8. As multas fiscais e o princípio da anterioridade tributária.
O princípio da anterioridade tributária tem relação com a aplicabilidade da lei. Não basta, em matéria tributária, que exista lei vigente. Deve ser observado que a norma somente terá aplicação no primeiro dia do exercício seguinte à publicação da lei(40).
Sendo assim, por exemplo, uma lei que aumenta a alíquota do ICMS publicada em 30 de junho de 1999 somente terá aplicabilidade em 1º de janeiro de 2000. Para se exigir o aumento do tributo temos que observar concomitantemente o princípio da irretroatividade e anterioridade tributária, não bastando a lei estar vigente, estando a exigência do tributo condicionada ao cumprimento de quesito temporal.
Hugo de Brito Machado(41) explica que "o princípio da anterioridade da lei tributária não se confunde com o princípio da irretroatividade da lei, que é princípio geral de Direito e vigora, portanto, também no Direito Tributário, em cujo âmbito mereceu expressa acolhida (art. 150, inc. III, letra "b"). A anterioridade é a irretroatividade qualificada. Exige lei anterior ao exercício financeiro no qual o tributo é cobrado. Irretroatividade quer dizer que a lei há de ser anterior ao fato gerador por ela criado, ou majorado."
As leis tributárias que aumentam multas moratórias fiscais também observam o princípio da anterioridade, seguindo, pois, a mesma sistemática das normas que aumentam as obrigações principais.
Por isso, uma lei que aumente a multa moratória fiscal de 30% (trinta por cento) para 50 % (cinqüenta por cento) somente será exigível no primeiro dia do exercício seguinte à publicação da lei, levando-nos a concluir que o princípio da anterioridade tributária se aplica às leis que instituem e majoram multas fiscais.
9. O Poder Judiciário e a revisão dos limites de aplicação das multas fiscais.
A nosso juízo, deve ser editada lei complementar que regula a questão, nos termos do art. 146, II, da Constituição. Contudo, enquanto não discutida a aludida lei, a melhor solução para eventuais extrapolações na imposição de penalidades tributárias é a possibilidade que o devedor tem de se socorrer ao Poder Judiciário com o objetivo de reduzir e adequar as multas a percentuais razoáveis, dentro dos limites ao poder de tributar.
Heron Arzua e Dirceu Galdino(42) assim esclarecem a questão:
"De há muito se reconhece ao Poder Judiciário o direito de excluir ou mitigar a multa fiscal imposta pela autoridade administrativa (STF in RTJ 44/661; TACSP, in RT 372/276, 390/269 e 414/236). É facultado ao Poder Judiciário, atendendo à circunstância do caso concreto, reduzir multa excessiva aplicada pelo Fisco (STF, RE 82.150-SP, 2a T., in RTJ 78/610)."
Dessa forma, não há dúvidas que os percentuais de multas fiscais impostos podem ser revistos pelo Poder Judiciário, já que nenhuma lesão ou ameaça de lesão à direito escapará do controle judicial, que detém amplos poderes para adequar, no caso concreto, a limitação ao poder de impor multas aos princípios constitucionais ou, em controle abstrato, retirar do ordenamento norma que imponha multa fiscal inconstitucional(43).
Nesse sentido, esperamos que o Poder Judiciário interceda com vistas a fazer restabelecer a correta gradação das multas fiscais.
10. Conlcusão
Podemos alinhar algumas conclusões:
1. Ponderamos a necessidade de uma proposta legislativa com o fito de abrir a discussão sobre a importância da positivação dos limites de gradação das multas fiscais segundo critérios justos e que tenham como parâmetro o grau de sonegabilidade do tributo, possibilitando que as multas sejam maiores quantas forem as possibilidades de fraudes fiscais, evitando-se aplicação de multas abusivas, que impedem que o contribuinte, com reais dificuldades financeiras, tenha a possibilidade de adimplir suas dívidas.
2. As limitações constitucionais ao Poder de Tributar se aplicam às leis e procedimentos que impõem multas fiscais, devendo o legislador e o Fisco atentarem que as multas têm como limite formal os princípios constitucionais tributários.
3. As leis que estabelecem multas abusivas podem ser questionadas e declaradas inconstitucionais em face dos princípios da razoabilidade das leis, do não-confisco, da capacidade contributiva, da legalidade, da irretroatividade das lei e da anterioridade, e outros.
4. A aplicação de multas progressivas no tempo é inconstitucional, em face de que não se admite a exacerbação de penalidades no tempo, salientando-se que os juros são o instituto que variam, em razão do período de atraso, para recompor o patrimônio.
5. Por fim, esperamos que o trabalho tenha contribuído de alguma forma para que a matéria seja mais estudada. Dessa forma, muito mais que a concordância com o que foi estabelecido, esperamos as críticas, que representam a melhor forma de evolução das idéias, uma vez que o assunto é importante e merece uma maior atenção por parte dos doutrinadores e do legislador.
Notas
1. COÊLHO, Sacha Calmon Navarro; DERZI, Misabel Abreu Machado. "Da inexigibilidade das multas fiscais em regime de concordata", in Revista dos Procuradores da Fazenda Nacional, ano 1, nº 1, janeiro de 1997, pp. 63-112, p. 102.
2. NARAHASHI, Mitsuo. "Multa de mora em obrigação tributária", in Revista Dialética de Direito Tributário, nº 13, outubro de 1996, pp. 55-63, p. 63.
3. FONROUGE, Carlos M. Giuliani. Derecho financeiro. 2a ed., Buenos Aires, Ediciones Depalma, vol. II, pp. 714-715.
4. BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do direito tributário. 2a ed., São Paulo: Saraiva, 1972, p. 3.
5. KÖMEL, Pária Andrade. "A sanção penal", in Revista do curso de direito da universidade federal de Uberlândia, nº 1 /2, vol. 25, dezembro de 1996, pp. 193-252, p. 239.
6. NOGUEIRA, Barbosa Nogueira. "Barbarismo, poder e "direito" de tributar", in Direito Tributário Atual, ano 1987/1988, vol. 7/8, pp. 2061-2062, 2062.
7. COSTA, Ramon Valdes Costa; BLENGIO, Nelly Valdes de; ARECO, Sayagues Eduardo. Codigo tributario de la Republica Oriental del Uruguay concordado y anotado. Montevideo: Ediciones Jurídicas Amalio M. Fernandes, 1976, p. 335.
8. GUEDES, J. Rildo Medeiros. "Correção monetária do ICM dos municípios", in Revista de Administração Municipal, ano XXIIIX, nº 135, março/abril de 1976, pp. 54-64, p. 61.
9. CARVALHO, José Orlando Rocha. "Multa e o injustificável arbítrio do poder fiscal", in Revista de Estudos Tributários, ano I, nº 6, março/abril de 1999, pp. 30-45, p.32.
10. FERNANDES, Amador Outerelo. "O problema da correção monetária da multa", in Revista do Tribunais, ano 64, novembro de 1975, volume 481, pp. 32-43, p.36.
11. Idem, ibidem, p.37.
12. SPISSO, Rodolfo. Derecho constitucional tributario. Buenos Aires: Ediciones Delpalma, 1993, pp. 281-282.
13. WAGNER, José Carlos Graça. "Penalidades e acréscimos na legislação tributária", in Caderno de Pesquisas Tributárias, vol., 2a tiragem, 1990, pp. 325-336, p. 329.
14. SPISSO, Rodolfo. Derecho constitucional tributario. Buenos Aires: Ediciones Delpalma, 1993, p. 282.
15. LUNARDELLI, Pedro Guilherme Accorsi. "O depósito administrativo fiscal e a violação ao princípios da razoabilidade e proporcionalidade", in Revista Dialética de Direito Tributário, nº 58, março de 2000, pp. 75-81, p. 75.
16. MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos fundamentais e controle de constitucionalidade. São Paulo: Celso Bastos Editor, 1998, p. 39-40.
17. MENDES, Gilmar Ferreira. " O princípio da proporcionalidade na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal: novas leituras", in Repertório IOB de Jurisprudência, nº 14, caderno 2, 2a quinzena de julho de 2000, pp. 361-372, p. 371.
18. Idem, ibidem, p. 370.
19. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 18.331, Relator Orosimbo Nonato, publicado no DJU de 10/08/53.
20. CASSONE, Vittorio. "Confisco em matéria tributária", in Repertório IOB de Jurisprudência, nº 6, caderno 1, 2a quinzena de março de 2000, pp. 149-153, p. 153.
21. YAMASHITA, Douglas. Confisco como efeito tributário e sua proibição constitucional", in Repertório IOB de Jurisprudência, nº 6, caderno 1, 2a quinzena de março de 2000, pp. 258-268, p. 259.
22. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1075–1/DF, Relator Ministro Celso de Mello, data de Julgamento da Liminar no Plenário em 17.06.1998, acórdão pendente de julgamento.
23. YAMASHITA, Douglas. "Confisco como efeito tributário e sua proibição constitucional" in Repertório IOB de Jurisprudência, nº 6, caderno 1, 2a quinzena de março de 2000, nº 6, pp. 258-268, p. 264-265.
24. SPISSO, Rodolfo. Derecho constitucional tributario. Buenos Aires: Ediciones Delpalma, 1993, p. 242.
25. AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. 3a ed., São Paulo: Saraiva, 1998, p. 134.
26. CARRAZA, Roque Antônio. Curso de direito constitucional tributário. 8a ed., São Paulo: Malheiros, 1996, p. 60.
27. SPISSO, Rodolfo. Derecho constitucional tributario. Buenos Aires: Ediciones Delpalma, 1993, p. 189.
28. MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 12a ed., São Paulo: Malheiros, 1997, p. 28.
29. SPISSO, Rodolfo. Derecho constitucional tributario. Buenos Aires: Ediciones Delpalma, 1993, p. 187.
30. MACHADO, Hugo de Brito, Curso de direito tributário. 12a ed., São Paulo: Malheiros, 1997, p. 28.
31. SPISSO, Rodolfo. Op. cit., p. 188.
32. LIMA, Reginaldo Ferreira. Direito cooperativo tributário. São Paulo: Max Limonad, 1997, p. 43.
33. CARRAZA, Roque Antônio. Curso de direito constitucional tributário. 8a ed., São Paulo: Malheiros, 1996, p. 270.
34. CARRAZA, Roque Antônio, op. cit., p. 176.
35. SPISSO, Rodolfo. Derecho constitucional tributario. Buenos Aires: Ediciones Delpalma, 1993, p. 227.
36. KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 6a ed., São Paulo: Martins Fontes, 1999, p. 11.
37. Idem, ibidem, p. 14.
38. AMARO, Luciano. "Dedutibilidade de multas fiscais por infração", in Revista de Imposto de Renda, ano XXII, nº 133, agosto de 1978, pp. 8-12, p. 9.
39. Há comentário nosso, em sentido contrário ao autor, advogando que as multas fiscais não tem natureza compensatória e sim punitiva.
40. Art. 150, III, b, da Constituição Federal: é vedado cobrar tributos: "no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou."
41. MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 12a ed., São Paulo: Malheiros, 1997, p. 29.
42. ARZUA, Heron; GALDINO, DIRCEU. " As multas fiscais e o Poder Judiciário", in Revista Dialética de Direito Tributário, nº 20, maio de 1997, pp. 35-40, p. 35.
43. Ver ADIN 1075 – 1, origem: Distrito Federal, Relator Ministro Celso de Mello. partes requerentes: Confederação Nacional do Comercio – CNC requerido: Presidente da República Congresso Nacional. data de julgamento da liminar plenário, 17.06.1998. Liminar pendente de publicação.
Bibliografia.
