1 INTRODUÇÃO
Ônus da prova é a faculdade ora do autor, ora do réu, de comprovar os fatos alegados, motivando o quanto requerido. Normalmente, se entende que o ônus da prova cabe às partes. Estas é que devem desincumbir-sedeprovar os fatos que alegam.
Seguindo essa premissa, ao autor, cabe provar os fatos constitutivos de seu direito; ao réu, cabe provar os fatos modificativos, extintivos e impeditivos do direito que o autor protesta ter.
Paira, contudo, discussão acerca do momento ideal para que se determine da inversão do ônus da prova e o presente artigo visa, de maneira sucinta, analisar os aspectos da inversão do ônus da prova, esclarecendo se o ônus da prova pode ser compreendido como técnica de julgamento ou como matéria de instrução.
2INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA: TÉCNICA DE JULGAMENTO OU MATÉRIA DE INSTRUÇÃO
Dinamarco et. al (2011), ao definir a prova, ensina que "a prova constitui, pois, o instrumento por meio do qual se forma a convicção do juiz a respeito da ocorrência ou inocorrência dos fatos controvertidos no processo”. No mesmo sentido, ensina Gonçalves (2011) que "o ônus da prova pode ser encarado sob o aspecto subjetivo e o objetivo".
O subjetivo diz respeito à distribuição do ônus às partes. Assim, sob este aspecto, o ônus da prova somente interessa ao autor e ao réu, mas não ao juiz, cabendo às partes tomar as medidas necessárias para cumpri-lo, sob pena de ter o pronunciamento desfavorável.
Já sob o aspecto objetivo, o ônus da prova interessa não às partes, mas ao magistrado, que tem o dever de buscar a verdade dos fatos para formar sua convicção, independentemente da iniciativa das partes. Assim sendo, o juiz, com base no artigo 130 do CPC, deverá determinar de ofício as provas necessárias a formar seu convencimento. Se mesmo assim não formar sua convicção, deverá sentenciar com base no ônus da prova, julgando a favor de quem não tem o ônus.
O ônus da prova é atribuído à parte que alega os fatos. Assim, o autor tem o ônus de provar os fatos constitutivos de seu direito (artigo 333, I do CPC), e o réu, sempre que formular defesa de mérito indireta, ou seja, alegar fatos novos que impedem, modificam ou extinguem o direito do autor, atrairá para si, o ônus da prova em relação a tais fatos (artigo 333, II do CPC). Contudo, se o réu formular defesa de mérito direta, apenas negando o direito do autor ou negando os fatos alegados pelo autor, não atrairá o ônus da prova.
Inversão do ônus da prova significa distribuí-lo de forma diversa da regra geral, contida no artigo 333, I e II, do CPC e isso pode ocorrer de sob três aspectos: convencional, legal e judicial.
A inversão convencional ocorre por acordo de vontades entre as partes. Conforme artigo 333, § único, do CPC, essa inversão é vedada nas causas em que versar sobre direito indisponível, bem como nos casos pelos quais se torne excessivamente difícil o exercício do direito de uma das partes.
A inversão legal se dá nos casos de presunção, nos termos do artigo 334, IV, do CPC. Exemplos de tais presunções são as regras contidas nos artigos 232 do CC (trata da presunção da veracidade dos fatos quando a parte contrária se recusa a se submeter à perícia médica). Também ocorre nos casos de responsabilidade pelo fato do produto e do serviço, por norma expressa dos artigos 12, § 3º e 13, § 3º, do CDC.
Em tais casos, ocorre a inversão do ônus da prova porque se trata de presunção relativa, admitindo-se prova em contrário. No entanto, há casos de presunção que não implicam em inversão do ônus da prova, pois são absolutas.
A inversão judicial do ônus da prova ocorre por decisão do juiz, com base em texto legal contido no artigo 6º, VIII do CDC (Lei nº 8.078/90). Assim, desde que presentes um dos requisitos, quais sejam, a verossimilhança da alegação ou a hipossuficiência do consumido, se dará referida inversão.
Ocorre que o legislador omitiu-se quanto ao momento processual adequado para o magistrado decidir a respeito da inversão. Discute-se, então, se o momento adequado é a sentença ou antes da sentença (na ocasião do despacho saneador).
É possível, contudo, identificar duas correntes as quais dividem a doutrina e a jurisprudência entre aqueles que entendem que o ônus da prova é regra de julgamento e aqueles para os quais a inversão do ônus da prova é regra de procedimento e deve ser invertido em momento anterior à abertura da instrução probatória ou na própria fase de instrução.
