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Considerações acerca da formulação e utilização de laudos periciais em processos judiciais

25/03/2012 às 14:08
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O juiz, que não é uma autoridade universal, muitas vezes precisa da manifestação de um experto em determinado tema, para que possa solucionar a lide, sendo cada vez mais comum essa necessidade por serem cada vez mais complexas as causas.

Vivemos num mundo cada vez mais complexo. A complexidade do mundo atual é tão grande, que pode subjugar até o direito se não for dominada, perdendo a condição de instrumento para tomar a condição de agente decisional.

Não tenho dúvidas de que muitas das reformas constitucionais que se fazem hoje na Europa, em decorrência da supremacia normativa da União Européia e com o fito de proteger o “euro”, implicando na supressão de direitos constitucionalmente consagrados e expressamente expungidos das Cartas, o foram por indicação “técnica”.

Os técnicos fazem previsões em temas econômicos, previdenciários e de administração pública e, a partir delas, sem ter como contestá-las, os administradores públicos não temem desagradar a opinião pública e os eleitores, considerando estarem fazendo o melhor, mesmo que o “melhor” implique em ministrar remédios amargos e em resultados funestos, desde que verifáveis a longo prazo.

Em outras palavras, os técnicos são os atuais “conselheiros do rei”, principalmente sobre matérias que o rei não está em condições de compreender completamente e, sobre ele passam a exercer autoridade. O príncipe prefere desagradar o povo escudado em algum vaticínio técnico, do que correr o risco de ser responsabilizado no futuro, por alguma decisão considerada tecnicamente inadequada.

Nos processos judiciais, não é diferente esta constatação, ainda que com repercussão mais ou menos restrita. Mais ou menos restrita porque os processos judiciais projetam efeitos extraprocessuais, ultrapassando os limites processuais subjetivos para indicar ou contraindicar condutas da sociedade em gênero; explico: condutas são incentivadas ou evitadas, em muitos casos, pela divulgação de determinadas decisões judiciais. Quantos planos de saúde e comerciante modificaram o agir, a partir de uma decisão do STJ ou mesmo de uma súmula não vinculante.

Os técnicos que estão conduzindo, em algum grau, os políticos, passam a conduzir também os juízes, quando estes não se limitam a se valer da opinião do experto, mas por ela se conduzir, de maneira quase cega.

De fato, também o juiz, que não é uma autoridade universal, muitas vezes precisa da manifestação de um experto em determinado tema, para que possa solucionar a lide, sendo cada vez mais comum essa necessidade por serem cada vez mais complexas as causas e cada vez mais inalcançável a apreensão de seus contornos de fato,  pelo senso comum.

O juiz é um especialista em direito, mas a complexidade do mundo torna cada vez mais complexa a apreensão e a compreensão dos fatos, sem o que, o direito, se não perde o objeto, perde sua finalidade concreta.

O perito dá ao juiz os conhecimentos técnicos extrajurídicos, seja para a apuração dos fatos, seja para verificação de nexos de causa e efeito, seja para apuração das consequências dos atos dos agentes etc.

O importante contudo, é ressaltar que, se fosse possível resumir o trabalho do perito, em poucas palavras, seria de que a ele cabe aportar dados relevantes e não compreensíveis ou apuráveis por outro tipo de prova, ou seja, fazer a ponte entre a sua ciência e a ciência jurídica.

A ponte deve unir posições opostas, levar-nos ao outro lado do rio caudaloso, nos permitir chegar onde nossa vista não alcança. A ponte que mantém estanques os seus dois lados, não serve para nada, senão para dar a ilusão de um acesso inexistente. Assim também os laudos incompreensíveis, exceto pelo uso de uma ou outra palavra de uso comum ou mesmo pela conclusão hermética, adotada em sentido quase formulário, transcrita “ipsis literis” para converter-se em fundamento de decisão judicial.

