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Breves notas sobre os princípios informativos do processo coletivo brasileiro.

Rompendo com a lógica individualista-liberal do Código de Buzaid

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16/05/2012 às 17:58

Resumo:


  • O ensaio aborda a evolução dos direitos coletivos no Brasil, destacando a importância da tutela coletiva e a necessidade de adaptar procedimentos judiciais para proteger direitos difusos e coletivos eficazmente.

  • Discute-se a insuficiência do processo individual para lidar com questões coletivas, levando à criação de procedimentos específicos que considerem a coletividade e a representatividade adequada nas ações coletivas.

  • Explora-se o histórico do processo coletivo no Brasil, desde a Ação Popular até a Ação Civil Pública, e a importância de princípios específicos que regem esses processos, como a máxima efetividade e a adequada representação.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Além dos clássicos princípios processuais, as ações coletivas abarcam também outros princípios informativos, que são essenciais para garantir o exercício de direitos.

RESUMO

Trata-se de breve ensaio no qual são abordados aspectos relativos à teoria geral da tutela coletiva no Brasil, com uma preocupação proposicional de estabelecer conceitos mais estreitos para alguns dos institutos característicos do processo coletivo brasileiro, notadamente, seus princípios informativos. Parte-se de uma histórica do surgimento dos direitos coletivos até a abordagem de procedimentos especiais que permitam a efetivação dos direitos difusos e coletivos no Brasil, expondo os princípios peculiares orientadores desses procedimentos.


1.            A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DOS DIREITOS METAINDIVIDUAIS

Os constitucionalistas brasileiros, dentre os quais o Prof. Paulo Bonavides (2007), costumam fazer uma avaliação de como foram construídos os direitos fundamentais no constitucionalismo e no neoconstitucionalismo e conseguem visualizar, com bastante clareza, a existência de pelos menos três dimensões de direitos fundamentais, a despeito de alguns autores falarem em gerações de direitos, termo aparentemente equívoco na medida em que incute a ideia de que esses direitos se sucederam no tempo, o que não é tão linear assim, em verdade, há momentos de predominância, ao longo das épocas e das sociedades, de uns ou de outros, mas essas dimensões coexistem e podem ser assim delineadas:

1.1         A Dimensão de Direitos Civis e Políticos

Tais direitos foram desenvolvidos a partir do Século XVIII, em que se passou a negar o sistema absolutista, feudal, com a construção do capitalismo, e a impregnação de valores da economia clássica, como a doutrina de inspiração fisiocrática do laissez faire, e o liberalismo econômico. O marco histórico foi a Revolução Francesa (1789)[1], desse modo, deposto o poder absoluto do rei, começou-se a buscar uma forma de controlar o arbítrio do Estado. Até então, o rei era o representante de Deus na terra. Nesse cenário revolucionário, direitos civis e políticos nascem com a finalidade precípua de constituir-se em verdadeiras liberdades negativas. É nesta fase que surgem os direitos fundamentais básicos, assim tutelados pelo Estado-Burguês, a saber: liberdade, propriedade, livre iniciativa, herança, voto  et alli. Essa é a primeira fase dos direitos fundamentais, e compreende o que hoje se convencionou didaticamente de chamar de fase do Liberté.

1.2         A Dimensão dos Direitos Econômicos e Sociais

 Nascem a partir do Século XIX, em virtude do não cumprimento da promessa liberal de que o desenvolvimento econômico, sem intervenção estatal, geraria riqueza e melhora na qualidade de vida do povo. Em verdade, tal idiossincrasia levou a uma omissão completa do Estado, exatamente para preservar o distanciamento do Estado da vida do indivíduo. Essa ausência do Estado, em franca expansão do capitalismo moderno, acabou gerando uma abrupta e abissal desigualdade social.

