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O contratualismo de Thomas Hobbes e a reação contemporânea do neotomismo jurídico.

Uma reorganização epistemológica das ideias em favor da dignidade da pessoa humana

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21/03/2012 às 06:22
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Conclusão

A idealidade do pensamento neotomista é formada por um conjunto de intenções de natureza ética, política, jurídica e religiosa. Por outro lado, a realidade do pensamento hobbesiano nega o ideal cristão através do pessimismo antropológico, onde o Direito deve ser tão somente um instrumento prático da convivência social, isento, portanto, de conteúdo teológico-sobrenatural-humanista. Domina o modelo fisicalista e maquínico do Leviatã neste tipo de abordagem tendo em vista que o homem é o lobo do próprio homem.

A filosofia juspolítica do neotomismo considera que o ideal ético está ligado com a ideia aristotélica do bem comum. O cidadão caminha neste mundo em direção a um fim, que é o pleno desenvolvimento da sua personalidade humana, incluindo estrategicamente o saber conviver com outros indivíduos, com a Natureza, e principalmente com Deus.

A invasão teórica do neotomismo jurídico no texto original de Hobbes confirma neste estudo a hipótese de que sua estrutura lógica tem mesmo capacidade heurística para enfrentar o argumento materialista do modelo adversário, incluindo neste processo crítico uma série de medidas institucionais coerentes e transformadoras dentro do cenário hobbesiano.

É preciso admitir nesse processo de análise que o material hobbesiano descreve com riqueza de detalhes como se manifesta a animalidade e a racionalidade materialista no ambiente competitivo e individualista da modernidade. Essa realidade inclui diversos fatores sociais indesejáveis para o neotomismo; por exemplo: o pessimismo antropológico; o modelo maquínico; o laicismo estatal; a repressividade técnica; a desordem política; o absolutismo do poder, entre outras externalidades negativas. De fato, a herança hobbesiana persiste e não é abandonada enquanto objeto de estudo pela crítica neotomista.

O estado de natureza se encontra presente no cotidiano, conforme indicam as palavras do autor Oliveira (idem, p. 23), por exemplo, nos seguintes termos:

Vivemos os horrores e as maldades de um mundo descristianizado, que dando as costas à Verdade divina, perde-se em considerações estéreis dos mais diversos matizes, sem oferecer resultados práticos de bem viver e de assim valorizar a sacral dignidade do homem. O século XX revelou-se o mais homicida que a história conhece: milhões e milhões de mortos nas duas grandes guerras e nos diversos conflitos armados [...] Crescem as doenças psíquicas, os suicídios, o uso de drogas, a prostituição infantil, a delinquência juvenil, as seitas destruidoras, as rupturas das famílias [...].

Entre a idealidade cristã e a realidade hobbesiana é necessário de acordo com o neotomismo jurídico construir uma nova relação institucional na tentativa de se alcançar o bem comum da Humanidade. Uma citação de Santo Tomás de Aquino (extraída de Santo Isidoro apud OLIVEIRA, p. 27) pode reforçar, oportunamente, nesse sentido, como deveria ser a militância contemporânea do juspolítico responsável e preocupado com a ligação progressiva do ideal cristão com a realidade mundana dos fatos hobbesianos. Especialmente, nas palavras de São Tomás de Aquino, que viveu muito tempo antes de Hobbes:

A lei deve ser honesta, justa, possível, conforme a natureza, apropriada aos costumes do país, conveniente ao lugar e ao tempo, necessária, útil, claramente expressa para que não se oculte nela nenhum engano, e instituída não para satisfazer algum interesse privado, mas para a utilidade comum dos cidadãos.

Ou como já declarou mais recentemente Osvaldo Ferreira de Melo (apud OLIVEIRA, op. cit., p. 173):

Será o advogado, o parecerista, o professor, o assessor jurídico, o juiz, o legislador, enfim, todo aquele que impregnado de humanismo jurídico e treinado na crítica social apresente-se com a perspectiva das possibilidades, ponha sua sensibilidade e sua experiência a serviço da construção de um direito que pareça mais justo e útil.

