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Precatório-requisitório e Requisição de Pequeno Valor (RPV).

Operacionalização de procedimentos na Justiça do Trabalho e pontos controversos atuais. Procedimentos de pagamento à luz da EC nº 62/2009 e da Resolução nº 115/CNJ e alguns pontos controversos

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26/04/2012 às 09:35
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4. Da conciliação, do direito ao pagamento preferencial e da renúncia de valores

Como dito anteriormente, não existe possibilidade de se alterar a ordem cronológica. Há, isto sim, há maneiras de se evitá-la, ou de reduzir o tempo de espera, de modo que o titular do crédito possa receber mais brevemente seu dinheiro. Estas maneiras são três: a) conciliando devedor e credor; b) tendo o exequente direito a pagamento preferencial; c) renunciando o exequente a parte de seu crédito, de modo a adequar o rito ao da RPV.

4.1. Da conciliação

Não vemos com bons olhos a conciliação em sede de precatório. É lícito às partes contendoras, em processo judicial, conciliar, a qualquer tempo. Trata-se, antes de tudo, de medida conveniente, tanto às partes quanto ao Judiciário, evitando-se o prolongamento do conflito e o dispêndio da máquina pública. Ocorre que, na fase de precatório, não há mais processo, mas mero procedimento. Não há mais lide, nem, via de regra, grande movimento do aparato judiciário para dar impulso oficial ao processo. A conciliação encontra sua razão de ser enquanto persiste o conflito, já inexistente durante a fase precatorial. Nesta fase, cabe apenas ao exequente aguardar o recebimento de seu crédito. Nada mais poderá fazer o ente público para eximir-se do pagamento do débito, que já é líquido e certo. Não há mais controvérsia. Não há, pois, objeto a ser conciliado.

Noutro giro, valendo-se da situação desvantajosa narrada acima – de não poder mais discutir o pagamento da dívida – é comum que o ente público, por seu gestor, procure o trabalhador para celebrar um aparente acordo, que vantagem alguma costuma trazer ao titular do crédito principal; pelo contrário, geralmente diminui-lhe bastante o valor a que originalmente teria direito, e que inevitavelmente iria receber, com atualização. Em qualquer transação, hão de existir vantagens e concessões recíprocas, o que não ocorre aqui. O exequente, quase sempre, receberá algo bem inferior ao que lhe seria pago se aguardasse sua vez na ordem, unicamente em troca da agilidade no procedimento de pagamento, cuja demora, ao fim e ao cabo, é imputável ao próprio ente público, que não honra suas dívidas no prazo constitucional. A vagareza é inerente ao sistema, e não é superada com o acordo em sede de precatório, a uma, porque a conciliação também deve seguir, como já estudado, a ordem cronológica (a não ser que se concilie com todos de uma vez); e, a duas, e principalmente, porque o pagamento do valor acordado geralmente dá em múltiplas parcelas, estendendo-se também por meses ou mesmo anos.

Imagine-se o trabalhador que, ao fim do mês laborado com sangue, suor e lágrimas, dirige-se ao banco para, na boca do caixa, sacar seu dinheiro. Lá, o assalariado terá de enfrentar uma enorme fila, que não o deixará sair dali antes de duas horas de espera. A demora é inerente à estrutura de que dispõe o banco, e à própria demanda. No entanto, o mesmo banco fornece um serviço especial em que o trabalhador poderá receber seu dinheiro em quinze minutos (prazo mágico concedido por leis locais a quem enfrenta uma fila bancária), desde que deixe, porém, a metade do valor em favor da instituição financeira. Com essa metáfora, entendemos que vantagem alguma, portanto, a nosso ver, persiste para o trabalhador nesta tal conciliação em sede de precatório. Vantagem há, isto sim, para o ente público. Aliás, nesta constatação reside o principal argumento de quem defende a Fazenda: que se trata de dinheiro público. Com este mesmo pensar, então, dever-se-ia ter procurado a conciliação durante as fases processuais. A nosso sentir, conciliação desta natureza favorece apenas a que os entes públicos tirem vantagens da própria fraqueza de um sistema que já lhes é vantajoso.

