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Ilegalidade da retenção tributária nos contratos administrativos de prestação de serviços firmados com ME e EPP beneficiárias do Simples Nacional

23/02/2012 às 13:38
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A Administração Pública contratante deve abster-se de aplicar aos beneficiários do Simples nacional as retenções previdenciárias e de imposto de renda de pessoa jurídica.

Palavras-chave: Direito Constitucional, Administrativo e Empresarial. Contratos administrativos de prestação de serviços e substituição tributária. Incompatibilidade com o sistema de recolhimento do Simples Nacional.

Sumário: 1 Introdução - 2 A previsão constitucional do estabelecimento e a definição de tratamento diferenciado e favorecido às ME e EPP - 2.1 A regulamentação de obrigações pela Lei Complementar n. 123, de 2006: simples nacional - 2.2 SIMPLES federal e sua distinção com o Simples nacional - 2.3 Extinção do Simples federal pela Lei Complementar n. 123, de 2006 - 2.4 Microempresa e empresa de pequeno porte: definição legal - 2.5 Do regime especial unificado de arrecadação de tributos e contribuições - 2.6 Opção pelo Simples Nacional: ampliação do enquadramento e interpretação benéfica - 2.7 Periodicidade e meio de recolhimento tributário: DAS – documento de arrecadação do simples nacional  - 2.8 A contribuição patronal previdenciária para a seguridade social - 3 Contratos administrativos de prestação de serviços e retenção da alíquota de 11% pela administração pública - 4 Retenção tributária determinada pela Lei n. 8.212, de 1991, e normas posteriores - 4.1 Retenção tributária previdenciária e incompatibilidade com o regime do simples nacional - 4.2 Manifestação dos tribunais pátrios: princípio da especialidade e incompatibilidade técnica da retenção previdenciária com o regime do Simples - 5 Instrução Normativa RFB n. 765, de 2007, e o IRPF - 6 Conclusões – 7 Referências


1 INTRODUÇÃO

Ante a padronização de instrumentos convocatórios (editais e anexos), comumente se visualiza nas minutas de contratos a serem firmados, em especial nas cláusulas referentes aos pagamentos de contratos administrativos voltados à prestação de serviços - ainda que se trate de ME ou EPP optante e beneficiária do Simples Nacional - a previsão de que haverá retenção pela Administração Pública, na nota fiscal ou fatura respectiva, de valores no importe de 11% (onze por cento), a título de contribuição patronal previdenciária, por exigência legal, que, em sua grande maioria, refere-se à Lei n. 8.212, de 1991, e alterações, bem como do imposto de renda de pessoa jurídica.

De outra banda, a Lei Complementar n. 123, de 2006, ao instituir o Simples Nacional, propiciou aos seus destinatários sistemática própria e simplificada de recolhimento de tributos, que, em regra, se apresenta mais benéfica.

Desse aparente conflito normativo emerge a importância do presente trabalho que, permeando os dispositivos legais e constitucionais aplicáveis à espécie, além da orientação dos tribunais pátrios, conclui pelo desacerto da conduta administrativa que prevê, nos contratos de prestação de serviços, retenção tributária aos beneficiários do Simples nacional.


2 A previsão constitucional do estabelecimento e a definição de tratamento diferenciado e favorecido às ME e EPP

A Constituição da República Federativa do Brasil, em seu artigo 146, III, “d”, dispõe caber à lei complementar estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre definição de tratamento diferenciado e favorecido para as microempresas e para as empresas de pequeno porte, com vistas a simplificar ou eliminar suas obrigações administrativas, tributárias, previdenciárias e creditícias, podendo, ainda, referida lei complementar instituir um regime único de arrecadação dos impostos e contribuições da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:

Art. 146. Cabe à lei complementar:

[...]

d) definição de tratamento diferenciado e favorecido para as microempresas e para as empresas de pequeno porte, inclusive regimes especiais ou simplificados no caso do imposto previsto no art. 155, II, das contribuições previstas no art. 195, I e §§ 12 e 13, e da contribuição a que se refere o art. 239.

Parágrafo único. A lei complementar de que trata o inciso III, d, também poderá instituir um regime único de arrecadação dos impostos e contribuições da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios [...]

2.1 A regulamentação de obrigações pela Lei Complementar n. 123, de 2006: simples nacional

Por sua vez, a Lei Complementar n. 123/2006 - republicada em atendimento ao disposto no art. 5º da Lei Complementar nº 139, de 10 de novembro de 2011 -  bem como Resolução do Comitê Gestor do Simples Nacional estabelecem disposições para a regulamentação das referidas obrigações, tais como forma de enquadramento, alíquotas, forma de cálculo do imposto, prazos de recolhimento, entre outras, no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

Referida Lei Complementar, denominada Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte, alterando dispositivos da Lei n. 9.317, de 1996, cumpriu o ditame constitucional ao estabelecer, por lei complementar, normas gerais em matéria de legislação tributária acerca da definição do tratamento diferenciado e favorecido, disposto como Simples Nacional.

2.2 Simples federal e sua distinção com o Simples nacional

Na lição de Alexandrino[1], o SIMPLES federal não guarda relação com o Simples nacional precedentemente esboçado, porque o SIMPLES – Sistema Integrado de Pagamento de Impostos e Contribuições das Microempresas (ME) e das Empresas de Pequeno Porte (EPP) – é um regime de tributação simplificada e favorecida instituído pela União, por intermédio da Lei n. 9.317, de 1996, além do que abrange boa parte dos tributos federias e, alguns casos, tributos estaduais e municipais, como o ICMS e ISS, se houver convênio para tanto.

Nada obstante, o Simples federal – instituído pela Lei n. 9.317, de 1996, teve por supedâneo o art. 179 da CRFB, de 1998, o qual prevê que a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios dispensarão às ME e às EPP tratamento jurídico diferenciado, visando a incentivá-las pela simplificação de suas obrigações administrativas, tributárias, previdenciárias e creditícias, ou pela eliminação ou redução destas por meio de lei.

Nesse vértice, o Simples federal foi instituído por lei ordinária, com esteio no art. 179 da CRFB, aplicando-se especificamente à União, salvante nas hipóteses em que houver convênio com Estados e Municípios para inclusão de ICMS e ISS, ao passo que o Simples nacional prevê instituição de um regime favorecido às ME e EPP em âmbito nacional, tendo, ainda, por esteio o art. 146, III, “d” da CRFB, de 1988.

2.3 Extinção do Simples federal pela Lei Complementar n. 123, de 2006

O Simples federal, aprovado pela Lei n. 9.317, de 5.12.1996, foi extinto em 1.7.2007, conforme disposto no art. 89 da Lei Complementar n. 123, de 14.12.2006,[2] a qual instituiu o novo regime para as microempresas e empresas de pequeno porte denominado Simples Nacional.

2.4 Microempresa e empresa de pequeno porte: definição legal

Consideram-se microempresas ou empresas de pequeno porte[3], a sociedade empresária, a sociedade simples, a empresa individual de responsabilidade limitada e o empresário a que se refere o art. 966 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), devidamente registrados no Registro de Empresas Mercantis ou no Registro Civil de Pessoas Jurídicas, conforme o caso, desde que I - no caso da microempresa, aufira, em cada ano-calendário, receita bruta igual ou inferior a R$ 360.000,00 (trezentos e sessenta mil reais); e II - no caso da empresa de pequeno porte, aufira, em cada ano-calendário, receita bruta superior a R$ 360.000,00 (trezentos e sessenta mil reais) e igual ou inferior a R$ 3.600.000,00 (três milhões e seiscentos mil reais).

2.5 Do regime especial unificado de arrecadação de tributos e contribuições

Encontram-se abrangidos pelo Simples Nacional impostos e contribuições da competência da União, dos Estados, do Distrito Federal e Municípios, a saber: I - Imposto sobre a Renda da Pessoa Jurídica - IRPJ; II - Imposto sobre Produtos Industrializados - IPI, observado o disposto no inciso XII do § 1º do art. 13 da LC 123, de 2006[4]; III - Contribuição Social sobre o Lucro Líquido - CSLL; IV - Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social - COFINS[5]; V - Contribuição para o PIS/Pasep[6]; VI - Contribuição Patronal Previdenciária - CPP para a Seguridade Social, a cargo da pessoa jurídica, de que trata o art. 22 da Lei no 8.212, de 24 de julho de 1991, exceto no caso da microempresa e da empresa de pequeno porte que se dedique às atividades de prestação de serviços referidas no § 5º-C do art. 18 da LC 123, de 2006;  VII - Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e Sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação - ICMS; VIII - Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza - ISS.

2.6 Opção pelo Simples Nacional: ampliação do enquadramento e interpretação benéfica

Houve previsão expressa no art. 17 da LC 123, de 2006, das pessoas jurídicas proibidas de gozarem dos benefícios do Simples Nacional.

Assim, não poderão recolher os impostos e contribuições na forma do Simples Nacional a microempresa ou a empresa de pequeno porte: I - que explore atividade de prestação cumulativa e contínua de serviços de assessoria creditícia, gestão de crédito, seleção e riscos, administração de contas a pagar e a receber, gerenciamento de ativos (asset management), compras de direitos creditórios resultantes de vendas mercantis a prazo ou de prestação de serviços (factoring); II - que tenha sócio domiciliado no exterior; III - de cujo capital participe entidade da administração pública, direta ou indireta, federal, estadual ou municipal; IV - (REVOGADO) V - que possua débito com o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, ou com as Fazendas Públicas Federal, Estadual ou Municipal, cuja exigibilidade não esteja suspensa; VI - que preste serviço de transporte intermunicipal e interestadual de passageiros; VII - que seja geradora, transmissora, distribuidora ou comercializadora de energia elétrica; VIII - que exerça atividade de importação ou fabricação de automóveis e motocicletas; IX - que exerça atividade de importação de combustíveis; X - que exerça atividade de produção ou venda no atacado de:  a) cigarros, cigarrilhas, charutos, filtros para cigarros, armas de fogo, munições e pólvoras, explosivos e detonantes; b) bebidas a seguir descritas: 1 - alcoólicas; 2 - refrigerantes, inclusive águas saborizadas gaseificadas; 3 - preparações compostas, não alcoólicas (extratos concentrados ou sabores concentrados), para elaboração de bebida refrigerante, com capacidade de diluição de até 10 (dez) partes da bebida para cada parte do concentrado; 4 - cervejas sem álcool; XI - que tenha por finalidade a prestação de serviços decorrentes do exercício de atividade intelectual, de natureza técnica, científica, desportiva, artística ou cultural, que constitua profissão regulamentada ou não, bem como a que preste serviços de instrutor, de corretor, de despachante ou de qualquer tipo de intermediação de negócios; XII - que realize cessão ou locação de mão-de-obra; XIII - que realize atividade de consultoria; XIV - que se dedique ao loteamento e à incorporação de imóveis. XV - que realize atividade de locação de imóveis próprios, exceto quando se referir a prestação de serviços tributados pelo ISS. XVI - com ausência de inscrição ou com irregularidade em cadastro fiscal federal, municipal ou estadual, quando exigível.

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A par de permitir a opção pelo Simples de outras atividades (§1º do art. 17), o §2º do art. 17 da LC n. 123, de 2006, imprimiu interpretação benéfica, permitindo o enquadramento de todas aquelas demais empresas que se dediquem à prestação de outros serviços que não tenham sido objeto de vedação expressa da mencionada Lei Complementar.

Os tribunais têm orientado e reconhecido a interpretação benéfica, acatando o enquadramento, o que pode ser observado nos julgados seguintes, ainda que objetivamente versem sobre o Simples federal e não sobre o Simples nacional, verbis:

SIMPLES. ARTIGO 179 DA CF/1988. LEI N. 9.317/1996. ARTIGO 9º. ATIVIDADES EXCLUÍDAS. NÃO ENQUDRAMENTO. O Sistema Integrado de Pagamento de Impostos e Contribuições das Microempresas e das Empresas de Pequeno Porte – SIMPLES foi instituído pela Lei n. 9.317/1996, com base em disposição contida no artigo 179 da Constituição Federal de 1998.

O artigo 179 da Constituição Federal de 1988 que prevê tratamento diferenciado às microempresas e às empresas de pequeno porte “visando a incentivá-las pela simplificação de suas obrigações administrativas, tributárias, previdenciárias e creditícias, ou pela eliminação ou redução destas por meio de lei” bem como remete ao legislador ordinário a competência para definir o que seja microempresa e empresa de pequeno porte.

Nada impede que a Lei n. 9.317/1996, diploma legal disciplinador da matéria, defina em seu artigo 9º as atividades a serem excluídas do benefício em questão. Nessa situação, não há falar em afronta ao artigo 179 da Constituição Federal de 1988, nem ao princípio constitucional da isonomia pelo artigo 9º da Lei n. 9.317/1996.

O objeto social da empresa é “Agenciamento de Carga Aérea e Serviços auxiliares do Transporte Aéreo”. Tal atividade não está expressamente prevista no artigo 9º da Lei n. 9.317/1996, nem é assemelhada àquela exercida por corretor, não estando a empresa impedida de participar do SIMPLES. (APELAÇÃO CÍVEL n. 2006.72.01.000862-4/SC, Rel. Vilson Darós, DJ 09/01/2008)

TRIBUTÁRIO. SISTEMA INTEGRADO DE PAGAMENTO DE IMPOSTOS E CONTRIBUIÇÕES (SIMPLES). MANDADO DE SEGURANÇA. AGÊNCIAS DOS CORREIOS. CONTRATO DE FRANQUIA. DIREITO DE OPÇÃO PELO SIMPLES.

1. O art. 9º, inc. XIII, da Lei 9.317/96 não ofende o princípio constitucional da isonomia.

2. A atividade exercida pela empresa, qual seja a prestação de serviços postais mediante contrato de franquia firmado com a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos -EBCT, não se insere na expressão 'assemelhados' constante do inc. XIII do art. 9º referido, que estabelece vedações à inscrição de determinadas empresas no Sistema Integrado de Pagamento de Impostos e Contribuições das Microempresas e Empresas de Pequeno Porte -SIMPLES.

3. Franqueadora de serviços da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos - ECT, não se assemelha à representação comercial.

4. Vedação de analogia in malam partem, máxime porque o sistema tributário admite interpretação benéfica.

5. Recurso Especial não conhecido (Súmulas n.ºs 05 e 07, do STJ)

2.7 Periodicidade e meio de recolhimento tributário: DAS – documento de arrecadação do simples nacional

No que alude à periodicidade e ao meio de recolhimento tributário, as optantes e beneficiárias do Simples Nacional recolherão mensalmente e o farão por intermédio de um documento único de arrecadação, denominado DAS – Documento de Arrecadação do Simples Nacional[7].

2.8 A contribuição patronal previdenciária para a seguridade social

Consoante se pode observar, a CPP – contribuição patronal previdenciária para a seguridade social – encontra-se abrangida pelo regime especial unificado de arrecadação de tributos e contribuições, salvo se a ME ou EPP dedicar-se à construção de imóveis e obras de engenharia em geral, inclusive sob a forma de subempreitada, execução de projetos e serviços de paisagismo, decoração de interiores, além de serviço de vigilância, limpeza ou conservação, hipóteses em que não gozará da tributação especial trazida pelo Simples Nacional e sim se sujeitarão à legislação prevista para os demais contribuintes ou responsáveis.


3 Contratos administrativos de prestação de serviços e retenção da alíquota de 11% pela administração pública

Não raras vezes e ante a padronização de instrumentos convocatórios (editais e anexos), visualiza-se nas minutas de contratos a serem firmados, em especial nas cláusulas referentes aos pagamentos de contratos administrativos voltados à prestação de serviços - ainda que se trate de ME ou EPP optante e beneficiária do Simples nacional - a previsão de que haverá retenção, na nota fiscal ou fatura respectiva, de valores no importe de 11% (onze por cento) por imperativos legais, em sua grande maioria, referindo-se à Lei n. 8.212, de 1991, a qual fora modificada por diversos atos normativos.


4 Retenção tributária determinada pela Lei n. 8.212, de 1991, e normas posteriores

É certo que a Lei n. 8.212, de 1991, em seu art. 31,[8] estabelece hipótese de retenção tributária aplicável à empresa contratante de serviços executados mediante cessão de mão-de-obra, cujos valores deverão destacados na nota fiscal ou fatura de prestação de serviços e que, inclusive, serão compensados pela empresa cedente quando do recolhimento das contribuições destinadas à seguridade social devidas sobre a folha de pagamento dos seus segurados que realizem serviços contínuos, relacionados ou não com a atividade-fim da empresa, quaisquer que sejam a natureza e a forma de contratação.

Art. 31.  A empresa contratante de serviços executados mediante cessão de mão de obra, inclusive em regime de trabalho temporário, deverá reter 11% (onze por cento) do valor bruto da nota fiscal ou fatura de prestação de serviços e recolher, em nome da empresa cedente da mão de obra, a importância retida até o dia 20 (vinte) do mês subsequente ao da emissão da respectiva nota fiscal ou fatura, ou até o dia útil imediatamente anterior se não houver expediente bancário naquele dia, observado o disposto no § 5º do art. 33 desta Lei.[9]

§ 1º  O valor retido de que trata o caput, que deverá ser destacado na nota fiscal ou fatura de prestação de serviços, será compensado pelo respectivo estabelecimento da empresa cedente da mão-de-obra, quando do recolhimento das contribuições destinadas à Seguridade Social devidas sobre a folha de pagamento dos segurados a seu serviço.[10]

4.1 Retenção tributária previdenciária e incompatibilidade com o regime do simples nacional

Contudo, tais dispositivos são inaplicáveis aos optantes e beneficiários do Simples nacional, porquanto a LC n. 123, de 2006, concretiza e veicula princípio constitucional estampado no art. 146, inciso III, da CRFB, de 1998, conforme já transcrito, além de revelar norma especial que, por óbvio, afasta a norma geral trazida pela Lei n. 8.212, de 1991.

Nada obstante, as alíquotas da contribuição previdenciária patronal, referentes às ME e EPP beneficiárias do Simples nacional, trazidas pelos Anexos da LC n. 123, de 2006, são distintas e menores que o patamar de 11% (onze por cento) estabelecido pela Lei n. 8.212, de 1991, motivo pelo que a persistir a retenção tributária pela Administração Pública representa prejuízo a quem o constituinte pretendeu beneficiar.

Por outro vértice, é de se considerar que, havendo a retenção previdenciária, o contratado será apenado com a dupla tributação, eis que terá retida a alíquota de 11%, pela sistemática da Lei n. 8.212, bem como não se desincumbirá de fazê-lo por meio do DAS junto à Secretaria da Receita Federal do Brasil.

Por este regime de arrecadação, é efetuado um pagamento único relativo a vários tributos, sobre cuja base de cálculo incide uma alíquota única, ficando a empresa optante dispensada do pagamento das respectivas contribuições aos entes federados respectivos. Desse modo, o sistema de arrecadação destinado aos optantes do Simples nacional não é compatível com o regime de substituição tributária, rectius, retenção previdenciária, imposto pelo art. 31 da Lei 8.212/91, que constitui outra sistemática de recolhimento daquela mesma contribuição destinada à Seguridade Social.

Em outro prisma, a retenção, pelo tomador de serviços, de contribuição sobre o mesmo título e com a mesma finalidade, na forma imposta pelo art. 31 da Lei 8.212/91 e no percentual de 11%, implica supressão do benefício de pagamento unificado destinado às pequenas e microempresas.

Aplicar a substituição tributária contida na Lei n. 8.212/91 aos beneficiários do Simples nacional é laborar contra a Lei e a Constituição da República Federativa do Brasil.

4.2 Manifestação dos tribunais pátrios: princípio da especialidade e incompatibilidade técnica da retenção previdenciária com o regime do Simples

Conquanto voltado ao Simples federal, extrai-se o alcance dos julgados de tribunais brasileiros que ancoram a incompatibilidade da retenção previdenciária, lastreada em substituição tributária, com a sistemática de recolhimento do Simples nacional:

TRF 5ª Região – 1ª Turma - DJE – 3.12.2010 – p. 748

TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. RETENÇÃO 11%. SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA. ARTIGO 31 DA LEI Nº 8.212/91, MOFICADO PELA LEI Nº 9.711/98. INCOMPATIBILIDADE COM O REGIME DO SIMPLES, INSTITUÍDO PELA LEI Nº 9.317/96. COMPENSAÇÃO DOS VALORES RETIDOS INDEVIDAMENTE. POSSIBILIDADE. 1. "A Lei 9.317/96 instituiu tratamento diferenciado às microempresas e empresas de pequeno porte, simplificando o cumprimento de suas obrigações administrativas, tributárias e previdenciárias mediante opção pelo SIMPLES - Sistema Integrado de Pagamento de Impostos e Contribuições. Por este regime de arrecadação, é efetuado um pagamento único relativo a vários tributos federais, cuja base de cálculo é o faturamento, sobre a qual incide uma alíquota única, ficando a empresa optante dispensada do pagamento das demais contribuições instituídas pela União (art. 3º, § 4º). 2. O sistema de arrecadação destinado aos optantes do SIMPLES não é compatível com o regime de substituição tributária imposto pelo art. 31 da Lei 8.212/91, que constitui "nova sistemática de recolhimento" daquela mesma contribuição destinada à Seguridade Social. A retenção, pelo tomador de serviços, de contribuição sobre o mesmo título e com a mesma finalidade, na forma imposta pelo art. 31 da Lei 8.212/91 e no percentual de 11%, implica supressão do benefício de pagamento unificado destinado às pequenas e microempresas. 3. Aplica-se, na espécie, o princípio da especialidade, visto que há incompatibilidade técnica entre a sistemática de arrecadação da contribuição previdenciária instituída pela Lei 9.711/98, que elegeu as empresas tomadoras de serviço como responsáveis tributários pela retenção de 11% sobre o valor bruto da nota fiscal, e o regime de unificação de tributos do SIMPLES, adotado pelas pequenas e microempresas (Lei 9.317/96). (...)

