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Os limites constitucionais na transformação de cargos públicos

08/03/2012 às 16:42
Leia nesta página:

A essência do cargo público está nas atribuições a serem desempenhadas, as quais permitem uma modificação, inclusive para adequação à evolução social e às novas necessidades, contudo sem alterar o que se pode chamar de núcleo duro, de modo a desfigurá-lo.

I- Introdução

É bastante comum uma nova gestão querer reformular a estrutura e organização da equipe que irá trabalhar; e no âmbito da Administração Pública isto pode tocar à denominada reforma administrativa ou à mudança dos cargos efetivos.

A reforma administrativa é a oportunidade de reorganização de ministérios, secretarias, os respectivos cargos comissionados e funções gratificadas, com supressões, criações e invenções; mas este trabalho não visa a análise desta prática administrativa.

Este trabalho tem a finalidade de estudar as transformações de cargos e empregos públicos efetivos e verificar se há um limite constitucional para tais transformações.


II- Da Análise Sobre a Constitucionalidade:

Determinados cargos da Administração, em razão inclusive da evolução histórica de algumas profissões e de realidades sociais, ficam obsoletos na forma em que eles se encontram: sua designação, suas atribuições e seus requisitos para ingresso.

Neste compasso, a Administração Pública precisa manejar soluções para atender à nova demanda apresentada: adequar seu quadro funcional aos novos ditames jurídico-sociais.

Contudo, a autonomia administrativa e legislativa da Administração Pública possui limites constitucionais, que devem ser obedecidos rigorosamente.

A transformação de cargo não é uma prática vedada em si, pois configura qualquer alteração, transfiguração, modificação; ocorre que a menção do verbo ‘transformar’ já está, em alguns lugares, carregado de uma conotação errônea, induzindo à ilegalidade.

A alteração de cargo quando modifica não somente a designação, mas sua essência e seu requisito de ingresso faz surgir, de forma oblíqua e dissimulada, duas realidades jurídicas: a extinção de um cargo e a criação e ingresso, automático, em outro. Fato este sim configurado como inconstitucional.

Esta prática burla a obrigatoriedade do concurso público para ingresso em novos cargos ou empregos públicos, conforme ordena o artigo 37, I e II, da Constituição da República (bem como a reprodução obrigatória das Cartas Estaduais). In verbis:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

I - os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei, assim como aos estrangeiros, na forma da lei;

II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração;

Vale registrar, por oportuno, que as exceções de acesso aos empregos, cargos ou funções públicas são (1) a nomeação para cargos de provimento em comissão previstos em lei específica de cada ente federativo (nos casos de cargos ou funções de direção, chefia ou assessoramento, os quais se lastreiam na confiança entre o ocupante e a autoridade que nomeou); e (2) a contratação temporária, nas hipóteses previstas em lei de cada ente federativo, para atendimento a necessidade temporária de excepcional interesse público[1].

Desta feita, qualquer ato que possibilite o acesso ao novo cargo, emprego ou função públicos sem prévio concurso público, salvo os casos das exceções já vistas, viola as disposições constitucionais já transcritas.

A ‘transformação’ de empregos, em que se altera a designação, as atribuições e os requisitos de ingresso, depende, necessariamente, de provimento dependente de concurso público[2].

Neste sentido, é pacífico o entendimento do Supremo Tribunal Federal:

“Súm. Nº 685/STF - É inconstitucional toda modalidade de provimento que propicie ao servidor investir-se, sem prévia aprovação em concurso público destinado ao seu provimento, em cargo que não integra a carreira na qual anteriormente investido”.

Vale consignar, que situação diversa é a lei que confere nova designação ao cargo ou emprego públicos já existentes, mantendo a natureza, em gênero, das atribuições; passando, assim, todos os integrantes do emprego antigo ao da nova designação[3].

Isso ocorre porque o cargo é caracterizado não por sua mera designação, mas por sua essência, sua razão de ser e existir dentro da Administração Pública; e sua essência está nas atribuições a serem desempenhadas, as quais permitem uma modificação, inclusive para adequação à evolução social e das novas necessidades que surgem, contudo sem alterar o que se pode chamar de ‘núcleo duro’ de modo a desfigurá-lo.

Em outras palavras, o cargo é criado para atender determinada função pública (realizar a contabilidade do ente, fazer sua assistência jurídica, prestar serviços médicos à população, exercer a docência, v.g.), e essa função dentre as transformações do cargo não pode ser totalmente excluída ou desfigurada; se assim for feito, estamos diante de outro cargo com outras atribuições para atender outra função pública.

Vinculados intimamente às atribuições, estão os requisitos de ingresso, uma vez que estes devem respeitar a natureza e a complexidade do cargo, de acordo com o artigo 37, II, da Constituição Federal, já transcrito.

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Para que a mudança de cargos tenha amparo constitucional, é preciso que haja “completa identidade substancial entre os cargos em exame, além de compatibilidade funcional e remuneratória e equivalência dos requisitos exigidos em concurso”[4].

Como já exposto inicialmente, a necessidade de se adequar às novas demandas jurídicas e sociais é patente, não estando a Administração engessada em operar com a mesma estrutura organizacional de servidores; é possível, para tanto, o enquadramento de servidores nos casos de extinção ou modificação de cargos ou empregos, respeitando a compatibilidade de atribuições e identidade dos requisitos de ingresso.

Neste mesmo sentido, temos os registros do e. Tribunal de Justiça de São Paulo em casos semelhantes: vide ADIN nº 138.491-0/1-00, Rel. Des. Henrique Nelson Calandra ADIN n° 127.033-0/3-00, j. em 07/04/2002, Rel. Des. Munhoz Soares - ADIN n° 117.756-0/8-00, j. em 26/04/2006, Rel. Des. Walter Guilherme.

Pelo exposto, entendo que a ‘transformação’ de empregos públicos, com nova designação, atribuição e requisitos de ingresso, possibilitando o acesso de integrantes de outra carreira, sem prévio concurso público, viola o artigo 37, I e II, da Constituição da República de 1988.


 

Notas

[1]  Vide art. 115, II, V e X, da Constituição Paulista; art. 37, I, II e IX, da CF/88)

[2]  Neste sentido, ADI 266, Rel. Min. Octavio Gallotti.

Inclusive, nas lições de Hely Lopes Meirelles, “se a transformação implicar alteração do título e das atribuições do cargo, configura novo provimento, que exige concurso público”. In Direito Administrativo Brasileiro. Ed. Malheiros, p. 427.

[3]  STF, RTJ 150/26.

[4]  ADI nº. 1.591, Rel. Min. Octavio Gallotti; e ADI nº. 2.713, Rel. Min. Ellen Gracie).

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Sobre o autor
Diego Bezerra Pereira

Bacharel em Direito pela Universidade Católica de Santos. Advogado e Assessor Jurídico, atua na área de Direito Público, com atenção no Direito Administrativo, Direito de Servidores, Contratos e Licitações.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PEREIRA, Diego Bezerra. Os limites constitucionais na transformação de cargos públicos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3172, 8 mar. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21245. Acesso em: 4 nov. 2024.

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