Artigo Destaque dos editores

Advocacia pública - algumas reflexões

Exibindo página 2 de 2
01/10/2001 às 00:00
Leia nesta página:

7. No exercício da defesa judicial, o advogado público dispõe de circunstâncias diferenciadas para o seu desempenho. São os privilégios desfrutados pela Fazenda Pública. Estes foram direcionados para garantir meios de facilitação da defesa, considerada a supremacia dos interesses estatais face aos particulares, e ao acautelamento na proteção desses mesmos interesses, vez que indisponíveis pelo agente que os administra. Acresce-se a circunstância de que aos advogados públicos não é dado escolher processos, recebendo-os por distribuição e sem limite quantitativo.

Inicia-se esse elenco de privilégios processuais em Juízo privativo, através da Justiça Federal, para a União e suas autarquias, fundações de direito público e empresas públicas, em duas instâncias, e no plano do Estado e dos Municípios, as Varas da Fazenda Pública, consoante dispõem, em cada unidade federada, as respectivas leis de organização judiciária. Juízo privativo não se confunde com foro privilegiado, razão por que o Estado-membro pode ser demandado tanto na capital como no interior, e em qualquer Juízo quando inexistir Vara privativa (Edecl no Ag.92.717-PR, Rel.Min.Aldir Passarinho Jr., j.em 18.2.99)

A prescrição também apresenta prazos favorecedores ao Estado, estendidos às autarquias e fundações de direito público. Regulada pelo Decreto n.20.910/32, é qüinqüenal, e, se interrompida, nas situações previstas pelo CPC, recomeça a correr pela metade, da data do ato que a interrompeu, ou do ato do último ato do processo para a interromper (arts. 1º e 3º). A propósito, a interpretação jurisprudencial, sumulada pelo STF, assegurou o qüinqüênio legal, nas situações interruptivas (Súmula 383 : "A prescrição em favor da Fazenda Pública recomeça a correr, por dois anos e meio, a partir do ato interruptivo, mas não fica reduzida aquém de cinco anos, embora o titular do direito a interrompa durante a primeira metade do prazo,"). Tratamento mais diferenciado ainda se encontra na legislação previdenciária, a resguardar o interesse do órgão estatal gestor (Lei n.8.212/91, arts 45 e 46). No pagamento das custas, o CPC (art.27) assegura que o seja a final, pelo vencido, importando a desnecessidade de depósito recursal, no âmbito da Justiça do Trabalho (Dec.Lei n.779/69) e, de um modo geral, o preparo de recursos, até os Tribunais Superiores. Existem atenuações que antes de elidir, mantêm o tratamento desigual dado ao Estado no processo.

Quanto à documentação instrutiva de petições, em Juízo, foi dispensada, em data recente, a autenticação de cópias reprográficas às pessoas públicas (MP 1770, art.24).

No que tange ao procedimento, realça a dilação de prazos, favorecendo a defesa, concedido o quádruplo do prazo normal para contestar e o dobro para recorrer 9art.188,CPC), estendido tal benefício a autarquias e fundações públicas (art.10, Lei n.9469, de 10.7.97). Recentemente, foi promovida alteração do prazo para ajuizamento de Ação Rescisória, mediante a MP 1798, cuja eficácia foi suspensa por liminar concedida pelo STF, em sede de ADIn (ADIn 1910-DF) proposta pelo Conselho Federal da OAB. Reeditada com alterações mas retornando ao alargamento de prazo para rescisória, foi objeto de nova ADIn (autor: PT), que, em razão de nova reedição da MP, teve seu objeto prejudicado.

Um dos aspectos que mais realçam a cura legal aos interesses do Estado diz respeito ao duplo grau de jurisdição e ao processo especial de execução. O duplo grau de jurisdição, regrado no artigo 475 do CPC, recentemente estendido às autarquias e fundações públicas (Lei n.9469/97), obriga a remessa de ofício à instância superior pelo Juiz que tiver proferido sentença contra a Fazenda Pública, ocorrendo, assim, reexame necessário da decisão quando inexista recurso voluntário. Esse privilégio traz o corolário da impossibilidade de reforma com agravamento para a pessoa pública, consagrada por jurisprudência mansa e pacífica.

