6. Crítica à redação do art. 118, V do atual Projeto e sugestão de aperfeiçoamento
Uma leitura atenta da atual redação do art. 118, V do Projeto aponta que realmente a mitigação do fenômeno preclusivo no ato de impulsionamento do procedimento na fase instrutória não se projeta exclusivamente em nome da efetividade (como equivocadamente, no nosso sentir, o próprio dispositivo enuncia). Na verdade, essa dilação de prazo, a toda evidência, se projeta em defesa do direito constitucional (e prioritário) à prova, a fim de que a instrução seja mais completa, com maior material probatório, aumentando assim as chances de o julgador se aproximar da verdade material – quando da (esperada) pronúncia judicial sobre o mérito do direito controvertido.
Nessa conjectura, o dispositivo se coloca mais a favor da segurança jurídica (na acepção de certeza maior do direito a ser declarado em sentença) do que a favor da efetividade. O foco dessa inovação trazida do modelo europeu-português é, sem dúvida, a apuração da verdade e o acerto da decisão de mérito – como expressamente aponta o destacado paradigma do velho continente.
Evidentemente, quanto maior possibilidade se concede no processo para o estabelecimento do contraditório/ampla defesa (v.g., aumentando-se as oportunidades do direito a provar), justamente maior segurança se terá no que toca à certeza do direito (invocado ou defendido), maior segurança se terá no que toca à qualidade da tutela jurisdicional e mesmo à previsibilidade da decisão a ser tomada em sentença; ainda que se visualize tópico prejuízo à efetividade e ao cumprimento das disposições preclusivas do rito (nos termos estritos previstos em lei).
Ora, se se está dilatando prazo, a tendência é de que a instrução se prolongue, sendo encerrada essa etapa em momento ulterior, o que, em tese, deporia em desfavor da efetividade. A busca aqui se coloca (sim) em favor da prova, medida importante e louvável do Projeto, ainda mais naqueles procedimentos em que a carga fática é densa e nem sempre a prova poderia ser devidamente produzida no exíguo prazo previsto genericamente em lei.
Daí por que entendemos, a partir das últimas observações e ainda diante da lógica do modelo europeu-português, de onde, s.m.j., extraiu o Projeto o princípio de adequação da fase processual às especificações do conflito, que mais precisa e harmônica redação do art. 118, V seria obtida da seguinte forma: “o juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe, ao longo da instrução, dilatar os prazos processuais e alterar a ordem de produção dos meios de prova adequando-os às necessidades do conflito, de modo a conferir maior efetividade e certeza à tutela do bem jurídico, respeitando sempre o contraditório e a ampla defesa” (grifo nosso às passagens sugeridas, não integrantes do Projeto aprovado no Senado).
Dessa forma, nada obstante a discussão ainda em aberto de incremento do princípio da adequação formal em outras oportunidades no Código, se estaria, por ora, definindo com maior clareza os limites da atuação judicial – à fase instrutória, sendo previsto o contraditório com as partes litigantes – respeitadas as normas gerais constantes nos arts. 5° e 10 do Projeto; tudo a evitar enfim que o poder se converta em arbítrio.
7. Considerações finais
Portanto, se admitimos a redução dos préstimos da preclusão com a extinção do agravo retido (não sendo mais recorrível a decisão interlocutória de menor gravidade), temos que ainda maior repercussão aponta o Projeto do Senado a partir da definição – é o que interpretamos e desejamos – dos prazos na instrução como dilatórios, autorizando uma flexibilização do procedimento, à medida que o juiz, diante do caso concreto, pode determinar a dilação de prazos a fim de que seja produzida a prova. Nesse sentido, a ênfase e o enaltecimento da inovação constante no Projeto.
Parece possível, em maior medida nesse contexto, se admitir o fenômeno da “preclusão elástica”, já que o procedimento não passa, em tese, a possuir mais prazos rígidos e estritamente delimitados, que impunha muitas vezes o prematuro encerramento da instrução em nome de uma (duvidosa) efetividade da prestação jurisdicional – ainda mais para o magistrado que entendia, em aplicação da letra fria do CPC, como peremptório todo o prazo estabelecido pelo Código Buzaid na instrução.
Se é bem verdade que no direito brasileiro, especificamente no direito processual, precisaríamos antes de melhores intérpretes do que de melhores leis, não podemos olvidar a facilidade que o tratamento do tema preclusivo passa a ter na instrução, a partir desse novel dispositivo de lei que admite, mesmo que indiretamente, a prioridade da produção de provas em desfavor de rígidas técnicas preclusivas – exteriorizadoras, muitas vezes, de formalismos meramente perniciosos.
A preclusão, enfim, não acaba; pelo último texto do Projeto para um novo CPC, continua sendo o instituto que representa o grande limitador do agir das partes no processo (como princípio processual). No entanto, autoriza-se que o magistrado, na direção do processo, tenha condições de justamente melhor conduzi-lo, invertendo a ordem de provas e autorizando provas mesmo fora do prazo legal (autorizando, pois, a redução da técnica preclusiva na instrução), quando a complexidade da causa exigir maior parcimônia do magistrado em contraditório com as partes litigantes – sempre com o foco, no final das contas, em ser oportunizado ao Estado-juiz melhores meios de proferir a decisão de mérito, mesmo que para tanto haja necessidade de maior tempo (dilação probatória) para restar definido um adequado caderno probatório apto ao julgamento da lide (cognição exauriente).
Se em alguma medida, encerramos, não se pode pensar na relativização da preclusão de faculdades relacionadas aos atos de desenvolvimento do procedimento, o campo devido para tanto é aquele que envolve a utilização do instituto da eventualidade (próprio da fase postulatória), bem como a seara recursal – sendo estes entendidos como próprios prazos preclusivos peremptórios (art. 182 do Código Buzaid; art. 190 do Projeto para um novo CPC).
Nos demais momentos do processo de conhecimento (a serem classificados como prazos preclusivos dilatórios – art. 181 do Código Buzaid; art. 189 do Projeto para um novo CPC), especialmente na instrução, e em face da preservação do direito à prova (prioritário e constitucional, a efetivamente dar corpo à cláusula do devido processo legal), já defendíamos a possibilidade de ser criteriosamente relativizada a preclusão; tese que passa a ganhar ainda mais força a partir do texto do art. 118, V do Projeto do Senado, antigo art. 107, V do Projeto 166/2010.
Realmente, maiores esforços de interpretação do CPC à luz da Lei Maior deixam de se fazer indispensáveis para se buscar a mitigação do fenômeno preclusivo na instrução, a partir do momento em que o próprio codex – em nível infraconstitucional – passa a admitir que os prazos na instrução possam ser dilatados pelo magistrado, reconhecendo-se assim, pela primeira vez, o direito pátrio, a técnica da flexibilização procedimental.
E, estando em aberto ainda os debates em relação ao Projeto na Câmara Federal, sugere-se, em tempo, aprimoramento na redação do investigado art. 118, V – sendo possível obter mais clara e adequada redação da seguinte forma: “o juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe, ao longo da instrução, dilatar os prazos processuais e alterar a ordem de produção dos meios de prova adequando-os às necessidades do conflito, de modo a conferir maior efetividade e certeza à tutela do bem jurídico, respeitando sempre o contraditório e a ampla defesa”.
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