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Motivação e deferimento da petição inicial

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08/04/2012 às 16:20
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DEFERIMENTO E INDEFERIMENTO DA PETIÇÃO INICIAL

No ordenamento jurídico brasileiro, de se atentar para a circunstância de que a disciplina jurídica do recebimento da petição inicial se encontra fundada, sobretudo, nos artigos 295 e 267, inciso I, ambos do Código de Processo Civil.

E, nestes artigos se encontram as noções de inépcia e indeferimento, numa verdadeira relação de espécie e gênero, sendo aquela mais restrita que este, que a englobaria (embora no cotidiano forense se verifique que os profissionais, de forma atécnica, venham se utilizando de ambas as expressões como sinônimas).

De todo modo, insta salientar que, ao se analisar o argumento no sentido do recebimento, ou não, de uma petição inicial (e, pela norma contida no artigo 263 do Código de Processo Civil, se considera proposta a demanda com o despacho ou distribuição de uma petição inicial) se trata de uma verdadeira questão em sentido técnico processual.

Isso porque, conforme é cediço, a noção de questão se acha diretamente relacionada àquela de uma controvérsia instaurada no processo, ou, melhor explicando, partindo-se do pressuposto que um ponto processual seja tudo aquilo sobre o que o Magistrado deva analisar para decidir, quando houver controvérsia a respeito de um ponto processual, estará caracterizada a questão sob o ponto de vista da técnica processual.

E tal questão, obviamente, estará ligada às mais das vezes, a uma noção de falta de pressuposto processual (e neste tópico se inserem os requisitos de regularidade da petição inicial, sobretudo os aludidos no artigo 282 e seus consectários do Código de Processo Civil) e de condição da ação, nos moldes preconizados pelo legislador ordinário.

Assim, se o Magistrado recebe a petição inicial, o que, no mais das vezes é feito de forma automática, com o lançamento de uma simples decisão “cite-se”, está, na verdade, proferindo uma decisão interlocutória (e não um simples despacho de mero expediente, como se poderia fazer crer), isso porque está implicitamente resolvendo uma controvérsia, e decidindo que o processo deve ser formado, estando ausentes todos os vícios mencionados no artigo 295 e seus consectários do Código de Processo Civil.

Do mesmo modo, se a indefere (o que, obviamente, somente poderá fazer após observar o disposto no artigo 284, § único do Código de Processo Civil), estará proferindo sentença, ainda que terminativa (fundada no artigo 267, inciso I do mesmo diploma legal – com ênfase no fato de que poderá, inclusive, indeferir julgando o mérito, como ocorre no caso específico da prescrição e da decadência, nos termos da norma contida no artigo 269, inciso IV ainda do caderno processual civil), a qual, obviamente, deverá ser fundamentada (mesmo que de forma concisa, como analisado acima).

Tal questionamento é de extrema importância, porque, em primeiro lugar, dependendo da opção do Magistrado, ou seja, deferimento ou indeferimento, poder-se-á ter uma decisão interlocutória ou uma sentença, o que, em primeiro lugar, refletirá na própria questão da possibilidade de recurso em face desta decisão.

Ora, se fosse entendida tal espécie de decisão como despacho de mero expediente, não se trataria de ato judicial passível de recurso (quando muito poder-se-ia lançar mão de uma ação autônoma de mandado de segurança para a revisão do ato em 2ª Instância, posto que, conforme é cediço, não mais existe, desde a revogação do Código de Processo Civil de 1.939, a chamada correição parcial).

Mas, como dito acima, partindo-se do pressuposto segundo o qual ora cuidar-se-á de decisão interlocutória e ora cuidar-se-á de sentença, inequivocamente estará assegurado o direito de recurso da parte que não concordar com o teor da decisão (sendo importante não esquecer que, em cada caso, tratar-se-á de um recurso específico, seja de agravo de instrumento ou retido, seja a apelação).

Seja num ou noutro caso, inequivocamente, deverá ocorrer a motivação da decisão, sob pena de expressa nulidade, o que ganha capital importância quando o assunto se refere ao recebimento da petição inicial.

Isso porque, pela práxis forense, analisando-se de forma maciça os processos recebidos diariamente nos Fóruns, perceber-se-á que os Magistrados, no mais das vezes, de forma lacônica, lançam a decisão “cite-se” ou equivalente “cite-se com as cautelas legais”, etc...

Ora, como já visto, tal decisão tem natureza de decisão interlocutória, e, portanto, pode ser desafiada pelo recurso de agravo, de instrumento ou retido, assim, deve ser motivada, ainda que de forma concisa, o que, reitere-se, não vem ocorrendo.

Bastaria, aliás, que o Magistrado alterasse sua decisão inicial para, por exemplo: “Presentes os requisitos do artigo 282 e seus consectários do Código de Processo Civil, e não vislumbrando as hipóteses do artigo 295 e consectários do mesmo codex, recebo a petição inicial e determino a citação do réu”.

Num caso como este, em que se está referindo o Magistrado a uma motivação concisa, percebe-se o claro atendimento à norma constitucional, prevenindo-se eventual alegação de ocorrência de nulidade processual, o que poderia ser obtido sem maiores ônus para o sistema judiciário, já assoberbado e azafamado pelo acúmulo de serviços que enfrenta de forma generalizada (isso porque, com a informatização, basta que se altere a decisão tradicional por essa ou por modelo congênere, desde que se faça um efetivo controle das petições iniciais, antes de recebê-las).