O processo especial de execução está posto em sede constitucional (art.100 e §§,CF), e apoia-se no princípio da indisponibilidade dos interesses públicos a que se vincula o privilégio da impenhorabilidade dos bens públicos. Em sendo assim, a Fazenda Pública não pode ser submetida a execução forçada, mas, pelo contrário, seus débitos carecem de dotação orçamentária para que sejam liquidados. Destarte, a execução contra a Fazenda Pública, regulada pelo artigo 730 do CPC, inclui, ao final, a expedição de Precatório Judicial, que será incluído no orçamento do exercício seguinte, se apresentado ao órgão responsável pelo pagamento até o dia 1º de julho. Os precatórios, segundo o mandamento constitucional, serão pagos pela ordem cronológica, excetuando-se os de natureza alimentícia. Ao contrário da opinião de alguns no sentido da inaplicabilidade de precatório aos créditos de natureza alimentícia, o entendimento da jurisprudência emitido pelo Supremo, relativamente ao artigo 100 da CF, é no sentido de que somente se afasta do preceito maior a ordem cronológica relativamente aos precatórios de diferente natureza. (Veja-se, a propósito, decisão do STF relativamente ao artigo 128 da Lei n.8.213/91, que dispensava precatório em pagamento de benefícios previdenciários)

Lembrem-se outras condições especiais deferidas ao Fisco, mediante legislação própria à execução, baseada em certidão de dívida fiscal, com fulcro na Lei n.6.830/80. Nesse caso, tem-se situação inversa, quando a Fazenda Pública é autora, e se cerca de privilégios, a iniciar-se pelo próprio título executivo, emitido unilateralmente pelo Estado, e com presunção de sua legalidade.

Por serem de atualidade e de relevância nas recentes reformas da legislação processual civil, merecem exame, ainda perfunctório, os institutos da ação monitória e da tutela antecipada na sua aplicação à Fazenda Pública.

Na discussão que se instalou a propósito da aplicabilidade, ou não, da Ação Monitória contra a Fazenda Pública, as opiniões estão divididas.

O argumento daqueles que entendem inaplicável repousa em que essa modalidade de procedimento possibilita a formação de título executivo sem sentença, contrariando os privilégios da Fazenda Pública, que exigem sentença de mérito, em duplo grau de jurisdição. (Nesse sentido, HUMBERTO THEODORO JR. – in "As Inovações no Código de Processo Civil", 6ª ed.,Forense,1996,p.80, para exemplo). Acresce-se outro aspecto relevante, ao de que que nesse procedimento, a não interposição de embargos ou sua extemporaneidade importam confissão ficta da obrigação, convertendo-se, de imediato, em título executivo, pelo reconhecimento tácito do direito material do credor. Ora, essa confissão ficta é inaplicável à Fazenda Pública, mercê da indisponibilidade dos seus direitos, consoante preceitua o artigo 320, II, do CPC, sumulado, no que concerne a interposição de embargos à execução, pelo TFR (Súmula 256).

Em sentido da aplicabilidade, os que assim entendem procuram conciliar os privilégios da pessoa pública no âmbito desse procedimento, como o faz, v.g., ADA PELLEGRINI GRINOVER, para quem seria possível o benefício do prazo para contestar e o reexame se sucumbente, e, ainda, a submissão a precatório, vez que o procedimento monitório apenas constituiria o título executivo, efetivada a execução na forma do art.730, do CPC (in "Ação Monitória", Revista Consulex, n. 6:24-28,p.28)

(Apesar do dispositivo processual comum, indicado, existe entendimento no âmbito da Justiça do Trabalho da aplicabilidade à Fazenda Pública da confissão ficta).

Note-se a dificuldade e, mesmo, a desvirtuação substancial do procedimento monitório no caso de ser utilizado contra a Fazenda Pública, apontando a sua inadequação, a que se acresce o fato de inexistir previsão de normas aplicáveis, considerado o processo executivo específico regrado no mesmo Código de Processo Civil e as apontadas peculiaridades da presença do Estado em relações jurídicas materiais e processuais.

