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A reconfiguração do conceito de interesse público à luz dos direitos fundamentais como alicerce para a consensualidade na Administração Pública

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22/04/2012 às 16:41
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III. A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA CONSENSUAL EM RAZÃO DA RECONFIGURAÇÃO DO CONCEITO DE INTERESSE PÚBLICO

A redefinição, reconfiguração e ressignificação do conceito de interesse público, principalmente a luz dos direitos fundamentais conforme postulado por Marçal Justen Filho, trouxe à administração pública outras realidades e formas de relação, trazendo a lógica do direito administrativo outro eixo de concepção e de ação.

A aceitação de que não existe apenas um interesse público, e sim interesses coletivos plurais que devem ser analisados caso a caso sob a égide dos direitos fundamentais, conforme atesta a visão da Professora Odete Medauar quando leciona sobre o assunto, insere na administração pública outras formas práticas para a tomada de decisões e elaboração de ações.

Esse princípio vem apresentado tradicionalmente como fundamento de vários institutos e normas de direito administrativo e, também, de prerrogativas e decisões, por vezes arbitrárias da Administração Pública. Mas vem sendo matizado pela ideia de que à Administração cabe realizar a ponderação dos interesses presentes numa determinada circunstância, para que não ocorra sacrifício a priori de nenhum interesse; o objetivo desta função está na compatibilidade ou conciliação dos interesses como a minimização dos sacrifícios.[39]

Frise-se que a relativização da visão tradicional de interesse público leva ao entendimento de que a administração pública deve avaliar o conflito dos interesses coletivos, priorizando pelo não sacrifício de nenhum interesse envolvido, e ponderá-los pela análise sob o fundamento dos direitos fundamentais preconizados na Constituição.

Esta característica flexibilizante gera, inevitavelmente, consequências sobre o modo de como se dá a relação da administração pública para com os seus administrados.

Surge, então, a noção de consensualidade neste contexto, ligada diretamente à reconfiguração do conceito de interesse público e fundamentada sobre esta relativização e ressignificação, condição essencial da consensualidade, que permite formas de composição quando existem interesses coletivos diversos envolvidos, inclusive àqueles chamados de interesse público.

Ademais, não foi só a mudança e a redefinição do conceito de interesse público que permitiu esta mobilidade na forma de atuação da administração pública, a consensualidade está atrelada a uma série de mudanças sociais, políticas e econômicas, em razão de novas conformações e transformações no Estado, quer seja no que tange às modificações que inseriram a mobilidade financeira, a mobilidade da produção, a mobilidade da informação, a mobilidade social, novas características de participação política ou a configuração e um novo estado, o chamado Estado Pluriclasse[40].

As novas conformações, tanto de cunho fático como teórico, delimitam novas formas de atuação da administração pública, e a consensualidade na administração pública contribuem para a governabilidade das democracias contemporâneas, propiciando mais freios contra o abuso dos governantes, garantindo representatividade e atenção aos diversos interesses coletivos, efetivando uma decisão mais ponderada, prudente e legítima, desenvolvendo a responsabilidade cívica e tornando os comandos oriundos da administração pública mais fáceis de serem cumpridos.[41]

A consensualidade representa, em suma, uma forma de democracia participativa, uma forma de decisão tomada por consenso, oportunidade em que a administração pública ao invés de imperativamente tomar uma decisão unilateral, dialoga com a sociedade e com os interessados, definindo e analisando os interesses coletivos plurais em jogo, fortalecendo um modelo efetivamente democrático, flexível e de respeito às diferenças e aos direitos fundamentais.

Assim, a administração pública consensual, que utiliza instrumentos típicos da consensualidade para decidir ações e posturas da administração, ganha em efetividade e em sustentação com a desmistificação da existência de um único interesse público supremo, tendo em vista que ao considerar a existência de diversos interesses coletivos que devem ser analisados sob a ótica dos direitos fundamentais surge a necessidade da existência de um diálogo da administração pública com os interesses coletivos envolvidos para a tomada da decisão menos gravosa, não para a coletividade objetiva e absoluta mas para aqueles interesses envolvidos e protegidos sob a égide dos direitos fundamentais velados na Constituição Federal.

Esta análise permite o entendimento de que a administração pública pautada no consenso está estritamente ligada a busca de soluções negociadas para a efetivação da atividade fim da administração pública que é a realização do interesse público – interesse público da forma reconfigurada considerando a pluralidade de interesses coletivos e a justificativa nos direitos fundamentais – sendo que sua empregabilidade efetiva não entra em conflito com os princípios da supremacia e indisponibilidade do interesse público, tendo em vista que, principalmente, a consensualidade é uma forma de otimizar a realização dos interesses coletivos em conflito sob a ordem constitucional que preconiza a defesa e a garantia dos direitos fundamentais envolvidos.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conclui-se que a consensualidade na administração pública é resultado de inúmeras transformações sociais, políticas e econômicas de uma sociedade global, interferindo enormemente nas relações do poder público para com os cidadãos.

Dentre todas as transformações, a reconfiguração e ressignificação do conceito de interesse público assumiu papel essencial para fundamentar a introdução da consensualidade como postura na administração pública, isto porque esta reconfiguração possibilitou a relativização do conceito clássico que impunha um supremo interesse público uno e indivisível que sob a justificativa de sua supremacia e respectiva indisponibilidade atuava como modelo imperativo e impedia a resolução de questões de conflito entre interesses diversos pela forma do consenso e do diálogo.

Compreender o interesse público como sendo diversificado, plural e coletivo, aceitando a existência de vários interesses coletivos, é o primeiro passo para relativizar os princípios da supremacia e indivisibilidade do interesse público, isto porque a sua análise deverá ser realizada a cada caso, pautando, a partir dos instrumentos de consensualidade disponíveis à administração pública, a solução menos gravosa sob o parâmetro da defesa dos direitos fundamentais, uma vez que os direitos fundamentais norteiam a concepção de interesse público.

A consensualidade assim configurada, essencialmente fundamentada na ressignificação do conceito de interesse público, permite otimizar o princípio da supremacia e da indisponibilidade do interesse público, uma vez que a sua realização é a concretização dos direitos fundamentais e o respeito aos interesses coletivos diversos, conforme previsão constitucional.


VI. REFERÊNCIAS

BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 22ª Ed., São Paulo, Malheiros, 2007. p. 58.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. O princípio da supremacia do interesse público: sobrevivência diante dos ideais do neoliberalismo. In: Maria Sylvia Zanella Di Pietro; Carlos Vinícius Alves Ribeiro. (Org.). Supremacia do interesse público e outros temas relevantes do direito administrativo. 1 ed. São Paulo: Atlas, 2010, v. , p. 86.

JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo – 7. Ed. Rev. e Atual. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2011.p. 35.

MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 12ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008. p. 129.

MOREIRA NETO, Diogo de Figueredo. Mutações de Direito Administrativo. Rio de Janeiro, Ed. Renovar, 2000. p. 37 a 39.

PESTANA, Márcio. Direito Administrativo Brasileiro. Rio de Janeiro. Elsevier, 2008. p. 158.


Notas

[1] JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo – 7. Ed. Rev. e Atual. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2011.p. 35.

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[2] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. O princípio da supremacia do interesse público: sobrevivência diante dos ideais do neoliberalismo. In: Maria Sylvia Zanella Di Pietro; Carlos Vinícius Alves Ribeiro. (Org.). Supremacia do interesse público e outros temas relevantes do direito administrativo. 1 ed. São Paulo: Atlas, 2010, v. , p. 86.

[3] Ibid., p. 87.

[4] DI PIETRO, loc cit.

[5] DESWARTE, Marie-Pauline.Intérêt general, bien commun. Revue de Droit Public, v. 5, p.1294, 1998; apud DI PIETRO, loc cit.

[6] DESWARTE, Marie-Pauline.Intérêt general, bien commun. Revue de Droit Public, v. 5, p.1294, 1998; apud DI PIETRO, loc cit.

[7] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. O princípio da supremacia do interesse público: sobrevivência diante dos ideais do neoliberalismo. In: Maria Sylvia Zanella Di Pietro; Carlos Vinícius Alves Ribeiro. (Org.). Supremacia do interesse público e outros temas relevantes do direito administrativo. 1 ed. São Paulo: Atlas, 2010, v. , p. 88.

[8] DI PIETRO, loc. cit.

[9] DI PIETRO, loc. cit.

[10] DI PIETRO, loc. cit.

[11] Ibid., p. 89.

[12] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. O princípio da supremacia do interesse público: sobrevivência diante dos ideais do neoliberalismo. In: Maria Sylvia Zanella Di Pietro; Carlos Vinícius Alves Ribeiro. (Org.). Supremacia do interesse público e outros temas relevantes do direito administrativo. 1 ed. São Paulo: Atlas, 2010, v. , p. 89.

[13] Ibid., p. 90.

[14] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. O princípio da supremacia do interesse público: sobrevivência diante dos ideais do neoliberalismo. In: Maria Sylvia Zanella Di Pietro; Carlos Vinícius Alves Ribeiro. (Org.). Supremacia do interesse público e outros temas relevantes do direito administrativo. 1 ed. São Paulo: Atlas, 2010, v. , p. 90 e 91.

[15] PESTANA, Márcio. Direito Administrativo Brasileiro. Rio de Janeiro. Elsevier, 2008. p. 158.

[16] BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 22ª Ed., São Paulo, Malheiros, 2007. p. 58.

[17] FERRAZ JÚNIOR, Tercio Sampaio. Interesse Público. Revista do Ministério Público do Trabalho da 2ª Região, São Paulo, Centro de Estudos, n.º 1, 1995. p. 10. apud JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo – 7. Ed. Rev. e Atual. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2011.p. 36.

[18] JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo – 7. Ed. Rev. e Atual. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2011, p. 37.

[19] JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo – 7. Ed. Rev. e Atual. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2011.p. 38.

[20] Ibid., p. 39.

[21] Ibid., p. 40.

[22] JUSTEN FILHO, loc. cit.

[23] Ibid., p. 41

[24] JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo – 7. Ed. Rev. e Atual. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2011, p. 42.

[25] Ibid., p. 43.

[26] JUSTEN FILHO, loc. cit.

[27] JUSTEN FILHO, loc. cit.

[28] JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo – 7. Ed. Rev. e Atual. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2011. p. 43.

[29] Ibid., p. 44

[30] Ibid., p. 45.

[31] JUSTEN FILHO, loc. cit.

[32] JUSTEN FILHO, loc. cit.

[33] JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo – 7. Ed. Rev. e Atual. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2011.p. 45

[34] Ibid., 46.

[35] JUSTEN FILHO, loc. cit.

[36] JUSTEN FILHO, loc. cit.

[37] JUSTEN FILHO, loc. cit.

[38] Ibid., p. 47.

[39] MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 12ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008. p. 129.

[40] MOREIRA NETO, Diogo de Figueredo. Mutações de Direito Administrativo. Rio de Janeiro, Ed. Renovar, 2000. p. 37 a 39.

[41] Ibid., p. 41.

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Sobre o autor
Guilherme de Abreu e Silva

Advogado, Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito de Curitiba (UNICURITIBA) e acadêmico do curso de Ciências Sociais da Universidade Federal do Paraná.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Guilherme Abreu. A reconfiguração do conceito de interesse público à luz dos direitos fundamentais como alicerce para a consensualidade na Administração Pública. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3217, 22 abr. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21566. Acesso em: 26 abr. 2024.

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