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Reforma do Judiciário (I):

Efeito Obstativo versus Efeito Vinculante

05/05/1997 às 00:00
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Discute-se no meio judiciário, atualmente, o tema do efeito vinculante de súmulas do Supremo Tribunal Federal e de Tribunais Superiores, em decorrência de propostas de emenda constitucional em debate tanto na Câmara dos Deputados quanto no Senado Federal, na linha do efeito vinculante concedido pela Constituição às decisões da Suprema Corte decorrentes do exame de ação declaratória de constitucionalidade.

O Supremo Tribunal Federal, por intermédio do Eminente Ministro Sepúlveda Pertence, tem avalizado as propostas de emenda constitucional que insiram a possibilidade do STF, ainda que por quorum privilegiado, dar efeito vinculante a súmula sobre questão reiteradamente decidida. Defende-se que com a edição da súmula vinculante o STF poderia ver-se desafogado da imensidão de recursos que lhe são submetidos para exame de questão idêntica antes já reiteradamente decidida pela Corte em sentido contrário ao apelo extremo interposto. No bojo das propostas, variam o alcance da vinculação a Juízos e Tribunais e mesmo à Administração Pública em geral, inclusive quanto à responsabilidade de magistrados e outros agentes que ousem descumprir o enunciado pela Suprema Corte (e em alguns projetos, quanto a temas infraconstitucionais, também os Tribunais Superiores).

Ora, com a devida vênia das ilustradas vozes que têm defendido a súmula vinculante, venho tecer considerações que denotam a fragilidade de determinados argumentos ainda não muito debatidos, enquanto pretendo demonstrar, também, a diversidade da natureza vinculativa da decisão proferida em exame de tese decorrente de ação declaratória de (in)constitucionalidade.

Não há dúvida de que a súmula é essencial como instrumento indicativo e persuasivo do entendimento predominante existente no Supremo Tribunal Federal e nos Tribunais Superiores, devendo sempre ser homenageada como meio de indicação dos precedentes judiciários, como resumo dos inúmeros casos repetitivos julgados pela respectiva Corte, não apenas a outros Juízos e Tribunais Judiciários, mas também em relação à Administração Pública e à Sociedade.

No entanto, erra quem diz que a vinculação do entendimento nela contido faria sucumbir inúmeros casos idênticos, porque as partes continuariam a provocar o Judiciário (e, segundo algumas propostas, diretamente o Tribunal editor da súmula, por via de reclamação) no sentido de argüir a indevida aplicação da súmula, ou mesmo a sua não aplicação, em casos de duvidosa exegese ou mesmo por mera protelação. Assim, de que adiantaria ao STF deixar de analisar recursos extraordinários e agravos se passaria a ter que analisar número igual ou superior de reclamações, originariamente processadas, eis que estas não passam pelo juízo primeiro de admissibilidade nos Tribunais recorridos, certamente filtro desestimulador a muitas aventuras judiciárias?

Igualmente, pensar-se em conotar como crime de responsabilidade a interpretação divergente do magistrado de instância inferior é destruir a própria essência do Judiciário: a livre convicção no julgar o fato conforme o direito, e nem sempre o fato que leva determinada Corte a enunciar súmula de jurisprudência predominante se verifica integralmente noutro caso, tendo o Juiz inferior que apreciar o direito que melhor se conforma à nova hipótese. Como, contudo, ficaria, se a súmula lhe obrigasse a contorcer o fato para adequar o direito enunciado? Como, igualmente, ficaria o Juiz como agente político do Estado, se passasse a temer decidir, eis que a mera enunciação de hipótese jurídica em confronto a algum enunciado poderia acarretar a perda do cargo por crime de responsabilidade? Nem as bruxas de Salém temeram tanto as fogueiras... Neste sentido, inclusive, há que se ter na lembrança, sempre, que várias vezes enunciados, de mesmo ou diversos Tribunais, adentram em conflito, e a escolha pelo Juiz de qual enunciado estaria vigente ou sobreposto a outro passaria a ser tarefa lotérica na fuga da possível responsabilidade, senão criminal, talvez disciplinar, ao invés da devida investigação do caso e enunciação da hipótese jurídica que entenda mais adequada à expressão da Justiça.

