O agravo de instrumento é o recurso adequado para impugnar decisões judiciais que, apesar de não porem termo à contenda judicial, possuem cunho decisório: são as decisões interlocutórias que podem, por exemplo, antecipar a tutela buscada em juízo.
Um dos efeitos da tutela antecipada é o início da execução do provimento, isto é, a antecipação da tutela não redunda apenas em uma previsão do desfecho da lide instaurada no Poder Judiciário, mas sim no próprio início da execução (provisória) da pretensão.[1]
Uma consequência direta da provisória execução do édito judicial deságua nos efeitos em que será recebida a apelação interposta em face da sentença prolatada nos autos, uma vez o art. 520, VII, do CPC determinar seu recebimento apenas no efeito devolutivo (e não devolutivo e suspensivo), quando ela confirmar a antecipação dos efeitos da tutela[2].
Sendo assim, é inconteste que, diferentemente dos demais casos, a decisão antecipatória da tutela não é substituída pela decisão de mérito[3], já que seus efeitos e consequências permanecem até que seja cassada ou reformada pela instância superior. Basta ler os incisos do art. 520 e perceber que as exceções nele veiculadas, salvo a do inciso VII, tem razão de ser na sentença; já a força desse inciso baseia-se na anterior decisão antecipatória[4].
Não fosse isso, o agravo de instrumento é dotado de efeito expansivo, cuja definição reside no fato de a decisão do recurso poder ser mais abrangente do que o reexame da matéria impugnada[5].
Os atos processuais formam uma cadeia, o antecedente é pressuposto do consequente, de modo que anulado um ato processual, os seus decorrentes também o serão. Destarte, é fácil perceber a possibilidade de a decisão do órgão ad quem nos autos do agravo de instrumento surtir efeitos no processo a partir da decisão recorrida, o que necessariamente envolverá os atos posteriores dele dependentes.
O Supremo Tribunal Federal já se posicionou no sentido de que, interposto agravo de instrumento contra o despacho saneador, a sentença proferida posteriormente tem sua eficácia contida ao desprovimento do agravo[6].
O Superior Tribunal de Justiça também já pontificou que “a sentença proferida durante o processamento do agravo de instrumento cede ao que for decidido neste, ainda que o recurso tenha sido recebido no efeito meramente devolutivo.”[7].
Não há, pois, que se falar em trânsito em julgado da sentença, se, apesar de não interposta apelação, fora anteriormente manejado agravo de instrumento. Nessa situação, sua eficácia fica condicionada ao desprovimento do agravo, contudo, se provido, sem efeito poderão restar os provimentos jurisdicionais decisórios posteriores à decisão recorrida[8].
De mais a mais, o art. 559 do CPC é peremptório:
Art. 559. A apelação não será incluída em pauta antes do agravo de instrumento interposto no mesmo processo.
Parágrafo único. Se ambos os recursos houverem de ser julgados na mesma sessão, terá precedência o agravo.
Ele é claro em proibir que a apelação seja julgada antes do agravo de instrumento. Mas, se mesmo assim forem ambos os recursos levados à sessão, o julgamento do agravo será anterior. Não lacuna legislativa tampouco espaço interpretativo da norma dimanada do art. 559 que conduza à ilação segundo a qual resta prejudicado o objeto de agravo de instrumento se proferida sentença na pendência do seu julgamento.
Apesar da recalcitrância dos tribunais, a Corte Especial do STJ já se manifestou nesse sentido:
EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO CONTRA DECISÃO QUE CONCEDE TUTELA ANTECIPADA. SUPERVENIÊNCIA DE SENTENÇA DE MÉRITO CONFIRMANDO A TUTELA. PERDA DO OBJETO. INOCORRÊNCIA. 1. A superveniência da sentença de procedência do pedido não prejudica o recurso interposto contra a decisão que deferiu o pedido de antecipação de tutela. 2. Embargos de divergência rejeitados. (EREsp 765105/TO, Rel. Ministro Hamilton Carvalhido, Corte Especial, julgado em 17/03/2010, DJe 25/08/2010)
Trago à baila alguns casos práticos que evidenciam as dificuldades do entendimento contrário ao defendido.