Explico novamente: diante de cálculos incompreensíveis ou de perícias médicas que usam apenas jargões e que ao leigo (dentre eles o juiz) dá a compreender apenas o SIM ou o NÃO, o HÁ ou o NÃO HÁ, sem que os fundamentos da conclusão também possam ser conhecidos, a decisão judicial fundamenta-se no laudo, mas o laudo pode fundamentar-se apenas no arbítrio do perito, sem conter bases científicas sustentáveis, como um turista ocidental que, visitando o oriente sirva-se de um guia, precisando em crer em tudo o que ele fala ou indica, um verdadeiro refém do desconhecido. 

O juiz não pode converter-se em refém do perito, o que faz quando se comporta como o turista referido, sem preocupar-se em ler previamente alguma coisa sobre o país que visitará e até levar um dicionário básico; ao fazê-lo, fragiliza também as partes, estas as verdadeiras vítimas da imperícia do juiz.

Laudos incompreensíveis ao juiz e às partes não são laudos, porque não comunicam saberes, nem fornecem elementos que, submetidos ao cadinho do direito, permitem aplicar a lei ao caso concreto e mais, podem sequer constituir prova útil, porquanto duas coisas caracterizam uma opinião de autoridade, o conhecimento específico profundo sobre um tema e, a isenção. Sem conhecimento profundo sobre o tema do laudo (e hoje, já não é mais possível apenas nomear um perito médico, mas há de se ver, dentre as especialidades médicas, a que trata do tema objeto da dúvida do juiz, v.g.) e sem isenção, o resultado será uma mera opinião, uma advinhação ou mesmo o externar de um preconceito, travestido de peça científica.

A autoridade apenas aparente, ganha contornos de norma legal, quando é validada pelo juiz ou tribunal, a partir de outro preconceito, qual seja, de que o perito é infalível, isento e se utilizou de um método científico rigoroso para chegar a uma conclusão. O laudo pericial que tem suas conclusões albergadas pelo juiz de 1º grau, dificilmente é desqualificado pela decisão recursal que, muitas vezes aplica à prova pericial, o princípio da imediação (cujo mote é: o juiz de 1º Grau está mais apto a interpretar a prova que presidiu a produção) até pela ausência de possibilidade de aporte – em grau de recurso -  de outros elementos técnicos para afastar as conclusões do perito, diante da desconfiança que normalmente cerca a manifestação do assistente técnico, ainda que, cientificamente mais qualificada.

O assistente técnico, por não ser presumivelmente isento, dificilmente conseguirá convencer o juiz de que o perito do juízo está equivocada; ele pode ter um conhecimento até mais profundo, mas sempre se presumirá que não possui isenção, na medida que é pouco provável que alguém pague para produzir uma prova desfavorável. O pior é que, por vezes, o assistente comete o erro de querer usar mera retórica argumentativa, ao invés de usar a ciência do próprio perito, para desqualificar o laudo desfavorável ou para indicar uma solução diversa daquela a que chegou o experto do juízo.

Diante de um laudo incompreendido em sua essência pelo juiz e da pressão pela rápida solução do litígio, é comum o mero transcrever nas decisões judiciais das conclusões do  laudo incompreensível ao leigo, o que acaba convertendo o perito em árbitro e o juiz em mero homologador do desconhecido, além de tornar a própria decisão nula, por falta de fundamentação (que não é a mera opinião do juiz, mas a conclusão que chegou a partir de um procedimento científico).

Há um procedimento que legitima a sentença: a partir dos balizamentos derivados da litiscontestação, o juiz deve observar o contraditório, permitir a produção das provas a partir de uma liturgia indicada na lei, examinar as alegações e os fatos a partir das normas jurídicas, de uma forma crítica e, ao final, dizer quais as consequências que efeito os fatos provados (ou improvados) produzem sobre a pretensão.

O perito também está sujeito à liturgia própria de sua ciência que indica os passos que deve seguir, as perguntas que deve fazer e os procedimentos e instrumentos que devem ser utilizados para se obter as respostas, que devem implicar num pronunciamento compreensível também a quem não é experto na ciência do perito.

