5. Considerações finais
Estamos enfrentando uma situação delicada de franca decadência das políticas públicas e o Estado não tem conseguido reverter a situação, cada vez mais caótica. De um lado temos educação deficitária, insegurança, hospitais sucateados; do outro, temos um governo que afirma não ter recursos para fazer frente à implementação e melhoria dessas políticas, que nada mais são que direitos do cidadão. No centro disso permanece a população sem assistência e a Constituição Brasileira sumariamente desatendida. Como corrigir essa distorção entre o muito prometido pela Lei Maior e o pouco cumprido pelo Estado?
Obviamente a questão não é tão simples como está sendo posta. Não basta dizer que não há recursos para denegar a concretização de Direitos Humanos Fundamentais, mormente os sociais, que precisam de destinações de forma direta. As previsões do legislador não podem ser esquecidas, sob pena de passarem a ser apenas compromissos dilatórios. A verdade é que, a menos que o Estado demonstre o contrário, os recursos existem. No entanto, as escolhas alocativas é que têm se mostrado questionáveis, destinando dinheiro público a contrario sensu do que espera a população. É preciso diferenciar de forma clara o que não é possível porque não há recurso e o que não é possível porque o recurso foi destinado a outro fim.
Defendemos dessa forma que a sociedade observe mais atentamente o modo como o dinheiro público está sendo empregado, sobretudo em face do modelo de orçamento adotado pelo Brasil. E que, em sede de judicialização, nossos juízes observem com maior parcimônia a alegação de ausência de recursos, exigindo que o Estado comprove de forma cabal que realmente não existem meios para fazer frente àquela demanda, considerando as políticas deficitárias do país e a temerária relativização de Direitos Fundamentais.
6. Referências
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______; FIGUEIREDO, Mariana Filchtiner. Reserva do Possível, mínimo existencial e direito à saúde: algumas considerações. In.: SARLET, Ingo Wolfgang; TIMM, Luciano Benetti. Direitos fundamentais, orçamento e “Reserva do Possível”. 2. ed. rev e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010.
VON IHERING, Rudolf. A luta pelo direito. Trad. Pietro Nasseti. 2. ed. São Paulo: Martin Claret, 2008. p. 66.
Notas
[1]VON IHERING, Rudolf. A luta pelo direito. Trad. Pietro Nasseti. 2. ed. São Paulo: Martin Claret, 2008. p. 66.
[2]“Dime cuántos impuestos te cobran (y cómo se gastan) y te diré qué derechos tienes” (tradução livre do autor). BERTOMEU, Juan F. González. El Estado como precondición de los derechos: beneficios y límites de una concepción relevante para América Latina. In.: HOLMES, Stephen; SUNSTEIN, Cass. El costo de los derechos: por qué la libertad depende de los impuestos. Trad. Stella Mastrangelo. Buenos Aires: Siglo Veintiuno, 2011. p. 14.
[3]CHAVES, Pablo Bonilla. O custo dos direitos e sua relação com as restrições jusfundamentais: aspectos gerais sobre o caso brasileiro. Revista Direitos Fundamentais e Democracia. Unibrasil, Curitiba: 2008. Disponível em http://revistaeletronicardfd.unibrasil.com.br. Acesso em 15 jul. 2011.
[4]Apud CHAVES, Ibid., p. 12.
[5]HEINEN, Juliano. O custo do direito à saúde e a necessidade de de uma decisão realista: uma opção trágica. Superior Tribunal de Justiça, Audiência Pública – saúde, Brasília: [(s.d.)]. Disponível em www.stj.jus.br. Acesso em 15 jul. 2011. p 09.
[6]OLSEN, Ana Carolina Lopes. A eficácia dos Direitos Fundamentais Sociais frente à Reserva do Possível. Dissertação apresentada para obtenção do título de Mestre em Direito na Universidade Federal do Paraná. Curitiba, 2006. p. 211
[7] Op. cit., p. 229.
[8] Ibid., mesma página.
[9] “(…) Enquanto em situações normais de outorga de participação social pelo Estado, através de cobertura financeira, as dificuldades da restrição dos meios existentes podem ser contornadas por um rearranjo; o numerus clausus absoluto conduz à gritante desigualdade de que parte dos candidatos recebe tudo, e a outra parte – pelo menos por um lapso mais ou menos longo, e de impacto decisivo para o resto da vida – nada. Se o número de rejeitados excede mais da metade do de candidatos, como no curso de medicina, o direito constitucionalmente protegido de aspirar a uma vaga é ameaçado de cair no vazio, em larga extensão. Por conta desses efeitos, não pode ser negado que o numerus clausus absoluto circula à margem do constitucionalmente aceitável.