Com a devida vênia, o Supremo Tribunal tem pecado ao defender a súmula vinculante quando esqueceu há muito de sumular o direito por ele enunciado em casos vários, o que certamente poderia permitir que vários recursos fossem obstaculizados na origem pelos Presidentes de Tribunais inferiores, ou mesmo no próprio Tribunal por mera decisão singular dos Ministros-Relatores - não é preciso ir muito longe para verificarmos que o CPC permite isto, tanto quando disciplina o recurso extraordinário e o recurso especial (art. 541 e ss.) e, principalmente, também quando fez estendida a regra de trancamento de recursos quaisquer (e não apenas agravos) manifestamente inadmissíveis, improcedentes, prejudicados ou contrários à súmula do respectivo tribunal ou tribunal superior (art. 557).

Lamentavelmente, o STF tem insistido na temática das súmulas vinculantes como forma de desafogar o Tribunal. No entanto, se formos verificar, há anos o STF não edita qualquer enunciado da súmula de jurisprudência predominante, o que poderia ser suficiente a balizar, para os Tribunais e Juízos inferiores, a linha de entendimento atual da Suprema Corte sobre vários temas. Assim, insistir-se na súmula vinculante, quando a súmula comum não tem sido utilizada, não se coaduna com a expectativa do STF de que naquela estará a esperança de retornar o Tribunal a funções especiais de intérprete da Constituição e julgador das causas políticas relevantes.

Se formos verificar propriamente a proposta da súmula vinculante, o STF trocaria o exame de recursos por reclamações apresentadas diretamente em seu protocolo, sequer possibilitando, como naqueles, o juízo primeiro de admissibilidade dos apelos pelos Presidentes dos Tribunais; será que os Ministros do STF preferem uma avalanche de reclamações para preservação de sua competência maior que o número de recursos admitidos a exame? Outro detalhe: tem-se verificado que o STF não se utiliza muito do expediente legalmente estabelecido de trancar, por decisão do Relator, recursos manifestamente incabíveis, improcedentes, ou prejudicados, preferindo submeter às Turmas e ao Pleno casos reiteradamente já decididos, e que, pelos precedentes, poderiam ser singularmente decididos na conformidade da jurisprudência sumulada (que atualmente se paralisou). Mais ainda: o STF apenas conseguirá fôlego quando casos que não merecem o exame especial da Suprema Corte forem deslocados para outras Cortes, como os habeas-corpus contra decisões de Tribunais não-Superiores, e recursos ordinários em determinadas matérias, quando melhor seria apenas possibilitar o habeas-corpus, em sendo coator Tribunal, quando o mesmo for Tribunal Superior, e os recursos, sempre, quando envolverem matéria constitucional, ou seja, a eliminação do recurso simples em favor do recurso extraordinário, que deveria ficar restrito à invocação de contrariedade à Constituição Federal ou a divergência da decisão recorrida com decisão do próprio Supremo Tribunal Federal, de modo a que o entendimento do Excelso Pretório possa prevalecer. No âmbito dos demais Tribunais, a eliminação dos malsinados embargos infringentes da legislação possibilitaria que as Turmas julgadoras voltassem a ter apenas três Juízes, ao invés dos atuais quatro (em que um necessariamente não vota), permitindo uma ampliação do número de Colegiados aptos a votar, e maior dinamização da prestação jurisdicional sem a imediata ampliação do número de julgadores, na maior parte das Cortes. Igualmente, se se permitisse que o STJ, ao exemplo do TST, examinasse em grau de recurso especial (como no recurso de revista) matéria constitucional, acarretaria que o recurso extraordinário apenas derivaria das decisões dos Tribunais Superiores, limitando o espectro de casos possíveis para exame da Suprema Corte, quando atualmente ao STF se endereçam recursos, além dos Tribunais Superiores, também a partir de todos os Tribunais de Justiça, inclusive Militares, e Tribunais de Alçada e dos

Tribunais Regionais Federais. Como proposta, a súmula vinculante não resolve os problemas do Judiciário, e pode acarretar outros de maior envergadura, difíceis, no futuro, de serem sanados, eis que não pode o Judiciário fazer experimentos no campo constitucional, sugerindo, de tempos em tempos, ao Congresso, emendas constitucionais relativas à distribuição de suas competências e procedimentos aplicáveis.

Muitas questões poderiam restar suplantadas no nível infraconstitucionais, por alteração de leis processuais que alcançassem os diversos ramos judiciários, alargando institutos atualmente existentes e pouco difundidos, e mesmo excluindo outros, como recursos impróprios e procedimentos excessivos; para tanto, melhor que muitas, poderia ser transpor a iniciativa exclusiva das leis no campo processual ao Supremo Tribunal Federal, eis que atualmente o Judiciário tem que se curvar a leis processuais equivocadas, levando por isto culpa de crime não cometido, enquanto se assumisse a tarefa de iniciativa legislativa neste campo, certamente haveríamos de ter melhores frutos no desafogamento das pendências judiciárias. De todo modo, enquanto não alargado o artigo 557 do Código de Processo Civil, por exemplo, os Tribunais poderiam começar aplicando o que o mesmo já lhes possibilita, desafogando as pautas, questão sempre problemática na administração forense, eis que o dia, nesse planeta, apenas tem 24 horas... quiçá, assim, já teríamos demonstração de que os processos corriqueiros não precisariam prejudicar os processos de questões ainda não debatidas... O Supremo por diversas vezes enunciou que o duplo grau de jurisdição não está erigido a nível constitucional, tanto assim que continua admitindo a constitucionalidade das Leis que na Justiça Federal admitem os embargos de alçada para o próprio Juiz Federal, entendendo não haver qualquer prejuízo à regra do artigo 108 (competência recursal do TRF), e na Justiça do Trabalho até mais, pela inexistência de recurso à falta de matéria constitucional nos casos de alçada exclusiva das Juntas, entendendo não haver prejuízo às regras de competência recursal dos Tribunais Regionais do Trabalho. Igualmente, o STF tem entendido que o dispositivo constitucional que assevera "meios e recursos inerentes" à ampla defesa condizem com aqueles que forem instituídos pela legislação processual, desde que preservados os meios constitucionais de recurso, e, neste sentido, inclusive apenas entende preservado o recurso extraordinário, porque o trancamento de recurso na Justiça Federal, por exemplo, não consegue submeter o recurso ao STJ, mas apenas ao próprio STF, por força agora do artigo 102, III, da CF, que não exige que as decisões atacadas sejam de Tribunais, isto se houver matéria constitucional prequestionada. Ademais, a possibilidade do agravo contra as decisões denegatórias também dos Juízes de primeiro grau quanto a recursos determinados acarreta, por tal via instrumental, o reexame do acerto pelo Tribunal Regional, de Alçada ou de Justiça, preservando, assim, o duplo grau de jurisdição, embora com a extensão dada pelo legislador, e não em caráter absoluto como pretendem alguns. Perfeitamente possível, pois, a regra proposta, em nível infraconstitucional, melhor que a súmula vinculante, que, aliás, igualmente sofreria os problemas de submeter os Tribunais a um volume excessivo de casos, para reexaminar se o Juiz ou Tribunal inferior bem ou mal aplicou os enunciados da súmula. O problema de mera adoção da súmula vinculante, pois, não resolve e pode até piorar o problema do acúmulo de processos nos Tribunais, além, de como proposto, instituir risco à segurança judiciária, porque alguns Juízes podem ser apenados por crime de responsabilidade, outros não... Pedindo vênia para entrar na celeuma, tenho debatido que a súmula vinculante é desnecessária ante regra melhor desenvolvida pelo artigo 557 do CPC, aliás de caráter geral por norma inserida no capítulo da "ordem dos processos nos tribunais", atingindo indiscriminadamente todos os Tribunais não-penais, inclusive os Tribunais do Trabalho, dada a omissão da CLT no particular. Tal regra alarga os casos de trancamento de recursos infundados, impedindo que o Judiciário fique, nos Tribunais, abarrotado de causas já reiteradamente decididas, embora, como tal pronunciamento não seja vinculativo, haja sempre a possibilidade de um Tribunal recalcitrante insistir na reformulação da jurisprudência sumulada - contudo, a manutenção da jurisprudência persiste sob o controle do Tribunal Superior ou do Supremo, seja por dispositivos similares de trancamento de recursos, seja pela aplicação mais ampla, também neles, do artigo 557/CPC. E tudo sem os traumas criados pela possível responsabilidade do Juiz supostamente recalcitrante, o que se afigura absurdo, porque mesmo súmulas permitem, como enunciado da jurisprudência predominante, encontrarmos divergência entre si ou com casos concretos em análise. Melhor seria alargar ainda mais o artigo 557/CPC, para permitir que o mesmo juízo de admissibilidade permitido ao Relator por força do referido dispositivo legal fosse estendido também aos encarregados do juízo de admissibilidade perante o órgão processante do recurso, ou seja, os Juízes de Primeiro Grau e os Presidentes ou substitutos nos Tribunais, evitando-se, por tudo isto, que as pautas fiquem inadministráveis, e assim permitindo o desafogamento dos Colegiados, pelo julgamento das causas novas ou de apto conhecimento, sem prejuízo, sempre, de que o Relator persista com entendimento divergente com a intenção de rediscutir súmula jurisprudencial.

