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Advocacia pública - algumas reflexões

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01/10/2001 às 00:00
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Sumário: 1. Advocacia Pública. Aspectos peculiares. Abrangência. Administração pública e advocacia. 2. Advocacia Pública no Brasil. 3. Advocacia Pública e o novo Estatuto da Advocacia e da OAB. 4. Exercício da Advocacia Pública: procuratório, consultoria e assessoria jurídica. 5. A Independência Funcional e a Hierarquia Administrativa - as limitações ao exercício profissional. 6. Etica Profissional e a Advocacia Pública – a obrigação da defesa processual e o esgotamento das vias recursais. Os atos ilegais e sua defesa. 7. A Fazenda Pública em Juízo. Os privilégios – utilização pelo advogado. 8. As Perspectivas da Advocacia Pública.


1. A advocacia tem compromisso social, e tem uma função que extrapola a sua condição profissional e de defesa de interesses particulares, porque, além de indispensável à administração da Justiça (art.133,CF), é o advogado "defensor do estado democrático de direito, da cidadania, da moralidade pública, da Justiça e da paz social, subordinando a atividade de seu ministério à elevada função pública que exerce." (Código de Ética, art.2º).

Ainda tenha fundamento e compromisso com a comunidade, daí a consideração de "função pública", a advocacia pública propriamente é denominação que se contrapõe a advocacia privada, sendo parâmetros para sua distinção os interesses aconselhados ou patrocinados e os requisitos exigidos para seu exercício.

Diz-se advocacia pública aquela que aconselha ou patrocina interesses de pessoas jurídicas de direito público, interesses em que prevalece não a vontade do agente mas a da coletividade consagrada no ordenamento constitucional ou legal. (conf. SESTA, Mário Bernardo – A Advocacia de Estado. Posição Institucional. Revista de Informação Legislativa, n.117, p.191). Por tal circunstância, são esses interesses superiores aos dos particulares e indisponíveis pelos respectivos gestores, configurando regime jurídico que extrapola dos limites administrativos para impregnar o regramento processual, como adiante se examinará.

Os integrantes da advocacia pública têm vinculação funcional ao Estado, aqui utilizado em sentido genérico e incluindo as pessoas políticas federativas e as pessoas de direito público de natureza administrativa. Daí porque além de atenderem aos requisitos e condições para a advocacia, sendo obrigatoriamente inscritos na OAB, os advogados públicos submetem-se a processo seletivo público e estão regidos pelo Estatuto da Ordem e pelos estatutos e normas próprios aos servidores públicos e/ou a normas especiais que regerem os órgãos a que se vinculem.

Participante do gerenciamento de interesses públicos, no desempenho de atividades de consultoria e de assessoria, a advocacia pública tem localização no Poder Executivo, que detém praticamente o monopólio da atividade administrativa, e, pois, dirige o conjunto de órgãos e entidades componentes da Administração Pública.


2. No Brasil, a advocacia pública pela primeira vez foi delineada constitucionalmente há uma década, o que não exclui a sua existência em nível infraconstitucional, desde muito tempo, em organização que vem funcionando com pujança, nos Estados e em diversos municípios.

Com efeito, a advocacia pública foi, historicamente, decorrência da distinção entre o Príncipe e o Estado, de uma parte, e,ainda, entre o Estado-poder e o Estado-sociedade, submetendo-se a organização estatal à limitação da lei, distinguindo-se pelos interesses públicos a serem curados, na função de defesa direta dos interesses da sociedade e daqueles interesses indiretos uma vez que ao encargo de órgãos e entidades estatais foi atribuído seu gerenciamento.

A advocacia pública tem origem comum e conjunta ao hoje denominado Ministério Público, na expressão de DIOGO MOREIRA NETO "advocacia da sociedade", responsável por fiscalizar a aplicação da lei e curar os interesses difusos e coletivos (art.129, CF).

Assim, a evolução até o modelo hoje estabelecido tem início nos Estados-membros, mediante essa distinção do atuar jurídico, especializando as funções do Parquet, que, muitas vezes, se situava em incômoda circunstância entre a fiscalização da aplicação da lei, portanto, em atuação "custos legis" e a de advogado do Estado-administrador, parte no processo. Nesse caso, como conciliar a parcialidade do patrocínio de uma das partes com a natureza e necessária imparcialidade do fiscal da lei?