Na opinião recente do autor Oliveira (idem, p. 138), transformar a realidade jurídica exige duas virtudes dos agentes políticos: prudência e justiça. “Na primeira, a ideia do justo, que a sua razão determina, é regra da prudência traduzida em norma. Na segunda, a reta disposição de vontade do agente torna-o idôneo a definir o direito devido”. Na busca de alternativas transformadoras (prático-transcendentais), segundo esse mesmo autor, não se pode negar a tendência gregária do ser humano (cf. ARISTÓTELES, “Ética a Nicômaco”), ou seja, essa abstração irresistível pela vida social que todo ser humano experimenta para nela encontrar a plena satisfação de suas necessidades (OLIVEIRA, 2001, p. 303). O ser humano tem necessidade de viver em sociedade para alcançar o seu próprio bem. Plenitude e integridade de um bem que por si só é expansivo e comunicativo, formando com os outros bens relativos a cada membro da sociedade uma unidade moral, que é o bem comum.

O neotomismo jurídico é formado por um conjunto de proposições interrelacionadas, incluindo os direitos naturais teológicos aplicados no interior dos ordenamentos jurídicos contemporâneos. Suas proposições trazem com essa preocupação uma linguagem inspirada no universo católico, aplicando conceitos acessíveis ao grande público, dentre eles: Fé; Dignidade Humana; Sagradas escrituras; Decálogo; Evolução espiritual; Bem comum; Deus; Pessoa humana; Cristo; Justiça; Espiritualidade; Ética; Comunidade; Evangelho; Direitos naturais divinos, entre outros.

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A unidade discursiva das proposições do neotomismo jurídico redimensiona dois extremos epistemológicos: a racionalidade instrumental (onde tudo é descartável, materialista e utilitário) e a animalidade humana (onde predomina o hedonismo, o prazer material, a impulsividade, os pecados capitais, o imediatismo dos desejos, a antissociabilidade, entre outros vícios populares). Como alternativa o neotomismo propõe uma solução virtuosa: a redescoberta da humanidade, concebida como criação de Deus; não sendo, aqui, um fenômeno automático da Natureza e da Existência Humana como reivindicaram os jusnaturalistas modernos, dentre eles, Hobbes, Locke, Rousseau e Kant. Os direitos naturais do neotomismo são, ao contrário, criações de origem divina.

Sequencialmente, a complexidade das proposições do neotomismo jurídico apresenta várias definições ligadas com a possibilidade da experiência dessa doutrina na ordem político-constitucional.

A ontologia garante como norma fundamental a integração da racionalidade com a animalidade e a humanidade em torno de um projeto eticamente audacioso destinado a atingir não somente o bem comum, mas também a justiça, a comunidade fraterna e a salvação espiritual.

No setor metodológico, a localização empírica dessa ideia suprema conta com uma série de procedimentos e técnicas de seleção e de análise dos fatos que levam o pesquisador ao contato empírico com a realidade; entretanto, a axiologia cristã apresenta maior evidência na metodologia do que propriamente as técnicas científicas de pesquisa social, estabelecendo a seu modo juízos morais e teológicos no interior do material hobbesiano. Através da crítica axiológica, o programa de pesquisa neotomista consegue fixar suas ideias no domínio hobbesiano, refutando a estrutura teórica desse modelo materialista. Nessa direção, a pesquisa vai revelando a sua verdade baseada nos Direitos Naturais teológicos como produtos da vontade de Deus, quebrando a lógica do jusnaturalismo moderno que vê os direitos naturais da Pessoa Humana apenas como reflexo dos pressupostos racionais do pensamento materialista, antropocêntrico e utilitarista da Modernidade.


Referências

AQUINO, Santo Tomás de. O Ente e a Essência. Coleção Os Pensadores, 2004.

ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. São Paulo: Martin Claret, 2001.

BOBBIO, Norberto. Thomas Hobbes. Rio de Janeiro: Campus, 1991.

DESCARTES, René. Discurso do método & Regras para a direção do espírito. São Paulo: Martin Claret, 2003.

HOBBES, Thomas. Leviatã ou matéria, forma e poder de um Estado eclesiástico e civil. São Paulo: Abril Cultural, 1979. Coleção Os Pensadores.

MONTARROYOS, Heraldo. A filosofia do contrato civil hobbesiano.... Pouso Alegre (MG): revista eletrônica THEORIA, 2009.

OLIVEIRA, Gilberto Callado. Filosofia da política jurídica: propostas epistemológicas para a política do direito. Itajaí: UNIVALLI, 2001.

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Sobre o autor
Heraldo Elias Montarroyos

Professor da Faculdade de Direito da UNIFESSPA MARABÁ, PARÁ.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MONTARROYOS, Heraldo Elias. O contratualismo de Thomas Hobbes e a reação contemporânea do neotomismo jurídico.: Uma reorganização epistemológica das ideias em favor da dignidade da pessoa humana. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3185, 21 mar. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21328. Acesso em: 20 nov. 2024.

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