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No entanto, se a intenção é dar relevo constitucional ao tema, melhor seria que a súmula tivesse explicitado o caráter obstativo de recursos interpostos contra decisões nela baseada, sem impedir que o Juiz ou Tribunal que emitisse pronunciamento contrário pudesse ver a questão alçada a nível superior, para possível reexame pela Corte editora do verbete sumular contrariado, se no caminho inclusive outros Tribunais a tal súmula não se curvassem. Porque não há nas propostas de emenda constitucional em debate qualquer alento à atividade judicante de primeiro grau, que mesmo com súmulas vinculantes permaneceriam obrigadas a julgar casos que se repetem. Assim, preferível então que tais Juízos inferiores possam, já que obrigados a julgar o caso repetitivo, denegar seguimento a recursos interpostos contra a decisão prolatada, se conforme a determina súmula. Se contrário o Juiz a tal entendimento, o apelo poderia ser trancado por mera decisão do Relator, se este entendesse conforme súmula superior ou do próprio Tribunal. No funil judiciário, casos protelatórios, com precedentes firmes e por via de súmulas respeitadas (inclusive e principalmente pelo Tribunal editor), certamente diminuiriam, e a própria aplicação delas em primeiro grau de jurisdição também desestimularia proposituras de causas para meras aventuras judiciárias. Na linha da racionalização dos recursos, o agravo contra as decisões denegatórias de recurso por divergência com súmula poderia, na forma do que presentemente ocorre no STF e STJ, ser de competência monocrática dos Relatores, e os eventuais agravos regimentais passarem igualmente a ser decididos monocraticamente, necessariamente por Relator diverso (eis que há que ser ter como racional a hipótese de em havendo a manifestação conjunta de dois Juízes no mesmo sentido, ou seja, o Relator originário e o Relator do agravo "regimental", ser desnecessário o encaminhamento do mesmo ao Colegiado, em regra as Turmas, compostas de três Juízes).