1. livros.
AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. 3a ed., São Paulo: Saraiva, 1998, p. 134.
BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do direito tributário. 2a ed., São Paulo: Saraiva, 1972.
CARRAZA, Roque Antônio. Curso de direito constitucional tributário. 8a ed., São Paulo: Malheiros, 1996.
COSTA, Ramon Valdes Costa; BLENGIO, Nelly Valdes de; ARECO, Sayagues Eduardo. Codigo tributario de la Republica Oriental del Uruguay concordado y anotado. Montevideo: Ediciones Jurídicas Amalio M. Fernandes, 1976.
FONROUGE, Carlos M. Giuliani. Derecho financeiro. 2a ed., Buenos Aires, Ediciones Depalma, vol. II.
KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 6a ed., São Paulo: Martins Fontes, 1999.
LIMA, Reginaldo Ferreira. Direito cooperativo tributário. São Paulo: Max Limonad, 1997, p. 43.
MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 12a ed., São Paulo: Malheiros, 1997, p. 29.
MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos fundamentais e controle de constitucionalidade. São Paulo: Celso Bastos Editor, 1998.
SPISSO, Rodolfo. Derecho constitucional tributario. Buenos Aires: Ediciones Delpalma, 1993.
2. artigos
AMARO, Luciano. "Dedutibilidade de multas fiscais por infração", in Revista de Imposto de Renda, ano XXII, nº 133, agosto de 1978, pp. 8-12, p. 9.
ARZUA, Heron; GALDINO, DIRCEU. " As multas fiscais e o Poder Judiciário", in Revista Dialética de Direito Tributário, nº 20, maio de 1997, pp. 35-40, p. 35.
CARVALHO, José Orlando Rocha. "Multa e o injustificável arbítrio do poder fiscal", in Revista de Estudos Tributários, ano I, nº 6, março/abril de 1999, pp. 30-45, p.32.
CASSONE, Vittorio. "Confisco em matéria tributária", in Repertório IOB de Jurisprudência, nº 6, caderno 1, 2a quinzena de março de 2000, pp. 149-153, p. 153.
COÊLHO, Sacha Calmon Navarro; DERZI, Misabel Abreu Machado. "Da inexigibilidade das multas fiscais em regime de concordata", in Revista dos Procuradores da Fazenda Nacional, ano 1, nº 1, janeiro de 1997, pp. 63-112, p. 102.
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KÖMEL, Pária Andrade. "A sanção penal", in Revista do curso de direito da universidade federal de Uberlândia, nº 1 /2, vol. 25, dezembro de 1996, pp. 193-252, p. 239.
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MENDES, Gilmar Ferreira. " O princípio da proporcionalidade na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal: novas leituras", in Repertório IOB de Jurisprudência, nº 14, caderno 2, 2a quinzena de julho de 2000, pp. 361-372, p. 371.
NARAHASHI, Mitsuo. "Multa de mora em obrigação tributária", in Revista Dialética de Direito Tributário, nº 13, outubro de 1996, pp. 55-63, p. 63.
NOGUEIRA, Barbosa Nogueira. "Barbarismo, poder e "direito" de tributar", in Direito Tributário Atual, ano 1987/1988, vol. 7/8, pp. 2061-2062, 2062.
WAGNER, José Carlos Graça. "Penalidades e acréscimos na legislação tributária", in Caderno de Pesquisas Tributárias, vol., 2a tiragem, 1990, pp. 325-336, p. 329.
YAMASHITA, Douglas. "Confisco como efeito tributário e sua proibição constitucional" in Repertório IOB de Jurisprudência, nº 6, caderno 1, 2a quinzena de março de 2000, nº 6, pp. 258-268, p. 264-265.
3. Jurisprudência
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 18.331, Relator Orosimbo Nonato, publicado no DJU de 10/08/53.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1075–1/DF, Relator Ministro Celso de Mello, data de Julgamento da Liminar no Plenário em 17.06.1998, acórdão pendente de julgamento.