No entanto, por questão de política judiciária, fica o presidente de qualquer tribunal em situação difícil, se optar por arvorar o entendimento ora exposto. Os tribunais superiores e, principalmente, os conselhos recém-nascidos (e já tão superestimados) na história jurídica nacional têm orientado (orientação é eufemismo que se usa em substituição à palavra determinação, pois parecem os tribunais ter esquecido de que o art. 96 da Constituição lhes atribui autonomia) a instalação de juízos conciliadores de precatórios, ou centrais de conciliação de precatórios, ou núcleos de conciliação de precatórios, etc., como meta a ser observada.

Há, ainda, outras observações negativas, como o fato (o qual, como temos observado na prática, acontece sempre) de o ente público não providenciar o recolhimento dos tributos devidos. Posto que o pagamento do acordo não se resume ao crédito do obreiro e aos honorários de seu advogado, ao fim, sobra para o Judiciário e suas secretarias verificar tudo o que foi pago, e o que deixou de sê-lo, notificando-se o ente público para juntar comprovantes, etc., em análise e procedimento que costuma ser mais trabalhoso do que seria se o precatório houvesse sido pago diretamente pela Justiça. Ademais, há a questão de que, não raro a conciliação só é celebrada por motivo de parentesco, relações de apadrinhamento ou coleguismo, ou simpatia político-partidária havida entre o gestor e o trabalhador, como já comentado – fato ao que o Judiciário deve estar atento.

Por todas essas razões, não damos crédito a tais conciliações, que não trazem vantagem ao obreiro, nem, de regra, costumam facilitar o trabalho judiciário. No entanto, por razões de política judiciária, estando em ordem o acordo, este costuma ser homologado.

4.2. Do pagamento preferencial

A maioria dos autores[9] fala em possibilidade de três ordens cronológicas: a regular; a alimentar, e a preferencial. A primeira, por razões óbvias, não existe na Justiça do Trabalho. Portanto, para nós, pelas mesmas óbvias razões, a alimentar é a ordem cronológica comum. Esta, porém, pode ser suplantada pela preferencial.

Ab initio, vejamos o que diz Américo Luís Martins da Silva (2011, pp. 217-8):

A cláusula expletiva inicial do §§1º e 2º do art. 100 da Constituição de 1988, com redação dada pela EC 62/2009, ressalva os créditos de natureza alimentícia comuns (aqueles decorrentes de salários, vencimentos ...) e os créditos de natureza alimentícia excepcionais (...) e, segundo interpretação dominante, criou uma ordem paralela para os créditos de natureza alimentícia comuns e outra ordem paralela para créditos de natureza alimentícia excepcionais, agora dotados de preferência por categoria.

Observe-se: não é que exista mais de uma ordem cronológica, embora, na prática, tenha-se essa impressão, e a doutrina assim considere. Na verdade, para os que têm pouco a receber, essa impressão é real, vez que os preferenciais – assim entendidos os de idade igual ou superior a sessenta anos, ou portadores de doença grave (CF, art. 100, §2º) – com crédito até certo valor, recebem sempre em adiantamento aos não-preferenciais. Para os que têm maiores valores a receber, porém, apenas por um tempo ficarão em vantagem. Depois, retornarão à ordem comum.

Um exemplo prático pode explicar todas as questões referentes ao tema.

Imagine-se uma lista com cinco precatórios: a) o primeiro, atinente a João, de 35 anos; b) o segundo, relativo a José e Maria – aquele com 60 anos recém-completados; esta, com 55 anos – cada qual com cerca de R$10.000,00 a receber; c) o terceiro, relativo a Joaquim, de 75 anos, falecido, cujo filho, Antônio, pleiteou habilitação no processo; d) o quarto, atinente a Carlos, de 25 anos, que pediu preferência por problemas financeiros sérios, devidamente comprovados nos autos; e) o quinto e último, relativo a Francisco, portador de doença grave, com R$50.000,00 a receber.

