"O autêntico pecado do homem, o seu perigo mais profundo, é a hybris, o arrogante autodomínio, no qual o homem a si mesmo se eleva a divindade. Quer ser ele mesmo o próprio Deus, para possuir totalmente a vida e esgotar tudo o que a vida sempre tem para lhe oferecer." (Papa Bento XVI)
Volto à senda articulista para tratar de assunto atual e palpitante no mundo jurídico: seria inconstitucional a presença de crucifixos nos Tribunais? Muito se tem dito e feito Brasil afora. Alguns Tribunais e Órgãos Públicos já retiraram os respectivos crucifixos e em seu lugar colocaram as Armas Nacionais da República, justificando tal proceder com a previsão constitucional da laicidade do Estado Brasileiro.
E é justamente no objeto de substituição que recairá o cerne do presente artigo. Explica-se: no escudo heráldico presente nas Armas Nacionais da República, o seu elemento central é justamente uma cruz, denotada na representação parcial da constelação do Cruzeiro do Sul, também presente em nossa bandeira, numa representação mais completa.
Ora, é comezinho o ditado que diz “contra fatos não há argumentos”, portanto é válido concluir que se a cruz cristã se encontra presente nos dois símbolos nacionais mais importantes da República Federativa do Brasil (Armas Nacionais e Bandeira Nacional), a retirada dos crucifixos dos Tribunais e dos Órgãos Públicos representa, isso sim, ofensa direta e gravíssima aos princípios republicanos do Brasil.
E não se confunda a simbologia decorrente da fé com a simbologia decorrente dos valores morais que formaram nosso país. A cruz cristã há muito ultrapassou os limites da simples referência ao Cristo crucificado, até mesmo porque se sabe ressuscitado. A cruz cristã representa, pois, esperança, igualdade, liberdade, fraternidade. Valores esses que fundaram nossa República e dos quais não podemos abdicar sob pena de nos afastarmos do espírito formador da nação brasileira.
Cabe aqui uma referência histórica ao Cruzeiro do Sul: encravada na Constelação do Centauro, foi destacada como agrupamento independente pelos navegadores portugueses do século XV. E não foi por mera coincidência que as dez naus portuguesas e três navetas que compunham a esquadra de Cabral tinham pintadas nos seus respectivos velames as “rubras insígnias”, referidas por Pero Vaz de Caminha.
As estrelas formadoras do Cruzeiro do Sul estão presentes em todos os nossos símbolos gráficos desde a Independência e são invocadas no próprio Hino Nacional, com as referências ao sol da liberdade, à imagem do Cruzeiro e ao lábaro estrelado. E denotam, simbolicamente, na Bandeira Nacional, os Estados e o Distrito Federal, da República Federativa do Brasil.
Em sua imagem mais conhecida, as estrelas do Cruzeiro do Sul representam em seu ápice o Estado da Bahia (Gama do Cruzeiro do Sul), na sua outra extremidade, o Estado de São Paulo (Alfa do Cruzeiro do Sul), ladeados pelos Estados do Rio de Janeiro (Beta do Cruzeiro do Sul), Minas Gerais (Delta do Cruzeiro do Sul) e Espírito Santo (Epsilon do Cruzeiro do Sul).
Assusta-me, pois, o fato de alguns deuses togados não terem tido ainda a sensibilidade de fazer essas simples referências e análise dos símbolos nacionais. Será que almejam colocar o cifrão no lugar dos crucifixos arrancados dos Tribunais, em verdadeira profissão de fé, como se decanta nos meios de comunicação que divulgam as impressões de ilustre conterrânea, Ministra Eliana Camon, no exercício da Corregedoria do CNJ?
Também não podemos perder de vista que a cruz também está presente em diversas condecorações das nossas Forças Armadas, que reconhecem a importância de valores históricos e culturais do povo brasileiro, como - por exemplo - a Ordem do Mérito da Defesa, recebida sem contestação de (in)constitucionalidade por inúmeros Ministros do Supremo Tribunal Federal, de ontem e de hoje. Isso sem contar magistrados de outros Tribunais Superiores, também agraciados pela honra de sustentar no peito a Grã Cruz dessa condecoração militar.
De mais a mais, não podemos desprezar que nos escuros e esquecidos escaninhos dos Tribunais, inclusive das Cortes Superiores, há inúmeros processos em tramitação lenta, filhos de uma Justiça inoperante, restando aos jurisdicionados desapadrinhados somente esperar a boa vontade do tempo em mantê-los vivos quando do julgamento tardio.
Por outro prisma, em outros tempos, até nossa moeda, base da economia da pátria, ostentou o nome “cruzeiro”. E não foi uma única vez, mas cinco vezes em nossa história monetária, inclusive tendo sido a base da atual moeda, o Real, que substituiu o “cruzeiro real”.
Vê-se, assim, que a cruz, o crucifixo, o cruzeiro, são elementos simbólicos arraigados na história e na cultura brasileira, significativos de valores morais supra religioso, que não podem e não devem ser desprezados, evitados ou escondidos, sob a mera alegação insensível e estreita do Estado laico.
Ora, se até mesmo a OAB se utiliza do Cruzeiro do Sul como referência simbólica de algo maior, extra religioso, é de causar espanto o uso de tamanha ferocidade na promoção da laicidade da República e nos requerimentos de retirada dos crucifixos dos Tribunais. Que se comece a faxina, se for o caso, pela própria casa e não pela casa dos outros.
Em resumo, o crucifixo, a cruz ou o cruzeiro, trata-se de elemento formador da própria República, pois além de estar presente em seus símbolos mais importantes, denota o próprio espírito formador da nossa pátria: esperança, liberdade, igualdade e fraternidade, que também são valores presentes em diversas religiões, mas nem por isso são exclusivos das mesmas.
Pensar diferente, tendo como móvel a retirada dos crucifixos para prestigiar o Estado laico, além de pequeno, rasteiro e estreito, é fechar os olhos para a própria humanidade, que se mantém de pé nesse século XXI graças a esses valores e sentimentos d’alma.
A República não carece da retirada de crucifixos dos Tribunais para se manter íntegra em todos os seus conceitos e amplitude, ao contrário: a manutenção confirma a sua essência e faz justiça a própria história do Brasil. Em verdade, o que a República sempre exigiu – desde a sua proclamação - foi o banimento de magistrados desafinados dos valores republicanos, adoradores do cifrão, que servem apenas de mero adorno nos Tribunais.