Agora vejamos: não é melhor tal forma de controle jurisprudencial, em que o Juiz de primeiro grau continua livre a decidir contrariamente à súmula, se não se convencer do seu acerto, e permite que a questão seja reexaminada, do que a súmula com vinculação indistinta e até com grau de responsabilidade criminal? Porque, julgando em conformidade com a súmula, e assim trancando recurso seguinte, haveria a parte que convencer, em agravo, o Tribunal a admitir o recurso por haver matéria distinta da sumulada (e assim, a questão do reexame da súmula estaria sempre aberto - doutro lado, não se convencendo o Tribunal de razoabilidade do argumento, o agravo, inadmitido, trancaria em definitivo a via recursal à parte, desafogando os Tribunais) - por sua vez, julgando contrariamente à súmula, o recurso não poderia, a princípio, ser inadmitido, passando o Tribunal a assumir a posição primeira de conformar a parte à jurisprudência pacífica ou, usando o argumento da primeira instância, igualmente manter (ou abrir, se a questão lhe chega pelo agravo, como já disse) a divergência contra a súmula, obrigando ao reexame da questão por Tribunal superior, ou mesmo pelo Supremo. Alguns dirão que é exatamente esta insurgência que se tenta evitar com a súmula; mas, então, para que Juízes, se meros funcionários poderão abrir catálogos de enunciados e marcar, até em formulários padrões, os que se adequem à hipótese - não será isto que estaremos a fazer com a súmula meramente vinculativa e aterrorizadora pelo crime de responsabilidade (ou, em hipótese não menos confortadora, a pressão disciplinar dos Conselhos (externos ou internos) da Magistratura, como vêm sendo propostos? Não estão esquecendo, os defensores cegos da súmula vinculante, que alguém haverá que controlar o acerto de sua aplicação, e igualmente teremos os Tribunais agora a verificar milhares e milhares de processos, cada qual com a parte se insurgindo contra a aplicação sumular procedida, num exame que passa a ser de mérito e não mais de cunho processual, a permitir, assim, que o STF continue com carga excessiva para julgar, embora sem mais o relevo de discutir teses novas, mas meras confirmações do que antes julgado. Defendo toda a autoridade da súmula, desde que permaneçamos Juízes com toda a autoridade para aplicar o Direito conforme o caso, no buscar Justiça... Se a súmula a tanto não chegar, como faremos? Se temos que obstaculizar os recursos procrastinatórios, a saída está na legislação processual, sem nem mesmo necessidade de alçar a questão à intangibilidade da norma constitucional.

Se efeito vinculante há de ser dado, com certeza é no campo das ações diretas de inconstitucionalidade, onde o Supremo Tribunal Federal (e os Tribunais de Justiça, no caso de afronta peculiar das Constituições Locais) age como verdadeiro legislador negativo, suprimindo (e não apenas suspendendo, o que ocorre efetivamente por ocasião da concessão de liminar em ADIn) a lei ou o ato normativo declarado inconstitucional, ou quando julga improcedente a ação, assumindo a plena constitucionalidade da norma questionada. Neste sentido, realmente é despropositado que Juízos e Tribunais inferiores ao STF continuem julgando contrariamente ao julgado em abstrato pela Corte Suprema no resultado da mais nobre expressão de sua qualidade de Corte Constitucional. Há que se verificar que as Cortes Constitucionais estrangeiras que serviram de modelo à remodelação do STF dada pela Constituinte de 1987 têm sempre a capacidade anulatória da lei ou do ato normativo declarado inconstitucional, e se nula a lei ou ato, inadmissível que se possa invocá-lo em qualquer sentido, na mesma linha do que ocorre quando o Judiciário, no controle de legalidade dos atos administrativos, entende impróprio o ato emanado da Administração Pública.

Assim, melhor que a reforma do Judiciário, sem prejuízo de outras questões (como a reformulação de competências dos diversos Tribunais e ramos judiciários ou a própria reestruturação de algumas Cortes e ramos judiciários), (1) enunciasse o caráter vinculativo das decisões do STF nas ações diretas de inconstitucionalidade (como já ocorre nas ações declaratórias de constitucionalidade, com a qual detém nítida identidade e mesmo poderia ser com tal fundida), e, (2) quanto às súmulas, estendesse o caráter obstativo também ao exame dos Juízos de Primeiro Grau, inclusive nas remessas de ofício, sempre que as decisões recorridas estivessem em consonância com o verbete sumular, na forma do consagrado atualmente pelo artigo 557 do Código de Processo Civil, sem qualquer efeito vinculante ou punitivo por parte das súmulas aos Juízes e Tribunais que dela divergissem, o que permitiria a oxigenação do Direito se os demais Tribunais igualmente se curvassem à nova exegese dada à questão, até a própria reformulação, se o caso, do enunciado em súmula pelo Tribunal Superior dela editor, denotando o exame singular, nos Tribunais, dos agravos interpostos contra tais decisões denegatórias de recursos contrários às súmulas.

Continuando o debate da possibilidade de emenda constitucional que transforma a súmula de jurisprudência predominante em norma vinculativa, acima inclusive da lei (eis que o Juiz pode não aplicar a lei em prol de princípios constitucionais, ainda que implícitos, com os quais conflite, mas, segundo os projetos de emenda constitucional em exame no Congresso, não poderá deixar de aplicar a súmula vinculante, em alguns casos até sob pena de responder por crime de responsabilidade), e defendendo meu posicionamento quanto à necessidade de dar efeito vinculante apenas às decisões proferidas em ações diretas de inconstitucionalidade, eis que nelas age o Supremo Tribunal Federal como legislador negativo, declarando que determinada lei ou ato normativo não se conforma à Constituição Federal, em exame em tese similar ao de diversas Cortes Constitucionais européias contemporâneas, enquanto posicionando-me contrário a dar-se efeito vinculante às súmulas, inclusive porque entendo ter demonstrado que os Tribunais não terão diminuídos seus trabalhos, apenas alterando-se a forma de insurgência das partes irresignadas (ao invés de recursos e agravos, os Tribunais passarão a examinar reclamações originárias, a dispensar inclusive o crivo primeiro de admissibilidade perpetrado pelos Presidentes dos Tribunais das decisões impugnadas...), entendo que alargar-se o efeito obstativo da súmula poderia, sem afrontar a consciência e independência dos Juízes e Tribunais inferiores, colaborar para uma devida diminuição dos casos a serem examinados nas Cortes, inclusive, neste sentido, afastando o propalado duplo grau de jurisdição, que não existe especificado na Constituição e deriva de construção jurisprudencial, mas que não pode ser invocado para defender interesses meramente procrastinatórios ou inconformismos exacerbados de jurisdicionados, se posicionamento firme dos Tribunais (em súmulas respeitadas, como diz Dallari, e não apenas impostas, porque a autoridade emana do conteúdo e dos precedentes, da evolução do Direito, e não de reuniões administrativas ou de quoruns acidentais...) colide com tais interesses.

Neste sentido, o Judiciário, sem afrontar a busca do cidadão a ter seus conflitos resolvidos pelo Estado-Juiz, evitará que o implemento indevido de causas perdidas prejudique o legítimo interesse de quem necessita a pronta intervenção judiciária, quando hoje acaba por ver sua vida mofar em autos apodrecidos, em estantes empilhadas de outros iguais, sem nada que possa suplantar a dor de não ter a pretensão ou a resistência declarada como legítima ou não.

A tal modo, também concordo com a opinião do colega Danilo Carvalho (ES), quando inclusive defende que os recursos procrastinatórios poderiam ser apenados com a duplicação da condenação, se assim declarados - e não é difícil permitir tal via obstativa, também, eis que o próprio CPC pressupõe a aplicação de multa em relação a embargos de declaração procrastinatórios.

Apenas no sentido de permitir o debate, e mesmo, se o caso, a consolidação do pensamento dos magistrados em prol de uma proposta firme tendente a substituir as atuais propostas de emenda constitucional em exame tanto na Câmara quanto no Senado Federal, entendo que, no particular, afastando o contido nas atuais propostas parlamentares, a PEC poderia ter o seguinte conteúdo:

"Art. A - O artigo 97 passa a vigorar com a seguinte redação e parágrafos acrescidos:

‘Art. 97. Somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial ou câmara especializada poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público ou enunciar em súmula a jurisprudência predominante, para sua uniformização.

§ 1º. As súmulas dependerão, para edição, de ter o Tribunal proferido, ao menos, três decisões unânimes ou seis majoritárias, no sentido da jurisprudência enunciada.

§ 2º. Qualquer recurso contra decisão fundada em súmula do Supremo Tribunal Federal ou de tribunal superior poderá ter seguimento negado no juízo ou tribunal de origem.

§ 3º. O relator, nos tribunais, negará seguimento ou provimento a qualquer recurso manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou contrário à súmula do respectivo tribunal ou tribunal superior.

§ 4º. Contra a decisão monocrática que denegar seguimento ou provimento caberá agravo ao órgão competente para o julgamento do recurso, podendo o provimento do agravo ficar sujeito apenas ao voto favorável de relator diverso ou de colégio especial para tanto, ante a relevância da questão ou desacerto da decisão agravada, e acarretar, ainda, na forma da lei, multa, em favor da parte recorrida, até o valor da condenação originária ou do valor da causa, em caso de improvimento e declaração da natureza procrastinatória do recurso trancado.´

Art. B - São excluídos os parágrafos 1º e 2º do artigo 102 da Constituição Federal.

Art. C - O artigo 103 da Constituição Federal passa a vigorar com a seguinte redação:

´Art. 103. Podem propor a ação direta de inconstitucionalidade:

I - o Presidente da República;

II - a Mesa do Congresso Nacional;

III - o Governador de Estado ou do Distrito Federal;

IV - a Mesa de Assembléia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal;

V - o Procurador-Geral da República;

VI - o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil;

VII - Partido Político com representação no Congresso Nacional;

VIII - confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional, no limite do interesse da respectiva associação.

§ 1º. O Procurador-Geral da República deverá ser ouvido nas ações diretas de inconstitucionalidade, ainda quando haja proposto a ação, após prestadas as informações pelas autoridades ou órgãos editores da lei ou do ato impugnado.

§ 2º. As liminares em ação direta de inconstitucionalidade deverão ser pronunciadas pela maioria do Supremo Tribunal Federal, ou, nos períodos de recesso, pelo Presidente em exercício, ´ad referendum´ do Tribunal Pleno, suspendendo, na pendência de decisão definitiva do Tribunal, a eficácia da lei ou do ato normativo impugnado.

§ 3º. Declarada a inconstitucionalidade por omissão de medida para tornar efetiva norma constitucional, será dada ciência ao Chefe do Poder competente para a adoção das providências necessárias, podendo os casos concretos baseados em tal omissão ser julgados pelos Juízes e Tribunais competentes com base na eqüidade, na analogia, nos costumes e nos princípios gerais de direito, inclusive internacionais.

§ 4º. As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações diretas de inconstitucionalidade de lei ou de ato normativo federal ou local, quaisquer que sejam as declarações pronunciadas pela maioria absoluta do Tribunal, produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e ao Poder Executivo."

Estas as considerações preliminares, para exame geral e devidas críticas, em continuação ao tema proposto da vinculação dos efeitos da súmula contra a ampliação dos efeitos obstativos da mesma e definição precisa dos efeitos da ação direta de inconstitucionalidade.

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Sobre o autor
Alexandre Nery de Oliveira

Desembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região (DF/TO). Pós-Graduado em Teoria da Constituição. Professor de Processo do Trabalho.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, Alexandre Nery. Reforma do Judiciário (I):: Efeito Obstativo versus Efeito Vinculante. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 2, n. 12, 5 mai. 1997. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/214. Acesso em: 18 nov. 2024.

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