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A prevalência da justiça estatal e a importância do fenômeno preclusivo

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24/05/2012 às 14:50
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4. A disciplina dos prazos processuais

O sistema legal (o Código Processual), buscando a organização, disciplina e a celeridade do processo – que por certo não poderia ser deixado ao livre arbítrio do julgador e das partes, determina prazos para serem tomados determinados impulsos processuais, notadamente pelos litigantes, sob pena de não poder ser realizado, e mesmo retificado, determinado ato processual em etapa ulterior.[41]

Tal ato deve ser criteriosamente produzido dentro do prazo concedido pelo ordenamento jurídico, devendo, para tanto, ser considerados os fixados termos a quo (prazo inicial) e ad quem (prazo final) – sempre se desenvolvendo os prazos, portanto, entre dois termos predeterminados.[42]

Abrindo um espaço para tratar da prática forense, esclareça-se, aproveitando a oportunidade em se falar especificamente no termo a quo, que os prazos “correm” da intimação, e “contam-se” a partir do primeiro dia útil subsequente à intimação, o que nem sempre significa dia subsequente ao dies a quo.

Necessária a lembrança, registra Dinamarco,[43] porque o nosso Código de Processo usa as expressões salientadas de maneira irregular, como se dá com o art. 184, § 2°, que pretendeu estabelecer regra sobre contagem de prazo e empregou inadequadamente o verbo correr: na realidade, os prazos não “começam a correr a partir do primeiro dia útil após a intimação”, como está na letra do dispositivo, mas eles começam a correr, repita-se, da própria intimação regularmente realizada.

Ainda em termos de repercussão na prática forense quanto ao termo a quo, relevante o registro de que a data oficial de publicação das decisões sofreu alteração sensível a partir da criação da figura da “publicação eletrônica”, com a entrada em vigor do art. 4° da Lei n° 11.419/2006, em cujos §§ 3° e 4° se lê o seguinte: “Considera-se como data da publicação o primeiro dia útil seguinte ao da disponibilização da informação no Diário da Justiça eletrônico”; “Os prazos processuais terão início no primeiro dia útil que seguir ao considerado como data da publicação”.

Considera-se, pois, como a data da publicação de uma decisão judicial o primeiro dia útil que se seguir ao da apresentação (rectius: disponibilização) da nota de expediente (no diário da justiça eletrônica). Então se a disponibilização se deu em uma sexta-feira, a publicação é tida como ocorrida na segunda-feira (caso seja dia útil), iniciando-se (rectius: contando-se) o prazo tão somente a partir da terça-feira (caso seja dia útil também) – o que, na prática, confere “um dia a mais” ao advogado para se manifestar nos autos, a partir do recebimento regular da nota de expediente.


5. A figura da preclusão na sistemática processual

A partir, então, desses elementos centrais que configuram a razão de ser do processo estatal – seu procedimento em contraditório, onde se desenvolvem as relações múltiplas entre o Estado-juiz e as partes litigantes, pautados pela mecânica dos prazos (com seus termos preestabelecidos em lei) –, é que aparece a respeitável imagem da preclusão processual, em todas as etapas, como instituto limitador da atividade processual dos sujeitos envolvidos, trazendo ordem ao feito e celeridade no seu desfecho.[44]

De maneira objetiva, J. E. Carreira Alvim conclui, amalgamando todos esses elementos, que o processo caminha, de maneira ordenada e sempre para a frente, impulsionado por ato do juiz (“autodinâmica”) e por ato das partes (“heterodinâmica”), estabelecendo o Código de Processo Civil prazos dentro dos quais tais atos devem ser praticados, sob pena de preclusão.[45]

Luis Machado Guimarães, nesse exato diapasão, expõe que o instituto da preclusão é um expediente técnico, que se exaure no mesmo processo em que ocorreu, e “de que se vale o legislador, visando assegurar uma sequência ordenada e lógica das etapas procedimentais, e para resguardar a economia e a boa-fé processuais”.[46]