Nesse tratamento privilegiado, ressalte-se a proibição da concessão de liminar contra a Fazenda Pública em mandado de segurança quando vise à reclassificação ou equiparação de servidores públicos, ou concessão de aumento ou extensão de vantagens (art.5º da Lei n.4.348/64), quando para o fim de pagamento de vencimentos e vantagens pecuniárias (art.1º, § 3º, da Lei n.5.021/66), em procedimento cautelar ou em quaisquer outras ações de natureza cautelar ou preventiva, sempre que a tutela puder ser concedida via mandado de segurança (art.1º da Lei n.8.437/92.

Também, a concessão de efeito suspensivo ao recurso voluntário ou "ex officio" de sentença contra pessoa pública ou seus agentes que importe na outorga ou acréscimo de vencimentos ou reclassificação (art.7º da da Lei n. 4.348/64 e art.3º da Lei n. 8.437/92).

De outra parte, a tutela antecipada, no que diz respeito à sua aplicação à Fazenda Pública, também longe está de acordo entre os doutrinadores e operadores do Direito. Vejamos.

A recente reforma legislativa, visando a agilizar a prestação jurisdicional tem na alteração do artigo 273 do CPC uma das importantes, para alguns a mais importante, modificações no processo de conhecimento e no sistema processual, adotando-se a antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional de mérito. Segundo os requisitos e circunstâncias configurados, necessário que o Juiz se convença de que existe a presença concomitante do "fumus boni iuris" e do "periculum in mora", e, ainda, estando presente a verossimilhança do alegado, fique caracterizado o abuso do direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu (Lei n.8.952/94). A tutela antecipada, na abalizada observação de LUÍS GUILHERME MARINONI, "é fruto da visão da doutrina processual moderníssima, que foi capaz de enxergar o equívoco de um procedimento destituído de uma técnica de distribuição do ônus do tempo do processo... "Preserva-se, assim, o princípio de que a demora do processo não pode prejudicar o autor que tem razão e, mais do que isso, restaura-se a idéia - que foi apagada do cientificismo de uma teoria distante do direito material - de que o tempo do processo não pode ser um ônus suportado unicamente pelo autor."(in "A Antecipação da Tutela na Reforma do Código Civil", Malheiros, 1995,p.19).

Preservada em seus interesses, a Fazenda Pública submete-se à tutela antecipada?

As opiniões, tão logo editada a lei que delineou esse novo instrumento processual, dividiram-se quanto à sua aplicabilidade contra as pessoas públicas, mercê dos privilégios que cercam seus interesses, acatados na legislação processual, conforme se delineou, ainda perfunctoriamente. Reside exatamente nesses privilégios, com destaque para o reexame obrigatório de sentença e para a submissão ao sistema do precatório a condenação da obrigação de dar (pagamento), o argumento daqueles que rechaçam a aplicação desse instituto contra a Fazenda Pública. De outra parte, porém, "legem habemus" regulando essa aplicação, o que significa a absorção, pelo direito positivo, do instituto malgrado os privilégios recordados. Com efeito, foi editada Medida Provisória - de n.1.570, de 26.3.97, posteriormente transformada na Lei n.9.494, de 10.9.97. Entretanto, uma como a outra foram consideradas inconstitucionais, em sede de controle difuso, com a conseqüente concessão de tutela antecipada pelas instâncias ordinárias da Justiça Federal, enquanto outras instâncias ordinárias, a que se acresceu o Superior Tribunal de Justiça, negavam a mesma tutela na consideração da constitucionalidade dessas mesmas normas restritivas. Assim, objeto de ação para controle concentrado junto ao Supremo Tribunal Federal - ADC 4-6, foi concedida medida liminar para sustar a concessão de liminares que tenham por fundamento a constitucionalidade ou inconstitucionalidade do artigo 1º da Lei n.9.494/97. (j.em 11.02.98, pub.no DJ de 23.5.99, seção 1, p.2) (A propósito, em percuciente exame crítico do "decisum" em sede de liminar, o advogado CICERO FERNANDES indica a perplexidade, a que me associo, instalada pela concessão de liminar, em razão da natureza da decisão buscada no processo, que valerá como lei nova, que não pode retroagir, além de não poder desconstituir decisões antes dela proferidas, por contrariar os meios processuais vigentes em nossa legislação. In Lex jstf, V.244:5-10)

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

Reconhece-se, destarte, no ordenamento jurídico, a existência da disciplina de concessão de tutela antecipada contra a Fazenda Pública, fazendo concluir que, atualmente, considerada a legislação e a decisão da mais alta Corte de Justiça do País, tem aplicabilidade contra a Fazenda Pública o instituto da antecipação da tutela com as restrições configuradas para a concessão de liminares e para o cumprimento de decisões judiciais, segundo já examinado.

Ainda na abordagem de novos instrumentos processuais e sua aplicabilidade a litígios envolvendo pessoas públicas, há que ter referência a arbitragem, recentemente estruturada na Lei n.9.307, de 23.9.96, que deu modelagem nova a antigo instituto processual.

A arbitragem, como se sabe, é meio pacífico de solução de litígios, ou busca de justiça mediante consenso. Sua aplicação está posta na composição entre partes relativamente a direitos patrimoniais disponíveis (arts. 1º e 2º), de modo que, sobrevindo no curso da arbitragem controvérsia sobre direito indisponível, suspender-se-á o juízo arbitral, com remessa das partes ao Poder Judiciário (art.25).

Ora, sabendo-se que são indisponíveis os direitos relativos a interesses públicos, a depender de norma legal para tanto, segue-se que a adoção da arbitragem à Fazenda Pública dependerá de lei que o possibilite. Aliás, nesse particular, pronunciou-se o Tribunal de Contas da União, condicionando a adoção do juízo arbitral por pessoa pública à autorização legislativa. Assim, indiscutível, na atualidade, a aplicação nas concessões de serviço público, por força do disposto no artigo 23 da Lei n. 8.987, de 13.02.95. O mesmo não ocorre, a meu sentir, relativamente a contratos administrativos em geral, como defendem juspublicistas, mercê do que foi anteriormente dito relativamente aos interesses públicos gerenciados pelo poder público (a propósito, DIOGO DE FIGUEIREDO MOREIRA NETO, in RDA 209:81-90; LEON FREDJA SZKLAROWSKY, in RDA 209:105-107; CAIO TACITO, in RDA 210:111-115).


8. De todas as ponderações até aqui expendidas, demonstra-se, de uma parte, a situação especial e diferenciada do Estado na relação processual, como decorrência do regime jurídico-administrativo, de natureza pública; de outra parte, a especificidade da advocacia de Estado, nas diferentes esferas políticas, mormente a federal e as estaduais. Esteve-se diante do que foi e do que hoje é, ou seja, de como anteriormente estava delineado e como se apresenta nos dias atuais.

Cumpre, entretanto, avançar mais. E, pois, colocar os rumos que estão postos e que se abrem à atuação da advocacia pública, diria mesmo serem perspectivas que praticamente constituem imposição das mudanças por que passa a advocacia, de um modo geral, mediante as condições mesmas da sociedade que lhe conferiram nova maneira de estar e de ser como profissão e, pois, indicaram novo modo de desempenho ao seu profissional, e às novas modalidades do atuar estatal, a que se acrescenta, no que pertine ao tema enfocado, reformulação do próprio conteúdo que firma a noção de justiça. Ressalte-se, por necessário, que essas mudanças ocorrem, quase sempre, sem saltos e sem alterações bruscas ou desvinculadas de uma realidade social que, ainda mutante, guarda um substrato de ligação ao passado.

A advocacia estatal, sem deixar de curar a defesa do Estado, evoluiu das suas tradicionais funções - procuratório e consultoria, mercê da complexidade dos problemas da gestão pública, transformando-se seja em finalidade, seja em suas modalidades, seja, ainda, em suas características operacionais.