Com o advento da Revolução Industrial, crianças foram submetidas a trabalho forçado, e as condições de trabalho das cidades eram sub-humanas, o que só acirrava a miséria e a fome. Então, a própria condição de liberdade acabou fazendo com que não fossem impostos limites ao Capital. A sociedade fora condenada à liberdade. Desse modo, passa-se a propor uma retomada da intervenção do Estado para garantir direitos mínimos do ponto de vista econômico e social. A esse conjunto de direitos sociais e econômicos, relativos à moradia, ao trabalho digno, à saúde, à educação et alli, dá-se o nome de liberdades positivas. É nessa fase que surgem alguns direitos fundamentais básicos como direito à saúde, saneamento básico, primeiros direitos trabalhistas e correspondem a Egalité de Rousseau.

1.3         A Dimensão dos Direitos da solidariedade

Com o advento do século XX percebe-se a transcendência ao individualismo e a necessidade de pleitos que levem em conta a ideia de coletividade, até por conta da ultrapassagem da população urbana sobre a população rural do ponto de vista quantitativo.

 A primeira previsão de direitos coletivos no sistema mundial foi  a criação do sindicato para que trabalhadores ou operários pudessem com mais força buscar objetivos comuns à categoria representada. Depois disso, os direitos coletivos foram se estendendo para outras áreas. Nessa fase, observa-se o nascimento de direitos classistas, ao meio ambiente, ao patrimônio público, et alli. Difusos por excelência, tais direitos representam a Fraternité . O direito ao meio ambiente, ao patrimônio público não são exercitados individualmente, mas por um corpo social de composição indeterminada, a priori, chamada de massa. É nesse momento que os direitos metaindividuais assomam em importância às políticas públicas e, por conseguinte, o próprio direito, que passa a ter de lidar com direitos não mais individualizados, mas categorizados ou generalizados, a exigir um corpo normativo material e processual adequado.

1.4. A tutela coletiva dos direitos metaindividuais

Do direito romano antigo, até meados do século XIX, havia uma clara confusão metodológica entre o direito material e processo jurisdicional. Dizia-se que o processo era um apêndice do direito material, daí o epíteto de direito adjetivo que lhe era destinado, pois o direito adjetivo (processo) serviria para qualificar o substantivo (direito material). Só havia processo se houvesse direito material a ser tutelado. Essa fase ficou conhecida como fase civilista do processo civil. Só a partir de 1868 com a obra de  Oskar von Bülow intitulada de “A doutrina do processo de objeções e as condições do processo”, na qual ele entendeu e conseguiu distinguir o surgimento para o titular do direito material contrariado um outro direito, que não é mais um direito contra a parte contrária, mas um direito que é exercitado contra o Estado no sentido de que ele faça respeitar a relação jurídica de direito material. A essa relação jurídica trilateral ele nominou de relação jurídica processual, distinguindo-a da relação jurídica material. Nesse momento, são fincadas as premissas da chamada fase autonomista do processo, então até hoje predominante, tendo autores como Chiovenda e Carnelluti influencia importante no processo de consolidação da condição do processo como um campo de estudo autônomo, pois autônoma é sua relação com o direito material.

Os diversos estudos daí provenientes, na ânsia de apartar em definitivo o direito processual do direito material, e fortemente influenciado pelos ideais positivistas, acaba transformando o processo numa preocupação de estudo que se esgotava em si mesmo, não mais atinando para a sua real finalidade, qual seja, instrumentalizar o procedimento oficial de resolução dos conflitos pelos estados modernos. Assim,  direitos começaram a ser deixados de ser tutelados, em ode a uma formalidade desnecessária. Nessa linha, surge uma terceira fase metodológica do estudo do direito processual que ficou, e ainda é, conhecida como instrumentalismo, que tem início em meados de 1950, com a obra de Mauro Cappelletti e Bryant Garth “O Acesso à Justiça.” Esses autores defendem que deve haver um resgate dos verdadeiros fins do processo. O processo deve se reaproximar do direito material. Só através do resgate do direito material é que o processo realmente se torna um meio de acesso à justiça. Para sustentar esse movimento novo, para que o processo se tornasse, realmente, um instrumento de acesso à justiça, eles dizem que todos os ordenamentos jurídicos do mundo deveriam observar aquilo que eles chamaram de as 03 (três) Ondas Renovatórias de acesso à Justiça, a saber: a) A assistência judiciária:  o processo quer tutelar todo e qualquer direito material, ampliando o acesso à justiça, assim, nasce a justiça gratuita, a defensoria pública, e os tribunais de pequenas causas; b) A representação dos direitos difusos; c) Efetividade do processo.

