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Crime contra a ordem tributária: erro de pontaria

15/05/2012 às 14:10
Leia nesta página:

O Ministério Público não pode, a pretexto de tipificar infração penal tributária por parte do administrador empresarial, oferecer denúncia com o objetivo de cobrar impostos, causando injustificado sofrimento ao indevidamente imputado.

Diante de determinados fatos tributários complexos, na percepção de tratarem-se de supostos[1] ilícitos tributários, representantes do Ministério Público Federal ou Estadual são maliciosamente induzidos a erro quando os despreparados Agentes Fiscais da Fazenda Pública[2] encaminham-lhes as hipóteses como se de crimes tratassem, para as corriqueiras e vinculadas denuncias à Justiça Criminal, sem se darem conta de que inexiste o necessário elemento subjetivo para a tipificação de crime contra a ordem tributária, isto é, o dolo.

O motivo desta perplexidade, absurdo jurídico, verdadeira teratologia ou barbaridade jurídico-penal decorre do absoluto desconhecimento científico do direito penal tributário ou direito tributário penal por parte dos Agentes Fiscais da Fazenda Pública e também dos representantes do Minstério Público em sentido amplo, causando ao final expressivos danos morais e materias ao indevidamente imputado. Equívocos passíveis de posterior responsabilização cível e também criminal de todos os co-autores desta verdadeira farsa.

Esta crítica também se aplica aos magistrados criminais que, simplesmente, recebem a denúncia do MP sob alegação perfunctória de que tudo se reveste das formalidades legais. Como podem receber denúncia tão grave se também os magistrados criminais desconhecem o fato típico na seara tributária? Alguma coisa está errada, e precisa ser urgentemente modificada no direito posto. Está aí um bom tema para os futuros parlamentares[3].

O Ministério Público e o Juízo Criminal sabem que tipificar criminalmente o simples erro de interpretação de lei pelo administrador empresarial, e aí, ilícito tributário, ofende frontalmente o art. 5º, inciso LXVII da Constituição Federal, que possui a seguinte dicção, verbis:

"Não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentar e a do depositário fiel".

Refiro-me especificamente ao caso da apropriação de crédito de ICMS[4] em conta gráfica dos livros fiscais, mesmo diante da inexistência das seguintes hipóteses[5]:

1. Dolo, Fraude ou conluio[6];

2. Materialização[7] da vantagem "dolosa" posteriormente à conduta do agente.

Qualquer acadêmico de direito sabe que, tratando-se de tributos lançados por homologação, como no caso do ICMS, o contribuinte pode e deve proceder de acordo com a sua convicção tributária. O Fisco possui 5 anos para homologar o procedimento do contribuinte, sob pena de ocorrer a homologação tácita (art. 150, § 4º, do CTN - Código Tributário Nacional). Neste caso, se o Ministério Público alegar dolo, terá de provar com elementos objetivos e incontroversos, mas isso não é possível, porque a verdade real "doxa" não reside no campo da possibilidade humana, somente do direito natural (divindade).

Por outro lado, referindo-se ao art. 1º da Lei nº 8.137/1990, Paulo Rogério Bonini, in Lei Penais Anotadas, Millennium Editora, Campinas/SP -2010, p. 243, ensina com maestria:

"Tipo objetivo: Deve haver antecedente fraudulento ou ações-meio que levem à redução ou supressão de tributo. Havendo tão somente o resultado do art. 1º, caput, Lei nº 8.137/90 (redução ou supressão de tributo), sem prova de conduta dolosa na forma de algum dos incisos, não existirá o crime, por não se conformar o tipo penal em sua integridade."

Já pensou se toda e qualquer tomada indevida de crédito de ICMS tipificasse crime contra a ordem tributária? Haja tribunal!

Assim, os magistrados que recebem denúncia tipificada como crime contra a ordem tributária necessitam esforçar-se em conhecer o Direito Tributário material, para não se tornarem reféns de neófitos da Fazenda Pública e também do Ministério Público. Mais do que obrigação isso é um dever de consciência dos Magistrados designados para a área penal.