A fundamentação do laudo, assim como a fundamentação da sentença, deve ser compreensível para que possa ser criticada e ser criticável para que seja válida e democrática. O dever de fundamentação das decisões judiciais projeta-se também sobre o laudo, principalmente quando os fundamentos do laudo, tornam-se, “per relationem”, fundamentos da decisão judicial (e, na maioria das vezes, são).  Critica-se muito o hermetismo jurídico, mas admira-se o falar difícil de outras ciências, como se quanto mais incompreensível for a fala, mais competente seja o cientista.

Contudo, há laudos periciais que não correspondem ao exame crítico e científico dos elementos, mas afirmação de um senso comum do perito, travestido de conhecimento técnico, seja pelo uso de jargões, seja pela mera supressão da técnica, substituída pelo hermetismo, pelo laconismo, mero conhecimento mediano, convertido em pronunciamento irrefutável de autoridade (sins e nãos, desacompanhados dos porquês e que podem implicar em resultados diametralmente opostos, mas incontestáveis).

Nem tudo que um especialista fala, deve ser tido como manifestação científica, embora no Brasil façamos facilmente esta confusão (o Pelé já receitou vitaminas em um comercial e cantores e jogadores dão conselhos sobre produtos e serviços). O perito deve ser um especialista no objeto da perícia, deve seguir um método de apuração e de exposição do resultado e deve agir de forma isenta (qualquer preconceito do perito, vicia irremediavelmente o laudo), senão terá aparência de laudo pericial e conteúdo de opinião, de conhecimento mediano.

Por isso, o  juiz não pode se contentar com o conhecimento mediano, ainda que exposto de forma pomposa e em documento firmado por uma autoridade no tema. Deve se impor e impor o uso do senso crítico, na atuação das partes, advogados e auxiliares do juízo, inclusive o perito, como deve impor a sim próprio um agir e um dizer (o direito) científicamente sustentável..

Quando o juiz não conhece a norma ou sua interpretação, busca socorro na jurisprudência e na doutrina. Quando o juiz não compreende o laudo pericial, ou quando o laudo pericial carece de fundamentação científica, ele  deve impor ao perito a complementação e, na recusa, destitui-lo e nomear outro experto. Assim como não lhe é lícito substituir a norma jurídica pelo senso pessoal do direito, não pode permitir que o perito aja da mesma maneira, na medicina, contabilidade, genética, química, elétrica, economia, engenharia etc.

 Embora a celeridade seja extremamente desejável, “copiar e colar” o laudo pericial e fazer remissões genéricas à ausência de prova em contrário, não torna a decisão fundamentada e sim, uma manifestação ditatorial de uma autoridade que se refugia no desconhecido e abusa do poder que lhe foi conferido, para impor a presunção de que suas falas são sempre corretas e isentas de vícios.

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Para que a prova técnica seja realmente técnica, é preciso que os operadores jurídicos elaborem, na medida do possível, quesitos meditados e específicos para o processo, que colecionem os laudos primorosos, que pesquisem, que estudem, que troquem idéias com especialistas. A OAB e os Tribunais precisam ministrar formação em ciências extrajurídicas, dar conhecimentos mínimos que, mesmo que não impliquem na desnecessidade do perito, reforcem esta necessidade a partir da real utilidade. O juiz, especificamente, deve conversar com cada perito que pretenda ser inscrito no rol do juízo, acerca do que dele se espera, o conteúdo dos laudos, o modo de atuação na inspeção, nas verificações complementares e na própria elaboração do laudo, deixando claro ainda tanto a obrigação com um conteúdo materialmente científico, quanto formalmente aceitável, quanto a disposição do juízo de impor às partes a colaboração com o experto, a requisição de documentos etc., para que, ao final, com fulcro em suporte verdadeiramente técnico e metodologicamente confiável, poder decidir caminhando por terreno firme e conhecido.


O PERITO É LEIGO EM DIREITO. O JUIZ É LEIGO NA CIÊNCIA DO PERITO. Em sua origem latina, perícia é saber ou habilidade, mas não qualquer saber ou habilidade, o saber e a habilidade de alguém que exerce determinada profissão ou arte e nos limites delas. Não há autoridade universal, quando o perito invade outras searas, se torna um leigo (“o sapateiro não deve ir além do sapato”).