Destacamos, em defesa da primeira corrente, o entendimento de Nelson Nery Junior, do qual compartilha 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, para quem o ônus da prova é regra de juízo, devendo ser reconhecido na sentença, ocasião ideal para a inversão. Para ele
a parte que teve contra si invertido o ônus da prova [...] não poderá alegar cerceamento de defesa porque, desde o início da demanda de consumo, já sabia quais eram as regras do jogo e que, havendo non liquet quanto à prova, poderia ter contra ela invertido o ônus da prova.
Compartilha de tal pensamento Lopes (2002), que assim ensina:
é orientação assente na doutrina que o ônus da prova constitui regra de julgamento e, como tal, se reveste de relevância apenas no momento da sentença, quando não houver prova do fato ou for ela insuficiente" e que "... somente após o encerramento da instrução é que se deverá cogitar da aplicação da regra da inversão do ônus da prova. Nem poderá o fornecedor alegar surpresa, já que o benefício da inversão está previsto expressamente no texto legal.
A segunda corrente entende em sentido contrário, alegando que por se tratar de matéria referente a prova, as partes devem ter ciência prévia de a quem incumbirá o ônus probandi e o deferimento da inversão deverá ocorrer entre a propositura da ação e o despacho saneador, sob pena de prejuízo para a defesa do réu, em nítido cerceamento de defesa. Corrobora com tal entendimento a 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça
Para Marinoni (2009):
As normas de repartição do ônus probatório consubstanciam, também, regras de comportamento dirigidas aos litigantes. Se lhe foi transferido um ônus – que para ele não existiria antes da adoção da medida – obviamente deve o órgão jurisdicional assegurar a efetiva oportunidade de dele se desincumbir.
Apesar respeitar o entendimento daqueles para os quais o momento processual adequado para o magistrado decidir a respeito da inversão é a sentença, amparo-me nos ensinamentos de Wambier e Medina (2011), e entendo que a distribuição do ônus da prova no momento do julgamento não é a melhor opção.
É verdade que a decisão do magistrado não pode basear-se única e exclusivamente no ônus da prova, sem anterior convicção quanto às questões de fato.
Porém, há situações em que, mesmo o juiz aplicando todos os seus poderes instrutórios, permanece a chamada dúvida insanável, permitindo que se aplique a regra do ônus probatório, impondo julgamento desfavorável a quem o detiver.
Diante de tal situação, a parte não pode ser surpreendida e deve ter a oportunidade de demonstrar, ainda na fase instrutória, que a parte contrária detém melhores condições de produzir a prova, devendo esta carregar o ônus.
Assim, o magistrado distribui o ônus probatório por meio de decisão interlocutória, permitindo à parte que produza a prova ou tente impugnar a decisão por meio do recurso pertinente, qual seja, o Agravo, inclusive com a possibilidade de retratação do juiz.
Observa-se que não se trata da questão de valorar a prova em si, mas sim de verificar quem tem as melhores condições de produzi-la, apresentando-as aos autos.
3 CONCLUSÃO
Conclui-se, assim, que ao examinar a possibilidade de inversão do ônus da prova, muito embora todo o respeito exarado à corrente doutrinária que defende como momento ideal a sentença, tratando a matéria aqui discutida como técnica de julgamento, entendo como momento adequado o do despacho saneador, por ser o momento da fixação dos pontos controvertidos e anterior à instrução do processo, o que evita prejuízos à ampla defesa do réu, classificando, assim, a inversão como matéria de instrução, garantindo ao réu e ao autor a possibilidade de evitar ser surpreendido ao final do processo com a não inversão do ônus da prova e eventual preclusão do seu direito de produção produzi-la.
4 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
DINAMARCO, et. al. Teoria Geral do Processo. São Paulo: Malheiros, 2011
GONÇALVES, Marcus Vinícius Rios. Novo Curso de Direito Processual Civil. São Paulo: Saraiva, 2009.
LOPES, João Batista. Revista Jurídica, Campinas, v. 5, nº 2, p. 66-70, 1999.
MITIDIERO, Daniel; MARINONI, Luiz Guilherme. Código de Processo Civil Comentado Artigo por Artigo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; MEDINA, José Miguel Garcia.Processo Civil Moderno – Parte Geral e Processo de Conhecimento. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.