Nos interessa de perto a 2ª onda renovatória, qual seja: a representação dos direitos difusos, diretamente ligada a questão metaindividual, de uma sociedade englobante, multifacetária e compartilhadora de anseios, preocupações e interesses que, individualmente, não tem força política , mas que em conjunto, constroem necessidades impostergáveis. Nesse sentido, havendo desrespeito a esses direitos que transcendem a esfera do indivíduo surge a necessidade de se tutelar duas situações básicas pelas quais nasceu o processo coletivo:

     A questão primeira é a da tutela dos direitos de titularidade indeterminada. Os direitos de terceira dimensão são direitos que pertencem a um corpo social, a princípio sem representação legítima. Então,  Garth e Cappelletti (2000) sustentam que é necessário que o sistema crie mecanismos para permitir a tutela desses direitos metaindividuais através da previsão de um titular, propondo que a titularidade indeterminada precisa ser determinada para que se possam tutelar esses direitos. Assim, é graças a necessidade de se tutelar esses direitos que surge a necessidade de coletivização do processo. Ademais , em segundo plano, foi preciso considerar que há a necessidade de se tutelar direitos economicamente não tuteláveis do ponto de vista individual. Além de um processo coletivo para a tutela dos bens, direitos ou interesses de titularidade indeterminada, como o meio ambiente, é necessário que haja processo coletivo para que haja a tutela de determinados direitos que, do ponto de vista individual, economicamente não seriam tuteláveis, de que pode ser exemplo relações de consumo pulverizadas de baixo custo econômico e, portanto, inviáveis financeiramente para fins de instauração de um processo judicial.

O processo coletivo, portanto, nasce, portanto, com um imperativo de duas ordens: primeiro para a tutela dos bens de titularidade indeterminada e, segundo, pra permitir que alguém tutele os interesses que, do ponto de vista individual, são economicamente inviáveis.


2. A insuficiência do processo individual como parâmetro analógico de aplicação procedimental

O Processo coletivo nasce, outrossim, em virtude da inadequação do direito processual civil individual para a tutela dessas situações, dos interesses metaindividuais. Cumpre registrar que o Código de Processo Civil Brasileiro é norma individualista de inspiração nitidamente neoliberal, o que está implícito na redação do art.6º do referido diploma ao preceituar que “ninguém poderá pleitear direito alheio em nome próprio”. Assim o processo coletivo  nasce porque o processo civil individual não dá conta de responder a essas demandas. A regra geral do processo civil ordinário é que cada um defende direito seu. No processo civil coletivo é exatamente o contrário porque há uma pessoa escolhida para defender toda a coletividade.

Questões como legitimidade do processo individual, ou limites subjetivos da coisa julgada, não mais responderiam a contento as necessidades de um processo coletivo, sendo com ele, em verdade, inconciliável. Desse modo, tornou-se mister criar um regramento próprio.

É preciso compreender, no entanto, que o processo coletivo não disputa o espaço com o processo individual, pois o sistema tende a prever o exercício da tutela coletiva sem prejuízo da tutela individual. A ideia de sociedade, de bem-estar social, fora o surgimento do processo coletivo, a reboque de um processo de compreensão de tutela de direitos que transcendem a esfera egoística, liberal, individualista e solitária. Nesse sentido é preciosa a corroboração do Prof. Pedro Lenza (2005; p.28) "Pode-se dizer que os instrumentos processuais suficientes e adequados para a solução dos litígios individuais, marcantes na sociedade liberal, perdem a sua funcionalidade perante os novos e demasiadamente complicados conflitos coletivos”. E obtempera que “Em uma sociedade de massa, industrialmente desenvolvida, é natural que, além dos conflitos individuais, existam e aflorem conflitos de massa, nunca antes imaginados, uma vez que a 'descomplexidade' social não produzia ambiente propício para a sua eclosão, nem tampouco dos conflitos difusos, transindividuais".