Assim, a perícia é – ou deveria ser -  a ponte que serve a transmitir aos operadores jurídicos, conhecimentos extrajurídicos necessários para sua atuação. Se o perito é leigo em matéria jurídica, os juízes e advogados são leigos em outras ciências e dependem do parecer do experto, ainda que, ao final, ao juiz não esteja a ele vinculado, por ser o perito dos peritos (“iudex peritus peritorum”).

O que se vê, contudo, é que os peritos cada vez mais querem demonstrar conhecimentos jurídicos, trazendo aportes jurisprudenciais e doutrinários jurídicos aos laudos etc. ao invés de considerar apenas as dúvidas postas em casos pretéritos, para levantar suas hipóteses, seja para confirmá-las, seja para afastá-las. Querem assim, ensinar direito ao juiz (que é autoridade nesse tema), ao invés do tratar do tema que levou o juiz a nomeá-lo e em que o juiz é leigo ou, quiçá, trazer elementos exógenos – jurídicos ou retóricos -  para outorgar ao laudo uma autoridade que não teria pelo conteúdo que lhe é próprio.

Contra uma profusão de sins e de não sem os porquês, sucedidos por uma conclusão ditada em linguagem hermética, resta ao juiz pescar um ou outro vocábulo útil (há nexo causal, não há nexo causal, há

Entretanto, o mais grave não é isso, já que, esquece que o juiz e os advogados são leigos na matéria objeto do laudo, não estando obrigados a entender jargões técnicos, linguagens herméticas (médica, por exemplo) e delas se utilizam em profusão e mais, sem tradução, com um resultado funesto: é comum que alguns juízes, sem entender os fundamentos do laudo, baseiem-se apenas em suas conclusões, no SIM e no NÃO, no há e no não há nexo, sem que possa fazer um exame mais aprofundado dos motivos que induziram essa conclusão e mais, sem possibilidade de buscar nas outras provas confirmar ou infirmar as falas do perito.

A falta de fundamentação do laudo, ao menos a falta de uma fundamentação compreensível ao leigo – que é a razão principal a impor a sua confecção – torna arbitrária a conclusão do experto, seguida pela decisão também arbitrária do juiz que se limitar a transcrever entre aspas o que disse o experto, para apenas dar o aval judicial à sua fala.


A PROVA PERICIAL É UMA PROVA TÉCNICA. Como referido alhures, o laudo pericial é uma peça científica, de forma que, sua elaboração exige objeto específico e utilização de método (e não de mero procedimento), com fundamentação também científica de suas conclusões. Como as decisões judiciais devem ser fundamentadas (art. 93, IX, CRFB), também os laudos periciais devem sê-lo e mais, fundamentados com base científicas e não meramente leigas (achismos).

Nessa quadra, em que reside a cientificidade do laudo?

Primeirto, a  cientificidade não reside apenas no laudo, mas nos atos do perito que o precedem, a formulação das hipóteses, a inspeção ou a avaliação, a quesitação etc.

Por outro lado, o laudo é um relatório técnico objetivo, que deve indicar as hipóteses provisórias, os quesitos das partes, o objeto, o método utilizado para solucionar as questões postas,  os aparelhos e instrumentos utilizados (com referência à aferição técnica que os torna confiáveis etc.) o modo como foram realizados os exames, indicações doutrinárias que apontem quais os exames que devam ser realizados e como devem ser realizados, para confirmar ou infirmar determinadas hipóteses etc. Não é objeto deste artigo indicar em específico a construção do laudo, até pela variabilidade decorrente do objeto.

Respostas herméticas, que abundam nos laudos periciais não são sequer indutivas, traduzindo argumento de autoridade inaceitável em uma prova judicial, destinada a submeter-se ao contraditório (ser objeto de impugnação etc.).

