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A responsabilidade solidária entre partidos e candidatos nas prestações de contas de eleição

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Os juízes eleitorais, ao notificar os candidatos que não prestaram contas, devem incluir no mandado a notificação do partido, para que possa intervir na relação processual naquilo que seja de seu interesse.

A prestação de contas de partidos e candidatos foi inserida na Constituição Federal em seu art. 17, III, que estatuiu a obrigatoriedade de apresentação de gastos e arrecadações, assim comentados por Costa Machado:

“Os partidos políticos, para alcançarem o seu mister constitucional, como parece óbvio, necessitam de recursos financeiros. Entretanto, tais recursos devem ser objeto de apreciação pela Justiça Eleitoral de forma a comprovar que os valores utilizados não sejam fruto de entidades ou governos internacionais, do erário ou que as verbas estejam em desacordo com o mandamentos estatuídos na lei ordinária.”[1]

A regulamentação do instituto veio com a edição da Lei nº 9.096/95, que organizou o funcionamento dos partidos políticos, dispondo em seu Título III – Das Finanças e Contabilidade dos Partidos, dois capítulos, o primeiro discorrendo sobre a prestação de contas e o segundo sobre regras do fundo partidário.

Assim restou consignado no art. 30 do referido diploma:

“Art. 30. O partido político, através de seus órgãos nacionais, regionais e municipais, deve manter escrituração contábil, de forma a permitir o conhecimento da origem de suas receitas e a destinação de suas despesas.”

Coube à Justiça Eleitoral fiscalizar a correta aplicação dos recursos, nos termos do art. 34, verbis:

“Art. 34. A Justiça Eleitoral exerce a fiscalização sobre a escrituração contábil e a prestação de contas do partido e das despesas de campanha eleitoral, devendo atestar se elas refletem adequadamente a real movimentação financeira, os dispêndios e recursos aplicados nas campanhas eleitorais...” (g.n.)

As receitas de campanha passaram a ser alvo de real preocupação quando se atestou, nos primeiros pleitos realizados sob a égide da novel Constituição, que o abuso do poder econômico passou a prevalecer na captação de votos, e um descontrole na atestação do que realmente foi recebido e aplicado resultava em desequilíbrio de condições entre os candidatos.

Visando refrear tais abusos, o legislador infraconstitucional editou a Lei Complementar nº 64/90, que regulamentou o disposto no art. 14, § 9º da Constituição de 1.988, trazendo em seu art. 22 um mecanismo de punição a quem se utilizasse indevidamente do poder econômico para desestabilizar as condições entre os concorrentes a mandato eletivo.

As eleições ganharam uma legislação específica com a publicação da Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1.997, que dispunha nos artigos 17 a 27 sobre a “arrecadação e aplicação de recursos em campanhas eleitorais” e nos artigos 28 a 332 sobre a prestação de contas de tais recursos.

O disciplinamento para os partidos apresentarem suas contas, assim como a forma de regência e julgamento dos procedimentos, foi objeto da Resolução TSE nº 21.841/2004.

As normas de regência das prestações de contas anuais (Lei nº 9.096/95) e de campanha eleitoral (Lei nº 9.504/97) sofreram consideráveis alterações com a edição das duas minirreformas eleitorais (Lei nº 11.300/2006 e Lei nº 12.034/2009).

De tais modificações, a que se mostrou mais importante foi a judicialização do processo de prestação de contas (Lei nº 9.096/95, art. 37, § 6º, com redação dada pela Lei nº 12.034/2009).


O CARÁTER JURISDICIONAL DA PRESTAÇÃO DE CONTAS E A RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA ENTRE PARTIDOS E CANDIDATOS

Como já abordado, a minirreforma de 2009 impôs a judicialização do processo de prestação de contas:

“Art. 37 (...)

§ 6º  O exame da prestação de contas dos órgãos partidários tem caráter jurisdicional.”

Da redação se extrai que a jurisdicionalização se refere aos processos de prestação de contas de partidos, entretanto, como as prestações de contas de campanha dos candidatos nada mais são que uma extensão daquilo que o partido deve ter como recurso para a eleição de maneira geral, outro não pode ser o raciocínio senão pela aplicação do dispositivo, de forma analógica, aos recursos dos candidatos.