Esse impasse, talvez pela proximidade maior dos fatos e das partes neles envolvidos, foi sentido nos Estados-membros, que há mais de meio século têm vivenciado a experiência de um corpo de servidores especializados no patrocínio judicial e na orientação do aplicar, em situações concretas, os comandos legais, substância da função administrativa da AP. (Persistiu, até o advento da Constituição Federal de 1988, a representação judicial do Estado-membro pelo MP, para suprir deficiência de pessoal e de estrutura das Procuradorias. No Estado do Piauí, por exemplo, a Lei que transformou o Departamento Jurídico em Procuradoria Geral do Estado manteve a competência do MP para representação nas comarcas do interior, em razão de os Procuradores do Estado atuarem na capital – LD 91/73).

A experiência da advocacia pública como Advocacia de Estado, geralmente organizada em Procuradorias do Estado, demonstrou essa necessária especialização de funções, propiciando melhor acompanhamento da Administração Pública e melhor defesa judicial de interesses em conflito com os particulares.

A União somente organizou sua advocacia após a Constituição de 1988, que a delimitou. Anteriormente, o patrocínio dos feitos em que era parte a União era atribuição dos Procuradores da República, excetuados os que versavam matéria tributária, cometidos à Procuradoria da Fazenda Nacional, subordinada ao Ministério da Fazenda. A atividade de consultoria desvinculava-se inteiramente do procuratório, desempenhada, em nível de cúpula do Poder Executivo, pelo Consultor Geral da República, e, no plano ministerial, através de consultorias.

Aliás, a Constituição vigente inseriu a advocacia pública entre as funções essenciais à Justiça, distinguindo, em seus artigos 131 e 132, a Advocacia da União da Advocacia dos Estados-membros e Distrito Federal, e nos artigos 133 e 134, a advocacia em geral e a destinada a dar assistência jurídica a pessoas carentes. Como a defesa judicial da União Federal, até então, era tarefa do Ministério Público Federal, o legislador constituinte possibilitou, mediante assinatura de prazo para tanto, que os Procuradores da República em atividade optassem entre permanecer integrando o Parquet e compor a Advocacia Geral da União (art.29, § 2º, ADCT,CF).

Somente com o advento da Lei Complementar n. 73/93, a Advocacia da União foi estruturada, englobando a Procuradoria da Fazenda Nacional, mantida em suas atribuições, e as Consultorias Jurídicas localizadas nos diversos Ministérios, a que foram acrescidos os Advogados da União, ubicados nas Procuradorias da União. A Lei Complementar estruturou de forma orgânica os já existentes e os criados cargos, de modo a abranger todo o conjunto dos servidores encarregados da consulta e do contencioso jurídico da União, bem assim de suas entidades administrativas de direito público.

Já os Estados-membros mantiveram sua advocacia, em geral organizadas em estrutura centralizadora das atividades próprias, revigoradas pela inserção constitucional, a lhes assegurar expressamente o exercício das funções de consultoria e de representação judicial. O artigo 132 da Carta Maior propiciou a unicidade das Procuradorias, malgrado o asseguramento da manutenção das Consultorias em funcionamento (art.69, ADCT,CF). Na abrangência da advocacia pública dos Estados-membros os órgãos jurídicos das autarquias e das fundações de direito público.

A par dos órgãos constitucionalmente referenciados, os Municípios têm organizado, quando em condições para tal, suas Procuradorias Jurídicas, exercidas em moldes semelhantes aos dos Estados-membros. A do município de Teresina, capital do Estado do Piauí, por exemplo, vem funcionando anteriormente à Constituição vigente, mas só em data recente recebeu a denominação e se estruturou organicamente como Procuradoria Geral do Município, inclusive no que se refere ao regime de seus membros, ditos Procuradores do Município.


3. O novo Estatuto da Advocacia e da OAB, que teve sua vigência em julho de 1994, não poderia deixar de regular a advocacia pública, diante do seu regramento constitucional.

Assim, ao dispor sobre os habilitados ao exercício da advocacia, em seu artigo 3º, estipulou no § 1º:

"Exercem atividade de advocacia, sujeitando-se ao regime desta lei, além do regime próprio a que se subordinem, os integrantes da Advocacia Geral da União, da Procuradoria da Fazenda Nacional, da Defensoria Pública e das Procuradorias e Consultorias Jurídicas dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e de suas respectivas entidades de administração indireta e fundacional."

