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Análise das ações afirmativas à luz do princípio da igualdade

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25/02/2012 às 09:46
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As ações afirmativas objetivam maior convivência com a diversidade; eliminar o racismo institucional e as barreiras artificiais e invisíveis; reparar danos causados a grupos no passado e no presente; concretizar o princípio do pluralismo; criar personalidades emblemáticas; e fortalecer a consciência de que pertencemos todos a uma comunidade política comum.

As ações afirmativas objetivam maior convivência com a diversidade; eliminar o racismo institucional e as barreiras artificiais e invisíveis; reparar danos causados a grupos no passado e no presente; concretizar o princípio do pluralismo; criar personalidades emblemáticas; e fortalecer a consciência de que pertencemos todos a uma comunidade política comum.

Sumário: 1 INTRODUÇÃO. 2 IGUALDADE FORMAL E IGUALDADE SUBSTANCIAL. 3 AÇÃO AFIRMATIVA. 3.1 Origem. 3.2 Conceito. 3.3 Natureza. 3.4 Objetivos . 4. DAS AÇÕES AFIRMATIVAS FRENTE AO PRINCÍPIO DA IGUALDADE. 4.1 Racismo, Preconceito e Discriminação. 4.2 Discriminação legítima e Discriminação ilegítima. 4.3 Análise dos argumentos contrários às Ações afirmativas . 4.4 Análise das ações afirmativas frente ao princípio constitucional da igualdade. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


1. INTRODUÇÃO

As ações afirmativas são políticas, públicas ou privadas, que pretendem neutralizar discriminações. Por meio dessas políticas, disponibilizam-se para um dado grupo desfavorecido, vantagens não extensíveis a outros integrantes da sociedade.

Com efeito, as ações afirmativas são instrumentos, direcionados para as minorias sociais, que objetivam a promoção da igualdade material ou substancial.

Na terminologia do direito europeu, tais ações são denominadas “discriminações positivas”.

Sublinhemos, desde logo, que usaremos o termo “minoria” neste trabalho para qualificar juridicamente os grupos em relação aos quais constatamos, quando comparados a outros, que possuem um "cabedal menor de direitos" assegurados.

Portanto, no enfoque que adotaremos, “maioria” é o grupo dominante, detentor das riquezas e do poder.  Já o termo “minoria”, usaremos para definir grupos com caracteríticas culturais ou físicas desvalorizadas pela sociedade em geral, desencadeando um "processo de exclusão e discriminação".

Nada obsta que uma minoria compreenda um contingente que supera em número o que é tido por maioria. Trata-se, portanto, de conceito que independe de amplitude quantitativa. Simplificando a questão, o critério para identificar as minorias é a vulnerabilidade. 

Constituem-se como minorias no Brasil, grupos relacionados às questões de gênero, idade, etnia/raça, religiosidade, compleição física, além dos homossexuais, portadores de doenças estigmatizantes, os povos indígenas, as comunidades ciganas, entre outros.

São várias as medidas com o intuito de reparar as perdas decorrentes da marginalização desses grupos minoritários. Entre elas, têm-se ações que ocorrem sem causar danos a terceiros, como é o caso da aposentadoria da mulher com menor tempo de contribuição e de idade (arts. 40, § 1º, III, a e b, e 201, § 7º, I e II, CF).

  Há, entretanto, medidas que causam danos a outras pessoas. Isso porque  nestas, o que é dado a alguém, é retirado de outrem. O favorecimento de  uns implica, necessária e imediatamente, a exclusão dos demais.

  Ou seja, o que acontece é que se seleciona uma categoria de pessoas a serem premiadas com certas vantagens, que, se não fossem as discriminações reversas, seriam disputadas por um grupo maior.

 Deste modo, um segmento da população se beneficia, enquanto outro - de qualificação igual ou superior - é preterido.

Tendo isso em vista, muitos são os que se opõem a política de ações afirmativas. Pois, como relatado, ela pode gerar uma “discriminação reversa”.  Esta expressão é muito difundida na doutrina norte-americana.

Uma das formas mais conhecidas da “discriminação reversa” é a quota mínima para participação de minorias raciais, a exemplo das adotadas para ingresso nas Universidades Federais.

Integrantes da maioria, não necessariamente culpados pela discriminação sofrida no passado por grupos minoritários, têm suas oportunidades diminuídas em função da reserva minoritária. Esse raciocínio foi denominado “argumento das pessoas inocentes”, Tal expressão também é oriunda da doutrina norte-americana.

Apesar de admitirmos a existência de um suporte fático das ações afirmativas, precisamos analisar seus limites constitucionais.

Percebemos que, ocorrem medidas de constrição da idéia de igualdade formal para que haja a equiparação de segmentos populacionais excluídos.

O art. 5º, caput, da Constituição, consagra serem todos iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza. Esse princípio isonômico tem duas dimensões, uma formal e outra, material.

Em relação ao ângulo formal, atribui-se a todos, o mesmo valor perante a lei, independente de rasgos peculiares ou condição social. Nessa perspectiva, Juliano Heinen (2007, p. 28) explica que a igualdade consiste no poder de exigir do Estado uma abstenção no que tange ao tratamento desigual fundado em fatores não racionais e não universalizantes.

Essa vertente formal, consagrada no Liberalismo Clássico, é um princípio negativo, pois, veda a discriminação, impedindo que a lei dê tratamento desigual. Porém, Paulo Gustavo Gonet Branco (2003, p. 131-140) adverte que esse princípio negativo não impõe um comportamento concreto, material e útil para a situação de desnível no gozo efetivo de bens e direitos.

Já o princípio isonômico sob o ângulo material, consagrado no Estado Social, é um princípio positivo, isto é, de ação contra as desigualdades e não mera abstenção. Ainda segundo Paulo Gustavo Gonet Branco (2003, p. 131-140), a igualdade material autoriza o Estado a se desviar, ao menos em parte, dos postulados da igualdade formal. Desta forma, o Estado pode gerir interesses, sobrepondo o ideal da igualdade de fato às exigências da igualdade na lei.

Ora, os “tratamentos normativos diferenciados são compatíveis com a Constituição quando verificada uma finalidade razoavelmente proporcional” (MORAES, 2003, p. 181). A maior parte da doutrina compartilha esse entendimento.

Tendo feito essas explicações, entendemos que a constituição permite as chamadas ações afirmativas com base na igualdade material. A grande dificuldade, porém, consiste em identificar até que ponto a desigualdade dessas ações não gera inconstitucionalidade.

Em virtude do exposto, far-se-á um estudo sobre as ações afirmativas e a constitucionalidade delas, analisando que desequiparações podem ser feitas sem ferir o conteúdo jurídico da igualdade.

Precisamos perquirir então, até que ponto o desvio da igualdade formal é admissível para se atender a propósitos de igualdade de fato. Perscrutaremos, dessa forma, a constitucionalidade das ações afirmativas frente às dimensões do princípio da igualdade qual direito fundamental.


2. IGUALDADE FORMAL E IGUALDADE SUBSTANCIAL

No que tange ao processo evolutivo do constitucionalismo moderno, é perceptível que este se deu em duas fases distintas: a do Estado liberal e a do Estado Social.

A ótica contratualista do Estado Liberal surgiu em resposta aos excessos do regime absolutista. O objetivo era combater o absolutismo e, com isso, findar os privilégios, as isenções pessoais, as regalias de classes e as sujeições de uma sociedade estamental. Nesse sentido, Alyson Lendro Mascaro (2002, p.38) afirma:

O Absolutismo, justificado pelo Direito Divino, estabelecendo uma diferença entre os estamentos sociais – nobreza, clero e povo -, impedia o avanço capitalista, à medida que não havia liberdade negocial à classe burguesa, tampouco igualdade de tratamento em relação à nobreza. A burguesia, sendo juridicamente parte do povo, não participava dos privilégios nobres.

Ressalte-se que as necessidades propugnadas nas revoluções liberais foram elaboradas na exata medida dos desejos da burguesia. Buscava-se, portanto, garantir os direitos individuais e liberais, deixando de lado a previsão de direitos de cunho social.

O individualismo fica claro na Petition of Rights (1628), no Bill of Rights (1688), na Declaração de Direitos do Bom Povo da Virgínia (1776) e na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789). Tal visão preconizava que primeiro vinha o indivíduo singular, que tem valor em si mesmo e, só depois, vinha o Estado (BOBBIO, 1992, p. 60).

Nas palavras de Alyson Leandro Mascaro (2002, p. 36-37):

É em função do indivíduo e de seus interesses e direitos fundamentais – entre os quais, asseveram os modernos, o de propriedade – que deve ser posto o Estado, e as leis morais e jurídicas pensadas racionalmente pelo homem devem atender a esse individualismo originário, de igualdade formal entre todos, e em atenção à liberdade individual.

Economicamente, proclamava-se a liberdade negocial, ou seja, a não-intervenção do Estado, permitindo que a “lei da oferta e da procura” regulasse o mercado, em indiscutível aplicação dos ensinamentos de Adam Smith.  A respeito de tal concepção liberal do Estado, pode-se destacar o voto proferido pelo Ministro Celso de Mello, na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 319-4 (Diário da Justiça, Brasília, 30 abr. 1993):

O Estado Liberal caracterizava-se pela neutralidade assumida na cena econômica e social. A doutrina do laissez-faire, laissez-passer conferia base ideológica ao liberalismo econômico. O Estado Liberal, também denominado Estado Mínimo ou Absenteísta, não intervinha na ordem econômica e social.  [...] Dentro dessa concepção estritamente liberal do Estado, insensível ante a questão social, as liberdades clássicas ou negativas tornaram-se conquistas jurídicas e políticas meramente formais.

 Enquanto isso, na área jurídica, reivindicavam-se direitos iguais para todos. Porém, conforme apregoa Flávia Piovesan (2001, p. 1123), o princípio da igualdade aparece “sem qualquer graduação, traduzido em mero princípio de prevalência da lei, isto é, puramente formal”.

No mesmo sentido, Anacleto de Oliveira Faria (1973, p. 48) ensina:

[,,,]a igualdade resultante da legislação revolucionária foi considerada num sentido idealista e absoluto, mas sob um prisma estritamente formal. Isto significava o primado da teses igualitárias, mas unicamente sob o ângulo negativo: da igualdade jurídica ou formal.

Assim, a igualdade significava isonomia perante a lei, estendida a todos os cidadãos, mas de maneira uniforme e abstrata. Ainda que se reconhecessem as desigualdades entre os homens, considerava-se que estas eram sem relevância no âmbito do tratamento jurídico.

Nessa perspectiva, Juliano Heinen explica que a igualdade consistia no poder de exigir do Estado uma abstenção no que tange ao tratamento desigual fundado em fatores não racionais e não universalizantes. Portanto, a todos se atribuía o mesmo valor perante a lei, independente de rasgos peculiares ou condição social.

Essa vertente formal da igualdade, consagrada no Liberalismo Clássico, é um princípio negativo, pois, veda a discriminação, impedindo que a lei dê tratamento desigual. Porém, Gustavo Gonet Branco (2003, p. 131-140) explica que a igualdade formal não impõe um comportamento concreto, material e útil para a situação de desnível no gozo efetivo de bens e direitos.

Note-se que a burguesia, desejosa de conservar seus benefícios de classe, não postulou um regime igualitário com empenho semelhante ao que manifestou na busca da liberdade.  Isso porque o domínio de classes e a continuidade dos privilégios eram à base da democracia liberal burguesa.

Ora, ao não considerar as desigualdades reais, o Estado Liberal criou um sistema iníquo. Nesse sentido, Paulo Roberto de Oliveira Lima (1993, p.14) ensina:

É que aqueles que se batiam pela igualdade, perseguiam-na com tanto afinco, que terminaram por obter sistema iníquo, onde todos eram considerados iguais, a despeito das fundas diferenças que de fato apresentavam. Essa igualdade absoluta, DITA FORMAL, sobre ser utópica, termina por gerar rasgadas injustiças, visto que as desigualdades reais hão de ser consideradas, não para desmerecer e sim para proteger os carentes de discrimine.

Porém, após a primeira guerra mundial e a quebra da bolsa de valores de Nova Iorque, em 1929, o modelo liberal entra em colapso, necessitando da intervenção estatal. Finda, desta forma, a anterior neutralidade e inicia-se, a partir daí, um novo ciclo social-democrático. Passa-se do Estado Liberal para o Estado Social.

O Estado passa a conduzir a economia, inaugurando o dirigismo econômico. Firma-se, portanto, um Estado assistencialista. Conforme Sidney Madruga (2005, p. 34):

A pobreza que assolava a Europa após a 1ª Guerra Mundial e a quebra da bolsa de valores de Nova York, em 1929, são fatores que propiciam o surgimento de um novo ciclo social-democrático, na medida em que a neutralidade estatal mostrava-se, na prática, fomentadora de profundas desigualdades e impotente para resolução de problemas de oredem social e econômica, com evidentes desdobramentos no campo político. É o Estado assistencialista.

 Na área jurídica, ocorre a superação do individualismo jurídico. Isso é perceptível, primeiro, na Constituição Mexicana, de 1917. Tal diploma traz um programa de legislação social com ampla proteção aos menores, às mulheres, à maternidade e ao trabalhador. Porém, o forte caráter nacionalista desse documento fez com que a sua influência sobre outras constituições não fosse tão forte (RUSSOMANO, 1998, p. 192).

Outra manifestação do constitucionalismo social está na Constituição de Weimar de 1919, que garantiu proteção da família, da maternidade e do trabalhador, bem como, a gratuidade de ensino, o direito de propriedade, a reforma agrária e o desenvolvimento econômico baseado em justiça social. Essa Constituição, mais do que a Mexicana, influenciou a cultura ocidental.

Surgiram, assim, outros documentos de natureza constitucional, inspirados na Constituição Alemã, como a Constituição Espanhola de 1931 e a Brasileira de 1934.

Com efeito, o Estado agora possui iniciativa dualista, sendo tanto o Estado do bem-estar social com fins redistributivos, quanto o do desenvolvimento. Desta forma, ele intervém na ordem econômica mediante um instrumental tributário e operações de finanças públicas.

Com o advento do Estado Social, o princípio da igualdade ganha novo contorno, incorporando a igualdade material (MELO, p. 80). O princípio isonômico sob o ângulo material é um princípio positivo, isto é, de ação contra as desigualdades e não mera abstenção. Sublinhe-se que este é um ponto de extrema relevância na democracia, dentro do qual se busca “a igualização dos desiguais pela outorga de direitos sociais substantivos” (SILVA, 2001, p. 210).

Ainda segundo Paulo Gustavo Gonet Branco (2003, p. 131-140), a igualdade material autoriza o Estado a se desviar, ao menos em parte, dos postulados da igualdade formal. Desta forma, o Estado pode gerir interesses, sobrepondo o ideal da igualdade de fato às exigências da igualdade na lei.

Como assinala Alexandre de Moraes (2004, p. 66):

Dessa forma, o que se veda são as diferenciações arbitrárias, as discriminações absurdas, pois, o tratamento desigual, dos casos desiguais, na medida em que se desigualam, é exigência tradicional do próprio conceito de Justiça, pois o que realmente protege são certas finalidades, somente se tendo por lesado o princípio constitucional quando o elemento discriminador não se encontra a serviço de uma finalidade acolhida pelo direito.

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Essa perspectiva mostrou as fases percorridas pelo constitucionalismo ocidental desde a igualdade na visão clássica, passando pela filosófico–liberal até chegarmos, enfim, ao prisma social-democrático.

 Vimos que a igualdade formal pedia a realização do direito existente, sem consideração da pessoa e sem abrir exceções. Já a material, também chamada de substancial, conforme Renata Malta Vilas-Bôas (2003, p. 21), permite “tratamento prioritário e diferenciado àqueles grupos ou pessoas que são carecedoras, [...] em razão de circunstâncias específicas”.

Com efeito, estamos afirmando que houve uma evolução do princípio isonômico. Partimos de um Estado Liberal em que vigorava a neutralidade e uma obtusa igualdade formal. Chegamos, enfim, ao Estado Social capaz de sopesar as desigualdades e implantar medidas afirmativas. Essa nova política afirmativa e inclusiva será o tema do capítulo que segue.


3. AÇÕES AFIRMATIVAS

3.1 Origem

As ações afirmativas ganharam espaço e relevo no cenário mundial a partir dos Estados Unidos. Trata-se de criação pioneira do Direito desse país.

Inicialmente, tais ações restringiam-se, sobretudo, aos negros. Só depois elas alcançaram outras minorias. Faz-se necessário, antes de tudo, que expliquemos em que contexto essas ações surgiram.

Aboliu-se a escravidão em todo o território americano, em 1865. Entretanto, mesmo depois disso, os negros americanos não tiveram a possibilidade de inserção na sociedade, sendo inclusive prejudicados pela segregação e por uma educação inferior.

Em vários Estados-Membros, os negros eram proibidos de viajar nos mesmos vagões que os brancos e freqüentar as mesmas escolas que estes. Eram proibidos também de participar de júri popular, testemunhar, votar e ocupar determinados cargos públicos. Acrescente-se ainda que não podiam ser servidos dentro das lanchonetes, ter propriedades, obter licença para trabalhar em algumas profissões, ou mesmo, ter acesso a parques, praias e hospitais.

 Ademais, eles não podiam casar com brancos, beber água nos mesmos bebedouros que estes, hospedar-se nos mesmos hotéis ou dirigir nas mesmas estradas. Não deviam nem mesmo sentar na mesma sala de espera ou morar nos mesmos quarteirões habitados por brancos.

O regime de segregação imposto aos negros, principalmente, nos estados do sul dos Estados Unidos, ficou conhecido como Jim Crow. Tal sistema teve por conseqüência a formação de duas sociedades paralelas: a dos negros e a dos brancos.

 Destaquemos desde já que a discriminação não ocorreu de forma esporádica, mas institucionalizada, isto é, estimulada pelo governo, pelas leis, pelos atos administrativos e também pelas decisões da Suprema Corte.

A resposta a esse tratamento foi a formação de movimentos negros organizados (Malcolm X, Associação Nacional para o Progresso das Pessoas de Cor, Associação de Mrlhoramentos de Montgomery, a Comissão Estudantil de Coordenção Não-Violenta, Congresso de Igualdade Racial, Muçulmanos Negros, Panteras Negras, entre outros), bem como, a formação de organizações contrárias aos negros (Conselho de Cidadãos Brancos e  Ku Klux Klan).

Muitas foram às manifestações violentas, tanto dos brancos, quanto dos negros. Milhares de pessoas foram mortas, feridas ou presas. De tal forma que o desenvolvimento dos programas positivos nos Estados Unidos foi necessário para restabelecer a ordem social e evitar uma segunda guerra civil.

Percebemos, portanto, que as ações afirmativas não se originaram nesse país devido a grande preocupação dele com a raça negra, mas porque não era mais possível levar adiante o sistema Jim Crown. Conforme ensinamentos de Roberta Fragoso Menezes Kaufmann (2007, p. 206):

Procuramos demonstrar, quando estudamos o aparecimento dos primeiros programas positivos estadunidenses, que tais medidas surgiram com o intento de restabelecer a ordem social, em vez de efetivamente promover o princípio da igualdade, ainda que a igualação das oportunidades aparecesse como corolário dos programas positivos.

Tendo feito esse rápido comentário referente a situação dos negros nos Estados Unidos, vejamos agora quando as ações afirmativas surgiram e com que natureza.

A primeira vez em que se usou a expressão “ação afirmativa” foi  na Lei Nacional sobre Relações de Trabalho (National Labor Relations Act), de 1935. Tal lei proibia o empregador de promover discriminação contra os dirigentes sindicais e demais operários sindicalizados. Além disso, determinava que as vítimas da segregação fossem postas nos cargos que lhe caberiam caso não houvessem sido discriminadas.

Apesar de já ter sido usada nessa legislação trabalhista, a expressão só se popularizou na década de 60,  no contexto da luta pelos direitos civis.

Desta forma, o Presidente Kennedy, em 1961, usou o termo “ação afirmativa” na Ordem Executiva nº 10.925, vedando a prática de discriminações em desfavor de funcionário ou candidato a emprego, em função de sua raça, credo ou nacionalidade, nos contratos firmado com a Adminstração Federal.

Ainda a  partir dessa ordem executiva, criou-se a Comissão para a Igualdade de Oportunidades de Emprego (Equal Employment Opportunity Comission – EECO). Essa comissão objetivava identificar políticas segregacionistas e revisá-las, de tal forma que houvesse uma neutralidade nos atos do governo.

Dois anos depois, em 1963, o Senado aprovou o Equal Pay Act, que estabelecia que nenhum empregador, em matéria de contraprestação salarial, poderia discriminar tendo por base o sexo de seu empregado, cujo desempenho demandasse, igualmente, habilidade, esforço e responsabilidade do empregador do sexo oposto (SEC. 206, Section 6,d, 1).

Também foi de ajuda na popularização das “ações afirmativas”, a promulgação, pelo presidente Lyndon Johnson, da Lei dos Direitos Civis (Civil Right Act), em 1964. Nessa lei, havia dez artigos combatendo a discriminação, inclusive a realizada no emprego, nas escolas, nas acomodações públicas e nos programas de governo.

Depois disso, foram promulgadas várias outras normas contra a discriminação, como a Lei sobre os direitos de voto (Voting Right Act), de 1965, garantindo aos negros capacidade eleitoral ativa e passiva.

Ainda em 1965, Lyndon Johnson usou a expressão ação afirmativa, na Ordem Executiva nº 11.246, a qual determinava que a celebração de contratos do Estado com particulares estava condicionada ao cumprimento, por estes, de práticas não-discriminatórias.

Notemos que a referida expressão consolidou-se na sociedade americana só a partir 1960 e que seu conteúdo inicial era apenas de política institucionalizada de combate a discriminação e ao sistema Jim Crown, não significando até esse momento, inclusão de minorias.

Sublinhemos ainda que essas medidas não foram recebidas de forma pacífica.  Emergiram vários movimentos negros radicais como o Poder Negro (Black Power) e a Revolta dos Guetos (Guetto Revolts).

Os conflitos sociais eram duramente reprimidos pela polícia, que usava de violência. Mesmo assim, as manifestações continuavam. Em decorrência disso, o  Presidente Johnson criou uma Comissão Nacional Consultiva da Desordem Civil (Nacional Advisory Comission on Civil Disorders), também chamada de Comissão Kerner, em homenagem a Otto Kerner, governador do Illinois e presidente da referida comissão.

Essa instituição deveria identificar a raiz dos problemas raciais e indicar soluções para eles. Conforme Roberta Fragoso Kaufmann (2007, p. 174) a Comissão conclui que estavam se formando duas sociedades, uma negra e outra branca e recomendou a implementação de programas sociais. Estabeleceu ainda no relatório final:

Violência e destruição precisam acabar- nas ruas dos guetos e na vida das pessoas. Segregação e pobreza criaram nos guetos raciais um ambiente destrutivo totalmente desconhecido para a maioria dos americanos brancos. O que os brancos americanos nunca entenderam completamente – e que os negros não conseguirão nunca esquecer – é que a sociedade branca está profundamente relacionada com o gueto. Instituições brancas criaram-no, instituições brancas mantiveram-no e a sociedade branca tolera-o. É chegada a hora de provocar uma mudança, a partir dos propósitos do nosso comando para a principal questão inacabada deste país. É chegada a hora de adotar estratégias de ação que irão produzir um rápido e visível progresso. (Kaufmann, 2007, p. 174)

As manifestações dos negros aumentaram e tornaram-se mais violentas a partir de 1968, com a morte do líder Martin Luther King. Também se tornou mais agressiva a atuação da Ku Klux Klan.

Em 1969, a Suprema Corte Americana decidiu que a extinção da política segregacionista nas escolas públicas deveria ser posta em prática de imediato, sem atrasos ou prorrogações.

Já durante a presidência de Nixon (1969-1974) deixa-se de lado a mera política de não-discriminação, passando-se enfim, a política afirmativa inclusiva. Ou seja, a partir dessa época, adotam-se medidas positivas para incluir o negro na sociedade, promovendo a integração.

Porém, destaque-se desde já que o intento inicial não era o de efetivar a justiça e a igualdade. Pelo contrário, as medidas não foram implementadas para favorecer o negro, mas para proteger o branco dos conflitos gerados pelos motins urbanos. Queria-se, portanto, evitar que os brancos sofressem danos patrimoniais ou físicos. Tanto assim, que Nixon explicou as vantagens concedidas aos negros dizendo que se estes possuíssem suas próprias casas, não incendiariam as vizinhanças dos brancos.

Assim, o presidente Nixon, a Suprema Corte e as Agências Governamentais iniciaram, de fato, as ações afirmativas. A Secretaria do Trabalho passou a contar com um orçamento bilionário para elaborar projetos que efetivassem a Lei dos Direitos Civis de 1964.

Além disso, os contratos administrativos passariam a oferecer vantagens para as empresas que cumprissem as metas estabelecidas pelo governo, como cotas na contratação de empregados negros.

Tais cotas eram definidas proporcionalmente a quantidade de negros da comunidade. Essa fixação de cotas ficou conhecida como Plano Filadélfia  (Philadelphia plan)  e foi inclusa ao ordenamento jurídico em 1971.

As ações afirmativas ganharam força na década de 70, proliferando-se no âmbito estadual e no municipal, bem como entre as empresas privadas, nas escolas, nas associações e no comércio. Ademais, elas passaram a abranger não somente os negros, mas também as mulheres, os deficientes físicos e os veteranos da Guerra do Vietnã.

Muitas ações afirmativas advieram de decisões da Suprema Corte, caracterizando uma verdadeira reviravolta no entendimento claramente racista antes esposado. Esse tribunal mostrou-se favorável ao fim da segregação institucionalizada nos casos McLaurin v. Oklahoma State Regents for Higher Education , Brown v. Board Education, Cooper v. Aaron, entre outros.

Ora, por tudo isso, entendemos que o desenvolvimento dos programas positivos nos Estados Unidos surgiram com o objetivo de evitar uma segunda guerra civil e não da grande preocupação desse país com a raça negra. Afinal, lembremos que foi o próprio governo americano quem criou o sistema Jim Crown de segregação.

Assim, não foi com o intento de se promover o princípio da igualdade que a  elite branca masculina pôs em prática as ações afirmativas. Mas, tão somente, porque não havia outra solução para a profunda ruptura da tranqüilidade social..

Percebemos também que as medidas se iniciaram como políticas neutras de combate à discriminação institucionalizada, a chamada “política cega à cor”, só depois evoluindo para um sentido ativo e inclusivo. 

3.2. Conceito

As ações afirmativas ou discriminações positivas são instrumentos de promoção da igualdade material ou substancial direcionados para as minorias sociais. Termo este que se vincula a idéia de vulnerabilidade e que independe de amplitude quantitativa.  

Tais ações são políticas de caráter temporário para a maior parte da doutrina (Maria José Morais Pires, Renata Malta Vilas-Bôas, Sales Augusto dos Santos). Porém, há quem defenda que podem ser temporárias ou definitivas (Sidney Madruga). Elas podem ser adotadas, impostas ou incentivadas pelo poder público, ou ainda, concebidas pela iniciativa privada. Objetivam combater desigualdades historicamente acumuladas.

Joaquim Barbosa Gomes conceitua-as da seguinte forma (2001, p. 40):

Atualmente as ações afirmativas podem ser definidas como um conjunto de políticas públicas e privadas de caráter compulsório, facultativo ou voluntário, concebidas com vistas ao combate à discriminação racial, de gênero e de origem nacional, bem como para corrigir os efeitos presentes da discriminação praticada no passado, tendo por objetivo a concretização do ideal de efetiva igualdade de acesso a bens fundamentais como a educação e o emprego.

Nesse mesmo sentido, a professora Carmem Lúcia Antunes Rocha (1996, p.88) diz que as ações afirmativas são “uma forma jurídica para se superar o isolamento ou a diminuição social a que se acham sujeitas as minorias”.

Ainda enfrentando o desafio de oferecer um conceito às ações afirmativas, Renata Malta Vilas-Bôas (2003, p. 29) explica que elas são medidas temporárias e especiais, tomadas ou determinadas pelo Estado, de forma compulsória ou espontânea, com o propósito específico de eliminar as desigualdades que foram acumuladas no decorrer da história da sociedade, medidas estas que tem como principais beneficiários os membros dos grupos que enfrentam preconceitos.

Destaque-se que maioria dos doutrinadores afirma que as ações afirmativas devem ser de caráter temporário. Manoel Gonçalves Ferreira Filho (2003, p. 76) salienta que as medidas devem obedecer à regra da temporariedade, pois não visam criar um status jurídico permanente em favor de um grupo, e sim propiciar a este grupo a igualdade em relação a outros. Assim, tão logo conseguido tal objetivo de igualdade substancial, findar-se-iam as ações afirmativas.

Tal entendimento é também defendido por Roberta Fragoso Menezes Kaufmann (2007, p. 221):

É importante destacar que a adoção de políticas afirmativas deve ter um prazo de duração, até serem sanados ou minimizados os efeitos do preconceito e da discriminação sofridos pelas minorias desfavorecidas. Se as ações afirmativas visam a estabelecer um equilíbrio na representação das categorias nas mais diversas áreas da sociedade quando os objetivos forem finalmente atingidos, tais políticas devem ser extintas, sob pena de maltratarem a necessidade de um tratamento equânime entre as pessoas, por estabelecerem distinções não mais devidas. A prática de programas positivos de forma ilimitada terminaria por ser delimitada pelo subprincípio da proibição do excesso, previsto no princípio da proporcionalidade.

Nesse mesmo sentido, a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, promulgada no Brasil pelo Decreto n.º 4.377, de 13 de setembro de 2002, no inciso I, do art. 4º dispõe da seguinte forma:

A adoção pelos Estados-Partes de medidas especiais de caráter temporário destinadas a acelerar a igualdade de fato entre o homem e a mulher não se considerará discriminação na forma definida nesta Convenção, mas de nenhuma maneira implicará, como conseqüência, a manutenção de normas desiguais ou separadas; essas medidas cessarão quando os objetivos de igualdade de oportunidade e tratamento houverem sido alcançados. (MENEZES, 2003, p. 57)

Sidney Madruga (2005, p. 60) discorda da idéia de que elas são apenas temporárias. Segundo ele, essa é uma questão de fundo social e como tal, não comporta a simplicidade sustentada pelos doutrinadores que aceitam as ações afirmativas como temporárias. As discriminações positivas, ainda conforme Sidney Madruga, estender-se-iam por um prazo extenso, quando não definitivo:

É que tal equação, de fundo social e, não matemático, não é tão simples, como parece sê-lo à primeira vista, porquanto existem grupamentos minoritários nos quais a implementação e o aperfeiçoamento constante de políticas afirmativas demandariam um lapso extenso, quando não definitivo. É o caso, por exemplo, das comunidades indígenas e de quilombolas, cujas especificações, sobretudo as diretamente relacionadas a sua identificação, saúde e habitat, requerem, por certo, o implemento de programas e políticas governamentais de caráter permanente. Diga-se o mesmo a respeito do povo cigano, cujos padrões étnico-culturais demandam, igualmente, uma constante atuação do Estado no que concerne a sua proteção, garantia e preservação, tal como dispõe o § 1º do art. 215 da Constituição Federal.

No que se refere à fonte de que emanam as ações afirmativas, estas podem ser de iniciativa do poder público ou de organismos privados. Na sua origem, tais ações foram concebidas como medidas de combate à discriminação, praticadas exclusivamente pelo Estado ou por seus agentes. Era a teoria do “state action”, que circunscrevia as ações afirmativas ao âmbito de atuação do poder público.

 Nesse contexto, surgiu a indagação bem explicitada por Joaquim B. Barbosa Gomes (2001, p. 60), “deve o Estado permitir que os particulares tomem a si a iniciativa de corrigir as injustiças e discriminações do passado mediante medidas de ‘integração’ e ‘promoção’ de pessoas pertencentes a grupos sociais historicamente marginalizados?”.

A orientação atual é que pessoas e entidades privadas podem apresentar propostas e programas de discriminação positiva. Tratam-se das denominadas “Voluntary Affirmative Action Plans”.

3.3 Natureza Das Ações Afirmativas

No que se refere à natureza das ações afirmativas, analisaremos se estas se caracterizam sob a ótica de uma justiça compensatória ou de uma justiça distributiva.

Ora, afirmar que são medidas compensatórias indica que elas têm o condão de reparar injustiças praticadas no passado. Por essa teoria, admiti-se que a adoção de ações afirmativas em prol de certos grupos sociais, historicamente marginalizados, fundamenta-se em uma tentativa de compensar esses grupos pelas injustiças sofridas por seus antepassados.

Joaquim Benedito Barbosa Gomes (2001, p. 62) explica que a idéia de justiça compensatória tem natureza “restauradora” e visa corrigir os efeitos perversos da discriminação sofrida por sociedades que por longo tempo adotaram políticas de subjugação de um ou vários grupos ou categorias de pessoas por outras.

Para os que apóiam essa idéia, isso seria justo porque o processo de marginalização social sofrido pelas gerações passadas tem se transmitido às gerações futuras. Nas palavras de Joaquim Barbosa Gomes (2001, p.62):

Assim, ao adotarem os programas de preferência em prol de certos grupos sociais historicamente marginalizados, essas sociedades estariam promovendo, no presente, uma <<reparação>> ou <<compensação>> pela injustiça cometida no passado aos antepassados das pessoas pertencentes a esses grupos sociais. Tal reparação se justificaria na medida em que o processo de marginalização social tem uma inegável inclinação perenizante. O preconceito e a discriminação oficial ou <<social>> de que foram vítimas as gerações passadas tendem a se transmitir às gerações futuras, constituindo-se em um insuportável e injusto ônus social, econômico e cultural a ser carregado, no presente, por essas novas gerações.

É certo que, juridicamente, quem causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Porém, a crítica a essa teoria de justiça compensatória funda-se no fato de que somente os diretamente lesionados poderiam pleitear a correspondente reparação e só contra quem efetivamente lhes causou prejuízo (Kaufmann, 2007, p. 223). Com efeito, a compensação deve ser paga à pessoa prejudicada por aquele que praticou o ato ilícito do qual resultou o dano.

Sendo desta forma, não temos como reparar, por exemplo, a escravidão sofrida pelos negros no passado. Pois não há como fazer isso sem promover injustiças. Afinal, responsabilizar os descendentes dos antigos senhores escravocratas por atos que não cometeram, nem endossaram, seria culpar inocentes. Ademais, os beneficiários do programa compensatório não seriam os diretamente lesionados, mas os negros de hoje que nunca foram vítimas da escravidão.