Imaginemos então que foram antecipados os efeitos da tutela em favor da parte autora, e a parte ré interpôs agravo de instrumento, tendo-lhe sido concedido o efeito suspensivo. Diante desse quadro, a execução provisória está sobrestada. Com a superveniente prolação de sentença de mérito favorável à parte autora, ou seja, no mesmo sentido da decisão liminar, o agravo perderia objeto (entendimento contrário ao do autor).
Por esse caminhar, a execução provisória voltaria a ter curso, e a parte ré interporia novo agravo de instrumento, agora, contra os efeitos nos quais seu recurso de apelação fora recebido, já que ele será inevitavelmente recebido apenas no efeito devolutivo. Assim, deve a parte ré demonstrar, mais uma vez, esse provimento resultar lesão grave e de difícil reparação, a atrair o efeito suspensivo à apelação[9].
O pensar divergente deste autor estimula o demandismo, tendo em vista o primeiro agravo de instrumento poderia ter solucionado essa precisa questão em vez de ser interposto um segundo recurso para atingir a mesma finalidade, e malfere os princípios da celeridade e economia processuais.
Outro caso prático pode ser verificado no REsp 15.081. Nesse julgamento, decidiu-se pela ineficácia da sentença que extinguira ação de produção antecipada de prova pericial, uma vez que o provimento de agravo de instrumento determinou o reentranhamento de laudos periciais e a extinção do feito judicial se dera por perda de objeto da ação, exatamente, em virtude do desentranhamento dos ditos laudos.
Outrossim, o devido processo legal é igualmente violado. Entender pela perda de objeto abre a possibilidade de o simples transcurso de tempo decidir se um recurso, legitimamente utilizado, será ou não julgado. Ora, basta o juiz de primeiro grau prolatar sua sentença, que o agravante restará desamparado.
Portanto, não me parece que o simples fato da interposição da apelação importe em renúncia do agravo. É que, uma vez interposto o agravo de instrumento, as questões jurídicas nele inseridas são levadas à outra instância para serem resolvidas.
Ademais, agravo e apelação não podem ser confundidos. Os recursos são manifestados contra decisões diferentes, em prazos diversos e em momentos também diferentes. A ausência de um não pode interferir no julgamento do outro, nem importar em renúncia dos já interpostos (salvante o agravo retido).
Registro, por fim, o dom de julgar, que deve possuir todos os juízes, se volta a resolver os problemas a ele levados pelos membros da sociedade. Saídas outras dotadas com a simples intenção de desafogar gabinetes não atende ao dever de prestar a tutela jurisdicional constitucionalmente garantida às pessoas.
Notas
[1] O art. 273, § 3°, do CPC remete a efetivação da tutela antecipada ao regime da execução provisória, até então disciplinada no art. 588 do CPC, e agora, pelo do art. 475-O do CPC (Lei 11.232/2005).
[2] Registre-se, por oportuno, o STJ estender essa regra da “confirmação” da tutela à “concessão” na própria sentença: AgRg no Ag 1261955/SP, Rel. Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 17/02/2011, DJe 24/02/2011; REsp 648886/SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Segunda Seção, julgado em 25/08/2004, DJ 06/09/2004.
[3] Obviamente, o caso tratado cuida de antecipação dos efeitos da tutela pretendida pelo autor e sentença de procedência, caso contrário, sendo a sentença de improcedência, o agravo perde objeto em razão da cognição exauriente substituir à perfunctória.
[4] REsp 546150/RJ, Rel. Ministro José Delgado, Primeira Turma, julgado em 02/12/2003, DJ 08/03/2004.
[5] JUNIOR, Nelson Nery e NERY, Rosa Maria Andrade. Código de Processo Civil Comentado e legislação processual civil em vigor. 5 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, pág. 957.
[6] STF – RTJ 091/320.
[7] CC 39262/ES, Rel. Ministro Ari Pargendler, Segunda Seção, julgado em 27/08/2003, DJ 20/10/2003.
[8] REsp 182562/RJ, Rel. Ministro Demócrito Reinaldo, Primeira Turma, julgado em 27/04/1999, DJ 01/07/1999.
[9] AgRg no Ag 1358465/RJ, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 17/02/2011; AgRg no Ag 1339205/SP, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 18/11/2010.