11. Considerações finais
Muito se sabe, através de contribuições de autores diversos, sobre o horror que fora perpetrado contra os judeus na ocasião da Segunda Guerra Mundial. Todavia, nada comparado a relatos de alguém que vivenciou o terror dos Lager nazistas, que respirou o pó das cinzas de vidas dissipadas, que sentiu na pele a frigidez da morte iminente a cada segundo. Esse pensamento só nos fora possível graças a Primo Levi, que num falar despido de eufemismos e omissões, nos traz a realidade nua e crua do modelo totalitário – diria hitleriano – de estado.
Segundo Alain Touraine, não é através do individualismo que nos será permitido a compreensão de um movimento social – tomemos o modelo totalitário e/ ou hitleriano como exemplo –, senão da participação – lembremos também do antropólogo Malinowski e sua teoria da observação participante, em que só se é possível compreender uma dada realidade se dela for parte integrante – como fizera o autor de Os afogados e os sobreviventes que se tornou uma raça caída, podendo compreender a amplitude e intensidade desse contexto.
A presente análise pretendeu encontrar e dialogar com os pensadores políticos que estariam (e estão) introjetados no discurso de Primo Levi. Vale ressaltar que a plausibilidade do diálogo entre os autores de épocas distintas de cruzam, se entrelaçam, formando um todo coeso e verossímil. E a maneira que se deflagra esse encontro cobre de sentido toda a nossa análise e da Política em si, por conseguinte. Destarte merece destacar, que todos deixaram contribuições indeléveis e que não se pode elucidar qual dos autores seria atual e qual seria ultrapassado, haja vista que todos são possíveis de serem encontrados nas falas mais atuais. Além do fato de terem deixado conceitos que, ao serem tomados, nos remete aquele pensador.
De tudo que fora argumentado até aqui, e que merece atenção, é o fato da vida humana ser preciosíssima acompanhado, é claro, da dignidade que é correspondente direto da vida. Seja qual for o sistema político em voga a Lex naturalis deve ser preservada. Outra questão que merece atenção é que não indivíduo melhor ou pior – usando como critério de valoração nacionalidade, cor, credo, sexo – lei tem que haver, governo tem que haver, porém não há nada que determine que um povo esteja acima do outro. É possível ser mais rico, desenvolvido, mas ainda assim não o torna melhor do que outro, uma vez que as oportunidades estão abertas a todos. Os caminhos são infindos, basta que se escolha um.
O ser humano é o bem maior que existe, não devendo, pois, ser animalizado, coisificado, nem tampouco exposto ao ridículo. Muito pelo contrário, sua vida deve ser zelada, garantida e protegida.
Através da análise em questão, pudemos depreender que não se deve deixar deturpar pelo poder. Este tem o poder de dominar aquele que o possui, fazendo com que não mais pense por si próprio, sendo dele dependente. Nessa ocasião, os efeitos são avassaladores, como num vício. E pior. Não se pode voltar atrás. A consequência é a aniquilação realizada pelo próprio poder que – como ressalta Maquiavel – quando não é mais saciado – e aqui adaptamos o conceito do pensador – expulsa a fortuna do indivíduo que, desafortunado, vende sua dignidade por qualquer preço e, com ela, sua vida. O perigo da exacerbação do poder é ser por ele consumido. E isso se dá quando não se resta mais quem consumir. O poder desmedido tem sede. Sede de sangue. Faminto de morte e não poupa quem atravessa seu caminho, mesmo que seja seu executor, seu hospedeiro intermediário. Provavelmente, o totalitário não dorme – se nos permite a alegoria – pois pode ser pego desprevenindo por seu maior inimigo: ele mesmo que personificado pelo poder passa a ser vilão de si próprio. Não há escolha. É um pacto de sangue. Sangue este que mata a sede do poder (deturpado).
Há uma medida para todas as coisas e esse fato é o que nos livra de armadilhas que nós mesmos podemos armar (ou permitir que sejam armadas) em nosso caminho. Assim se deve proceder com o poder. Este não deve personificar o estado ou perder-se-á o controle da situação, passando a enxergar as atrocidades, o terror como algo banal, rotineiro. Disso segue-se o desconhecimento de si mesmo, a perda de identidade, o distanciamento do sentir de ser humano e, por conseguinte, autodestruição.
Buscam-se governantes centrados, preocupados com o bem estar social, uma vez que são representantes do povo, convictos de seus deveres para com os subordinados, desprendido do Self normalizado para o sujeito ativo, empreendedor de políticas sociais, aberto a críticas e sugestões, enfim, um político conhecedor de suas possibilidades e de seus limites. Em contrapartida, buscam-se governados cidadãos conhecedores de sua cidadania, formadores de opinião, livres para se comunicar e expressar e confiantes de que seus direitos não estão e nem vão ser violados. Não se deve pensar em distanciamento dominante/ dominados estes não devem ser opostos, mas coparticipantes. Deve-se sim pensar em aproximação para que os papeis sejam desempenhados com eficácia.
12. REFERÊNCIAS
GILBERT, Martin. O Holocausto. História dos Judeus na Europa na Segunda Guerra Mundial. 1ª ed, São Paulo: Hucitec, 2010.
KITCHEN, Martin. O Terceiro Reich. Carisma e Comunidade. 1ª ed, São Paulo: Madras, 2009.
LEVI, Primo. Os afogados e os sobreviventes. 2ª ed, São Paulo: Paz e Terra, 2004.
_____. Se questo è un uomo. Milano: Einaudi, 2005.
RICHARD, Lionel. A República de Weimar (La vie quotidienne au temps de la republique de Weimar). São Paulo: Companhia das Letras, 1988.
WEFFORT, Francisco C. Os Clássicos da Política vol. 1 e 2. 10ª ed, São Paulo: Ática, 2001.
13. NOTAS
[1] Utilizamos o termo hitlerismo para enfatizar o fato de o sistema nazista ter sido conduzido por autodeterminação de Hitler.
[2] Nomenclatura dada aos Campos de Concentração Nazistas.
[3] v. (new spell.=zurück schlagen) strike back, return a blow or punch, retaliate, fight back [revidar, retornar um golpe ou soco, retaliar, lutar].
[4] Referente a Hobbes.
[5] No dia 13/10/1939, na cidade polonesa Lodz (recentemente batizada Litzmannstadt desde que fora incorporada à Alemanha), um dos líderes de Conselho Judeu mais polêmicos da Guerra foi indicado: Mordechai Chaim Rumkowski. Rumkowski era um empresário e diretor de um orfanato em Lodz. Ele também era conhecido por ser um ativista e defensor do sionismo. A polêmica em torno de Rumkowski está no fato que ele administrou Lodz com mão de ferro e colaborou o máximo possível com os nazistas. Alguns passaram a chamá-lo de Rei Chaim e de tirano e até hoje ele é visto por muitos judeus como um dos maiores traidores do povo judeu na história. Outros, entretanto, veem Rumkowski numa perspectiva menos pessimista. Eles apontam o fato de Lodz ter sido uma das cidades com menor taxa de mortalidade de judeus entre todas as cidades ocupadas pelos nazistas durante a Guerra e destacam que Rumkowski sempre defendeu sua política dizendo que “enquanto formos úteis, não seremos mortos”.
[6] Relativo a Antonio Gramsci.
[7] Termo utilizado para designar o método utilizado pelo regime totalitário para se difundir e ser aceito pela população, afinal, Hitler fora aclamado pelo povo. Fora eleito como o salvador e sua atuação revela bem a inseminação deste tipo de regime político.
[8] Ex-prisioneiro de um dos campos de concentração (Lager) em Buchenwald.
[9]Schutzstaffel (em português "Tropa de Proteção"), abreviada como SS, ? ? ou (em Alfabeto rúnico) foi uma organização paramilitar ligada do partido nazista e de Adolf Hitler. Seu lema era "Meine Ehre heißt Treue" ("Minha honra chama-se lealdade"). Inicialmente era uma pequena unidade paramilitar, posteriormente agregou quase um milhão de homens e conseguiu exercer grande influência política no Terceiro Reich. Construída sobre a Ideologia nazista, a SS sob o comando de Heinrich Himmler, foi responsável por muitos dos crimes contra a humanidade perpetrados pelos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial. Inicialmente a força paramilitar nazista era a SA ("Sturmabteilung"), ou "Divisões de Assalto", que utilizava o terror junto aos inimigos dos nazistas, e era vista como semi-independente e uma ameaça ao poder de Hitler. O grupo se tornou uma ameaça ao poder de Hitler e aos poucos foi substituído pela SS, um grupo de elite que contava com homens racialmente selecionados e disciplinados. A partir de 1939, sob o comando de Heinrich Himmler, a SS cresceu e chegou a contar com um exército próprio, a Waffen SS ("SS Armada"), independente do Exército alemão, a Wehrmacht. Além disso, a SS também absorveu a Gestapo, a polícia secreta nazista, a Reichssicherheitshauptamt, o órgão que controlava as polícias, o Sicherheitsdienst (SD), o serviço de inteligência e o Einsatzgruppen, grupos criados com a única intenção de exterminar grupos étnicos minoritários. Em 1939, a SS comandaria os campos de concentração nos países ocupados. Em 1941, a SS passou a comandar os campos de concentração.
[10] Não confundir maquiaveliano com maquiavélico. O primeiro é o que se refere a Maquiavel; o último é um adjetivo pejorativo que faz alusão ao caráter, significando perverso.
[11] LEVI, Primo. Se questo è un uomo/La tregua. Torino: Einaudi Tascabili, 1989.