O problema dessa teoria é bem traduzido pela professora Roberta Fragoso Menezes Kaufmann (2007, p. 222):

O problema da adoção dessa teoria para justificar a imposição de políticas afirmativas é que se afigura deveras complicado responsabilizar, no presente, os brancos descendentes de pessoas que, em um passado remoto, tiveram escravos. Ademais seria praticamente impossível, em um país miscigenado como o Brasil, identificar quem seriam os beneficiários do programa compensatório, já que os negros de hoje não foram vítimas da escravidão. Culpar pessoas inocentes pela prática de atos dos quais discordam parece promover a injustiça, em vez de procurar alcançar a eqüidade. Assim, a teoria compensatória não poderia ter espaço quando os indivíduos que são tratados como um grupo – o dos descendentes dos antigos senhores escravocratas – não endossaram as atitudes em relação às quais serão responsabilizados ou, então, não exerceram qualquer tipo de controle em relação a elas.

Além de tudo isso, em um país tão miscigenado quanto o nosso, não há como definir quem são os descendentes de escravos e quem são os descendentes dos escravocratas. Consoante a esse entendimento, Roberta Fragoso Menezes Kaufmann ensina (2007, p. 224):

Além do que, em um país miscigenado como o Brasil, saber quem é ou não descendente de escravos nos afigura uma missão praticamente impossível. O país adotou a mão de obra escrava por um período de 300 anos, mas durante todos os 500 anos, desde o início da colonização até os presentes dias, houve uma miscigenação fortíssima entre as raças. Como o Brasil nunca conheceu leis que proibissem o relacionamento inter-racial, ou o casamento entre negros e brancos, essa prática foi amplamente difundida, e muitas vezes até motivada.

O outro fundamento para aplicação das ações afirmativas é a teoria da Justiça Distributiva. No meio jurídico, essa idéia é mais bem recebida que a da Justiça Compensatória. Segundo tal concepção, é necessário promover a redistribuição equânime de direitos, benefícios e obrigações entre os membros da sociedade, para com isso, mitigar as iniqüidades decorrentes da discriminação. “É um pleito de justiça no presente” (Kaufmann, 2007, p. 221).

 A esse respeito Joaquim B. Barbosa Gomes (2001, p.66) ensina que a noção de justiça distributiva é a que repousa no pressuposto de que um indivíduo ou grupo social tem direito de reivindicar certas vantagens, benefícios ou mesmo o acesso a determinadas posições, às quais teria naturalmente acesso caso as condições sociais sob as quais vive fossem de efetiva justiça.

Ora, as ações afirmativas, pela teoria redistributiva, objetivam minimizar a exclusão de grupos minoritários e promover a concretização do princípio da igualdade. Nesse sentido, Roberta Fragoso Menezes Kaufmann explica (2007, p. 225):

Assim, por meio da teoria redistributiva, há um redirecionamento dos benefícios, dos direitos e das oportunidades entre os cidadãos. O Estado age de forma interventiva para poder garantir a efetivação do princípio da igualdade, porque, se nada for feito, as barreiras impostas pelo preconceito e pela discriminação dificilmente permitiriam a igualdade de acesso às melhores chances de emprego e de educação às minorias.

Ademais, segundo Joaquim B. Barbosa Gomes (2001, p.68), entre os que defendem a tese distributivista, há os que nela vislumbram um substrato utilitarista. Estes defendem que a redistribuição de benefícios e ônus na sociedade tem o inegável “efeito de promover o bem-estar geral, eis que ao se reduzirem a pobreza e as iniqüidades, tendem igualmente a desaparecer o ressentimento, o rancor, a perda do auto-respeito decorrente da desigualdade econômica” (GOMES, 2001, p.68).

Embora a tese da justiça distributiva seja sustentada pela grande maioria dos partidários das ações afirmativas, os seus detratores não a consideram convincente, “eis que nem sempre é possível identificar, dentre as diversas iniqüidades sociais, quais decorreriam da discriminação racial ou sexual e quais seriam resultantes de outros fatores” (GOMES, 2001, p. 72).

Há ainda quem rejeite tanto a teoria compensatória quanto a distributivista, como Álvaro Ricardo de Souza Cruz (2003, p. 171-184). Para ele, as a ações afirmativas legitimam-se com base nos princípios do pluralismo jurídico e da dignidade humana, estruturadas no paradigma do Estado Democrático de Direito.

Percebemos, portanto, que debates quanto à natureza das ações afirmativas dividem juristas e doutrinadores. Ressaltemos, porém, que nada obsta que todas as correntes sejam conjugadas. A esse respeito, Sidney Pessoa Madruga da Silva (2005, p. 97) assevera:

Isto porque, ao se propor o incremento de políticas de discriminação positiva, respeitados os princípios do pluralismo e da dignidade da pessoa humana, não se deixa de levar em conta as injustiças cometidas no passado, as quais se refletem nos dias atuais na forma de desvantagens sócioeconômicas e, tampouco, deixa-se de considerar que é preciso uma distribuição mais equânime de oportunidades entre aqueles marginalizados socialmente.

Assim, vimos que, prioritariamente, firmam-se duas correntes quanto à natureza das ações afirmativa: a da Justiça Compensatória e a da Justiça Distributiva. A primeira tem conteúdo reparatório, destinando-se a ressarcir prejuízos causados no passado a determinado grupo social. Já a segunda, considera que as ações afirmativas caracterizam-se pela distribuição de direitos e vantagens entre a coletividade com base em critérios de equidade e proporcionalidade.

Vimos, por fim, que essas correntes podem ser conjugadas, pois nada obsta que as ações afirmativas encontrem justificativas tanto nas injustiças cometidas no passado, quanto na necessidade de distribuir benefícios, vantagens e posições que foram monopolizadas por certos grupos em razão da discriminação.

3.4 Objetivos

São vários os objetivos das ações afirmativas. O principal deles é o de promover a igualdade de oportunidades por meio de medidas de inclusão social tomadas, determinadas ou incentivadas pelo Estado.

Ora, o que se quer, em primeiro lugar, é a eficácia da igualdade preconizada e assegurada constitucionalmente na principiologia dos direitos fundamentais. Neste sentido, Cármen Lúcia Antunes Rocha (1996, p. 88) ensina:

Assim, a definição jurídica objetiva e racional da desigualdade dos desiguais, histórica e culturalmente discriminados, é concebida como uma forma para se promover a igualdade daqueles que foram e são marginalizados por preconceitos encravados na cultura dominante na sociedade. Por essa desigualação positiva promove-se a igualação jurídica efetiva; por ela afirma-se uma fórmula jurídica para se provocar uma efetiva igualação social, política, econômica e segundo o Direito, tal como assegurado formal e materialmente no sistema constitucional democrático. A ação afirmativa é, então, uma forma jurídica para se superar o isolamento ou a diminuição social a que se acham sujeitas as minorias.

Deseja-se com isso, a participação dos entes discriminados em áreas em que dificilmente conseguiriam ter acesso. Notemos ainda, que a prática dessas ações, em especial por meio de políticas públicas, funciona como um reconhecimento oficial de que as discriminações existem e precisam ser eliminadas.

Outro objetivo seria uma mudança na mentalidade dos homens, já tão acostumados com as discriminações praticadas ao longo da história e disseminadas pelos costumes e tradições.

Isso é necessário porque a discriminação do passado se arraigou na cultura e no comportamento das pessoas, apresentando efeitos persistentes.  Nas palavras de Joaquim B. Barbosa Gomes (2001, p.44) entre os objetivos almejados pelas políticas afirmativas está o de “induzir transformações de ordem cultural, pedagógica e psicológica, aptas a subtrair do imaginário coletivo a idéia de supremacia e subordinação de uma raça em relação a outra”.

Com efeito, a discriminação exerce influência no psiquismo do indivíduo e, consequentemente, na ordem social. Comentando esse problema Fávila Ribeiro (1990, p. 62) afirma:

As situações socialmente discriminatórias crivam-se no psiquismo individual e dilatam-se por todos os tecidos sociais, refletindo condições vantajosas para uns e desfavoráveis para outros, antagonismos ostensivos ou latentes, provocando reações divergentes aos valores circulantes e diversidade nas condutas que podem, por vezes, ir às raias das transgressões.

Ora, tendo isso em vista, as ações afirmativas objetivam uma maior convivência com a diversidade e uma ruptura dos estigmas arraigados culturalmente no imaginário coletivo. Dessa forma, a convivência com as minorias propiciaria condições para superação desses preconceitos.

Esse mesmo entendimento é defendido por Roberta Fragoso Menezes Kaufmann (2007, p.226) que ensina que as ações afirmativas, por promoverem a inserção de representantes de diferentes minorias em setores nos quais dificilmente teriam acesso, possibilitam o surgimento de uma sociedade mais diversificada, aberta, tolerante, miscigenada e multicutural.

É esta também a opinião esposada por Cármen Lúcia Antunes Rocha (1996, p. 286), que nos diz que a convivência jurídica obrigatória faria com que a maioria se acostumasse “a trabalhar, a estudar, a se divertir etc. com os negros, as mulheres, os judeus, os orientais, os velhos etc., habituando-se a vê-los produzir, viver, sem inferioridade genética determinada pelas suas características pessoais resultantes do grupo a que pertencessem”.

Além dos já citados objetivos, as ações afirmativas buscam também eliminar o racismo institucional e as barreiras artificiais e invisíveis (glass ceiling) que emperram o avanço das minorias. Dessa forma, seria possível aumentar a representatividade desses grupos minoritários nos diversos domínios da atividade pública e da privada, concretizando com isso, os princípios da diversidade e do pluralismo. 

Admitindo a existência dessas barreiras, a juíza Ruth Bader Ginsburg, em seu voto perante a Suprema Corte dos Estados Unidos, por ocasião do julgamento do caso Adarand Constructor v. Pena, de 1995 sustentou o seguinte:

O preconceito, tanto consciente quanto inconsciente, reflete modos de pensar tradicionais e irrefletidos, e mantém vivas as barreiras cuja eliminação será requisito indispensável caso a igualdade de oportunidade e não discriminação venham genuinamente a constituir a lei e a prática desse país. (GOMES, 2001, p. 47)

 A política afirmativa objetiva ainda criar personalidades emblemáticas (role models) - isto é, “exemplos vivos de mobilidade social ascendente” (GOMES, 2001, p. 48-49). Tais pessoas serviriam de exemplo para as gerações futuras de que é possível transpor obstáculos e conseguir posições de prestígio. Trata-se, portanto, de um reforço a auto-estima das minorias.

Esclareça-se, desde logo, com base nas lições de Juan Carlos Velasco Arroyo (2000, p. 219-220), que as ações afirmativas não buscam um multicuturalismo extremo. Ainda que as minorias tenham direito de manter seus costumes, sua religião e sua cultura distinta, não há que se admitir a atitude segregacionista de formação de guetos.  Pelo contrário, a idéia é justamente a de integração, ou seja, deseja-se fortalecer a consciência de que pertencemos todos a uma comunidade política comum.

Em linhas gerais, portanto, entendemos que as ações afirmativas buscam primeiramente a consecução do princípio da igualdade material, garantindo oportunidades aos indivíduos ou grupos excluídos socialmente.

 Além desse objetivo principal, tais ações buscam também mudança na mentalidade dos homens, posto que preconceitos e discriminações estão arraigados culturalmente nos modos de pensar tradicionais.

Desejam ainda: uma maior convivência com a diversidade; eliminar o racismo institucional e as barreiras artificiais e invisíveis; reparar danos causados a grupos no passado e no presente; concretizar os princípios da diversidade e do pluralismo; criar personalidades emblemáticas; e fortalecer a consciência de que pertencemos todos a uma comunidade política comum.

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Sobre a autora
Poliana Pereira Garcia

Servidora pública

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GARCIA, Poliana Pereira. Análise das ações afirmativas à luz do princípio da igualdade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3160, 25 fev. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21152. Acesso em: 23 nov. 2024.

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