Para quesitos complexos, limitam-se a SIM, a NÃO, a remissões nem sempre encontráveis (“já respondido”, “ver corpo do laudo” etc.) ou mesmo à dúvida ou ao arbitramento igualmente não fundamentado. Diante de um determinado fato, o cientista deve levantar as hipóteses prováveis, submetê-las a prova, descartar as improvadas e indicar uma conclusão (ou a impossibilidade de fazê-lo).

Para levantar as hipóteses, pode inquirir as partes e testemunhas, mas não é dessas oitivas que pode extrair, isoladamente, suas conclusões. O perito não é experto em tomada de depoimentos, nem a prova pericial pode ser confundida com proval oral[1]; o que pode e deve é, ouvindo informalmente as partes e testemunhas no curso da inspeção, extrair, em complemento aos quesitos, as hipóteses a serem investigadas para depois confirmá-las ou infirmá-las a partir de elementos técnicos, indicar a impossibilidade de fazê-lo ou submeter ao juiz, v.g.,: a) “Fulano de tal afirmou que o acidente ocorreu de forma “x”; se tivesse ocorrido dessa forma, deveria deixar os sinais “z”, “y” e “w”  conforme indica a doutrina médica, sendo que, os exames complementares não confirmaram a presença desses sinais”; b) Fulano afirmou “x”, siclano afirmou “y”, pelo que, passo a examinar essas hipóteses... Em ficando prova que o autor estava submetido a tal ou tal condição, por pelo menos “x” tempo por mês, fica descartada a origem congênita da patologia...” (nesse caso, a prova pericial deve ser complementada pela prova oral ou documental)[2].

O perito é um investigador de fatos à luz de determinada ciência, não seu adivinho... é indutiva a conclusão de que determinada situação verificada no momento da inspeção existia ou não existia ao tempo do lapso objetivado no processo, ou seja, não é porque a situação encontrada pelo perito é “x” que ele possa concluir que era “x” há vários anos atrás; cabe-lhe – para utilizar o exemplo dado – que indique se houve ou não alterações e, se essas alterações poderiam ter melhorado ou piorado o ambiente investigado, ainda que relegue para o juiz (e as provas que determinará) apurar qual era o “status quo” na época objeto da pretensão. Em outras palavras, é indutiva e inválida a conclusão de que, se hoje é assim, sempre foi assim, quando pode haver tanto depreciação das condições, quanto a sua melhoria, inclusive industriadas para induzir o perito a concluir que as condições sempre foram favoráveis ou desfavoráveis. O que ele pode concluir é pelo que viu, ouviu, testou de forma científica e só isso. 

Em verdade, no laudo pericial, o perito deve formular raciocínios dedutivos e apenas quando não for possível (dada a inexistência, por exemplo, de elementos que permitam a realização de exames técnicos complementares) e, após deixar explícita essa condição, indicar também de forma expressa, uma conclusão indutiva, que servirá então como mero ponto de apoio para que o juiz, com suporte em outras provas complementares, possa decidir acerca do tema. Assim, não pode o perito concluir que algo ocorreu de determinada forma, porque via de regra assim ocorre, sem afastar, fundamentadamente, todas as hipóteses que poderiam indicar ou a não ocorrência do evento, ou sua origem diversa da habitual.

O perito deve assim, deduzir suas conclusões a partir de um método ditado por sua ciência, com o máximo rigor na respectiva aplicação. Decorre desse caráter dedutivo que a fundamentação do laudo deve ser lógica e não meramente argumentativa (o perito deve trazer fatos cientificamente comprovados e não argumentos), muito menos retórica (em seus sentido pejorativo, de convencer mesmo sem ter razão).  Se, o argumento de autoridade vem sendo utilizado pelo juiz para louvar o laudo (principalmente na ausência de outros elementos), não pode ser utilizado pelo perito, para concluir – é assim porque eu, autoridade no assunto, digo que é assim). Laudo não construído de modo formalmente lógico e a partir de constatações ditadas pelo preconceito ou a partir de modelos e não do caso concreto  é mera peça opinativa, ainda que emitida por autoridade no assunto e detenha condição formal de laudo, com conteúdo divorciado dessa classificação.


CONCLUSÕES: As conclusões são sombrias. Por um lado, a complexidade vem tornando o juiz cada vez mais dependente da utilização da prova técnica. Por outro lado, o   jeitinho brasileiro contaminou a técnica e não há, em muitos casos, a preocupação com o rigor metodológico e científico, com a formulação de todas as hipóteses relevantes, com a respectiva submissão à prova (se as partes e o juiz não perguntarem, é possível que uma questão complexa receba resposta simplista e sem qualquer explicação da origem da conclusão ou mesmo que o perito não faça questão alguma, limitando-se a expor o problema e ditar a solução, de forma desfundamentada). Há peritos que estão mais preocupados com examinar a jurisprudência em questões similares e fundamentar mais o pedido de honorários, do que fornecer ao juiz elementos robustos para a solução do caso concreto, embora haja também peritos conscientes, dedicados e realmente isentos que, sem qualquer preconceito, buscam aplicar sua ciência com rigor e transmitir as conclusões com humildade e simplicidade de fala, para torná-la aproveitável no processo, embora os honorários a que fariam jus sejam muito maiores do que lhes é possível arbitrar. Há juízes que consideram a prova pericial mera exigência formal e que não se preocupam nem com a escolha dos peritos (cada vez mais raros, por conta dos honorários parcos e morosos), nem com os quesitos, muito menos com uma análise crítica e não meramente assimilativa ou compilativa das conclusões do experto, convertendo a conclusão do perito em dispositivo de sentença. Para completar, os tribunais podem tender a considerar que o perito é uma autoridade irrefutável, que o juiz de 1º grau está mais apto a interpretar a prova pericial e que, a celeridade processual é preferível sempre, usando o que Taruffo designou “tecnique di salvataggio”, refutando-se arguições de nulidade e abdicando da materialidade que a prova pericial poderia e deveria aportar, para se contentar com a mera formalidade. Como a complexidade do mundo atual é cada vez maior, mais lúgubre e real é a possibilidade das injustiças nascerem do descaso ou das ignorâncias do perito, sucedidas pelo descaso, preguiça ou ignorância específica do juiz e do tribunal, revogando-se até a lei da gravidade, em razão de presunção ou de um laudo que suscite esta hipótese absurda, para descrédito das instituições judiciárias e das próprias leis.


Notas

[1]  O perito pode inquirir pessoas para obter dados, no momento da inspeção, mas disto pode extrair apenas hipóteses e não conclusões. Ele não é experto em tomada de depoimentos e mesmo os juízes, muitíssimo mais experientes nessa atividade, são muitas vezes enganados. Um perito só pode considerar determinada hipótese como única, quando se tratar de  matéria incontroversa nos autos, assim reconhecida pelo juiz.

[2]  - O perito pode e deve requisitar a apresentação de documentos ou objetos para a verificação, comunicando ao juiz eventuais recusas ou resistência à colaboração. Não deve, por outro lado, aceitar qualquer forma de pressão ou de sugestão de conclusão, igualmente comunicando ao juiz, qualquer ato das partes, procuradores ou serventuários, que possam por em dúvida sua independência e isenção.

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Sobre o autor
José Ernesto Manzi

Desembargador do TRT-SC. Juiz do Trabalho desde 1990, especialista em Direito Administrativo (La Sapienza – Roma), Processos Constitucionais (UCLM – Toledo – España), Processo Civil (Unoesc – Chapecó – SC – Brasil). Mestre em Ciência Jurídica (UNIVALI – Itajaí – SC – Brasil). Doutorando em Direitos Sociais (UCLM – Ciudad Real – España). Bacharel em Filosofia (UFSC – Florianópolis – SC – Brasil), tendo recebido o prêmio Mérito Estudantil (Primeiro da Turma)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MANZI, José Ernesto. Considerações acerca da formulação e utilização de laudos periciais em processos judiciais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3189, 25 mar. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21363. Acesso em: 21 nov. 2024.

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