Segundo Mancuso (2004) são características básicas dos interesses difusos: a indivisibilidade do objeto, a intensa conflituosidade e a duração efêmera, o que de per si, também o transformam em um parente relativamente distante do processo egoístico regido pelo CPC.

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3. Histórico do Processo Coletivo no Brasil

No Brasil, o processo coletivo surge com a Ação Popular (lei 4.717/65), então prevista em todas as constituições brasileiras, com exceção da constituição federalista de 1891 e da constituição de 1937, mas se consolida com a Ação Civil Pública (Lei 7.347/85). A Lei de Ação Civil Pública, em verdade,  é um marco do processo coletivo brasileiro.

Cumpre registrar que para Claudia Lima Marques (2006; p. 975) o Código de Defesa do Consumidor em 1990, trouxe impacto sobre o processo civil individualista, pois possibilitou a tutela simultânea de um número incontável de pessoas titulares de determinados direitos lesionados, sem que seja necessário o reconhecimento processual dessas pessoas e nem mesmo a especifica lesão que cada um tenha sofrido, como sói correr com o bystander.

No início deste século, no Brasil, houve tentativas de se elaborar um Código Brasileiro de Processo Civil Coletivo (CPCC). Uma coordenada pela Prof.ª Ada Pelegrini Grinover e outra elaborada pela Escola da Magistratura do Rio de Janeiro (Emerj).

Em 2008, no entanto, o Ministério da Justiça nomeou uma comissão de juristas novamente debruçar-se sobre a elaboração de um diploma legal que organizasse a tutela coletiva no Brasil. Essa comissão, composta por muitos dos participantes daqueloutros projetos, resolveu, a fim de driblar obstáculos políticos-legislativos transformar a Lei de Ação Civil Pública (Lei nº 7347/85) numa lei geral de processo coletivo.

O trabalho foi concluído transformou-se no projeto de lei 5.139/09. O que faz com que a história do processo coletivo no Brasil fique por aguardar novos capítulos.


4. NATUREZA JURÍDICA DOS DIREITOS METAINDIVIDUAIS

Embora haja posição respeitável em sentido contrário, não há como classificar os direitos metaindividuais como públicos ou privados. Ou seja, a natureza é própria.

Alguns propõem a superação da dicotomia público e privado e a suma divisio em individual e metaindividual, mas essa posição não prevalece. Para o próprio Mauro Capelleti não existe uma grande diferença entre o Direito Público e o Privado, mas um verdadeiro abismo que somente foi preenchido com o surgimento dos Direitos Metaindividuais.

Para Flávio Martins Alves Júnior “Os interesses metaindividuais ou transindividuais ou coletivos em sentido amplo são aqueles interesses que se encontram numa zona intermediária entre o interesse público e o interesse privado”.


5. CLASSIFICAÇÃO DO PROCESSO COLETIVO

O processo coletivo quanto aos sujeitos, pode ser classificado em:

a)           Processo coletivo ativo: É aquele cuja titularidade ativa da ação é da coletividade. Situação admitida no Brasil como regra, observando-se as regras de representação previstas na Constituição Federal ou na lei.

b)           Processo coletivo passivo: A coletividade é ré. Essa questão não é pacífica no Brasil, existindo, em verdade, duas posições antagônicas na doutrina sobre a sua existência.

1ª Corrente: Para Cândido Rangel Dinamarco não existe ação coletiva passiva porque não há previsão legal nesse sentido.