Já anteriormente ao novo Estatuto, o Conselho Federal da OAB, em composição plena, decidiu pela sujeição dos integrantes da Advocacia Geral da União ao regime do Estatuto da Ordem, baseando-se no fato de as atividades por eles exercidas, ainda os subordinassem ao regime jurídico-administrativo decorrente de sua situação funcional na administração federal, configurarem atividade própria de advogado (Proc.CP 3.739/93, citado por Paulo Netto Lobo, em seus Comentários, cit., p.35).

A expressa determinação do vigente EAOAB, citada, a que somam outras, como as decorrentes de impedimento e incompatibilidade (arts. 28, 29 e 30), sinaliza para a vinculação dos integrantes da advocacia pública, em todas as esferas políticas, à OAB e sua submissão às normas estatutárias da profissão, aí incluídos prerrogativas, direitos e deveres.

Algumas dificuldades, entretanto, perpassam na prática dessa relação. Uma, que sobressai, diz respeito à aplicação, pela OAB, de pena disciplinar que importe suspensão do exercício profissional ou exclusão do seu Quadro de filiados. Ainda que se mantenham, em termos, os âmbitos de regramento, a exemplo da LC 73, de 10.02.93, que disciplinou a AGU, e da da Lei n.8.906, de 04.7.94 - EAOAB, constituindo este a lei geral e aquela a lei específica de uma parte da advocacia pública circunscrita à União Federal, tem-se a dificuldade de implemento da pena aplicada, no âmbito da relação funcional, vez que atingirá diretamente o exercício de cargo público. É que, de uma parte, a advocacia da União é advocacia pública, que é espécie do gênero advocacia, porque integra, na forma do art.133, CF, a administração da justiça e não se enquadra nas funções do MP e da Magistratura, e não pode deixar de integrar, sob pena de impossibilitado ficar o cumprimento da finalidade para a qual foi instituída; e, sendo advocacia, há que se enquadrar nas regras para o exercício dessa profissão, editadas pela União no cumprimento de sua competência constitucionalmente fixada (art.22, XVI, CF). De outra parte, as esferas – as da OAB, e do respectivo estatuto geral da advocacia, e da AGU são independentes e têm seu campo específico de aplicar as normas pelas quais cada uma dessas entidades são regidas.

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Em possível confronto, o exercício do cargo pode, de fato, ter continuidade, mas em caso de aplicação da pena de suspensão ou de exclusão, poderá trazer por conseqüência representação, pela OAB, ao órgão público a que se vincule o advogado e, no que comportar, ao órgão do MP.

Certo, de outra forma não há como se compatibilizarem os dois regimes jurídicos de vertente comum.


4. Quando se fala em defesa do Estado, há que se esclarecer que Estado tem, nesse caso, sentido bem amplo, para, em modelo federativo como o nosso, abranger as pessoas políticas, bem assim, alguns órgãos em situações de, não personalizados, estarem em Juízo, e, ainda, as pessoas públicas de natureza administrativa, quais as autarquias e as fundações de direito público. A conotação que se dá a Estado, em geral, e que ora será dado, em particular no âmbito desta exposição, é a de interesses públicos indisponíveis, geridos por pessoas de natureza pública, submetidas a regime jurídico de direito público.

Esse regime jurídico de direito público, no plano administrativo, está embasado em dois princípios: o da supremacia do interesse público sobre o interesse privado e o da indisponibilidade dos interesses públicos. O da supremacia dos interesses públicos, de que decorrem privilégios como o da autoexecutoriedade dos atos administrativos e o da presunção de legalidade desses mesmos atos, com repercussão processual quanto à dispensa de autorização judicial para a execução decorrente da vontade estatal manifestada pelo agente público, na primeira indicação, e de inversão do ônus da prova, na segunda, para mera exemplificação, é princípio que traz particularidades e circunstâncias na forma de agir e no modo de o órgão ou ente administrativo situar-se nas relações jurídicas. Afirma-se, em considerando a supremacia dos interesses públicos, que a relação jurídica instaurada entre pessoa pública e pessoa natural ou jurídica privada apresenta verticalidade, na acepção de desigualdade entre as partes, com posicionamento superior da pessoa pública.