No primeiro aspecto, deu-se ênfase à juridicidade integral da ação administrativa, evoluindo, no dizer de DIOGO MOREIRA NETO, do interesse material da Administração Pública até o interesse público imaterial, consoante expresso comando lançado no art.37,caput, e no art.70, caput, da Constituição Federal. No segundo aspecto, ou seja, em suas modalidades, constituem a representação judicial e a consultoria núcleo de um conjunto de funções, que se distribuem em três tipos de atividades: a orientação, a defesa e o controle jurídicos da atividade administrativa. É ainda o citado administrativo que explicita essas funções, indicando a orientação jurídica bipartida em assistência e consultoria, sendo esta função principal exercida com autonomia e em beneficio imediato da própria ordem jurídica, enquanto a assistência é "função ancilar e de apoio, exercida sem autonomia e em benefício de um órgão de decisão administrativa." (in "A Advocacia de Estado e as novas competências federativas", Rev.de Informação Legislativa, n.129: 275-279) No plano da defesa jurídica, a evolução é marcada pela defesa dita integral, que inclui a judicial e extrajudicial. A terceira e nova função, reputada a mais importante, pelas modalidades de que se pode revestir, sinaliza para um acompanhamento simultâneo da atividade administrativa.

Nessa mesma linha de novidade na visão e na compreensão da advocacia pública, analisa SERGIO DE ANDREA FERREIRA a inserção constitucional na qualidade de função esssencial à Justiça, interpretando Justiça além da prestação jurisdicional para açambarcar uma atuação justa do mecanismo estatal. (in "Comentários à Constituição", v.3,Freitas Bastos, p.12).

Quanto às características operacionais, apresentam-se, com crescente nitidez, a discricionariedade técnica, a despolitização, a privatividade e a independência funcional. Verdade é que nem todas essas características estão, hoje, explícitas na advocacia de Estado, em suas instâncias federativas, tais a privatividade e a independência funcionais. A propósito, opinião discordante de ADILSON DE ABREU DALLARI no sentido da atenuação da privatividade contida no artigo 132 da Constituição Federal, considerando que se limita a "tarefas usuais e corriqueiras de consultoria e representação judicial" e não se incompatibiliza "com a contratação esporádica de advogados para determinados serviços" indicando para tanto "assuntos de grande repercussão política, correspondentes a programas ou prioridades determinadas exatamente pela superestrutura política eleita democraticamente pelo corpo social" que requerem "o concurso, ou de assistentes jurídicos nomeados para cargos de provimento em comissão, ou a contratação temporária de profissionais alheios ao corpo permanente de servidores." Apesar de toda a boa argumentação, como de se esperar, do renomado professor e jurista, não convencem as razões, pelo fato de que as decisões políticas são e devem continuar sendo da autoridade, restando aos procuradores das pessoas públicas a indicação do "iter"ou "modus faciendi" segundo o Direito.

É verdade que situações especiais existem, como se pode considerar aquela em que houver necessidade de parecer sobre matéria relevante e altamente especializada. Porém, o juízo de conveniência deverá ser do órgão jurídico público.

Aliás, no que diz respeito aos Estados-membros, o entendimento jurisprudencial do Pretório Excelso foi expresso, em liminar concedida em ADIn (ADIn n.881, proposta pela OAB contra Lei Complementar editada pelo Estado do Espírito Santo, instituidora de cargos comissionados de Assessor Jurídico no Poder Executivo), mas bem discutido o assunto e em argumentação delineada de modo a vislumbrar a segurança da decisão definitiva de mérito, pelos Ministros Celso de Mello e Néri da Silveira. O primeiro, relator da ADIn, focalizou em forma e conteúdo precisos que "o conteúdo normativo do art.132 da Constituicão da República revela os limites materiais em cujo âmbito processsar-se-á a atuação funcional dos integrantes da Procuradoria Geral do Estado e do Distrito Federal. Nele contém-se norma que, revestida da eficácia vinculante e cogente para as unidades federadas locais, não permite conferir a terceiros – senão aos próprios Procuradores do Estado e do Distrito Federal, selecionados em concurso público de provas e títulos – o exercício intransferível e indisponível das funções de representação estatal e de consultoria jurídica do Poder Executivo... Essa prerrogativa institucional, que é de ordem pública, encontra assento na própria Constituição Federal. Não pode, por isso mesmo, comportar exceções nem sofrer derrogações que o texto constitucional sequer autorizou ou previu."

Ambas, privatividade e independência funcional, são características vislumbradas implicitamente no regramento constitucional.

A mais importante vertente posta ao advogado, hoje e para o futuro, é a prevenção de litígios.