A afirmação ganha corpo quando se observa o que dispõe o art. 25 da Lei nº 9.504/97 (Lei das Eleições), ipsis litteris:

“Art 25. O partido que descumprir as normas referentes à arrecadação e aplicação de recursos fixadas nesta Lei perderá o direito ao recebimento da quota do Fundo Partidário do ano seguinte, sem prejuízo de responderem os candidatos beneficiados por abuso do poder econômico.

Parágrafo único.  A sanção de suspensão do repasse de novas quotas do Fundo Partidário, por desaprovação total ou parcial da prestação de contas do candidato, deverá ser aplicada de forma proporcional e razoável, pelo período de 1 (um) mês a 12 (doze) meses, ou por meio do desconto, do valor a ser repassado, na importância apontada como irregular, não podendo ser aplicada a sanção de suspensão, caso a prestação de contas não seja julgada, pelo juízo ou tribunal competente, após 5 (cinco) anos de sua apresentação. (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)”.

Como se observa, tanto o candidato beneficiado por uso indevido dos recursos recebidos (caput), como o partido que deixou de fiscalizar a utilização dos recursos manejados pelos candidatos (parágrafo único), passam a ser co-autores dos desvios nas prestações de contas.

Ao tema não foi dada a devida importância pela doutrina, se reservando alguns autores a analisar mais o aspecto temporal e a proporcionalidade das sanções que a responsabilidade solidária efetivamente criada pelo dispositivo, como podemos inferir do seguinte extrato dos comentários de Walber Moura Agra e Francisco Queiroz Cavalcanti ao artigo 25 da Lei das Eleições:

“Portanto, houve o disciplinamento no modo de aplicação da sanção imposta ao partido que descumprir as normas referentes à aplicação e arrecadação de recurso. A primeira determinação à aplicação da sanção e à obediência ao princípio da proporcionalidade e da razoabilidade, que já era cobrada peã doutrina. A segunda determinação se refere ao prazo de duração da sanção de suspensão: de um a doze meses; assim, a determinação do tempo da suspensão não fica ao puro alvedrio do magistrado, que deve se ater aos limites impostos.”[2]

Sobre a proporcionalidade, como afirmado por Agra, a aplicação proporcional da sanção de suspensão do repasse das cotas do fundo partidário já vinha sendo objeto de aplicação dos tribunais, até porque a imposição reiterada da penalização mais gravosa, suspensão durante um ano inteiro, inviabilizaria o funcionamento dos organismos partidários dependentes dos recursos advindos do Poder Público.

A previsão legal para a aplicação da proporcionalidade está insculpida na Lei nº 9.096/95 (Lei de Organização dos Partidos Polítcos – LOPP):

“Art. 37. A falta de prestação de contas ou sua desaprovação total ou parcial implica a suspensão de novas cotas do Fundo Partidário e sujeita os responsáveis ás penas da lei. (Redação dada pela Lei nº 9.693, de 27.7.98)

§ 3o  A sanção de suspensão do repasse de novas quotas do Fundo Partidário, por desaprovação total ou parcial da prestação de contas de partido, deverá ser aplicada de forma proporcional e razoável, pelo período de 1 (um) mês a 12 (doze) meses, ou por meio do desconto, do valor a ser repassado, da importância apontada como irregular, não podendo ser aplicada a sanção de suspensão, caso a prestação de contas não seja julgada, pelo juízo ou tribunal competente, após 5 (cinco) anos de sua apresentação.  (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)”

Importa ressaltar que a sanção deve se ater ao órgão partidário que deu ensejo ao desvio, assim, caso um comitê financeiro de eleição municipal tenha suas contas desaprovadas, a aplicação da sanção não poderá ser aplicada ao órgão de nível superior, nos termos do art. 37, § 2º da LOPP:

“Art. 37 (...)

§ 2º A sanção a que se refere o caput será aplicada exclusivamente à esfera partidária responsável pela irregularidade.”

