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Reforma previdenciária na República Federativa do Brasil.

Aspectos jurídicos elementares

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09/03/2012 às 14:00
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Ao extinguir a aplicabilidade dos princípios da integralidade e da paridade, institui-se no Brasil o modelo previdenciário complementar, realidade já presente em diversos países neoliberais.

1.INTRODUÇÃO

O presente trabalho institucional discorre acerca da Reforma da Previdência Social na República Federativa do Brasil, empreendida ao longo do século XX, e pretensamente conclusa no ano terceiro da década passada. Seguindo tendência global em torno da Reforma do Estado, o Brasil adota um novo modelo, baseado no conceito de Seguridade Social (como será visto adiante), cuja vertente previdenciária se verifica conforme aos ditames do Estado Neoliberal.

Objetiva-se com este trabalho científico-acadêmico traçar um panorama geral da reforma previdenciária iniciada no início do século XX, entretanto focada em duas principais emendas constitucionais da Carta Política de 1988: a emenda 20/1998 e a emenda 41/2003. Tangencia-se igualmente a emenda 19/1998, embora atinente à reforma administrativa, porém não menos relevante que as demais.

Apenas para intuito explicativo, segue-se metodologia acadêmica baseada na nova formatação promovida pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), veiculada em 2010.

A teleologia do estudo se encontra voltada para uma análise crítica acerca do modelo previdenciário pátrio, com vistas a uma maior discussão sobre como o Brasil encara o fenômeno da aposentadoria, notadamente de seus agentes públicos, a qual sofreu radicais mudanças com a publicação da emenda constitucional 41/2003, que consolidou a reforma da Previdência Social brasileira.

Este estudo foi dividido, pois, em diversas parcelas, abordando cada qual um aspecto desta relevante temática, desde a Principiologia do Direito Previdenciário (para uma visão mais profunda do conteúdo disciplinar), até uma crítica análise jurisprudencial acerca dos reflexos que a reforma em comento promoveu no cenário pátrio ao longo de sua vigência.

Com seu foco norteado para um estudo doutrinário e jurisprudencial, porém sem se retirar a devida importância da matéria fática, tenciona-se acrescentar mais um capítulo à seara dos trabalhos científicos da matéria previdenciária. Neste opúsculo, pois, encontram-se preciosa análise, a qual certamente se constituirá como essencial apontamento para a matéria discorrida.


2.PRINCIPIOLOGIA DO DIREITO PREVIDENCIÁRIO

O Direito Previdenciário brasileiro certamente proporciona ao estudioso comparatista fértil terreno de pesquisa. Como um dos Estados que mais distribui recursos na área de seguridade social, o Brasil paradoxalmente possui uma gama bastante complexa e nebulosa de normas atinentes à matéria previdenciária. Rica legislação extravagante compõe a disciplina, delineada por imperativos constitucionais presentes nos artigos 194 a 204 da Carta Magna.

O Estado Brasileiro adota o modelo de seguridade social, presente nas legislações de diversos países desde a década de 1950, aproximadamente. Um dos reflexos do fenômeno do Welfare State, é gênero que se compõe das espécies Saúde, Previdência Social, e Assistência Social. Especificamente, o objeto do presente estudo é a segunda das espécies, que sofreu gradativa evolução ao longo dos séculos e se consolidou no modelo estatal supramencionado. Traz-se à colação, neste momento, as lições de José Afonso da Silva:

“Previdência Social é um conjunto de direitos relativos à seguridade social. Como manifestação desta, a previdência tende a ultrapassar a mera concepção de instituição do Estado providência (‘Welfare State’), sem, no entanto, assumir características socializantes, até mesmo porque estas dependem mais do regime econômico do que do social” [1].

A Previdência Social, como espécie do gênero Seguridade Social, possui uma série de princípios informadores, pelo que os mais relevantes passaremos a analisar, sob a égide de um panorama geral[2]. Após abordá-los, passaremos no próximo capítulo a uma análise do fenômeno internacional da Reforma do Estado, tencionando aplicar tais conceitos ao caso brasileiro, empreendido pelas emendas constitucionais realizadas à Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Tal se constituirá relevante para o estudo da reforma previdenciária, como um dos reflexos da reestruturação estatal iniciada pela emenda constitucional 19/1998 (atinente à reforma administrativa).

2.1 – Princípio da Filiação Obrigatória

Baseado em uma fórmula tripartite de custeio, em que trabalhadores, empregadores e Estado contribuem, o princípio da filiação obrigatória é decorrente da natureza de Seguro social conferida ao atual modelo previdenciário, como forma de garantir a todos os contribuintes o necessário benefício por intercorrência de determinados fatores de risco (ou sinistros, caso se adote popular nomenclatura em matéria de seguros). Atualmente, deve-se considerar a Previdência Social como uma complexa seguradora do Estado, em que o indivíduo, ao contribuir, é privilegiado por uma série de benefícios que poderá gozar em caso de doença incapacitante, invalidez, aposentadoria, etc. Logo, assim que o indivíduo inicia sua relação laboral, ao término de cada ciclo mensal deve-se recolher a contribuição previdenciária, para que assim estejam resguardados seus direitos atinentes ao seguro social (social insurance, na doutrina estadunidense norte-americana). O órgão destinado a executar as operações resultantes da proteção previdenciária conferida ao trabalhador ativo e inativo em Regime Geral de Previdência é a pessoa jurídica da administração pública indireta, sob a modalidade de autarquia, denominada Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).

2.2 – Princípio da Solidariedade

Tal princípio informativo apregoa a necessidade de que a maioria dos segurados contribua em prol de uma minoria que não possui condições de contribuir. Como dissertado anteriormente, a Seguridade Social é um sistema tripartido, que abarca as espécies Saúde, Previdência Social e Assistência Social. Esta última espécie é destinada a todos aqueles que não possuem condições de contribuir regularmente para adquirir os benefícios relativos à previdência. Assim como o ruralista, em determinados casos, pelo claro aspecto de sua base econômica de subsistência e pela ignorantia iuris que sempre o acompanha, pois nem sempre o Estado expande seus tentáculos por todo o território nacional, a fim de conscientizar a população de seus direitos básicos como cidadãos brasileiros.

2.3 – Princípio da Unicidade

Preleciona este princípio que o indivíduo goza de apenas um único benefício previdenciário, haja vista o caráter intuitu personae do regime de Previdência Social. Em remissão legislativa, o artigo 124 da Lei Ordinária 8213/1991 relaciona a série de benefícios previdenciários não cumulativos, a saber:

“Art. 124. Salvo no caso de direito adquirido, não é permitido o recebimento conjunto dos seguintes benefícios da Previdência Social:

I - aposentadoria e auxílio-doença;

II - mais de uma aposentadoria;

III - aposentadoria e abono de permanência em serviço;

IV - salário-maternidade e auxílio-doença;

V - mais de um auxílio-acidente;

VI - mais de uma pensão deixada por cônjuge ou companheiro, ressalvado o direito de opção pela mais vantajosa.

Parágrafo único. É vedado o recebimento conjunto do seguro-desemprego com qualquer benefício de prestação continuada da Previdência Social, exceto pensão por morte ou auxílio-acidente”.

2.4 – Princípio da Imprescritibilidade do Direito Previdenciário

O direito subjetivo a benefício previdenciário não prescreve; o que é submetido à prescrição são as prestações de tal benefício. Segundo a Lei Ordinária 8213/1991, tal prazo prescricional é de 10 (dez) anos[3]. Entretanto, o indivíduo sempre terá a oportunidade de reconhecer, seja por vias extrajudiciais ou jurisdicionais, a existência de seu direito ao benefício previdenciário e se tornar beneficiário da previdência social brasileira.

2.5 – Princípio da Expansividade Social

Decorrente do Princípio da Universalidade da Cobertura, preceitua que o sistema previdenciário nacional deverá possuir como precípuo objetivo abarcar o maior número possível de contribuintes e beneficiários, seja em regime obrigatório ou facultativo (encampado pelos antigamente denominados autônomos).


3.APONTAMENTOS SOBRE A REFORMA DO ESTADO

Para que se compreenda, de modo claro, como se desenvolveu o ideário em torno das grandes reformas pelas quais perpassou o Estado brasileiro na década de 1990, mister se explique o fenômeno internacional da Reforma dos Estados. Reflexo notadamente das políticas de ideologia Neoliberal, esta iniciativa se deu no plano global a partir da década de 1970, impulsionando a Sociedade Internacional rumo a um momento histórico reacionário quanto a determinados conceitos existentes no Liberalismo Clássico, em contraposição ao modelo do Estado de Bem Estar Social (Welfare State). Segundo dedicado texto doutrinário:

“Tal como ocorrera no passado com o Keynesianismo, o Neoliberalismo passou a dominar todos os planejamentos econômicos, empresariais e estatais, já que cabia ao Estado legitimar e formalizar o desmantelamento de sua própria capacidade de intervenção na sociedade. Entretanto, os próceres do Neoliberalismo atribuíam uma função primordial ao Estado, estranha ao velho liberalismo. Mais do que garantir a propriedade privada e a segurança social, através de seu aparato coercitivo, o Estado deveria ser garante dos agentes econômicos privados, quer financeiros quer produtivos, garantindo a estabilidade dos mercados. Assim, se uma empresa não honrasse seus empréstimos no exterior, caberia ao Estado nacional fazê-lo, para não diminuir a confiança dos investidores, nacionais e estrangeiros, nos fundamentos econômicos daquele país. Se um banco ou uma financeira quebrassem, caberia ao Estado saná-los, absorver os prejuízos, garantir os investidores e repassar a empresa saneada para novos agentes econômicos privados. Era a expressão do paraíso econômico na Terra”.[4]

Podem-se verificar diversos desdobramentos do fenômeno internacional da Reforma dos Estados na Doutrina Jurídica, influenciando a produção científica após a década de 1970: o conceito de Direito Dúctil de Gustav Zagrebelsky, a ascensão da corrente pós-positivista e do neoconstitucionalismo[5], dentre outros.

Um dos primeiros potenciais reflexos da reforma estatal no Brasil se deu com a formulação da emenda constitucional 19, de 04 de julho de 1998. Denominada jocosamente, por abalizada doutrina[6], de “Emendão”, esta modificação do Código Supremo de 1988 promoveu radical mudança na estrutura da administração pública pátria, sendo denominada, pois, de Reforma Administrativa. Trouxe para a realidade brasileira diversos mecanismos gerenciais provenientes de países desenvolvidos europeus e norte-americanos; entretanto, não fora acompanhada de uma correta internalização, consagrando o período de nossa história política sob a égide do ideário neoliberalista, em que contraditórios, e por vezes polêmicos projetos (tais como os afobados planos de privatização em determinadas áreas estratégicas do Estado, e o deficiente regime de concessões na prática de serviços públicos) foram postos em prática. Neste desiderato, relevante modificação foi a ocorrida no âmbito do artigo 41 da Constituição, a saber:

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“"Art. 41. São estáveis após três anos de efetivo exercício os servidores nomeados para cargo de provimento efetivo em virtude de concurso público.

§ 1º O servidor público estável só perderá o cargo:

I - em virtude de sentença judicial transitada em julgado;

II - mediante processo administrativo em que lhe seja assegurada ampla defesa;

III - mediante procedimento de avaliação periódica de desempenho, na forma de lei complementar, assegurada ampla defesa.

§ 2º Invalidada por sentença judicial a demissão do servidor estável, será ele reintegrado, e o eventual ocupante da vaga, se estável, reconduzido ao cargo de origem, sem direito a indenização, aproveitado em outro cargo ou posto em disponibilidade com remuneração proporcional ao tempo de serviço.

§ 3º Extinto o cargo ou declarada a sua desnecessidade, o servidor estável ficará em disponibilidade, com remuneração proporcional ao tempo de serviço, até seu adequado aproveitamento em outro cargo.

§ 4º Como condição para a aquisição da estabilidade, é obrigatória a avaliação especial de desempenho por comissão instituída para essa finalidade."

Em seguida, cabem algumas explicações acerca da emenda constitucional 20, de 15 de dezembro de 1998. Igualmente realizada durante o período governamental do presidente Fernando Henrique Cardoso (1994-2002), tornou-se um prólogo para a Reforma Previdenciária de 2003. Instituiu pontuais modificações na disciplina trabalhista-constitucional, e promoveu intensa mudança no que tange à matéria de seguridade social. Parcela de seu conteúdo seria revogado pela Emenda Constitucional 41, analisada no próximo capítulo.

Logo, pode-se determinar que o fenômeno da reforma do Estados, ocorrida na Sociedade Internacional no transcorrer da década de 1970, relacionada com a ideologia Neoliberal presente nos governos de Ronald Reagan (Estados Unidos da América – 1980 a 1989), Margaret Thatcher (Reino Unido – 1979 a 1990) e em demais países do sistema global, veio a se integrar à política brasileira durante os governos de Fernando Collor de Melo (1990-1992) e, potencialmente, Fernando Henrique Cardoso (1994-2002). Ao propor uma vinculação de determinadas políticas governamentais a métodos de gestão presentes na iniciativa privada, desnatura o clássico modelo do Estado de Bem Estar Social (Welfare State), presente na realidade internacional ao longo do período histórico conhecido como “Guerra Fria” (1947-1991), e cria diversos transtornos socioeconômicos que persistem até os dias atuais e diversos Estados, incluindo o Brasil. Tal fenômeno ocasionou diversas mudanças no Direito Previdenciário nacional, como será visto adiante.