Cuidando-se de Justiça do Trabalho, só há ordem comum e preferencial (não há que se falar em ordem não-alimentar e alimentar, pois, aqui, em tese, só se executa salário). A ordem cronológica alimentar, para a Justiça do Trabalho, frisamos, é a comum. Há que se diferenciar apenas o que é preferencial do que não é, e, no exemplo acima, são preferenciais apenas José, do segundo precatório, e Francisco, do último.

Conforme já visto neste estudo, a ordem cronológica de apresentação dos precatórios é o calcanhar de Aquiles do instituto. Qualquer interpretação no sentido de possibilitar sua violação ou alteração deve ser feita restritivamente.

A Constituição Federal só previu que os precatórios alimentares devem ser pagos em antecipação aos não-alimentares, e, sobre os primeiros, devem ser pagos os preferenciais. Esqueçamos os não-alimentares, que não existem na Justiça do Trabalho. Temos, assim, uma ordem alimentar (que é a comum) e, insertos nesta ordem, os exequentes que podem ser identificados como preferenciais. Estes são os de idade igual ou superior a sessenta anos, e os portadores de enfermidade grave. Se o exequente comprova uma dessas condições, fica acobertado pela condição de preferencial, o que não significará, que deverá deixar a ordem cronológica para compor uma outra, em que receberá todo o crédito.

Seguindo-se a ordem inicial, o pagamento deveria contemplar, cronologicamente, João, José e Maria, Joaquim (por ele recebendo Antônio), Carlos e Francisco. No entanto, tem-se José e Francisco, que preenchem a condição de preferenciais: o primeiro pelo fator idade; o segundo, pelo fator enfermidade, tendo sido o direito ao pagamento preferencial dos dois exequentes já reconhecido pelo Juízo.

Neste caso concreto, a verba alocada pelo ente público (repasse, ou sequestro parcelado) deverá ser direcionada para o pagamento dos preferenciais, antes dos demais. Se o ente público repassa, digamos, R$15.000,00 ao mês, este valor quitará o crédito de José, e o restante já será alocado para o pagamento de Francisco, que poderá, a critério do tribunal, receber parte no mês corrente, e o restante no mês seguinte. Apesar de constar do mesmo precatório, Maria, litisconsorte de José, não receberá ao tempo deste, pois não preenche a condição de preferencial (na metodologia preconizada pelo CNJ, preferencial seria todo o precatório, desde que observada a orientação de se expedir um precatório para cada exequente, o que, na prática, dá no mesmo). Maria, assim, permanece na ordem comum, atrás de João e à frente de Joaquim e Carlos.

Francisco, por sua vez, receberá, também à frente de todos os outros, seu dinheiro (entre José e Francisco não há preferência; a ordem de pagamento será feita conforme a data em que cada um teve o direito ao pagamento preferencial deferido, ou, supondo-se na mesma data, pela ordem em que seu precatório figura na lista). Ocorre que Francisco tem R$50.000,00 a receber, mas o pagamento preferencial de que trata a Constituição Federal tem limite: “até o valor equivalente ao triplo do fixado em lei para os fins do disposto no § 3º deste artigo”. Ou seja, até três vezes o valor do maior pagamento feito pelo regime geral previdenciário. Acima disto, diz o mesmo art. 100, §2º, o valor “será pago na ordem cronológica de apresentação do precatório.”

Observe, portanto, que a afirmação de que se formam duas ordens cronológicas não é correta. Cuida-se apenas de uma constatação comparativa que pode ou não estar presente, na prática. No caso de José, a afirmação, embora juridicamente incorreta, foi materializada, na prática.  Mas o mesmo não ocorrerá com Francisco, que receberá preferencialmente apenas R$11.748,60[10]. Como o valor que tem a receber é mais alto, o restante de seu crédito lhe será pago conforme a ordem cronológica comum – que, na verdade, como agora já se sabe, é a única existente.

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A grande quantidade de exequentes preferenciais presentes na ordem cronológica, porém (infeliz realidade de vários entes públicos devedores no Brasil, mormente com a demora de anos e anos de tramitação processual), é que pode configurar, na prática, o efeito que teria a formação de duas ordens cronológicas, desde o início. No âmbito do TRT22, por exemplo, são tantos os exequentes em fila contra o Estado do Piauí, que, centenas deles, com o passar dos anos, vão atingindo os sessenta anos de idade, passando a receber preferencialmente. Como, na prática, os não-preferenciais não recebem até que os preferenciais sejam quitados, ou recebam sua antecipação, diz-se que há duas ordens cronológicas. Juridicamente, essa afirmação não é correta. Apenas poderá ou não ocorrer, na prática, este efeito. Aliás, este pensamento dá margem a irresignação por parte dos exequentes não-preferenciais e seus advogados, ao argumento de que a lista cronológica fica travada. Não fica, exatamente porque a lista, a rigor, é uma só. Há, apenas, além dos comuns, os exequentes que são preferenciais, mas que não deixam sua posição na fila, apenas dela sendo removidos se, em face do direito ao pagamento preferencial, tiverem seus créditos inteiramente quitados.  No exemplo dado, foi o caso de José, mas não o de Francisco. O primeiro, ao ser pago, terá sido excluído da lista. O segundo, por receber apenas parte de seu crédito, continuará ocupando a mesma posição na mesma. Em ambos os casos, indene de dúvidas, a fila está sendo observada e movimentada.

Não vigora a tese de que a idade há de ser aferida apenas na data de expedição do precatório, como defendem alguns entes públicos. Apesar de o §2º do art. 100 trazer essa redação, a norma que regulamenta o referido dispositivo é o art. 12 da Res. n. 115/2010 do CNJ, que, claramente dispõe: “(...) sendo também considerados idosos, após tal data, os credores originários de precatórios alimentares que contarem com 60 (sessenta) anos de idade ou mais, na data do requerimento expresso de sua condição, e que tenham requerido o benefício”. Ora, os direitos dispostos na Constituição Federal não excluem outros, mais abrangentes, previstos na legislação regulamentadora e decorrentes do regime democrático.

Voltando ao exemplo acima, o leitor pode se perguntar: e quanto a Joaquim, que tinha idade inclusive superior à de José? De início, tal constatação é irrelevante. Os preferenciais serão pagos conforme a data de reconhecimento de seu direito pelo presidente do Tribunal, ou, se na mesma data, por sua posição na fila. Ademais, o caso de Joaquim reporta-se à questão da interpretação restritiva que já se comentou. O direito ao pagamento preferencial há de ser entendido como direito personalíssimo. Como Joaquim é falecido, seu filho, Antônio, embora regularmente habilitado nos autos para receber o crédito do pai, não pode usufruir da condição de preferencial. Nem poderá jamais, a nosso sentir, pois o precatório em questão era de seu pai, e não dele. Preferencial é o titular do crédito, não o consorte, genitor, filho, ou herdeiro, por mais que nos compadeçamos com a condição de saúde ou situação financeira da família. Esta a mesma razão pela qual a pretensão de Carlos deve ser rejeitada.

Assim, receberão seus créditos os exequentes da ordem cronológica fictícia apresentada acima: 1º) José, integralmente; 2º) Francisco, em parte; 3º) João; 4º) Maria; 5º) Joaquim (pelo herdeiro habilitado); 6º) Carlos; 7º) Francisco (a parte restante).

Quanto ao exequente portador de doença grave, é importante ainda tecer comentário sobre o art. 13 da Res. n. 115/CNJ. Este dispositivo relaciona as enfermidades que hão de ser consideradas graves (que, por sua vez, é derivado do rol disposto na legislação do imposto de renda). No entanto, no exercício das funções, no âmbito do TRT22, temos nos deparado com exequentes cuja condição de saúde permite concluir pela existência de prognóstico tão grave quanto aquele presente nas doenças citadas na lei e no regulamento[11]. Isto porque um doente portador de neoplasia maligna tratada precocemente pode ter uma qualidade de vida – senão idêntica à de uma pessoa sã – muito melhor do que aquele que padeça de artrose avançada, por exemplo, com impossibilidade de locomoção e fortes dores articulares – doença que não consta da lista legal e regulamentar. Há que se buscar, portanto, a mens legis, no sentido de que o fator primordial a ser considerado é a expectativa de vida daquele que, por anos, procurou receber um crédito salarial que nunca lhe foi honrado.

Observe-se também que a feitura de sequestro correspondente ao valor integral dos precatórios vencidos – se isto for possível, nos moldes do que foi explicado no item 3 – torna todas estas questões irrelevantes, posto que, se o sequestro for integral, todos os exequentes com crédito vencido, preferenciais ou não, poderão ser pagos ao mesmo tempo. Haverá dinheiro para pagar a todos.

No entanto, sequestro dessa natureza é absolutamente não-recomendável e, na imensa maioria das vezes, até impossível de ser feito. O ideal é que se estabeleça um repasse (cujo berço pode ser um acordo entre o Tribunal e o ente público, ou a mera fixação, de ofício, do sequestro mensal) para pagamento dos precatórios vencidos, dentro das possibilidades do ente devedor. Além de procedimento mais sensato, só dentro desta possibilidade se vislumbra a qualificação do exequente como preferencial ou não, pela Constituição Federal.

4.3. Da renúncia de valores

A terceira maneira de que se pode utilizar o exequente, no sentido de perceber mais rapidamente seu crédito, é renunciando ao valor que ultrapassar o limite estabelecido legalmente para pagamento por RPV. Se o fizer, o rito será outro e seu precatório, via de consequencia, será excluído da ordem cronológica para ser enviado à Vara de origem.

Várias observações, entrementes, precisam ser desenvolvidas, neste tópico.

A maioria dos advogados não compreende o tema em sua plenitude, e, indiscriminadamente, protocoliza petições de renúncia, em favor e em nome de seus constituintes, para que venham – estes e aqueles – a receber seus créditos de forma mais rápida. Há, porém, de se esclarecer a forma e o conteúdo em que essa renúncia pode ser feita.

Quanto à forma, geralmente os patronos dispõem de poderes para confessar, desistir, transigir, firmar compromisso, receber citação e intimação, receber e dar quitação, etc.; enfim: todos os poderes que relaciona o art. 38, CPC. Todos, menos um: o de renunciar ao direito sobre que se funda a ação. Este último geralmente não está expresso na procuração outorgada. E, sem ele, não pode o patrono atravessar petição na qual, pelo exequente, renuncie à parte do crédito deste. Tal renúncia há de ser formulada pelo próprio trabalhador, firmando declaração de próprio punho nesse sentido. Não cabe defender a tese de que quem pode o mais, pode o menos (tomando-se o mais pelo poder de desistir do processo), porque o CPC fez distinção entre os institutos (art. 38). A petição de renúncia deve, pois, ser firmada pelo exequente, além do advogado, ou só pelo primeiro (considerando o jus postulandi da Justiça do Trabalho), salvo se o causídico detiver poderes para renunciar ao crédito obreiro, por este.

Quanto ao conteúdo, reside aqui o maior problema, em regra causado pela falta de conhecimento da matéria, o que termina por prejudicar o próprio exequente.

Vejamos o que diz a Constituição, em seu art. 100, §§3º-4º, com redação conferida pela EC 62/2009, verbis:

§ 3º. O disposto no caput deste artigo relativamente à expedição de precatórios não se aplica aos pagamentos de obrigações definidas em leis como de pequeno valor que as Fazendas referidas devam fazer em virtude de sentença judicial transitada em julgado.

§ 4º. Para os fins do disposto no § 3º, poderão ser fixados, por leis próprias, valores distintos às entidades de direito público, segundo as diferentes capacidades econômicas, sendo o mínimo igual ao valor do maior benefício do regime geral de previdência social.

Para pleitear, portanto, a adequação ao rito da RPV, o exequente (entenda-se: seu advogado, que é quem detém o conhecimento técnico para fazê-lo) deve avaliar se o risco-benefício entre a demora que ocorreria para o recebimento do crédito, na fila dos precatórios, e o crédito de que se está abrindo mão, é compensável, aceitável. Se se entender que é, certamente o valor que o exequente tem a receber não é muito maior do aquele que é tomado por limite, no procedimento da RPV.

O problema é que se pensa que, por RPV, deve-se executar apenas o crédito que não ultrapasse o valor do maior benefício previdenciário pago no regime geral. Esta é uma regra. Nem sempre este é o limite. Há os municípios que até hoje – já no terceiro ano de vigência da emenda – estão inertes – e, no Estado do Piauí, são a maioria – no sentido de editar sua nova lei definidora de pequeno valor. Contraditoriamente, o que deveria ser excepcional tornou-se regra. O fato da indolência, em particular, atrai a incidência, não dos parágrafos acima, mas do §12 do art. 97 do ADCT (também incluído pela emenda nova), litteris:

§ 12. Se a lei a que se refere o § 4º do art. 100 não estiver publicada em até 180 (cento e oitenta) dias, contados da data de publicação desta Emenda Constitucional, será considerado, para os fins referidos, em relação a Estados, Distrito Federal e Municípios devedores, omissos na regulamentação, o valor de:

I - 40 (quarenta) salários mínimos para Estados e para o Distrito Federal;

II - 30 (trinta) salários mínimos para Municípios.

O que verificamos diariamente em nosso mister, na análise processual dos precatórios em trâmite no TRT22, são formulações generalizadas de renúncia de valores em relação aos quais não precisaria ter havido renúncia alguma. São exequentes com créditos de dez ou quinze mil reais a receber, renunciando a soma considerável de seu dinheiro, em petições absolutamente desnecessárias, formuladas por seus patronos, contra municípios que nunca editaram a nova lei[12].

Municípios tais são executáveis mediante RPV, até a soma, em valores de hoje, de R$18.660,00[13]. Infelizmente, trabalhadores humildes são prejudicados pela pura falta de conhecimento de seus advogados. Conhecimento simples, oriundo da só leitura da emenda. Diante de pedido como este, o Judiciário, pelo dever de imparcialidade, não podendo tomar partido pela parte, nem “corrigir” o pleito com o deferimento de algo que não se pediu, nada pode fazer. Defere-se a renúncia, com baixa dos precatórios nos registros do Tribunal, e encaminhamento dos autos respectivos à Vara, para que requisite o pequeno valor que ficou.

Há, nesta senda, o outro lado da mesma questão: o dos municípios que, porventura, tenham editado nova lei mais benéfica do que o texto constitucional (é difícil, sabemos), ou cuja lei antiga tenha permanecido, por manifesta receptividade com o novo texto conferido pela emenda. No caso do Tribunal trabalhista piauiense, podemos citar, sob sua jurisdição, o Município de Teresina, capital do Estado. A antiga lei de RPV do Município de Teresina falava em 7 (sete) salários-mínimos. Ora, tal lei continua em pleno vigor (Lei municipal n. 3.871, de 05 de junho de 2009), porque sete salários ultrapassam o patamar mínimo fixado constitucionalmente para a RPV[14]. Para estes casos, a formulação indiscriminada dessas renúncias também termina por prejudicar os trabalhadores.

 Do outro lado da moeda, os entes públicos, intimados para se manifestar sobre o pleito, costumeiramente nada pedem. Suas assessorias, também desconhecendo o assunto, não atentam para o fato de que haveria de se verificar se o pedido do exequente, de ver seu crédito pago por RPV – procedimento que é mais pesaroso ao devedor – poderia ser concedido, no caso concreto.

Há tribunais que aplicam in continenti a EC 62 aos processos em curso, na fase em que se encontrarem, no que concerne aos novos parâmetros da RPV. Entendemos, porém, que certas especificidades influem no que se deva entender por aplicação imediata de regramento processual.

O Tribunal Regional do Trabalho da 22ª Região, bem assim o Tribunal Superior do Trabalho, tem adotado como marco referencial temporal a incidirem as novas normas o momento do ato que dá início à execução, ou seja, o momento da citação. Ao menos em teoria, é com a citação que o ente público toma ciência do montante do crédito que deve e, via de consequencia, do rito que será aplicado, ad futurum, à execução deste. Proveniente do TST, colaciona-se o julgado abaixo:

“EMBARGOS - DISPENSA DE PRECATÓRIO - ART. 100, § 3º, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA - DEFINIÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE PEQUENO VALOR – LEI ESTADUAL – APLICABILIDADE. Esta C. SBDI-1 já se pronunciou no sentido de que a lei estadual que define as obrigações de pequeno valor, para fins de aplicação do § 3º do art. 100 da Constituição, somente se aplica aos créditos apurados posteriormente à sua vigência. Assim, não há como divisar ofensa ao art. 100, § 3º, da Constituição, porquanto foram observados os critérios preconizados na legislação então vigente para a caracterização da obrigação de pequeno valor. (...). Embargos não conhecidos” (TST-E-ED-RR-5323300-41.2002.5.22.0900. Relatora Ministra MARIA CRISTINA IRIGOYEN PEDUZZI. DJ 02/05/2008).

Portanto, ao deixar de se manifestar quando o contraditório lhe é conferido, o ente público perde a oportunidade de, discutindo o tema, provocar a manutenção do crédito na fila do precatório, seja porque fora citado antes do advento da EC 62/2009 – não sendo o caso, portanto, de se lhe aplicar as novas regras, quando vigorava sua antiga lei de RPV – seja porque citado antes mesmo da EC 30/2000, que criou o pequeno valor. Recordemos, aliás, que, depois de criado, o instituto só encontrou regulamentação dois anos depois, com a EC 37/2002, que incluiu o art. 87 no ADCT.  Antes desta emenda, só havia regulamentação para União como devedora (Lei 10.259/2001). Percebamos, com mais este indício, como as normas de rito não podem ser cega e imediatamente aplicadas.

Enfim, renunciando o exequente a parte de seu crédito, para ficar com o valor do maior benefício previdenciário do regime geral, abre-se o contraditório ao ente público. Como, na imensa maioria das vezes, este não se manifesta, o Juízo nada poderá fazer, a não ser deferir esta renúncia, sem investigar se está ou não tecnicamente correta. Perde o exequente, que abre mão gratuita e desnecessariamente de um crédito seu, e perde o ente público, em grande parte das situações, mormente em se tratando de precatório antigo, pois não provoca a discussão do conflito das normas no tempo. Muitas vezes, à época da citação, estava em vigor a lei local antiga, que estipulava como RPV a monta de um ou dois salários, apenas. Como não é provocado, o Juízo não pode analisar a matéria. Caso o fizesse, configurar-se-ia ausência de parcialidade, e mesmo violação ao princípio da inércia da jurisdição.

Este tipo de situação fático-processual, infelizmente, é de frequência quase diária.

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Sobre o autor
Alexandre Herculano Verçosa

Secretário Judiciário do Tribunal Regional do Trabalho da 22ª Região (PI). Professor de cursos preparatórios para concurso público.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VERÇOSA, Alexandre Herculano. Precatório-requisitório e Requisição de Pequeno Valor (RPV).: Operacionalização de procedimentos na Justiça do Trabalho e pontos controversos atuais. Procedimentos de pagamento à luz da EC nº 62/2009 e da Resolução nº 115/CNJ e alguns pontos controversos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3221, 26 abr. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21606. Acesso em: 16 abr. 2024.

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