"Não há tribunais, que bastam, para abrigar o direito, quando o dever se ausenta da consciência dos magistrados" (Rui Barbosa - Obras Completas, V. 26, t. 4, 1899, p.185)

Este imperdoável equívoco já foi detectado pelo STF, onde, felizmente, já se encontra devidamente pacificado:

"CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. ICMS. ALÍQUOTAS DIFERENCIADAS. CREDENCIAMENTO. FRAUDE. A fraude pressupõe vontade livre e consciente. Longe fica a configurá-la, tal como tipificado no inciso II do art. 1º da Lei nº 8.137/90, de 27 de dezembro de 1990, o lançamento de crédito, considerada a diferença das alíquotas praticadas no Estado de destino e no de origem. Descabe confundir interpretação errônea de normas tributárias, possível de ocorrer que por parte do contribuinte ou da Fazenda, com o ato penalmente glosado, em que sempre se presume o consentimento viciado e objetivo de alcaçar proveito sabidamente ilícito" (STF - HC 72.584/RS. T2. Rel. Ministro Maurício Correa, jul. 17.10.1995 - DJ. 03.05.1996, p. 13900)

Colhe-se o didático voto do eminente Ministro Marco Aurélio Mello neste mesmo HC:

"O que houve foi a impropriedade da interpretração conferida à legislação tributária, e isso pode acontecer, sem configuração de crime, na vida de qualquer contribuinte e, também no atuar da própria Fazenda, o que aliás, é repetitivo (...) Não vejo na hipótese, o dolo, que inerente ao tipo penal; é elemento subjetivo do tipo penal. Houve, sim, uma culpa, uma imperícia na interpretação da ordem jurídica em vigor, mas não o dolo".

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Não pode o Ministério Público, sob pena de responsabilidade criminal prevista no art. 316, § 1º do Código Penal, a pretexto de a hipótese tipificar infração penal tributária por parte do administrador empresarial, oferecer denúncia com o objetivo de cobrar impostos, causando injustificado sofrimento ao indevidamente imputado.

É cediço que a Ação Penal é fragmentária ou ultima ratio, e não se presta para cobrar impostos. Existem outros mecanismos mais apropriados do que este.

A movimentação indevida do judiciário penal pelo Ministério Público deve ser penalizada com rigor, principalmente quando nítida a intenção tendenciosa do Ministério Público Federal ou Estadual.


Notas

[1] Mesmo diante da incerteza da respectiva CDA - Certidão de Dívida Ativa, pois a inusitada Lei nº 8.137/1990 não exige a constituição definitiva do crédito tributário.

[2] Fazenda Pública em sentido amplo: Federal, Estaduais + Distrito Federal + Municipais.

[3] O tema já virou "paisagem" para os atuais parlamentares. Não são mais capazes de enxergar o defeito.

[4] ICMS - tributo lançado por homologação, o qual o contribuinte apura e paga de acordo com o seu prévio entendimento, e ao Fisco cabe apenas homologá-lo, no prazo decadência de 5 anos. (art. 150, § 4º do CTN - Código TRibutário Nacional)

[5] Hipoteses não exaustivas.

[6] Os exemplos são muitos: a) Nota Fiscal espelhada, b) Corrupção ativa; c) "Passeio" de mercadoria com a mesma nota fiscal etc.

[7] Crime de resultado naturalístico que exige a consumação.

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Sobre o autor
Toshinobu Tasoko

Auditor independente. Contador. Administrador de empresas. Mestre em Finanças. Professor licenciado do Centro Universitário Padre Anchieta de Jundiaí (SP). Ex-controller da Uniroyal Química do Brasil. Ex-diretor administrativo e financeiro da Incepa/Cidamar. Ex-diretor financeiro da Polenghi. Ex-diretor vice-presidente financeiro do Frigorífico AIBP. Autor dos livros: "PIS/COFINS sobre combustíveis" (LZN, Campinas, 2006) e "Processo tributário: uma abordagem lógica material" (LZN, Campinas, 2007).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TASOKO, Toshinobu. Crime contra a ordem tributária: erro de pontaria. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3240, 15 mai. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21773. Acesso em: 23 nov. 2024.

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