4.ANÁLISE DA EMENDA CONSTITUCIONAL 41/2003

Durante a vigência do período de governo do presidente Luís Inácio da Silva (2002-2010), foi promulgada a emenda constitucional 41, em 19 de dezembro de 2003, a qual promoveu grande modificação na disciplina previdenciária nacional, cognominada de Reforma da Previdência por este fato. A partir deste ponto serão analisados pormenorizadamente os principais dispositivos presentes na supramencionada emenda à Constituição da República Federativa do Brasil, com a respectiva reflexão crítica acerca de seus preceitos modificativos.

Primeiramente, a emenda 41 trata do teto remuneratório dos agentes públicos em todos os níveis do pacto federativo, em modificação ao artigo 37, inciso XI, da Carta Política de Outubro[7], a saber:

“Art. 37. XI - a remuneração e o subsídio dos ocupantes de cargos, funções e empregos públicos da administração direta, autárquica e fundacional, dos membros de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos detentores de mandato eletivo e dos demais agentes políticos e os proventos, pensões ou outra espécie remuneratória, percebidos cumulativamente ou não, incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza, não poderão exceder o subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, aplicando-se como limite, nos Municípios, o subsídio do Prefeito, e nos Estados e no Distrito Federal, o subsídio mensal do Governador no âmbito do Poder Executivo, o subsídio dos Deputados Estaduais e Distritais no âmbito do Poder Legislativo e o subsídio dos Desembargadores do Tribunal de Justiça, limitado a noventa inteiros e vinte e cinco centésimos por cento do subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, no âmbito do Poder Judiciário, aplicável este limite aos membros do Ministério Público, aos Procuradores e aos Defensores Públicos”.

Como hodiernamente se estabelece pela doutrina administrativista, a nomenclatura Funcionário Público não mais é utilizada, denominando-se Agente Público a todo indivíduo que exerce cargo, emprego, ou função pública, estendendo-se tal conceito aos concessionários e permissionários da prática de serviços públicos (porém, não aos estabelecidos em regime de autorização[8]. Vincula-se, pois, o teto das remunerações e subsídios (no caso de agentes políticos e membros da magistratura e conselheiros dos tribunais de contas) ao percebido pelos agentes políticos de maior relevância dentro do ente federativo respectivo (seja aos Ministros do Supremo Tribunal Federal, ao Prefeito, Governador de Estado, Deputados Estaduais e Distritais, e aos Desembargadores dos Tribunais de Justiça dos Estados-Membros da Federação), entretanto sempre limitados ao subsídio mensal dos julgadores do Excelso Pretório.

A maior modificação introduzida pela emenda 41 se refere à extinção dos princípios previdenciários da integralidade (ou da totalidade) e da paridade no que tange aos proventos percebidos pelos servidores públicos e às pensões por morte em relação a seus beneficiários, preceptivo este presente na novel redação do artigo 40, §8º da Carta Magna. Em um excêntrico fenômeno na realidade do Direito Constitucional Comparado, mas lamentavelmente comum em nosso ordenamento jurídico, o texto da emenda 41 reformou o texto da emenda 20 (em infeliz figura de linguagem, uma reforma da reforma). Verifique-se abaixo a redação incluída pela emenda 20, e a posterior modificação trazida pela emenda 41:

“Art. 40. §8º - Observado o disposto no art. 37, XI, os proventos de aposentadoria e as pensões serão revistos na mesma proporção e na mesma data, sempre que se modificar a remuneração dos servidores em atividade, sendo também estendidos aos aposentados e aos pensionistas quaisquer benefícios ou vantagens posteriormente concedidos aos servidores em atividade, inclusive quando decorrentes da transformação ou reclassificação do cargo ou função em que se deu a aposentadoria ou que serviu de referência para a concessão da pensão, na forma da lei” (Texto Incluído pela Emenda Constitucional 20/1998).

“Art. 40. §8º - É assegurado o reajustamento dos benefícios para preservar-lhes, em caráter permanente, o valor real, conforme critérios estabelecidos em lei” (Redação dada pela Emenda Constitucional 41/2003)

Com supedâneo nos ensinamentos do constitucionalista Luís Roberto Barroso, a reforma pela qual passou o sistema previdenciário nacional é reflexo de uma crise estrutural, iniciada pela ascensão das novas ideologias políticas mencionadas no capítulo anterior deste estudo. Em excerto de artigo científico de sua autoria:

“Além dos fatores de alcance mundial, há um conjunto de circunstâncias nacionais, que vão do texto constitucional a problemas gerenciais, que tem agravado a crise da Previdência Social. Alguns traduzem mudanças positivas que, no entanto, oneram o sistema previdenciário. Outros são conjunturais, como o elevado índice de informalidade no mercado de trabalho, que compromete a arrecadação para o sistema geral. A seguir se procede a um levantamento sumário das causas das dificuldades vividas pelo sistema, algumas já sanadas e outras que precisam ser enfrentadas pelo modelo novo:

1.Inexistência de contribuição dos servidores civis para a aposentadoria, como regra, até o advento da emenda constitucional nº 3, de 1993 (embora houvesse contribuição para pensões). Ainda hoje, os militares não contribuem para a aposentadoria, mas somente para pensões e assistência médica;

2.Transferência para o regime jurídico único e, consequentemente, para o regime previdenciário próprio dos servidores públicos, da imensa massa de empregados públicos regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), operada por força do disposto no art. 39 da Constituição de 1988 e na lei 8112/90;

3.Ausência de idade mínima para a aposentadoria voluntária, dando margem, até a emenda constitucional nº 20, de 1998, a uma grande quantidade de aposentadorias precoces, onerando o sistema por muito mais tempo do que seria razoável;

4.Disfunções existentes até a EC nº 20/98, como ausência de prazos mínimos de permanência no sistema próprio, bem como de prazos mínimos de contribuição, além de figuras equívocas como a contagem de “tempo ficto”, a exemplo de férias e licenças computadas em dobro, período de estudos em escolas técnicas, tudo sem custeio adequado ou estudos atuariais;

5.Reconhecimento da ilegitimidade constitucional da imposição de idade máxima para a participação em concursos públicos: a orientação, respaldada pelo Supremo Tribunal Federal, que é correta e desejável, propiciou o ingresso, no regime previdenciário próprio, muito mais oneroso para o Poder Público, de pessoas que haviam contribuído tendo por base as regras do regime geral, onde não há nem integralidade de proventos nem paridade entre ativos e inativos;

6.Expressiva redução, desde 1990, do número de servidores públicos, inclusive pelas restrições à realização de novos concursos, com a consequente diminuição do número de contribuintes do sistema próprio;

7.Fatores políticos e problemas gerenciais, como a concessão de benefícios sem fonte de custeio e previsão orçamentária, deficiência nos mecanismos de controle, desvios de recursos, dentre outras vicissitudes ligadas ao estágio civilizatório do país “[9].

Realizado este breve panorama geral acerca da realidade existente antes da reforma da Previdência Social no Brasil, personificada pela formulação da emenda 41, em 2003, e do conteúdo de seus preceitos de maior monta para a produção deste trabalho acadêmico, passa-se no próximo capítulo a analisar os principais reflexos da supracitada norma após o início de sua vigência. Notadamente, serão analisados os dispositivos de transição para o novo modelo (e a influência da posterior emenda constitucional 47/2005, o que certamente é de grande relevância para o presente estudo.

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Sobre o autor
Divo Augusto Cavadas

Divo Augusto Pereira Alexandre Cavadas é Advogado e Professor de Direito. Procurador do Município de Goiânia (GO). Doutorando em Direito pela Faculdade Autônoma de Direito de São Paulo (FADISP). Mestre em História pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC/GO). Especialista em Direito Penal e Filosofia. Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade Nacional de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (FND/UFRJ). Realizou estudos junto à Universidad de Salamanca (Espanha), Universitá di Siena (Itália), dentre outras instituições. Membro do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB). Diplomado pela Câmara Municipal de Goiânia e Comendador pela Associação Brasileira de Liderança, por serviços prestados à sociedade.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CAVADAS, Divo Augusto. Reforma previdenciária na República Federativa do Brasil.: Aspectos jurídicos elementares. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3173, 9 mar. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21250. Acesso em: 26 abr. 2024.

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