2ª Corrente: Existe processo coletivo passivo simplesmente por um argumento natural. Apesar de não haver previsão legal, a sua existência decorre do sistema. Defende-se, em suma, que a permissão da ação coletiva passiva é decorrência do princípio do acesso à justiça, segundo o qual a lei não excluirá da apreciação do poder judiciário lesão ou ameaça de lesão a direito (art.5º, XXXV, da CRFB/88). Não admitir a ação coletiva passiva é negar o direito fundamental de ação àquele que contra um grupo pretende exercer algum direito.

Ex.: Ações coletivas ajuizadas pelo MPF para evitar greve de serviços públicos federais. O réu é uma coletividade. No exemplo é um processo coletivo misto, ou seja, ativo e passivo, simultaneamente.

A crítica pesa sobre a definição da representatividade do processo coletivo passivo, pois à míngua de previsão legal, como definir quem representa a coletividade ré?

Quanto ao objeto, o processo coletivo pode ainda ser dividido em:

c)            Processo coletivo especial: objeto de estudo do direito constitucional, é o referente as ações objetivas para controle abstrato de constitucionalidade no Brasil, a exemplo da ADI, dados os efeitos erga omnes que lhes são característicos.

a)           Processo coletivo comum: objeto de estudo do processo coletivo, este se presta as ações para a tutela dos interesses metaindividuais que não se relacionam ao controle abstrato de constitucionalidade. Em verdade, ação coletiva comum é toda aquela que não é dirigida ao controle abstrato de constitucionalidade. São exemplos Ação Civil Pública (lei 7.347/85);  a Ação Coletiva prevista no CODECON; a Ação Popular (lei 4.717/65); a Ação de Improbidade Administrativa (Lei 8.429/92) e o Mandado de Segurança Coletivo (lei 12.016)


6. PRINCÍPIOS DO PROCESSO COLETIVO COMUM

Dada a natureza singular dos direitos transindividuais a legislação brasileira dá suporte para a construção de um grupo de princípios norteadores do processo coletivo brasileiro, senão vejamos, sucintamente cada um deles.

Cumpre registrar, no entanto, que a existência de tais princípios não prescinde das demais garantias fundamentais processuais, como a do contraditório e da ampla defesa, ou do devido processo legal.

6.1. Princípio da Indisponibilidade da Ação Coletiva

LAP - Art. 9º - Se o autor desistir da ação ou der motivo à absolvição da instância, serão publicados editais nos prazos e condições previstos no Art. 7º, II, ficando assegurado a qualquer cidadão bem como ao representante do Ministério Público, dentro do prazo de 90 (noventa) dias da última publicação feita, promover o prosseguimento da ação.

LACP - § 3º - Em caso de desistência infundada ou abandono da ação por associação legitimada, o Ministério Público ou outro legitimado assumirá a titularidade ativa.

O objeto do processo coletivo não pertence ao autor, mas à coletividade. Desse modo, se houver desistência INFUNDADA do processo coletivo, diferente do que sói ocorrer com o processo individual (art. 267 do CPC), não haverá extinção, mas  substituição de parte. Ocorrendo tal situação, outros legitimados são chamados à suceder, a exemplo do MP.

6.2. Princípio da Indisponibilidade da Execução Coletiva

LACP Art. 15 - Decorridos 60 (sessenta) dias do trânsito em julgado da sentença condenatória, sem que a associação autora lhe promova a execução, deverá fazê-lo o Ministério Público, facultada igual iniciativa aos demais legitimados.

LAP Art. 16 - Caso decorridos 60 (sessenta) dias de publicação da sentença condenatória de segunda instância, sem que o autor ou terceiro promova a respectiva execução, o representante do Ministério Público a promoverá nos 30 (trinta) dias seguintes, sob pena de falta grave.

Havendo condenação é obrigatória a execução da sentença caso não haja cumprimento voluntário. O art. 15, da Lei de Ação Civil Pública diz que se em 60 dias o autor não executar a sentença, qualquer legitimado poderá fazê-lo, ou, subsidiariamente, o próprio MP.

6.3. Princípio do Interesse Jurisdicional no Conhecimento do Mérito

Não tem previsão legal expressa e aduz que a extinção do processo coletivo sem resolução do mérito deve ser evitada, dada a relevância transindividual do litígio submetido à apreciação judicial.

4.4. Princípio da Prioridade na Tramitação

O processo coletivo tem que ter andamento preferencial sobre as ações individuais. Não tem previsão legal, decorre do sistema, dada a quantidade de pessoas afetadas por este tipo de relação processual.

6.5. Princípio do Máximo Benefício da Tutela Jurisdicional Coletiva

Tem previsão nos art. 103, §§ 3º e 4º, do CDC, senão vejamos:

§ 3º - Os efeitos da coisa julgada de que cuida o Art. 16, combinado com o Art. 13 da Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985, não prejudicarão as ações de indenização por danos pessoalmente sofridos, propostas individualmente ou na forma prevista neste Código, mas, se procedente o pedido, beneficiarão as vítimas e seus sucessores, que poderão proceder à liquidação e à execução, nos termos dos artigos 96 a 99.

§ 4º - Aplica-se o disposto no parágrafo anterior à sentença penal condenatória.

A coisa julgada coletiva do processo coletivo só beneficia o indivíduo, nunca prejudica. Se o juiz de uma ação coletiva a julga improcedente, e, em grau de recurso o tribunal mantém a improcedência, essa improcedência transita em julgado, mas, isso não prejudica as ações individuais, o que acaba por permitir que o ingresso de ações individuais com mesmo pedido e causa de pedir. Do contrário, se procedente um ação coletiva, o beneficio é extendido a todos num transporte in utilibus da coisa julgada coletiva.

6.6. Princípio Máxima Efetividade

Com inspiração no defining function, ou ativismo judicial, atribui-se ao juiz possibilidades extraordinárias na condução do processo coletivo.

Para a Prof.ª Ada Pelegrini “O processo, que se inicia por impulso da parte, segue sua caminhada por impulso oficial. Esse princípio, que permite que o procedimento seja levado para frente até seu final, rege, de igual maneira, o processo individual e o coletivo. Mas a soma de poderes atribuídos ao juiz é questão intimamente ligada ao modo pelo qual se exerce o princípio do impulso oficial. Embora o aumento dos poderes do juiz seja, atualmente, visto como ponto alto do processo individual, a soma de poderes atribuídos ao juiz do processo coletivo é incomensuravelmente maior. Trata-se da defining function do juiz, de que fala o direito norte-americano para as class actions. Pelo Anteprojeto de Código Brasileiro de Processos coletivos, caberão ao juiz medidas como desmembrar um processo coletivo em dois – sendo um voltado à tutela de interesses ou direitos difusos ou coletivos, outro voltado à proteção dos individuais homogêneos, se houver conveniência para a tramitação do processo; certificar a ação como coletiva; dirigir como gestor do processo a audiência preliminar, decidindo desde logo as questões processuais e fixando os pontos controvertidos, quando falharem os meios alternativos de solução de controvérsias; flexibilizar a técnica processual, como, por exemplo na interpretação do pedido e da causa de pedir. E caberá ao tribunal determinar a suspensão de processos individuais, em determinadas circunstâncias, até o trânsito em julgado da sentença coletiva. Todos esses poderes, alheios ao Código de Processo Civil, dão uma nova dimensão ao princípio do impulso oficial”.

O juiz, diferente do que sói ocorrer no processo individual, tem uma postura mais proativa buscando a máxima efetividade da tutela coletiva.

Sistematizando, significa que o juiz pode-deve:

a) Instruir o processo de forma mais aguda, livre e ampla do que no processo individual;

b) Operar, quando necessário, flexibilização procedimental;

c) Desvincular-se do pedido ou da causa de pedir:

A defining function permite que o juiz autorize a alteração do pedido e da causa de pedir garantindo ao réu o direito defesa, contraditório, mesmo após o saneamento. É uma aplicação moderna do “narra mihi factum, dabo tibi jus” no processo civil, o que passa a interessar efetivamente é a tutela, e não o pedido individualizado. Assim a causa de pedir passa a permitir essa liberade ao juiz que não estaria adstrito ao princípio da correlação entre o pedido e a sentença.

d)           Controle de políticas públicas:

O judiciário, no processo coletivo, só pode intervir nas políticas públicas para implementar direitos e promessas fundamentais previstos na Constituição, pois a tese da Reserva do Possível[2] não é oponível as promessas constitucionais. A despeito de, em regra, não haver interferência no mérito administrativo, inclusive, via ação coletiva.

6.7. Princípio Atipicidade ou Não-taxatividade do Processo Coletivo, ou ainda da máxima amplitude

Art. 83 do CDC- Para a defesa dos direitos e interesses protegidos por este Código são admissíveis todas as espécies de ações capazes de propiciar sua adequada e efetiva tutela.

Para a defesa dos interesses metaindividuais, são admissíveis todas as espécies de ações capazes de providenciar a  tutela adequada. Qualquer ação, em tese individual, pode se transmutar em uma ação coletiva, pois a previsão da tutela coletiva não é taxativa e admite o incremento de pedidos ordinariamente individuais. Assim sendo, a ação civil pública, a ação popular, dentre outras, são instrumentos clássicos de tutela coletiva no Brasil que não vão excluir outros, como, por exemplo, a reintegração de posse coletiva ou até uma monitória coletiva, desde que discutam-se nesses processos direitos ou interesses metaindividuais.

6.8. Princípio da Ampla Divulgação da Demanda

Art. 94 do CDC - Proposta a ação, será publicado edital no órgão oficial, a fim de que os interessados possam intervir no processo como litisconsortes, sem prejuízo de ampla divulgação pelos meios de comunicação social por parte dos órgãos de defesa do consumidor.

Trata-se do sistema norteamericano do fair notice[3]. Estabelece-se que toda vez que haja uma ação coletiva, promova-se uma ampla divulgação editalícia, a fim de que se ciência a toda a coletividade sobre os seus termos, dada a transcendência do direito em discussão. Do ponto de vista prático, a utilização de editais frustra a aplicação do instituto no Brasil.

6.9. Princípio da Integração do Microssistema Processual Coletivo

Há mais de 15 leis que tratam de processo coletivo no Brasil. No centro dessas leis avultam de importância a lei Ação Civil Pública e o Código de Defesa do Consumidor. Essas duas leis possuem NORMA DE REENVIO, ou seja, normas que autorizam a aplicação de outras leis a si próprias, vejamos:

Art.90 do CDC – “Aplicam-se às ações previstas neste Título as normas do Código de Processo Civil e da Lei nº 7.347, de 24 de junho de 1985, inclusive no que respeita ao inquérito civil, naquilo que não contrariar suas disposições.”

Nesse mesmo sentido vejamos o disposto no art. 21 da lei 7347/85, então lei da Ação Civil Pública:

Art.21 da LACP –  “Aplicam-se à defesa dos direitos e interesses difusos, coletivos e individuais, no que for cabível, os dispositivos do Título III da lei que instituiu o Código de Defesa do Consumidor.”  (Incluído Lei nº 8.078, de 1990)

. Em verdade, a Lei de Ação Civil Pública e o CDC compõem um núcleo de aplicação central, pois tudo o que existe em uma aplica-se a outra, e vice-versa. Assim é possível a aplicação das disposições do CDC a uma ação ambiental, mesmo sem ser relação de consumo, inclusive a regra da inversão do ônus da prova, por exemplo.

Gravitam em torno dessas leis o ECA, o  Estatuto do Idoso, o Estatuto da Cidade, a Lei dos Deficientes, a Lei de Ação Popular, a Lei de Improbidade Administrativa.