O princípio da indisponibilidade dos interesses públicos consiste na impossibilidade de o administrador agir segundo sua vontade, mas, ao contrário, restringir-se ao regulado no ordenamento jurídico, daí decorrendo os princípios da legalidade, da moralidade, da publicidade, da impessoalidade, e tantos outros em que se evidencie o princípio democrático de atendimento segundo critérios e normas uniformes e impessoais, não favorecendo nem perseguindo grupos ou pessoas, mas atendendo ao que o legislador, no exercício de sua competência, interpretou como o abstrato interesse da coletividade.

A defesa do Estado consiste exatamente na defesa dos interesses que a pessoa pública encarna e é vocacionada a realizar. E defesa, igualmente Estado, aí tem conotação de amplitude obrigatória, vez que se não pode restringir a patrocínio judicial ou extrajudicial em situações conflitivas. Ao contrário, significa toda a atividade tendente (direcionada) a propiciar as condições jurídicas necessárias à implementação dos interesses ao encargo dos órgãos e entes públicos.

Também, não há confundir defesa do Estado com defesa do Governo, se bem que, por vezes, possa ocorrer, quando, por exemplo, é questionada a quebra da legalidade ou da moralidade, ou de princípio outro de presença obrigatória na atividade administrativa. A autoridade, quando em evidência contraria princípios e/ou normas, extrapola suas funções e almeja finalidade diversa daquela posta ao órgão sob seu comando, a defesa poderá ser do governante, não do Estado, cujos interesses não se harmonizam com aqueles particulares do seu agente.

Esse é um dos impasses com que se defronta o integrante da advocacia pública.

A natureza mesma da profissão advocatícia exige de quem a exerce postura de independência face aos órgãos envolvidos na prestação jurisdicional. Inexiste hierarquia entre advogado, magistrado e membro do Ministério Público, postos em igual patamar, devendo-se mútuos respeito e consideração.

Ademais, ao advogado é cobrado comportamento pautado na legalidade, em que se insere a proibição de pleitear contra a lei (art.34, VI, EAOAB) e de concorrer para realização de ato contrário à lei ou destinado a fraudá-la (art. 34, XVII, EAOAB), além de a ética impor-lhe atuação com independência, honestidade, veracidade, lealdade, dignidade e boa-fé (art. 2º, II, Código de Ética).

Se assim é, o exercício profissional do advogado público não pode sofrer limitações decorrentes da hierarquia a impor-lhe tal ou qual opinião contra a qual o seu convencimento pautado no estudo e na pesquisa se insurge. Como fazer? Como se resolve a independência profissional no âmbito de uma estrutura em que se estipulam atribuições por força de lei e, pois, o detentor dessas atribuições tem o poder-dever de exercê-las?

De outra parte, é importante (para o raciocínio ora desenvolvido) lembrar que, na defesa do Estado em juízo, inexiste a obrigatoriedade da exibição do mandato procuratório específico (art. 12, CPC), vez que é a própria lei que cria o cargo de advogado público e indica os limites de atuação do respectivo titular ao fixar-lhe atribuições. Por tal razão, ao advogado público é defeso renunciar ao procuratório que exerce, a não ser nos casos previstos em lei, quando houver impedimento de atuar no processo, ocorrendo "in casu" substituição, o que igualmente ocorre se houver exoneração, demissão ou aposentadoria. Em caso de impedimento, deverá o advogado público dar ciência ao seu superior hierárquico.


5.Atuando segundo distribuição, o advogado público não escolhe processo nem pode escusar-se de atuar em processo a pretexto de violar sua consciência para o que é o justo agir da autoridade cujo ato é contestado judicialmente.

Nesse caso, sua independência funcional é posta em xeque? Sucumbe ao desafio da hierarquia administrativa?

Há que distinguir a função exercida. Se de defesa judicial ou extrajudicial, mas se defesa em sede litigiosa, não há como escusar-se o advogado público de exercê-la senão quando houver impedimento, nas circunstâncias previstas na lei. A escusa fundada em convencimento pessoal exclui-se, e, nesse particular, tem-se uma restrição a quem atua na advocacia pública comparativamente à amplitude da independência profissional na advocacia privada.

O mesmo não pode ser dito, porém, se o advogado público exercita consultoria jurídica, quando, então, orienta-se apenas e tão-somente segundo sua ciência e consciência, emitindo opinião com toda a largueza de seu descortínio. A mesma liberdade no atuar pode ser vislumbrada no desempenho da assistência jurídica, quando orienta a autoridade administrativa no seu agir segundo o direito.

Na prática, essas considerações podem não corresponder à realidade, tanto mais quanto mais forte se evidenciar a estrutura de hierarquia, com todos os seus consectários a interferir na discricionariedade técnica, e tanto mais fragilizadas forem a qualificação pessoal e as prerrogativas funcionais, com ênfase à privatividade. Pois é certo que se ao titular do cargo de advocacia pública, e somente a ele, estiver afeta a incumbência de emitir parecer e orientar os órgãos administrativos na prática de sua atividade, tal circunstância compromete-o definitivamente com os interesses públicos, ao tempo que garante a indispensável independência para seu desempenho conforme o Direito.


6. Como assinalado, é dever do advogado pleitear, segundo a lei, a moralidade, de boa fé, significando a abstenção, a contrário, de defender interesses em frontalidade à lei com o fito de protelar a consecução, pela parte ex adversa, de seu interesse juridicamente protegido.

Entretanto, é fato sabido e apregoado, inclusive pelos juízes da mais alta Corte de Justiça do País, que os órgãos públicos ensejam o amontoamento de processos e inviabilizam a prestação jurisdicional, em sede de recursos nos tribunais superiores. De igual forma, a execução de julgado contra a Fazenda Pública tem sido postergada, em intermináveis discussões, em que proliferam os incidentes e as modalidades recursais que se desdobram, de modo a parecer infindável o caminho processual. Significa dizer, os processos que envolvem o Estado nem conhecem a conciliação de interesses nem se desdobram sem que haja o esgotamento de todas as vias recursais.

Se é certo que o advogado público não se pode escusar a promover a defesa no processo que lhe for distribuído, é certo também que tem ele o dever funcional de utilizar todos os meios processuais ao seu alcance para a defesa. E, não raro, se identificam recursos meramente protelatórios.

É correta essa postura de o advogado público promover defesa em situações iguais, repetidamente decididas contra a AP? E recorrer infundadamente, com o objetivo de postergar o cumprimento da decisão judicial contrária ao Estado?

Certo que não é dado ao advogado público dispor dos interesses que lhe são confiados na defesa judicial dos órgãos públicos, porque são públicos ou assim considerados tais interesses. Daí a proibição de transigir, de fazer acordo, de deixar de recorrer ou de desistir de recurso interposto.

Ainda que, a seu juízo, o ato impugnado seja ilegal, ainda assim, sobrepõe-se o seu dever de ofício, e terá que defender judicial ou extrajudicialmente o ato, ainda pessoalmente constrangido.

Para o advogado público, o Estado é seu cliente, a quem está vinculado funcionalmente, e, pois, não tem a liberdade de deixar de aceitar o encargo de defesa ou de desistir do mandato. Seu mandato é outorgado pela lei, e lhe é outorgado no momento da posse. Sua liberdade, nesse particular, é restrita a permanecer no cargo ou dele se afastar. Se permanece ocupando o cargo público, tem o dever indeclinável de exercer as respectivas atribuições, exceção para o previsto no art.34, VI. EAOAB – "advogar contra literal disposição de lei", quando deve justificar-se perante a autoridade superior. Mas, por exemplo, em Mandado de Segurança impetrado contra o órgão ou entidade, se o advogado público entende ter o impetrante direito ao que pleiteia, deve sugerir à autoridade que reformule o seu ato ou providencie de modo a fazer valer o direito do administrado; se, ainda alertada, a autoridade mantém o ato, não autorizando o advogado a pôr fim ao processo, seu dever é dar-lhe continuidade.

Esse é o impasse, a que se não pode furtar.

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Sobre a autora
Fides Angélica Ommati

conselheira federal da OAB, reitora da Escola Superior de Advocacia do Piauí

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OMMATI, Fides Angélica. Advocacia pública - algumas reflexões. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 6, n. 51, 1 out. 2001. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2111. Acesso em: 19 abr. 2024.

Mais informações

Artigo elaborado a partir de palestra proferida no VIII Congresso de Advogados de Mato Grosso do Sul, julho/99. Texto publicado na Revista da Justiça Federal do Piauí nº 1, vol. 1, jul/dez 2000

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