A morte do Governador MÁRIO COVAS precipitou uma série de acontecimentos de natureza política e jurídica e, neste particular, destaca-se o debate que está sendo travado a respeito da possibilidade de GERALDO ALCKIMIN, hoje no exercício efetivo do cargo de Governador do Estado de São Paulo, de se candidatar ao mesmo cargo nas próximas eleições.
O instituto da reeleição é fato recente em nosso constitucionalismo, pois, tradicionalmente, impedia-se a reeleição para os cargos executivos (Presidente da República, Governador e Prefeito).
Entretanto, com a edição da Emenda Constitucional de n. 16, de 04 de junho de 1997, a tradição foi deixada de lado.
A aprovação dessa emenda constitucional foi resultado de uma renhida luta política entre os partidários do Presidente Fernando Henrique Cardoso e seus adversários.
Várias vozes, fora do parlamento, também se posicionaram contra, merecendo ser relembrada a aversão que devotou o falecido político e jornalista pernambucano, BARBOSA LIMA SOBRINHO que, escudado em sua reconhecida retidão moral e longevidade, atacou, sistemáticamete, a idéia da reeleição.
A imprensa, os políticos e juristas que se manifestaram sobre o tema, enquanto tramtitava a proposta de emenda constitucional, fundamentavam suas discordâncias com o instituto seja em função da impossibilidade da Constituição ser alterada neste ponto, por se encontrar entre as cláusulas pétreas segundo uns poucos e, principalmente, por questões de natureza política, sob o argumento de que a nação não estaria preparada para esse evento, pois a corrupção alcançaria níveis escandolosos, etc...
Na época me interessei pelo assunto e vi que os estudiosos das constituições passadas tinham a impossibilidade da reeleição como uma proibição tão acertada que sequer cogitavam em sentido contrário. Outro pernambucano, JOÃO BARBALHO, comentando a Constituição de 1891, sustentou seu ponto de vista contrário à reeleição nos mesmos moldes que BARBOSA LIMA SOBRINHO e outros fizeram mais recentemente. Dizia BARBALHO que "admitir o Presidente candidato é expor o eleitorado à pressão, corrupção e fraude, na mais larga escala. Já de sí, a eleição presidencial engendra, no país, agitação não pequena e temerária, e o que não se dará, quando o candidato for homem que dispõe da maior soma de poder e força, por sua autoridade, pelos vastos recursos que pode pôr em ação, para impor sua reeleição? E que perturbação na administração pública e que enormes prejuízos para o povo?" Como já disse, as mesmas perguntas e desconfianças foram lançadas pelos opositores mais recentes da idéia, entretanto, o Presidente e seus aliados venceram a batalha legislativa e, logo em seguida, como é por todos sabido, venceu, mais uma vez, as eleições para a Presidência.
É bom relembrar, também, que se cogitou em restringir a possibilidade de reeleição aos cargos de Presidente e Governador, deixando de fora os Prefeitos, porém isso não foi o que se sucedeu de fato.
Setores da oposição, à época da tramitação da proposta, defenderam a idéia, de que se convocasse plebiscito acerca da questão, mas o resultado é este que sabemos: aprovou-se a emenda dando-se direito a todos os ocupantes dos cargos executivos das entidades federativas e, inclusive seus respectivos vices, de disputarem a reeleição.
Na prática, as denúncias de corrupção, tão temidas antigamente por JOÃO BARBALHO e mais recentemente por BARBOSA LIMA SOBRINHO, serviram, regra geral, para impedir a reeleição de candidatos suspeitos aos olhos do povo. Os ocupantes dos cargos executivos que tiveram suas administrações apoiadas pela maioria da população e se lançaram à reeleição, foram consagrados novamente pelos eleitores, salvo raras execeções, como por exemplo, o caso de ROBERTO MAGALHÃES que tinha boa aprovação popular e, entretanto, perdeu, embora por pequena margem de votos, a batalha da reeleição para JOÃO PAULO, candidato do PT.
O mundo não caiu, como esperavam as oposições.
O povo teve oportunidade de desapear do poder àqueles que tinham tido um trato desastroso com a coisa pública e resolveu reconduzir os que tiveram sua aprovação.
Agora, passo a examinar a questão que motivou o presente artigo.
Diz o texto constitucional:
"Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos e, nos termos da lei, mediante:
.................
.................
.................
§ 5. O Presidente da República, os Governadores de Estado e do Distrito Federal, os Prefeitos e quem os houver sucedido ou substituído no curso do mandato poderão ser reeleitos para um único período subsequente.".
O texto, aparentemente, é bastante claro: permite-se a reeleição do Presidente, do Governador e dos Prefeitos e de seus respectivos vices. Diz, também, a Constituição, no § 6., que para concorrerem a outros cargos, o Presidente, o Governador e os Prefeitos devem renunciar aos respectivos mandatos até seis meses antes do pleito, é a chamada desincompatibilização.
No caso de GERALDO ALCKIMIN, ele foi eleito vice-governdar na chapa do falecido Governador MÁRIO COVAS, por duas vezes. Agora, está no exercício efetivo do Governo de São Paulo e a pergunta é a seguinte: Poderá ele se candidatar ao cargo de Governador de São Paulo, nas próximas eleições?
Ouvi na televisão dizerem que o Professor CELSO BASTOS, havia declarada que ALCKIMIN seria inelegível. Na mesma emissora de tv, REDE GLOBO, outro jurista paulista, SÉRGIO RESENDE DE BARROS, afirmou o contrário.
Não vai ser fácil os Tribunais decidirem a questão, acaso realmente ALCKIMIN resolva se candidatar e seja escolhido pelo seu partido ou coligação partidária. Não será fácil porque não temos precedentes em nossa história política, não há jurisprudência e a doutrina é muito escassa.
Desatar esse nó vai exigir da Justiça Eleitoral senso prático e interpretação acertada da Constituição.
O Direito Constitucional requer regras específicas para seu entendimento, sua interpretação. Uma dessas regras, ou melhor princípios de interpretação constitucional, obrigam o operador jurídico a esquecer a legislação constitucional anterior, bem assim como a legislação infraconstitucional precedente. Antes da EC n. 16/97 não se permitia a reeleição e, portanto, a regra era a de quem substituisse o titular, não poderia se candidatar como seu sucessor. Esse era o regramente constitucional anterior. Agora, não, modificou-se totalmente, pois se permite que titular dispute a reeleição, bem assim como o vice e, inclusive que este se candidate ao cargo do titular. Voltando a questão dos princípios de interpretação constitucional, é conhecido o princípio da IMPERATIVIDADE DA NORMA CONSTITUCIONAL, pelo qual a norma constitucional tem de ser entendida de forma imperativa, de ordem pública, porque emana da vontade popular, daí porque o intérprete deve lhe conferir a mais ampla extensão possível, rejeitando-se a tendência de interpretá-la com os olhos e fundamentos da legislação anterior. Isto obriga-nos a deixar de lado o regramento anterior e procurar o verdadeiro sentido da norma constitucional atual.
E qual será este sentido?
O mais amplo possível, ou seja, a Constituição permite a reeleição do titular e do vice, inclusive quando este pretender disputar o cargo do titular, mesmo que lhe tenha subsituido de forma eventual ou efetiva. Afinal, de contas, o Direito Constitucional é político e, do ponto de vista político, não foi ALCKIMIN quem disputou as eleições – seu nome sequer apareceu na urna eletrônica – e sim MÁRIO COVAS. Quem disputa a eleição, é o titular e até o mais ignorante dos eleitores sabe disso, não sendo razoável que os tribunais desconheçam essa realidade e façam letra morta do dispositivo constitucional.
Alguns vão dizer que ALCKIMIN é o Governador efetivo e não de forma eventual. É verdade, porém não foi ele quem disputou as duas eleições. Ele não foi eleito para o cargo de Governador, e sim MÁRIO COVAS. Portanto, no meu modesto entendimento, ALCKIMIN estará, acaso seja candidato, disputando a primeira eleição para Governador do Estado de São Paulo e, portanto, é ELEGÍVEL.
Somente assim, estará se fazendo valer o princípio da imperatividade da norma constitucional.