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O direito segundo Bento XVI

15/05/2012 às 08:50

Resumo:


  • O direito está umbilicalmente relacionado com a dignidade da pessoa humana, sendo ontologicamente a justiça e o bem.

  • O Papa destacou a diferença entre direito e lei, enfatizando que o direito vem antes e o justo se torna lei.

  • O Papa defendeu que a vontade da maioria não deve prevalecer sempre, especialmente em questões fundamentais de direito que envolvem a dignidade humana.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Para o Papa, o direito relaciona-se umbilicalmente com a dignidade da pessoa humana, de maneira que o direito é ontologicamente a justiça e o bem, neste sentido o direito não se esgota na lei.

Li a matéria publicada no “L’Osservatore Romano”, jornal do Vaticano, do dia 28/04/2012, pág. 2, intitulada “o direito segundo Bento XVI – a razão é de todos”, da lavra do Cardeal Francesco Coccopalmerio, presidente do Pontifício Conselho para os Textos Legislativos, onde o cardeal discorre sobre o discurso do Papa Bento XVI, pronunciado no Bundestag (parlamento alemão) em 22/09/2011. No discurso o Santo Padre enfrenta de modo exclusivo a relação do direito e sociedade. Traçarei abaixo os pontos da fala do Papa que mais me chamaram a atenção e que nos convida também a uma reflexão.

Para o Papa o direito relaciona-se umbilicalmente com a dignidade da pessoa humana, de maneira que o direito é ontologicamente a justiça e o bem, neste sentido o direito não se esgota na lei, reafirmação do Papa que nos faz lembrar o famoso julgamento de Nuremberg, pós segunda guerra mundial, quando os oficiais nazistas alegavam em sua defesa que “cumpriam a lei, cumpriam ordens”, e o tribunal plasmou a máxima de que o direito é maior do que a lei.

O Papa trabalhou com rigor a questão das relações correntes entre lei e direito, e destacou alguns binômios esclarecedores, por exemplo, lei x verdade, justo x lei, coisa justa x direito vigente, verdadeiramente justo x justiça na legislação. O Santo Padre fez questão didática de assinalar que existem duas realidades, “por um lado, há o que é justo, a verdade e, por conseguinte, há o direito; por outro, há a lei. Essas duas realidades são distintas entre si, mesmo se essencialmente relacionadas – esclarece o cardeal Coccopalmiero.

Nas lições do Papa, são duas realidades distintas porque o direito vem antes, enquanto a lei vem depois. Neste diapasão é o justo, ou seja, o direito que se “torna” lei. Noutro dizer, o direito é realidade ontológica preexistente ao legislador, enquanto a lei é realidade intencional, porque criada pelo legislador. Aqui neste particular o Papa se alinha as mais robustas correntes do jus naturalismo, ou direito natural.

O Papa é firme ao frisar que a lei depende do direito, no sentido de que deve conter o direito e deve expressá-lo em suas várias circunstâncias e necessidades, não podendo assim contrariar o direito existente. Aqui também me parece que o Papa está a repudiar com força a idéia da autonomia do direito em relação à realidade mesma, evitando assim os exageros do jus positivismo (direito é a lei).

O Papa também questionou a idéia de que a vontade da maioria deva sempre prevalecer como critério suficiente no fazimento da lei, haja vista, segundo ele, que nas questões fundamentais do direito, onde está em jogo a dignidade da pessoa humana, o princípio majoritário não é suficiente para contemplar o direito preexistente, fato que é comprovado no Brasil, pela atuação do Supremo Tribunal Federal em defesa das minorias: mulheres, índios, homossexuais etc.

Fixada a idéia de que o direito ontológico é uma realidade prévia ao legislador, surge a questão central do discurso do Santo Padre: como é possível conhecer o direito ontológico? Por exemplo, no caso típico dos embriões, eles têm o direito de receber respeito e abstenção de lesões porque são vidas humanas ou podem ser suprimidos? Como pode o legislador conhecer o direito ontológico para dar resposta a esta indagação. Podem as religiões em geral oferecer uma resposta do que seja o direito ontológico? O Papa responde positivamente, ou seja, as religiões podem oferecer uma resposta do que seja o direito ontológico, no caso citado, o reconhecimento de que o embrião é vida humana.

Todavia, o Papa pontua com fino saber que no caso de uma religião declarar a ontologia do direito, é, só pode ser, a fé de um sujeito, ou melhor, a adesão por fé de um sujeito ou grupos de sujeitos, à autoridade da religião que confirma a ontologia. Entretanto, a fé necessariamente não pertence a cada sujeito da comunidade civil, muito menos ao legislador como um todo, portanto, o direito ontológico deve dialogar intensamente com a liberdade de consciência e liberdade religiosa, só assim teremos respostas aceitáveis.

É aqui que o Santo Padre Bento XVI aposta todas as suas fichas na razão humana, para dizer na voz interposta do Cardeal Coccopalmerio que: “A este ponto é decisivo ressaltar que a razão representa o instrumento cognoscitivo adequado não só porque – como é óbvio – capaz de indagar a natureza e deste modo conhecer a ontologia, mas também porque ao contrário da adesão por fé, que é só de alguns, A RAZÃO É DE TODOS”.

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Sobre o autor
Roberto Wagner Lima Nogueira

Mestre em Direito Tributário, Advogado tributarista, Procurador do Município de Areal (RJ), Membro do Conselho Científico da Associação Paulista de Direito Tributário (APET). Autor dos livros "Fundamentos do Dever Tributário", Belo Horizonte, Del Rey, 2003, e "Direito Financeiro e Justiça Tributária", Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2004; "Direito Financeiro e Direito Tributário", Multifoco: Rio de Janeiro, 2019.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NOGUEIRA, Roberto Wagner Lima. O direito segundo Bento XVI. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3240, 15 mai. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21765. Acesso em: 27 abr. 2025.

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