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CONCLUSÕES

Ante todo o exposto, de se concluir que, ao receber uma petição inicial, o Magistrado, obviamente, estará proferindo uma decisão interlocutória, analisando questão implícita (se for incluída à indagação, a questão referente ao indeferimento, estar-se-ia inserindo a possibilidade de inclusão de sentenças terminativas e definitivas, estas últimas no caso da prescrição e da decadência).

Como recursos cabíveis ter-se-iam, conforme o caso, o recurso de agravo (neste caso de instrumento, não havendo sentido num agravo retido, que esperasse todo o trâmite processual, para, como preliminar de apelação, aduzir que a petição inicial não deveria ter sido sequer recebida), em face da decisão de recebimento da petição inicial, ou o recurso de apelação, em caso de indeferimento da petição inicial (pouco importando à questão se com ou sem julgamento do mérito), sempre com as peculiaridades do artigo 296 do Código de Processo Civil (verdadeira exceção ao regime do mesmo Código, nos moldes delimitados pelo artigo 463).

E, assim sendo, dúvida não há no sentido de que se trate de decisões que deverão ser, sempre, motivadas, sob pena de reconhecimento de sua nulidade.

Tal motivação, ademais, deverá ser expressa, ou, quando muito, concisa (nunca per relationem), eis que apta à formação de coisa julgada material (no caso das sentenças), com todas as implicações no que tange aos seus limites objetivos e subjetivos, devendo-se preconizar que, diante da gravidade da situação, não se admitiria uma regularidade meramente formal da liberdade pública referente ao dever de motivar, garantidor da imparcialidade dos órgãos jurisdicionais.

Por derradeiro, e, a contrario sensu, de se ponderar que, mesmo quando não se exigisse o rigor formal supramencionado, sempre deveria o Magistrado, para demonstrar sua imparcialidade, fundamentar, ainda que brevemente, suas decisões, mesmo que de recebimento, quando apenas resolve a questão implícita acerca do prosseguimento do feito.

Isso porque, tal como já mencionado acima, mesmo com o acúmulo de serviços, não se pode olvidar que os avanços da informática permitem ao operador do sistema jurídico, preparar decisões sucintas em série, o que seria recomendável (obviamente somente seriam lançadas após o prévio exame da peça), com alusão ao fato de que petição reúne condições para ser recebida, estando ausentes os vícios que impediriam o seu recebimento.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

DAVID, RENÉ, Os Grandes Sistemas de Direito Contemporâneo, São Paulo: Martins Fontes, Brasil, 1.998.

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MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. São Paulo: Atlas. Brasil. 2001.

NERY JR., Nelson. Princípios do Processo Civil na Constituição Federal. São Paulo: Revista dos Tribunais. Brasil. 1995.

NOJIRI, Sérgio. O Dever de Fundamentar as Decisões Judiciais. São Paulo: Revista dos Tribunais. Brasil. 2000.

PERO, Maria Thereza Gonçalves. A Motivação da Sentença Civil. São Paulo: Saraiva. Brasil. 2001.

TARUFFO, Michele. La Motivazzione della sentenza civile. Pádova: Padova. Itália. 1975.


Notas

[1] MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 7ª Ed. São Paulo: Atlas. 2000. p. 431.

[2] GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel; CINTRA, Antônio Carlos Araújo. Teoria Geral do Processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1989. p. 56.

[3] PERO, Maria Thereza Gonçalves. A motivação da Sentença Civil. São Paulo: Saraiva. 2001.

[4] DAVID, René. Os grandes sistemas de direito contemporâneo. São Paulo: Martins Fontes. 1998. p.284.

[5] SILVA, Júlio César Ballerini. Críticas ao Modelo de Arbitragem no Brasil. Revista Eletrônica da Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais - Campus de Poços de Caldas. vol. I. 2001. Disponível na internet em: <www.pupcaldas/graduação/direito>.

[6] Taruffo, Michele, Apud PERO, Maria Thereza Gonçalves, op. cit. p.

[7] NERY JUNIOR. Nelson. Princípios do Processo Civil na Constituição Federal. 2ª edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995. p. 157.

[8] Pero, Maria Thereza Gonçalves, op. cit.

[9] NOJIRI, Sérgio, O Dever de Fundamentar as Decisões Judiciais. São Paulo: Revista dos Tribunais. pp. 27-28.

[10] NERY JÚNIOR, Nelson. Op. cit. p. 157.

[11] Pero, Maria Thereza Gonçalves, op. cit.

[12] Informativo STF nº 49.

[13] Informativo STF nº 61.

[15] Informativo STF nº 35

[16] STF. RE 179.557, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJU 13.02.1998.

[17] NERY JÚNIOR, Nelson, Op. cit. p. 159.

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Sobre o autor
Julio César Ballerini Silva

Advogado. Magistrado aposentado. Professor da FAJ do Grupo Unieduk de Unitá Gaculdade. Coordenador nacional dos cursos de Pós-Graduação em Direito Civil e Processo Civil, Direito Imobiliário e Direito Contratual da Escola Superior de Direito – ESD Proordem Campinas e da pós-graduação em Direito Médico da Vida Marketing Formação em Saúde. Embaixador do Direito à Saúde da AGETS – LIDE.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Julio César Ballerini. Motivação e deferimento da petição inicial. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3203, 8 abr. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21452. Acesso em: 19 abr. 2024.

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