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Reforma do Judiciário (III):

A Magistratura - Relações Internas e com a Sociedade

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05/05/1997 às 00:00
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INAMOVIBILIDADE

Com relação à inamovibilidade, exsurge, a partir da provocação de vários colegas, a questão concernente à amplitude da garantia, inclusive quando referente aos Juízes Substitutos, eis que, se de um lado detém todas as prerrogativas jurisdicionais próprias dos Juízes Titulares, não podendo ficar sujeitos a afastamentos de causas, doutro lado tem como fundamento funcional a da substituição dos Juízes Titulares nos casos de licenças, férias, impedimentos e suspeições declaradas por estes, pelo que,

logicamente, a regra da inamovibilidade, em relação aos mesmos, possui caráter relativo, mas não restritivo, conforme será agora explicitado. Os Juízes Substitutos têm a mesma hierarquia dos Juízes Titulares - e digo mais: todos os Juízes, ainda quando integrantes de Tribunais, têm as mesmas hierarquias; o que difere é a competência atribuída a cada um, inclusive aquelas disciplinares reservadas aos integrantes dos Tribunais - isto não pressupõe superioridade, mas apenas organização lógica do Judiciário. Com relação à impropriedade da inamovibilidade absoluta do Juiz Substituto, temos que considerar situações como o caso de Juízos que não teriam razão de possuir um Juiz Auxiliar, pelo menor movimento processual, mas que dependeria de Juízes Substitutos para os afastamentos do Juiz Titular - se a regra da inamovibilidade vigorasse em absoluto quanto aos Juízes Substitutos, haveria um prejuízo aos jurisdicionados em tais locais, inclusive porque Magistrado algum aceitaria ser titularizado em Juízo que não permitisse seus afastamentos legais, como acabaria acontecendo por impossibilidade do Tribunal deslocar Juiz Substituto para cobrir suas férias ou licenças. De todo modo, tenho defendido que os Juízes Auxiliares, que são designados para determinados Juízos em caráter permanente, destes não possam ser afastados, ainda quando designados para substituir noutro Juízo, por impedimentos ou afastamentos dos Magistrados do mesmo, acarretando, com isto, prorrogação (e não, sob pena de ferida a Constituição, restrição) de jurisdição. Talvez aí houvesse um meio-termo possível, em que os Juízes Substitutos, embora não detendo as funções de comando administrativo do Juízo, próprio dos Titulares (exceto nas ausências destes), tivesse, doutro lado, ao contrário destes, a possibilidade de prorrogação de jurisdição além do Juízo em que designado como Auxiliar, permitindo o deslocamento para outro Juízo, em caráter provisório, para cobrir férias, licenças, impedimentos e suspeições ou outros afastamentos dos Juízes em exercício no mesmo (inclusive Auxiliares que detenham impedimentos tais quais os Titulares, em determinados casos). Isto tem vigorado, embora sem regras escritas, na 10ª Região Judiciária Trabalhista (DF/TO) com efeitos muito bons, inclusive porque Secretarias e Gabinetes e Advogados passam a saber que tal Juiz Substituto, apesar da possibilidade de deslocamento eventual, integra com o Titular específico Juízo. Embora ainda hajam falhas, e as garantias imaginadas não estejam todas implementadas, há mais de dois anos se têm conseguido, em boa medida, evitar deslocamentos abruptos dos Juízes Auxiliares. No concernente aos Tribunais, alguns têm ressentido, em relação a determinadas Cortes, a falta da figura dos Juízes Substitutos de Tribunal, eis que constantes licenças de seus integrantes impedem imediata recapacitação da Corte, sem afetar concomitantemente a instância inferior pela necessária convocação de Juiz, quando, notadamente nos Tribunais de maior dimensão, haveria que se permitir a criação de quadro de Juízes Substitutos do Tribunal, por promoção dentre Juízes Titulares, em experiência, aliás, que já existia em alguns Estados antes do advento da Lei Complementar 35/79.


RESIDÊNCIA

A Constituição de 1988, pretendendo que os Magistrados permanecessem em maior contato com os respectivos jurisdicionados, determinou que o Juiz Titular houvesse que residir na respectiva Comarca. Contudo, em determinados casos o fracionamento das Comarcas para atender determinados Municípios ou Regiões Metropolitanas afeta o cumprimento de tal dispositivo constitucional, porque grandes metrópoles podem abarcar mais de uma Comarca, por questão de funcionabilidade, enquanto o Magistrado, apenas por residir no mesmo Município ou Região Metropolitana, mas em área de Comarca distinta, estaria sujeito a punições disciplinares. Se é certo que o Juiz deve estar o mais próximo possível dos jurisdicionados, tudo isto deve levar em conta regra de razoabilidade, pelo que, inclusive disciplinando a regra também para os Juízes em função auxiliar permanente e para os integrantes dos Tribunais, melhor seria permitir que a fixação da residência houvesse de ocorrer na sede do Tribunal ou do Juízo ou em Município, Comarca ou Região Metropolitana contígua, sem prejuízo de outras exceções mediante expressa autorização do respectivo Tribunal.


DISCIPLINA

Com as discussões acerca do controle externo da Magistratura, por nós já comentado (Reforma do Judiciário II: Controle Externo — Alternativas), ressurgiu a problemática da disciplina do Juiz e punição do mesmo.

Cabe salientar que estranha à opinião pública que Juízes acusados de grave desvio de autoridade sejam aposentados, numa punição que, não poucas vezes, se transmuta em prêmio, com o Juiz aposentado por motivo disciplinar gozando das prerrogativas inerentes à Magistratura. Não há como prever aposentadoria por interesse público senão aquela que decorra do interesse em afastar o Magistrado por incúria na função, eis que motivos de deficiência física ou mental que o inabilitem para o cargo acarretam aposentadoria por invalidez, de caráter distinto. Igualmente, remover-se o Magistrado sob razão de interesse público quebra o princípio da garantia do Magistrado de inamovibilidade, certo que se efetivamente houver Juízo que necessite Magistrado, não havendo candidatos, melhor seria instituir a regra da promoção compulsória, com a impossibilidade do Juiz mais recente recusar a promoção se os mais antigos, detentores dos requisitos legais, o fizeram — tal regra permitira a obtenção de disciplina objetiva caracterizadora do interesse público, afastando remoções de caráter disciplinar, eis que não se pode admitir, igualmente, que um Juiz questionado em sua integridade moral seja deslocado de um Juízo a outro como punição, eis que assim haveria a punição não apenas do Magistrado, mas também da própria sociedade de tal comarca ou circunscrição judiciária, que teria que aceitar, na condução do Juízo, Magistrado sem os requisitos de idoneidade. Por fim, o ato disciplinar de colocação do Magistrado em disponibilidade por razão disciplinar, de modo similar à aposentadoria disciplinar, acarreta inversão da ordem lógica de eventual punição, eis que o Juiz persistiria com as qualidades de Magistrado, embora se mostrasse delas não ser digno.

Neste sentido, melhor seria que os atos de punição disciplinar aplicáveis aos Magistrados houvessem como tais de ser caracterizados, exigindo-se quórum qualificado e assegurada ampla defesa ao Magistrado para eventual censura ou suspensão do Juiz, penas que poderiam ser consideradas inclusive como desqualificativo para posteriores promoções, mas nunca de modo a premiar quem haja que ser punido, nem igualmente punir quem tenha se mantido correto sob espúria justificativa de interesse público.


PUBLICIDADE DOS ATOS JURISDICIONAIS E DE ADMINISTRAÇÃO DO JUDICIÁRIO

Inequivocamente, uma das grandes inovações da Constituição de 1988 foi estabelecer a publicidade de todos os julgamentos e fundamentação das decisões do Judiciário, com as exceções apenas concernentes à preservação de interesses das partes, em determinados casos, acarretando assim inequívoca transparência dos órgãos judiciários, notadamente colegiados.

Pelo preceito vigente (artigo 93, IX), acabaram-se as denominadas sessões de conselho ou de conferência, em que os Tribunais decidiam, em segredo, aspectos das causas, sem que qualquer razão pública houvesse para tanto, acarretando que as partes litigantes muitas vezes não soubessem precisar a razão de eventual infortúnio. Estabeleceu-se, também, a obrigatoriedade da fundamentação das decisões, evitando-se decisões de mera procedência ou improcedência sem razões estabelecidas pelo julgador para tal convencimento, inclusive, pelo aspecto constitucional do tema, permitindo que toda a nulidade sob tal enfoque seja apreciada pelo Supremo Tribunal, o que não poderia ocorrer, por exemplo, se restrito houvesse ficado o tema ao plano processual, de índole infraconstitucional, se a parte se insurgisse, no recurso extraordinário, à inexistência de fundamentação no acórdão recorrido.

No entanto, a par do avanço constituído por tal preceito, outros, na própria Constituição, ficaram à margem de tal necessária publicidade. Refiro-me, sobretudo, ao denominado Tribunal do Júri, que estranhamente é estabelecido pela Carta de 1988 como direito individual e não como órgão judiciário, tal qual, por exemplo, os Juizados Especiais, órgãos parajudiciários vinculados, mas não integrantes da estrutura própria do Poder Judiciário. Ora, em total conflito com o estabelecido no artigo 93, IX, o artigo 5º, XXXVIII, da Constituição estabelece ser "reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados: (a) a plenitude de defesa; (b) o sigilo das votações; (c) soberania dos veredictos; (d) a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida", firmando o caráter definitivo da decisão adotada pelo Júri, tanto assim que a jurisprudência atual de nossos Tribunais tem entendido que apenas se permite recurso tendente à anulação do veredicto, mas não julgamento substitutivo pelo Tribunal, como de regra acontece em relação aos recursos contra decisões de Juízos Criminais, no concernente a outras infrações penais. E, no cúmulo da incompatibilidade, firma como princípio máximo o sigilo das votações, acarretando que o sujeito a julgamento perante o Júri não saberá, jamais, as razões que motivaram os jurados a absolvê-lo ou a condená-lo, embora tal decisão tenha caráter final, apenas alterável por nulidade do julgamento, em regra nulidade que se firma por falha de nível processual e não material, do fato ensejador da absolvição ou condenação.

Ora, o Júri tem sido ao longo dos tempos cada vez mais atacado pelo caráter leigo de seus integrantes na definição de fatos jurídicos complexos, e no Brasil, sobretudo, pela razão de ser sua a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida, infração máxima pensada pelo legislador penal porque envolto o Homem no ataque a seu semelhante.

De início, não se tem notícia de ninguém a quem haja sido permitido fazer uso ou não do direito (artigo 5º/CF) de ser julgado pelo Júri em sendo acusado de crime doloso contra a vida; pelo contrário, decisões dos Tribunais nos dão ciência de pessoas que a todo modo tentaram não ser julgadas pelo Júri e que não conseguiram, porque decidido que tal era o foro próprio e exclusivo para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida. Então é de se questionar que direito irrenunciável é este, que submete todos a julgamento por leigos, em votação secreta, a decidir sobre a existência ou não de fato criminoso em relação ao mais repugnável dos ilícitos, em caráter irrecorrível (senão, quando por vício formal, para a anulação do julgamento e designação de outro).

Em defesa do Júri muito se tem dito que os Homens devem ser julgados por seus pares, e por isto a natureza leiga dos jurados permitiria evitar o tecnicismo próprio dos Magistrados em prol de Justiça. Mas se assim fosse, todos os demais julgamentos procedidos pelo Judiciário deveriam ser tidos como inconsistentes, e tal argumento não prevalece quando se verifica que outros ilícitos penais, muitos de igual relevância social, são excluídos da competência do Júri. E por fim, nada se diz que justifique o sigilo das votações, eis que ao assegurar a integridade e independência do jurado, doutro lado se permite ver ferido o direito do acusado a conhecer as razões de sua absolvição ou condenação, não poucas vezes fruto da própria teatralidade que se tem permitido aos julgamentos do Júri, lamentavelmente, com o fato submetido a relevo inferior, no prevalecer da versão mais ou menos comovente.

O Júri, como direito fundamental da pessoa, apenas poderia justificar-se se fosse ao menos explicitada a possibilidade de opção do acusado a ser pelo mesmo julgado, numa inequívoca opção do julgamento pelos pares leigos em relação ao julgamento por Magistrados isentos; neste sentido, inclusive, o disposto no inciso XXXVIII do artigo 5º constitucional poderia estender a competência para todos os demais crimes, porque o Júri efetivamente passaria a ser o direito da parte ser julgada por órgão especial, não integrante do Judiciário, embora ao mesmo vinculado, na medida da presença de Juiz Togado como respectivo Presidente e enunciador da sentença decorrente do veredicto firmado.

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Penso, no entanto, que melhor que estabelecer o Júri como órgão de julgamento seria firmá-lo como órgão de mera pronúncia, ao modo similar do que ocorre nos Estados Unidos com o denominado Grande Júri, em que o Júri passa a permitir ou não a instauração da ação penal pelo Ministério Público se entender existentes indícios da prática do ilícito penal pelo acusado, neste caso sim o Povo autorizando o representante judicial do Povo a perseguir um de seus pares na via criminal, e no caso de pessoas com prerrogativa de foro, com a sinalização inequívoca de que as respectivas Casas Legislativas, como já ocorre presentemente, assumiriam a função do Júri, para permitir ou não a ação penal pretendida. A tal modo, evitar-se-ía que ações penais pudessem ser propostas com o fito de mera perseguição, porque em verdade, sendo órgão alheio ao Judiciário mas vinculativo à atuação, sempre que invocado, transporia o convencimento social acerca da existência do ilícito ou dos indícios de autoria pelo acusado, e, não sendo invocado, não inibiria a instauração da ação penal perante o Judiciário, que igualmente não estaria tolhido a reconhecer a inocência do acusado, inclusive sumariamente, mesmo depois de aceita a pronúncia pelo Júri, se fosse o caso.

No prosseguir do tema relativo à publicidade das decisões dos Tribunais, há que se imprimir melhor redação ao inciso X do artigo 93 da Constituição, adequando aos princípios administrativos do artigo 37 da Carta Política de 1988, aos quais se submetem as Cortes Judiciárias no atuar administrativamente. Neste sentido, necessário se faz explicitar que as decisões hajam que ser motivadas inclusive no caso das disciplinares, adequando-se o quorum qualificado exigido noutros dispositivos constitucionais, a fim de evitar-se dúvidas acerca da votação exigida em tais casos.

Também, cabe analisar a questão dos denominados Órgãos Especiais dos Tribunais, cujo preceito é de inequívoca agilização das Cortes, mas que não pode ser desvirtuado ao ponto de suplantar o órgão maior constituído pelo Pleno, como tem ocorrido em diversos Tribunais, alguns inclusive tendo delegado a atribuição de elaborar o regimento interno, onde fixadas as competências, ao órgão menor, com prejuízo do órgão maior delegante. Igualmente, há que se considerar que a Corte ou Câmara Especial deve ter o pressuposto de representação dos diversos órgãos fracionários do Tribunal, e tanto quanto possível privilegiar, também, a renovação, ainda que parcial, dos seus integrantes, inibindo a permanência apenas de Juízes mais antigos, que passariam a ditar a jurisprudência interna em detrimento da opinião desejada dos Magistrados mais recentes no Tribunal, além de não se permitir a confusão entre a Corte ou Câmara Especial com Seções, Câmaras ou Turmas Especializadas, em que prevalece apenas a divisão de matéria por tema e importância. Há que se garantir que o órgão especial não suplante o Pleno, a tal modo sendo imperioso inibir que o órgão fracionário possa proceder à eleição dos dirigentes do Tribunal e mesmo às dos membros não-natos do próprio órgão especial, assim como imperioso impedir qualquer atribuição de caráter elaborativo ou alterador das normas do regimento interno, pela mera vedação constitucional a que tais sejam delegadas pelo Pleno à Corte ou Câmara Especial constituída. Igualmente, tendo em vista que muitas vezes a uniformização de jurisprudência e conseqüente edição de súmula é adequadamente atribuída a tais órgãos especiais, merece ser dada importância à representação dos órgãos julgadores fracionários na composição do órgão especial, exigindo que as Seções ou Câmaras Especializadas tenham seus Presidentes e Vices como integrantes natos da Corte ou Câmara Especial, e ainda indicando que tanto quanto possível os demais órgãos fracionários (Turmas) devem estar nela representados.

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Sobre o autor
Alexandre Nery de Oliveira

Desembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região (DF/TO). Pós-Graduado em Teoria da Constituição. Professor de Processo do Trabalho.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, Alexandre Nery. Reforma do Judiciário (III):: A Magistratura - Relações Internas e com a Sociedade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 2, n. 12, 5 mai. 1997. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/216. Acesso em: 18 abr. 2024.

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