Reconhecendo certo substrato ético do instituto, ao lado do fundamento eminentemente jurídico, Ada Pellegrini Grinover explicita que a preclusão está assentada no processo “não apenas a proporcionar uma mais rápida solução do litígio, mas bem ainda a tutelar à boa-fé no processo, impedindo o emprego de expedientes que configurem litigância de má-fé”.[47]

Para João Martins de Oliveira, a preclusão é norma de “ordem” para o processo: “a disponibilidade do ato desaparece para o sujeito da relação processual, desde que não o praticou no momento em que serviria de elo à cadeia de sucessões dos atos, ou se realizou anteriormente atividade incompatível, ou da mesma finalidade”.[48]

Por derradeiro, em termos conceituais, devemos destacar a lição de Hugo Alsina. Segundo o jurista argentino “a preclusão é o efeito que possui um estágio processual de clausurar o anterior”, determinando desta maneira, complementa José de Moura Rocha, “a existência de uma ordem lógica no procedimento, que deve sempre seguir para a frente não podendo retornar ao que já passou”. Expressamente, ao trabalhar com o conceito de preclusão, Alsina,[49] com acerto (e como já posto previamente neste ensaio), deixa claro de antemão a necessidade de, para entendermos o instituto processual em estudo, levarmos em consideração dois elementos a ele associados: o impulso processual e o transcurso do tempo – já que a preclusão, sem esses elementos, não seria suficiente por si mesma. Já José de Moura Rocha,[50] também com acuidade, desenvolve que pelo conceito de preclusão normalmente temos que esta atua ipso iure, ou seja, independe da vontade das partes e mesmo do juiz, bastando-lhe, por regra, a previsão na lei processual.

Vê-se, então, que mesmo já tendo o Estado subtraído aos cidadãos a possibilidade de se valer da justiça privada – impondo a utilização do processo judicial, é obrigado ainda a impor uma série de limitações à atividade dos litigantes no curso desse instrumento público de jurisdição, para que este ande com regularidade, ordem e rapidez, dentro dos prazos preestabelecidos;[51] subtraindo, por sua vez, a marcha do processo ao completo arbítrio do seu diretor, o Estado-juiz, representando esta uma importante e indiscutível garantia aos litigantes (jurisdicionados).[52]

Salienta-se, pois, a relevância dessas propedêuticas linhas, de aproximação ao nosso central estudo neste ensaio (de sedimentação das principais características referentes ao instituto da preclusão), já que, de fato, há um macrocontexto, em que devidamente inserido o instituto – partindo-se da premissa basilar da necessidade, à sociedade política, do processo como instrumento de jurisdição disponibilizado pelo Estado.


6. Ênfase à participação da preclusão como o grande limitador para a atividade das partes no processo

Extrai-se da essência do que se colocou nas últimas linhas, que a preclusão deve ser compreendida como um instituto que envolve a impossibilidade, por regra, de, a partir de determinado momento, serem suscitadas matérias no processo, tanto pelas partes como pelo próprio juiz, visando-se precipuamente à aceleração e à simplificação do procedimento. Integra sempre o objeto da preclusão, portanto, um ônus processual das partes ou um poder do juiz; ou seja, a preclusão é um fenômeno que se relaciona com as decisões judiciais (tanto interlocutória como final) e as faculdades conferidas às partes com prazo definido de exercício, atuando nos limites do processo em que se verificou.

Na Itália, onde o instituto da preclusão foi melhor sistematizado, principalmente a partir dos estudos de Chiovenda, chegou-se a criticar o fato de ter se dado destaque ao fenômeno quando vinculado às atividades das partes – a partir do conceito de que o fenômeno preclusivo representaria a perda, extinção ou consumação da faculdade processual pelo fato de se haverem alcançado os limites assinalados por lei ao seu exercício[53].

Embora, de fato, a preclusão de questões para o juiz não conste expressamente na definição do instituto desenvolvido por Chiovenda, não há dúvida, analisando as suas obras, de que a espécie é contemplada ao lado da preclusão de faculdades para as partes, tanto é que para diferenciar a coisa julgada material da preclusão (diferenciar, nas suas exatas palavras, “coisa julgada e questões julgadas”), discorre em miúdos sobre o que seja a preclusão de questões e sua ramificação interna, deixando transparecer que decisões interlocutórias ou finais inimpugnadas “transitam em julgado em sentido formal”, não podendo mais ser modificadas pelas partes e pelo julgador.[54]

De qualquer modo, cabe o grifo, o instituto ganha, inegavelmente, brilho particular, ao se estabelecer como o grande limitador para a atividade processual das partes – sujeitas a firmes sistemáticas de prazos e formas, desde a fase postulatória, no rito de cognição, até a extinção definitiva da fase de execução do julgado; mesmo porque, por outro lado, há matérias de ordem pública não sujeitas ao regime preclusivo para o Estado-juiz (como as condições da ação e os pressupostos processuais, as nulidades, a matéria probatória, o erro material e recentemente a prescrição).


7. A sistematização da preclusão como instituto de direito processual: breve digressão histórica no direito comparado e pátrio

O grande sistematizador da preclusão, como verdadeiro instituto de direito processual, foi o jurista italiano Giuseppe Chiovenda, já no início do século XX; inspirado, para o seu tento, na obra de Oskar Bülow – que em 1879, fundado no princípio objetivo, estrito, de responsabilidade, que domina o processo, e no princípio da consumação do direito (processual), chamou-os princípio da preclusão (Prakclusionprinzip).[55]

Há explicação possível para que o pleno desenvolvimento do instituto em estudo não tenha ocorrido em solo alemão em fins do século XIX, oportunizando-se uma regular sequência nos estudos iniciados por Bülow: é que o Regulamento processual civil alemão de 1877 fez uso muito escasso das preclusões, em defesa da decidida aplicação dos princípios da concentração e oralidade, o que sugere um menor interesse dos juristas germânicos da época no estudo da preclusão.[56]

Embora na Itália o então vigente Código de Processo Civil de 1865 era também inspirado no princípio oposto ao da preclusão – o denominado princípio da liberdade das partes –, o rito (sem dispositivos específicos no resguardo de interesses públicos) era, diversamente do sistema alemão, marcantemente escrito, longo e complexo.[57] Daí, ao que parece, muitos e gabaritados juristas peninsulares assumiram o desafio de modificá-lo, em busca de um processo mais célere e mais simples, que prestigiasse em maior escala a oralidade e a concentração.

E justamente foi Chiovenda o líder vanguardista desse movimento, pelas suas propostas de reforma do procedimento civil de 1918 e 1923; tendo, na sequência, sido apresentados até a final entrada em vigor do novo CPC italiano (de 1940), o projeto Mortara, de 1923; o projeto de Carnelutti, de 1926; o projeto Redenti, de 1933; e finalmente os projetos de reforma de Solmi, de 1937 e de 1939. Não foi então por coincidência que foi o Código Processual de 1940 o primeiro, na Itália, a expressamente registrar o termo preclusão nos seus dispositivos.

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Já no Brasil, como reforça Frederico Marques,[58] tudo indica que foi Manuel Aurelino de Gusmão, em 1922, o primeiro a fazer menção expressa à preclusão processual, muito embora tenha o feito de maneira indireta, ao tentar diferenciar a coisa julgada material da coisa julgada formal.[59]

Em termos legislativos, somente com o Código de 1973 passou-se a adotar expressamente o termo preclusão, como nos arts. 245, 473 e 601; mas, sem usar a palavra preclusão, o Código de 1939, como também os antigos diplomas processuais estaduais e até o Regulamento 737 (a primeira e mais importante lei processual pátria, editado em 1850) já faziam aplicação do instituto, ao estabelecer uma ordem legal para a prática dos atos do feito, impondo a perda do direito a praticá-lo após ultrapassado o momento adequado.[60]

Todavia, necessário deixarmos consignado que muito embora os estudos científicos do instituto se deram a partir do final do século XIX (na Alemanha) e início do século XX (na Itália), bem como tenha sido contemplada expressamente a preclusão pelos ordenamentos processuais em época ainda mais recente, certo que o tema não é absolutamente novo no processo e não seria exagero, como destaca José de Moura Rocha, afirmarmos que a preclusão se constitui como um dos mais remotos temas processuais e de conhecimento tão remoto quanto o próprio processo.[61]

E tal acontecimento justifica-se, como precisamente pondera Ramiro Podetti,[62] pelo fato de a preclusão não emergir de motivos teóricos, mas sim da própria necessidade do processo em movimento; de fato, não se concebendo, expõe Heitor Vitor Mendonça Sica,[63] como um processo, mesmo em épocas mais remotas, possa existir sem que haja impulso de algum dos seus sujeitos, ou sem que se estabeleçam alguns limites à atividade das partes, ou ainda sem que exista momento para que as decisões tomadas pelo órgão julgador se tornem definitivas, a salvo de ulteriores impugnações.

Realmente, já era utilizado o instituto no processo romano e no direito germânico, com caráter delimitativo da atividade das partes no procedimento, podendo-se falar de uma preclusão por fases do rito. Já no direito romano-canônico essas fases adquirem forma de termos fixos e buscam a realização de diversos atos processuais, inclusive dentro de uma mesma fase procedimental.[64] É deste período, na baixa idade média (séculos XII-XV), que foram incrementadas algumas firmes medidas para uma maior limitação da liberdade do agir das partes no feito (utilizando-se do recém-elaborado princípio da eventualidade articulado com o sistema de preclusões), bem como se propôs a regulamentação da atuação ponderada do juiz, como diretor do processo, na busca da solução adequada do litígio em tempo expedito – sendo comumente citada, como um dos marcos decisivos ditadores dessas primeiras linhas rumo ao processo civil moderno, a decretal do Papa Clemente V, emitida em 1306, que passou à história com o nome de Clementina Saepe.[65]

Assim, vê-se que o fenômeno preclusivo na realidade processual esteve presente desde há muito, utilizado em boa medida no direito romano, e sendo mais frequentemente notado a partir do aumento racionalizado da participação do Estado no controle/direção do processo, em busca de solução final ágil, tão justa quanto possível – o que passou a ser incrementado, em maior escala, a partir do período da baixa idade média.

Por tais razões históricas, alude Niceto Alcalá-Zamora y Castillo que o próprio conceito de “preclusão” tem precisamente sua origem na literatura medieval, iniciada no século XII; desenvolvendo-se especificamente na Espanha, entre os séculos XIII-XV.[66] Ainda, interessante registrar que Chiovenda, ao desenvolver cientificamente o instituto no século XX, fez expressa menção ao fato de que o nome “preclusão” adviria de poena praeclusi, expressão utilizada justamente no direito comum.[67]

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Sobre o autor
Fernando Rubin

Advogado do Escritório de Direito Social, Bacharel em Direito pela UFRGS, com a distinção da Láurea Acadêmica. Mestre em processo civil pela UFRGS. Professor da Graduação e Pós-graduação do Centro Universitário Ritter dos Reis – UNIRITTER, Laureate International Universities. Professor Pesquisador do Centro de Estudos Trabalhistas do Rio Grande do Sul – CETRA/Imed. Professor colaborador da Escola Superior da Advocacia – ESA/RS. Instrutor Lex Magister São Paulo. Professor convidado de cursos de Pós graduação latu sensu. Articulista de revistas especializadas em processo civil, previdenciário e trabalhista. Parecerista.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RUBIN, Fernando. A prevalência da justiça estatal e a importância do fenômeno preclusivo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3249, 24 mai. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21845. Acesso em: 25 abr. 2024.

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