Quanto ao prazo de julgamento, a assertiva da parte final do disposto no art. 25 é a reafirmação da necessidade de celeridade dos feitos que tramitem no âmbito eleitoral, o que vem sendo objeto, inclusive, de metas do Conselho Nacional de Justiça.

Retornando às sanções previstas no parágrafo único do art. 25 da Lei das Eleições, vislumbra-se na letra legal que o partido que tiver sua prestação de contas de campanha (comitê financeiro e órgão diretivo), desaprovada, em desacatamento ao disciplinamento estampado nos art. 17 a 24 da norma em comento, sofrerá a sanção de suspensão das cotas do fundo partidário proporcional ao gravame da conduta.

Da mesma forma estará sujeito o partido a mesma sanção (suspensão por 1 a 12 meses, se o candidato tiver suas contas de campanha rejeitadas, criando-se assim a obrigação do partido acompanhar a prestação de contas de seus afiliados concorrentes nas eleições, pois a recorrente desaprovação determinaria uma suspensão temporal elevada dos valores das cotas do fundo partidário.

De outro giro, a desaprovação das contas do partido, em razão dos recursos públicos recebidos, sujeita o candidato beneficiário do desvio em apuração de abuso do poder econômico, que poderá resultar, inclusive, em declaração de inelegibilidade, nos termos do disposto no art. 22, I, d, da Lei Complementar nº 64/90:

“d) os que tenham contra sua pessoa representação julgada procedente pela Justiça Eleitoral, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão colegiado, em processo de apuração de abuso do poder econômico ou político, para a eleição na qual concorrem ou tenham sido diplomados, bem como para as que se realizarem nos 8 (oito) anos seguintes;  (Redação dada pela Lei Complementar nº 135, de 2010)”

Obviamente que a conclusão quanto ao abuso não é corolário da utilização indevida do recurso, como prelecionam Agra e Cavalcanti;

“Interessante destacar que a sanção imposta pela rejeição de financiamento das contas da campanha não implica necessariamente caracterização do abuso de poder econômico. Para a tipificação do abuso de poder econômico, faz-se necessário um montante financeiro que destoe da medida do valor aplicado nas demais campanhas. Outrossim, as contas podem ser rejeitadas pela ausência de formalidades consideradas essenciais, mas que não importam valores vultosos.”[3]

Tendo em vista o caráter solidário, cumpre discutir a necessidade de formação de litisconsórcio entre as partes, até porque se trata de processo judicial e assim com regência das normas de caráter processuais gerais.

Primeiro deve se aferir a existência de litisconsórcio, instituto sobre o qual ensinam Marinoni e Mitidiero:

“Litisconsórcio há apenas quando no mesmo pólo do processo existe uma pluralidade de partes ligada por uma afinidade de interesses. O direito material é o que determina a existência ou não de litisconsórcio, facultando ou exigindo sua formação. (...) Qualquer comunhão de que decorram direitos e obrigações é suficiente. Se há conexão entre as situações dos litigantes no plano do direito material (art. 46, incisos II e III, CPC, com evidente superposição), há oportunidade para a formação litisconsorcial. Entende-se que o Código assim possibilite, tendo em conta que o Código assim o possibilite, tendo em conta que a existência da conexão autoriza a reunião de ações propostas em separado (art. 105, CPC).”[4]

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É de fácil detecção que há um vínculo indissolúvel entre as situações jurídicas, porquanto da penalização de cada um dos envolvidos, assim a conclusão lógica é pela formação do litisconsórcio. A relação litisconsorcial nos parece estar perfeitamente coadunada ao disposto no art. 46, I, do Código de Processo Civil Brasileiro:

“Art. 46. Duas ou mais pessoas podem litigar, no mesmo processo, em conjunto, ativa ou passivamente, quando:

I – entre elas houver comunhão de direito ou de obrigações relativamente à lide;”

Como as hipóteses do art. 46, excetuado aquilo que incidir no art. 47 do CPC, são casos de litisconsórcio facultativo, fixa-se o entendimento de que o liame litisconsorcial é desse tipo, e ainda, simples, haja vista que a decisão não é uniforme para os sujeitos da relação processual.

Como a eleição de 2010 já estava sendo regida pelas modificações impostas pela Lei nº 12.034/2009, os partidos se tornaram passíveis de suspensão das cotas pela rejeição das contas de seus candidatos naquele pleito, entretanto, a ausência de participação na relação processual inviabiliza a aplicação da sanção, esse é o entendimento firmado pelo E. Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro:

“Prestação de contas de campanha. Candidato a Deputado Federal. Eleições 2010. As irregularidades apontadas impedem a verificação da origem dos recursos e das despesas realizadas. Contas desaprovadas. Impossibilidade de obtenção da quitação eleitoral durante o curso de todo o mandato a que concorreu. Interpretação conforme a Constituição. Não aplicação da suspensão das quotas do partido, conforme disposto no art. 25, parágrafo único da Lei nº 9.504/97, uma vez que a Agremiação Partidária não ingressou na lide. (PC - Prestação de Contas nº 330691 - Rio de Janeiro/RJ; Acórdão nº 54.038 de 17/05/2011; Relator Luiz Roberto Ayoub)”

Esse também é o nosso entendimento, até porque sendo o litisconsórcio facultado, para inserir aplicações sancionadoras ao partido ele deveria ser chamado a demonstrar a inexistência de culpa nas irregularidades apontadas como fundamento para a rejeição das contas do candidato.

Finaliza-se o presente estudo sobre a necessidade, nos pleitos vindouros, dos juízes, ao notificar aqueles que não prestaram contas (se for reiterado o teor do que determinava a Resolução TSE nº 23.217/2009, art. 26, § 4º), incluir no mandado a notificação do partido para que possa intervir na relação processual, naquilo que seja de seu interesse.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

MACHADO, ANTÔNIO CLÁUDIO DA COSTA. Constituição Federal Interpretada, artigo por artigo, parágrafo por parágrafo. 2ª ed. Barueri: Manole, 2011.

MARINONI, LUIZ GUILHERME; MITIDIERO, DANIEL. Código de Processo Civil, comentado artigo por artigo. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008.

AGRA, WALBER DE MOURA; CAVALCANTI, FRANCISCO QUEIROZ. Comentários à Nova Lei Eleitoral: Lei nº 12.034, de 29 de setembro de 2009. Rio de Janeiro: Forense, 2010.

Jurisprudência citada disponível em www.tse.jus.br

Legislação citada disponível em www.planalto.gov.br


Notas

[1] MACHADO, COSTA. Constituição Federal Interpretada, artigo por artigo, parágrafo por parágrafo. 2ª ed. Barueri: Manole, 2011, p. 119.

[2] AGRA, WALBER DE MOURA & CAVALCANTI, FRANCISCO QUEIROZ. Comentários à Nova Lei Eleitoral: Lei nº 12.034, de 29 de setembro de 2009. Rio de Janeiro: Forense, 2010, pp. 44/45.

[3] AGRA, WALBER DE MOURA & CAVALCANTI, FRANCISCO QUEIROZ. Comentários à Nova Lei Eleitoral: Lei nº 12.034, de 29 de setembro de 2009. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 45.

[4] MARINONI, LUIZ GUILHERME & MITIDIERO, DAVID. Código de Processo Civil comentado artigo por artigo. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, pp. 130/131.

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Sobre o autor
Orlando de Carvalho Ribeiro Júnior

Bacharel em Direito com Pós-Graduação em Direito Público pela Universidade do Sul de Santa Catarina – UNISUL. Assessor Técnico dos Juízes Membros do Tribunal Regional Eleitoral do Amapá. Professor de Direito Constitucional, Direito Processual Constitucional e Direito Eleitoral do Centro de Ensino Superior do Amapá - CEAP.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RIBEIRO JÚNIOR, Orlando Carvalho. A responsabilidade solidária entre partidos e candidatos nas prestações de contas de eleição. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3158, 23 fev. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21127. Acesso em: 22 dez. 2024.

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