Como esses efeitos somente podem ser enfrentados por uma ampliação da capacidade, a pergunta que se apresenta é se, dos valores oriundos da decisão jusfundamental, e da decisão de utilizar o monopólio do ensino, emerge uma exigência constitucional de prestação social pelo Estado, no sentido de prover suficiente capacidade de ensino para os diferentes cursos. Ainda que a resposta desta questão fosse afirmativa, não é necessário decidir aqui se, dessa exigência, pode ser deduzido, a partir de requisitos específicos, um inquestionável direito individual, de titularidade do cidadão, à obtenção de uma vaga universitária. Isso, porque consequências, no âmbito do Direito Constitucional, somente seriam possíveis, se houvesse evidente violação de tal exigência. Isso não pode ser determinado, no âmbito do curso de medicina: os direitos a prestações não têm suas prioridades delimitadas de antemão e em cada caso; submetendo-se à Reserva do Possível, no sentido daquilo que o indivíduo pode razoavelmente esperar da sociedade.
Isso tem que ser julgado em primeira linha pelo legislador, sob sua própria responsabilidade, considerando na economia orçamentária outros interesses da comunidade, bem como a conta do equilíbrio econômico geral (…).
Uma eventual exigência constitucional não obriga a providenciar, para cada candidato em cada oportunidade, a vaga almejada, e assim tornar os complexos investimentos em educação superior exclusivamente dependentes da demanda individual, frequentemente flutuante e influenciável por inúmeros fatores. Isso implicaria num entendimento errado quanto à liberdade, através do qual se desconhece que a liberdade pessoal não pode ser implementada a longo prazo, sem associação com a operacionalidade e o equilíbrio gerais, e que demandas individuais ilimitadas às expensas públicas não são compatíveis com o ideal do Estado Social.
A Constituição (...) decidiu a tensão indivíduo-sociedade, no sentido da relacionabilidade e da conectividade da pessoa com a comunidade; o indivíduo deve, então, deixar baixarem as barreiras à sua liberdade de ação, que o legislador institui para o zelo e a promoção da vida comunitária dentro dos limites razoáveis, desde que a auto-suficiência da pessoa permaneça protegida. (...). Aqui, o oferecimento de justiça social, que se concretiza na igualdade, seria diretamente contrariado, se meios públicos limitados, disponibilizados apenas através da negligência de outros interesses comunitários importantes, favorecessem uma parte privilegiada da população. (…)
Uma vez lançados estes marcos, não se vislumbra nenhuma violação constitucional” (excerto). BVerfGE 33, 303 apud OLSEN, Op. cit., p. 230-231.
[10]Op. cit., p. 236.
[11]SARLET, Ingo Wolfgang. Algumas considerações em torno do conteúdo, eficácia e efetividade do direito à saúde na Constituição de 1988. Diálogo Jurídico, Salvador, CAJ – Centro de Atualização Jurídica, n. 10, 11 set. 2007. Disponível em: http://www.direito publico.com.br. Acesso em 14 nov. 2010. p. 08.
[12] NOVAIS apud SARLET, Ingo Wolfgang; FIGUEIREDO, Mariana Filchtiner. Reserva do Possível, mínimo existencial e direito à saúde: algumas considerações. In.: SARLET, Ingo Wolfgang; TIMM, Luciano Benetti. Direitos fundamentais, orçamento e “Reserva do Possível”. 2. ed. rev e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010. p. 36-37.
[13] JASPER apud CHAVES, Op. Cit., p. 37.
[14]MENDONÇA, Eduardo. Da faculdade de gastar ao dever de agir: o esvaziamento contramajoritário de políticas públicas. In.: SARLET, Ingo Wolfgang; TIMM, Luciano Benetti. Direitos fundamentais, orçamento e “Reserva do Possível”. 2. ed. rev e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010. p. 374.
[15] Ibid., p. 375.
[16] Ibid., p. 376.
[17]CORRUPTION perception index 2010 results. Transparency International. Disponível em http://www.transparency.org/policy_research/surveys_indices/cpi/2010/results. Acesso em 20 maio 2011.
[18] Op. cit., p. 378
[19]Organização Mundial da Saúde. Dados de las Estadísticas Anuales Mundiales 2010. França, 2010. Disponível em http://www.who.int/whosis/whostat/ES_WHS10_Full.pdf. Acesso em 01 set. 2010. p. 130 - 136.
[20]Op. cit., p. 232.
[21]Ibid., p. 222.
[22]Ibid., p 202.
[23]CRUZ, Valdo; GUIMARÃES, Larissa. Estados deixaram de aplicar R$ 2 bi na saúde, diz governo. Folha de São Paulo, Poder, São Paulo, 19 set. 2011. Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/poder/977272-estados-deixaram-de-aplicar-r-2-bi-na-saude-diz-governo.shtml. Acesso em 19 set. 2011.