TRF 1ª REGIÃO – 7ª Turma – eDJF – 8.4.2011, p. 291

PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. SENTENÇA CONCESSIVA DA SEGURANÇA. DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO. INCOMPATIBILIDADE DA LEI 9.317/96 COM O ART. 31 DA LEI 8.212/91, NA REDAÇÃO DADA PELA LEI 9.711/98, POSTERIORMENTE ALTERADA PELA LEI 11.488/07. RETENÇÃO DE 11% SOBRE NOTA FISCAL OU FATURA. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA DAS EMPRESAS PRESTADORAS DE SERVIÇO OPTANTES PELO SIMPLES. PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE. (...) 2. O sistema de arrecadação a que se submetem as empresas optantes pelo SIMPLES - Sistema Integrado de Pagamento de Impostos e Contribuições das Microempresas e Empresas de Pequeno Porte - não é compatível com o regime de substituição tributária imposto pelo art. 31 da Lei n.º 8.212/91, com redação dada pela Lei n.º 9.711/98, posteriormente alterada pela Lei n.º 11.488/07, mediante retenção de 11% sobre as notas fiscais/faturas de serviço. 3. As empresas enquadradas no SIMPLES pagam seus tributos em parcela única e simplificada, previsto na Lei n.º 9.317/96, com parcela unificada dos impostos citados nas alíneas de "a" a "f" do §1º do seu artigo 3º, incluindo as contribuições para a Seguridade Social. Gozam de tratamento favorecido destinado as empresas de Pequeno Porte e Microempresas, em consonância com a previsão constitucional do art. 170, IX, e do art.179 da Carta de 1988 (AGA n. 918369, Rel.: Ministro José Delgado, in DJU de 8-11-2007, p. 197 e AMS 2006.38.03.008687-9/MG, Rel.: Desembargador Federal Catão Alves, in e-DJF1 de 27-6-2008, p. 291). 4. A lei instituidora do SIMPLES - n.º 9.317/96 - é especial em relação à nova redação da Lei do Custeio, devendo no caso ser observado o princípio da especialidade. Jurisprudência pacífica do colendo Superior Tribunal de Justiça e deste Tribunal (REsp. 511001/MG, Rel.: Ministro Franciulli Netto, in DJU de 10-5-2004, p. 227 e AG 2008.01.0.005741-9/MT, Rel.: Desembargador Federal Luciano Tolentino Amaral, e-DJF1 de 20-6-2008, p. 280). 5. A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) julgou, conforme o rito do recurso repetitivo, processo que questionava a isenção da retenção de 11% do valor bruto da nota fiscal ou fatura de prestação de serviço pelas empresas optantes pelo Simples - Sistema Integrado de Pagamento de Imposto e Contribuições das Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (REsp 1112467 / DF, Relator(a) Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, Órgão Julgador S1 - PRIMEIRA SEÇÃO, DJe 21/08/2009). 6. Anoto, por oportuno, que, no caso concreto, a Fazenda Nacional não se desincumbiu de trazer aos autos prova de que a impetrante se dedica à cessão ou locação de mão-de-obra, o que a enquadraria no rol de vedação à opção ao SIMPLES. Na verdade, infere-se, por meio da leitura da 1ª Alteração Contratual da autora, que se trata de empresa prestadora de serviços (objeto social: fabricação, montagem, manutenção, gestão, projetos e planejamento industrial). 7. Apelação e remessa oficial, tida por interposta, improvidas. Sentença mantida.


5 Instrução Normativa RFB n. 765, de 2007, e o IRPF

No que alude ao IRPF, desnecessário o esforço interpretativo até aqui empreendido, porquanto a Secretaria de Receita Federal do Brasil baixou a Instrução Normativa RFB n. 765, de 2 de agosto de 2007, que dispensa a retenção do imposto de renda na fonte sobre as importâncias pagas ou creditadas a pessoa jurídica inscrita no Regime Especial Unificado de Arrecadação de Tributos e Contribuições devidos pelas Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Simples Nacional).


6 CONCLUSÕES

Conclui-se, portanto, que:

I) os impostos e contribuições da competência da União, dos Estados, do Distrito Federal e Municípios, abrangidos pelo Simples Nacional, serão recolhidos mensalmente por intermédio de documento único de arrecadação denominado Documento de Arrecadação do Simples Nacional – DAS;

II) a retenção de contribuição previdenciária no importe de 11%, a título de substituição tributária, com esteio no artigo 31 da Lei n. 8.212/91, modificado pelos atos normativos - Lei n. 9.711, de 1998, Medida Provisória n. 351, de 2007, Lei n. 11.488, de 2007, Medida Provisória n. 447, de 2008, e Lei n. 11.933, de 2009 - é incompatível com a sistemática de recolhimento simplificado do Simples nacional;

III) a Instrução Normativa RFB n. 765, de 2 de agosto de 2007, dispensa a retenção do imposto de renda na fonte sobre as importâncias pagas ou creditadas a pessoa jurídica inscrita no Regime Especial Unificado de Arrecadação de Tributos e Contribuições devidos pelas Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Simples Nacional);

IV) o aparente conflito normativo deve ser solvido à luz do princípio da especialidade;

V) a Administração Pública contratante deve abster-se de aplicar aos beneficiários do Simples nacional as retenções previdenciárias e de imposto de renda de pessoa jurídica sob pena de agir em descompasso com a vontade legislativa e constitucional.


7 REFERÊNCIAS

ALEXANDRINO, Marcelo e PAULO, Vicente. Manual de direito tributário. 3ª ed. Rio de Janeiro. Impetus, 2006.

AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. 12ª ed. São Paulo. Saraiva, 2006.

COELHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro. 9ª ed. Rio de Janeiro. Forense, 2008.

www.planalto.gov.br

www.cjf.jus.br

www.receita.fazenda.gov.br


Notas

[1] Alexandrino, Marcelo e Paulo, Vicente. Manual de direito tributário. 3ª ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2006, p. 105.

[2] Art. 89. Ficam revogadas, a partir de 1o de julho de 2007, a Lei nº 9.317, de 5 de dezembro de 1996, e a Lei nº 9.841, de 5 de outubro de 1999.

[3] Lei Complementar n. 123, art. 3º.

[4] § 1º  O recolhimento na forma deste artigo não exclui a incidência dos seguintes impostos ou contribuições, devidos na qualidade de contribuinte ou responsável, em relação aos quais será observada a legislação aplicável às demais pessoas jurídicas: (...) XII - Contribuição para o PIS/Pasep, Cofins e IPI incidentes na importação de bens e serviços;

[5] Idem

[6] Idem

[7] Conforme art. 13 da LC n. 123, de 2006, e art. 2º da Resolução CGSN (Comitê Gestor do Simples Nacional) n. 11, de 23 de julho de 2007.

[8] A redação sofreu sucessivas alterações, em especial pela Lei n. 9.711, de 1998, Medida Provisória n. 351, de 2007, Lei n. 11.488, de 2007, Medida Provisória n. 447, de 2008, e Lei n. 11.933, de 2009.

[9] Redação dada pela Lei nº 11.933, de 2009.

[10] Redação dada pela Lei nº 9.711, de 1998.

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Sobre o autor
Elias Higino dos Santos Neto

Advogado da União. Chefe da Divisão de Legislação Aplicada e Estudos Normativos da Consultoria Jurídica no Ministério da Saúde. Especialista em direito processual pela Universidade do Sul de Santa Catarina. Pós-graduado em direito público pela Faculdade Processus - Brasília. É autor de vários artigos jurídicos. Foi Coordenador Substituto de Procedimentos Licitatórios e Negócios Jurídicos da Consultoria Jurídica no Ministério da Saúde, Técnico Judiciário na Seção Judiciária do Distrito Federal e Analista Judiciário Executante de Mandados no Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS NETO, Elias Higino. Ilegalidade da retenção tributária nos contratos administrativos de prestação de serviços firmados com ME e EPP beneficiárias do Simples Nacional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3158, 23 fev. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21137. Acesso em: 26 abr. 2024.

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