Assim, além do núcleo, também é possível haver a aplicação das normas específicas a determinadas tutelas, mas esses diplomas constantemente vão trocar informações, permitindo-se, por exemplo, que na ação popular, aplique-se o CDC,  ou que no Estatuto do Idoso, aplique-se a Lei de ACP.

Desse modo, obtempera-se que nosso microssistema processual coletivo é aberto. Isso significa que, além de se comunicar com o núcleo central, as leis também se comunicam entre si. E é assim que funciona o microssistema processual coletivo. Há um núcleo central que se comunica com as demais leis do sistema e depois essas leis passam a se comunicar entre si.

6.10. Princípio da Adequada Representação ou do Controle Judicial da Legitimação Coletiva

No Brasil, não é qualquer pessoa que pode entrar com uma demanda coletiva. A ação popular tem um objeto muito específico, mas no caso da ACP, os únicos legitimados são os do art. 5º, da lei:

ACP - Art. 5º - Têm legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar: (Alterado pela Lei 11.448/07)

I - o Ministério Público;

II - a Defensoria Pública;

III - a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios;

IV - a autarquia, empresa pública, fundação ou sociedade de economia mista;

V - a associação que, concomitantemente:

a) esteja constituída há pelo menos 1 (um) ano nos termos da lei civil;

b) inclua, entre suas finalidades institucionais, a proteção ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico.

Esses são os que podem propor ação coletiva no Brasil. Portanto, a adequada representação foi presumida pela lei. Não é o juiz que a controla.

Diversamente do sistema da “class action” do direito norteamericano, no Brasil, não é qualquer um que pode ingressar com a ação coletiva, vez que nosso legislador presumiu os legitimados para a propositura das ações coletivas (art. 5.º, da LACP) que representam adequadamente os interesses metaindividuais em debate.

A grande discussão, entretanto, que há na doutrina brasileira, é se além do controle legislativo do tema também há controle judicial sobre a representação adequada, de modo a permitir ao juiz o reconhecimento da ilegitimidade com base na falta de representação.

São duas as  posições:

1ª Corrente: Nelson Nery, entre outros, estabelece que, salvo para as associações, não é possível controle judicial. Para ele, então, o controle da representação adequada é ope legis.

Art. 5º  da LACP – “Têm legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar:

[...]

V - a associação que, concomitantemente:

a) esteja constituída há pelo menos 1 (um) ano nos termos da lei civil;

b) inclua, entre suas finalidades institucionais, a proteção ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico.

 [...]

§ 4.° O requisito da pré-constituição poderá ser dispensado pelo juiz, quando haja manifesto interesse social evidenciado pela dimensão ou característica do dano, ou pela relevância do bem jurídico a ser protegido.

2ª Corrente: Ada Pellegrini, segundo quem, sem prejuízo do controle legislativo, também é possível o controle judicial da representação de todos os legitimados. O controle, in casu, da representação não é só ope legis, mas também ope litis. Caberia ao juiz no caso concreto realizar o controle da finalidade institucional e da pertinência temática do autor.

Não há posição dominante no Brasil.

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Sobre o autor
Daniel Ferreira de Lira

Bacharel em Direito pela Universidade Estadual da Paraíba. Especialista em Direito Processual Civil e Direito Tributário pela Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL). Mestrando em Desenvolvimento pela UEPB/UFCG. Professor das disciplinas de Direito Processual Civil e Teoria Geral do Processo do Centro de Ensino Superior Reinaldo Ramos (CESREI). Professor da Disciplina de Direito Processual Civil e Juizados Especiais da UNESC Faculdades. Professor do Lexus Cursos Jurídicos. Ex-professor do Meritus e de diversos outros cursinhos preparatórios para concursos e para o Exame da OAB. Advogado militante. Palestrante em eventos jurídicos nacionais e internacionais.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIRA, Daniel Ferreira. Breves notas sobre os princípios informativos do processo coletivo brasileiro.: Rompendo com a lógica individualista-liberal do Código de Buzaid. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3241, 16 mai. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21790. Acesso em: 22 dez. 2024.

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