Particularmente, para o advogado público, não somente se coloca esse papel, a que já está sendo chamado, mormente no plano das procuradorias estaduais e distrital, ao cumprimento de atribuições de consultoria e de assessoria jurídicas, significando dizer o exame de atos já praticados ou em fase de preparo para ser emitido. No cumprimento dessas tarefas, reservado está à advocacia pública a vocação natural do controle, por sinal, claramente delineada em Constituições de Estados, a exemplo da Constituição do Estado do Piauí, consoante seu artigo 151:

"A lei complementar, referida no artigo anterior, estabelecerá: I......omissis......II -... e, nos limites das funções próprias do órgão, as suas respectivas atribuições, dentre as quais as seguintes: a) fixar a interpretação da Constituição, das leis, dos acordos e convênios e demais atos normativos, a ser uniformemente seguida pela administração estadual; b) assistir o Governador no controle interno da legalidade dos atos da administração pública estadual, mediante: 1) o exame de propostas, anteprojetos e projetos a ela submetidos; 2) o exame de minutas de edital de licitação, contratos, acordos, convênios ou ajustes que devem ser assinados pelo Governador, pelos Secretários de Estado ou outras autoridades indicadas em lei; 3) a proposta de declaração de nulidade de ato administrativo praticado na administração direta; 4) a elaboração de atos,quando determinada pelo Governador do Estado; c) coordenar as atividades de assessoramento jurídico dos órgãos integrantes da Advocacia Geral do Estado;..."

Esse delineamento constitucional possibilita efetivo controle sobre a atividade administrativa do Poder Executivo, em abrangência tal a permitir o seja em caráter preventivo, simultâneo e "a posteriori" ou repressivo, no plano da juridicidade. Esse controle abrangente, que atende a um ideal de alcance de cumprimento dos princípios constitucionalmente traçados para a administração estatal, é vocação a que se não podem furtar as pessoas políticas federativas. No particular, os Estados-membros encontram-se bem mais avançados que a União, que ainda não dispõe de uma advocacia unificada, o que, entretanto, não impedirá que os advogados, procuradores e assistentes jurídicos possam desempenhar a contento a importante tarefa de realizar a Justiça, em sentido concreto, e não esgotada na atividade jurisdicional.

É preciso evoluir, construindo bem a principiologia da atividade administrativa pública, na defesa dos verdadeiros interesses do Estado que não podem deixar de ser, pena de traição ao povo, detentor do poder que cria, modela e garante a vida estatal, o interesse coletivo.

Para tanto, imperioso é transformar o entendimento de administradores e de advogados públicos para uma visão nova, que exclui toda forma de personalismo. E SERGIO DE ANDREA FERREIRA expressa com precisão essa nova visão referenciada: "Na instância administrativa, seja contenciosamente, ou não, a "vitória" da administração pública será a execução justa da lei, mesmo que, para isso, tenha de reconhecer que errou, e modifique, revogue, anule seus atos, supra suas omissões. A justiça - num sentido ainda mais amplo e profundo do que aquela cuja realização está entregue ao judiciário - é obrigação do administrador público, e para ele também serve, na sua realização, a simbologia de Têmis." (cit)

É a esse modo de atuar da Administração Pública que o advogado emprestará o seu valioso contributo e nele repousa a extrema valorização da advocacia pública, no exercício de orientação e controle da atividade administrativa, o que lhe propiciará intervir na construção dos valores consagrados em nossa Carta Republicana, mormente a observância dos princípios insculpidos no artigo 37, com ênfase à moralidade, de cujo alcance dependem a efetividade da ordem jurídica democrática e a fruição por todos dos atributos da cidadania.

Assuntos relacionados
Sobre a autora
Fides Angélica Ommati

conselheira federal da OAB, reitora da Escola Superior de Advocacia do Piauí

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OMMATI, Fides Angélica. Advocacia pública - algumas reflexões. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 6, n. 51, 1 out. 2001. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2111. Acesso em: 23 nov. 2024.

Mais informações

Artigo elaborado a partir de palestra proferida no VIII Congresso de Advogados de Mato Grosso do Sul, julho/99. Texto publicado na Revista da Justiça Federal do Piauí nº 1, vol. 1, jul/dez 2000

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos