Artigo Destaque dos editores

Estado laico e humanismo integral

19/03/2012 às 14:07
Leia nesta página:

Sob o pretexto do uso da expressão “Estado laico” vem se desenhando no Brasil uma proposital confusão entre o que seja “sociedade” e “Estado”. Aquela, sociedade, é maior que este, Estado, portanto, o Estado é um servidor da sociedade e de seus valores, e não o contrário.

Sob o pretexto do uso da expressão “Estado laico” vem se desenhando no Brasil uma proposital confusão entre o que seja “sociedade” e “Estado”. Aquela, sociedade, é maior que este, Estado, portanto, o Estado é um servidor da sociedade e de seus valores, e não o contrário.

O pluralismo de idéias e a dignidade da pessoa humana, princípios fundantes de nossa República são garantidos no art. 1º, incisos III e V de nossa Carta Magna. Prestigiar essa variação cultural de nosso povo é preceito constitucional. Também não se pode tratar como expressões sinônimas, Estado laico = humanismo ateu, outro enfadonho equívoco que se vislumbra nas entrelinhas dos debates atuais.

A proposta de vida cristã pautada no Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo não é um ideal para “vida privada”, para o “recôndito do lar”, mas sim uma proposta que faz parte da cultura brasileira, da vida pública do povo brasileiro, daí porque o suposto “Estado laico” não pode querer excluir o aspecto religioso da vida pública. Seria criar um Estado sem sociedade, o que é um retorno às ditaduras no século XX.

Não queremos um retorno ao Estado religioso, mas também não podemos admitir que o Estado laico seja sinônimo de um Estado ateu, onde “quem de alguma forma professe uma fé religiosa seja ela qual for, seja considerado um cidadão de segunda categoria e por isso tenha de ficar quieto e não se manifeste” – com bem acentua Dom Odilo Scherer (“Fazemos questão do Estado laico”, Época, 25/06/2007, p.110).

Precisamos de clareza na cena política. O Estado é laico, mas a sociedade não é. Ao contrário, em sua grande maioria a sociedade professa uma fé religiosa, cuja manifestação está garantida como direito fundamental no art. 5º, VIII da Constituição Federal. Portanto, aos cristãos cabe o chamado de Cristo: “Duc in altum”.

Não obstante o governo é pluralista e laico, logo, não pode impor que a proposta da Igreja Católica por um humanismo integral seja vista como coisa estranha, ao contrário, é uma proposta que faz parte da cultura e da vida brasileira. Defender o uso de crucifixos e Bíblias em prédios e espaços públicos, lutar contra o aborto, defender a família, defender a vida humana na integralidade é dever missionário dos cristãos que formam a maioria do povo brasileiro, muito embora o Estado (micro-parte da sociedade) seja laico. “Não somos cidadãos de segunda classe”, insisto em Dom Odilo Scherer.

É oportuno lembrar o que diz o procurador-geral da República aposentado, Cláudio Fonteles, quando pontua com base na Doutrina Social da Igreja (DSI) que o Estado deve ser visto de forma subsidiária quando se discute a temática das questões sociais, com preeminência para pessoa e seus valores.  Diz ele: “é de muito relevo à Doutrina Social da Igreja o chamado princípio da subsidiariedade, que significa posicionar as instituições oficialmente engendradas pela razão humana, ou seja, o Estado e todo o aparato de serviços públicos executivos, legislativos e judiciais postos à satisfação das necessidades da pessoa humana, na vida em sociedade, em plano secundárioVale dizer: toda essa estrutura executiva, legislativa e judicial não pode chamar a si a definição absoluta das questões sociais, subjugando, alienando, excluindo a pessoa humana do exercício de sua subjetividade criadora, manifestada singular ou comunitariamente.”

Por detrás da defesa intransigente do chamado “Estado Laico” revela-se sorrateiramente a idéia de um humanismo ateu, humanismo inumano, ou fragmentado, se comparado ao humanismo integral defendido pela Igreja. Indagamos: é possível um humanismo ateu? Diz Henri de Lubac: “Não é certo que o homem, tal como parece querer dizê-lo, por vezes, não possa organizar a terra sem Deus. O que é verdade é que, sem Deus, ele não pode, no fim de contas, organizá-la senão contra o homem. O humanismo exclusivo não passa de uma humanismo inumano” (“O drama do humanismo ateu”, Editora Porto: Lisboa, 1943, p.10).

Quando destruímos embriões, fazemos apologia ao aborto, e violamos a família, e negamos de forma contumaz a pobreza crescente, não só estamos refutando o Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo, estamos desrespeitando os próprios direitos humanos plasmados na Constituição Federal e o humanismo integral.

E como se define um humanismo integral em rechaço ao “humanismo ateu” que se desenha em paralelo ao “Estado Laico”. Quem pode nos responder é o Compêndio da Doutrinal Social da Igreja em seu parágrafo 153, que à luz da tradição bimilenar da Igreja diz; “153 – A raiz dos direitos do homem, com efeito, há de ser buscada na dignidade que pertence a cada ser humano. Tal dignidade, conatural à vida humana e igual em cada pessoa, se apreende antes de tudo com a razão. O fundamento natural dos direitos se mostra ainda mais sólido se, à luz sobrenatural, se considerar que a dignidade humana, doada por Deus e depois profundamente ferida pelo pecado, foi assumida e redimida por Jesus Cristo mediante a Sua encarnação, morte e ressurreição. A fonte última dos direitos humanos não se situa na mera vontade dos seres humanos, na realidade do Estado, nos poderes públicos, mas no próprio homem e em Deus seu criador. Tais direitos são “universais, invioláveis e inalienáveis, enquanto “inerentes à pessoa humana e à sua dignidade” e porque “seria vão proclamar os direitos, se simultaneamente não se envidassem todos os esforços a fim de que seja devidamente assegurado o seu respeito por parte de todos, em toda parte e em relação a quem quer seja. Inalienáveis, enquanto “ninguém pode legitimamente privar destes direitos um seu semelhante, seja ele quem for, porque isso significaria violentar a sua natureza”.

Enfim, o que está no cenário é um “Estado laico” ao lado de um humanismo ateu e cristofóbico, em contraste com uma sociedade que deseja ardentemente viver no aqui-e-agora um humanismo integral. Como lembra Frei Raniero Cantalamessa: “A suprema contradição que o homem de sempre experimenta – entre a vida e a morte – foi superada. Mas a contradição mais radical não está em viver e morrer, mas entre viver “para o senhor” e viver “para si mesmo”... Viver para si mesmo é novo nome da morte.” (“O poder da cruz”. 5º ed. Loyola: São Paulo, 2009, p. 13)

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos
Assuntos relacionados
Sobre o autor
Roberto Wagner Lima Nogueira

Mestre em Direito Tributário, Advogado tributarista, Procurador do Município de Areal (RJ), Membro do Conselho Científico da Associação Paulista de Direito Tributário (APET). Autor dos livros "Fundamentos do Dever Tributário", Belo Horizonte, Del Rey, 2003, e "Direito Financeiro e Justiça Tributária", Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2004; "Direito Financeiro e Direito Tributário", Multifoco: Rio de Janeiro, 2019.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NOGUEIRA, Roberto Wagner Lima. Estado laico e humanismo integral. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3183, 19 mar. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21315. Acesso em: 5 dez. 2025.

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos