a mensagem".

Daí podemos inferir uma inclinação à adesão a essa terceira linha exegética de fixação de limites à crítica jornalística."


4. A LIBERDADE DE IMPRENSA, O SEGREDO DE JUSTIÇA E O DANO MORAL RESSARCÍVEL

Como alerta o Senhor Ministro Fontes de Alencar, relator do Recurso Especial n.º 398/MG, o fato de determinada empresa ter veiculado, por matéria assinada por profissional jornalista, matéria esta que simplesmente reproduz conteúdo de decisão judicial obtida no Diário da Justiça local, não conduz ao dever de reparar danos morais: "Simples notícia de julgamento da causa não lhe transgride o segredo de justiça.".(11)

É que a regra do art. 155, do CPC, é destinada aos atores do processo, que não podem revelar os fatos da causa que corre em segredo de justiça:(12)

"..................omissis...............

É certo, muito certo, que os fatos que correm acobertados pelo segredo de justiça não podem, nem devem, ser divulgados. Mas este segredo de justiça que a Constituição admite, quando acolhe publicidade restrita, e que o Código de Processo Civil agasalha no art. 155, diz com as pessoas do processo, que não podem revelar os fatos do processo.".

A prevalecer entendimento contrário, isto é, a impossibilidade originária de divulgação, de forma simples e sem maiores detalhes, importaria em violação ao princípio da liberdade de imprensa, assegurado constitucionalmente, um dos pilares do regime democrático.

Manifestando-se pela ausência de dano moral indenizável em tais casos, o Ministro Athos Carneiro (STJ), acompanhando o voto do Relator, discorreu:

"O jornal limitou-se a publicar os resultados, as conclusões judiciárias que, de qualquer forma, devem Ter sido publicadas no órgão oficial do Estado. Cuidou-se, aliás, de noticiário puramente objetivo, em que não foram divulgados detalhes capazes de violar a vida íntima, a privacidade dos interessados.".

"LEI DE IMPRENSA. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. PUBLICAÇÃO DE NOTÍCIA. O EXERCÍCIO REGULAR DA LIBERDADE DE INFORMAR, MESMO QUE A NOTICÍA CONTENHA FATO CONSIDERADO OFENSIVO PELO ATINGIDO, NÃO IMPLICA, POR SI SÓ, EM RESPONSABILIDADE DE INDENIZAR. INDENIZAÇÃO QUE TEM COMO ESSENCIAL REQUISITO, O DOLO OU CULPA DO AGENTE RESPONSÁVEL PELA PUBLICAÇÃO DA NOTIÍCIA. INOCORRENTE A DELIBERADA INTENÇÃO DE DENEGRIR O BOM NOME DO OFENDIDO, OU A IMPRUDÊNCIA NA FORMA DE PUBLICAÇÃO DA NOTÍCIA, NÃO HÁ QUE SE COGITAR EM INDENIZAÇÃO. AÇÃO JULGADA IMPROCEDENTE EM INSTÂNCIA INICIAL. IMPROVIMENTO DO APELO DO AUTOR.".(13)

Sendo assim, o ordenamento jurídico brasileiro, ao assegurar o segredo de justiça, o faz impondo um dever às partes contendoras de um processo, não impedindo que a empresa da área de comunicação, desde que de modo reservado e com cautela, apenas descrevendo objetivamente o conteúdo de um processo, faça qualquer referência àquela demanda jurisdicional. Está aberto o debate.


Notas

1. Dicionário Jurídico. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 148.

2. V. RT, 641/230-232.

3. V. Direito Aplicado - Acórdãos e Votos, Forense, Rio, 1987, p.275.

4. V. RTJ, 115/1383-1386.

5. "O dinheiro, pois, entra na reparação dos danos morais como um compensador indireto dos sofrimentos sentidos pelo lesado". (V. RT, 673/143)

6. V. RT, 706/67-68

7. In BOBBIO, Norberto. MATTEUCCI, Nicola. PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política, v. 2., 3 ed. Brasília: Editora UnB: Linha Gráfica Editora, 1991. p. 1040.

8. Repercusiones de la Jurisprudencia Constitucional sobre la liberdad de prensa, in Anuario de Derecho Constitucional Latinoamericano, edición 1998. Buenos Aires: Konrad Adenauer Stiftung: CIEDLA, 1998. p. 495.

9. O termo "liberdade de imprensa" vem paulatinamente sendo substituído pela expressão "direito à informação jornalística", que é bem mais ampla e abrange qualquer espécie de mídia possível para a divulgação da opinião, crítica ou notícia.

10. A proteção constitucional da informação e o direito à crítica jornalística. São Paulo: Editora FTD, 1997, pp. 89-90.

11. REsp. n.º 398/MG.

12. REsp. n.º 398/MG.

13. Acórdão citadono Resp. n.º 76.718-RS.

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Sobre o autor
Éfren Paulo Porfírio de Sá Lima

Doutorando e mestre em direito privado pela Universidade de Salamanca, Espanha. Professor de Direito Civil da Universidade Federal do Piauí e da FAP. Diretor-Geral da Escola Superior de Advocacia do Piauí. Coordenador do Núcleo de Pesquisa e Estudo da Justiça. Advogado militante com atuação profissional em Direito Civil, Direito do Consumidor e Direito Empresarial. Sócio de Cordão, Said e Villa Sociedade de Advogados, em Teresina (PI).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIMA, Éfren Paulo Porfírio Sá. O moral e direito à informação jornalística: O segredo de justiça. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 6, n. -639, 1 out. 2001. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2106. Acesso em: 23 abr. 2024.

Mais informações

Texto publicado na Revista da Justiça Federal do Piauí nº 1, vol. 1, jul/dez 2000

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