Referência: Constituição Federal de 1988; Constituição Estadual de 1989; Lei Est. nº 5346/92 – Estatuto dos Policiais Militares do Estado de Alagoas – EPMEAL e Dec. Est. nº. 37.042/96, que aprova o RDPMAL – Regulamento Disciplinar da Polícia Militar de Alagoas
À GUISA DE INTRODUÇÃO
Na esfera administrativa disciplinar castrense, o PM em atividade ou até mesmo o da reserva, portanto, todo e qualquer PM exceptio feita ao reformado(1), para que possa exercer seu justo e sacrossanto jus sperniendi - seu direito de se contrapor, de se espernear, de reclamar, que equivale ao direito de ampla defesa e do contraditório assegurados pela CF/88 - quando acusado formalmente por qualquer documento disciplinar definido nos Art 15 e 21, do decreto suso citado, respetivamente parte disciplinar e comunicação disciplinar, donde há de receber um outro documento disciplinar denominado NOTIFICAÇÃO.
Ora, uma vez notificado, o PM passa a ter ciência do fato que lhe está sendo imputado, para poder estruturar sua defesa (ou mesmo admitir seu erro, sua falta – ainda que seja raro) e provar sua inocência, haja vista que a ausência desta impossibilita a garantia da ampla defesa do transgressor ou acusado de transgredir a disciplina e, por conseguinte, cerceia sua defesa, desnaturando o processo administrativo disciplinar ordinário previsto no RDPMAL – o qual ainda não passa de um desenho burlesco do devido processo legal ou mesmo um acanhado due process of law.
Portanto, é de se dizer que sempre causará indignação, contrariedade e amarga surpresa a imposição da suso referida NOTIFICAÇÃO, desprovida de um precedente documento disciplinar acusatório. Vale dizer que a notificação é uma citação, um chamamento ao processo, cujo processo somente tem início com a expedição de um dos documentos disciplinares, i.e., lavrada à comunicação ou firmada a parte.
Porquanto, para que o PM possa vir a expor suar RAZÕES DE DEFESA, se obrigue a narrar fatos e atos administrativos infensos à decisão de se vê NOTIFICAR, seja compelido "para no prazo de 03 (três) dias úteis apresentar, querendo, defesa escrita", prescinde do antecedente e obrigatório documento disciplinar suso citado, consoante determina o Ordenamento Jurídico Positivo, Regulamentar e Disciplinar posto que sem ele tal medida não se lhe aplica, justa e exatamente, por contrariar e se opor aos próprios ditames disciplinares em que, em tese, estaria fundada, porquanto desprovida dos imprescindíveis pressupostos que lhe dariam ensanchas, i.e., carecer dos lastros de fundamentação e motivação do "processo disciplinar", para o efetivo cumprimento e o devido respeito à hierarquia e à disciplina existentes na Corporação, que devem ser preservadas, assim como a sã camaradagem.
Todavia, é de se dizer que, a NOTIFICAÇÃO ut supra sozinha é inerme, inane, inóxia e não dá espeque a defesa por parte do acusado, que não deverá apresentá-la, mormente quando desprovida do documento disciplinar necessário (vide os Art 15 e seguintes, 21 e segs do RDPMAL), porquanto só por isso é que se deve apresentar arrazoado defensivo, para busca da verdade real.
DO NÃO-CABIMENTO DA NOTIFICAÇÃO
Antes de se adentrar ao cerne da questão, é de supina valia deixar bem claro e explicitar que, para se exercer o sobredito direito de defesa, é imperioso tomar ciência do exato teor da acusação ou da parte acusatória (parte ou comunicação disciplinar), posto que "a primeira peça da defesa reside na acusação". Com efeito, só depois de se ter tomado ciência do exato e inteiro teor da acusação é que o litigante, o transgressor ou o acusado pode pensar em se defender, porquanto há de se buscar a verdade real e não a verdade formal, até porquê nunca será despiciendo lembrar que a verdade sabida fora expurgada do nosso ordenamento jurídico com o advento da CF/88. Este é o escólio lapidar, manso e pacífico na doutrina e jurisprudência brasileiras.
Daí, ao receber uma notificação, que deve ser anexada de cópia autenticada do documento disciplinar acusatório, tem início o prazo para defesa. Contrario sensu, sempre há que se questionar: onde a peça acusatória? Cadê a parte disciplinar que dá espeque à notificação? Cadê a comunicação disciplinar? Seria esta a própria notificação? Responde-se: não!
A Notificação não é e não poderá ser jamais, posto que o próprio Regulamento Disciplinar da PMAL, aprovado pelo Decreto Estadual nº. 37.042/96 instrumento legal em que se funda a guerreada e indigitada notificação, dispõe em seu Art. 79, verbis:
"Art. 79 - A autoridade, a quem o documento disciplinar(2) é dirigido, quando não instaurar sindicância em torno do assunto, providenciará para que o policial tido como transgressor seja notificado do teor do mesmo para, no prazo máximo de três dias úteis, apresentar defesa por escrito, podendo arrolar até três testemunhas e fazer juntada das demais provas que lhe convier, pertinentes ao feito".(sic.) - destaquei.
Infere-se, portanto, do sobredito preceito, que o pressuposto essencial da notificação é o documento disciplinar. Vale dizer, é necessária uma parte disciplinar acusatória ou uma comunicação disciplinar dirigida à Autoridade (posto que, in casu, não há sindicância instaurada – havendo esta se dispensa à notificação) e de um plus, é obrigatória a NOTIFICAÇÃO do policial tido com transgressor, sobre o teor do mesmo – mesmo aqui significa documento disciplinar, ou seja, comunicação e/ou parte disciplinar - E se esta inexiste (?) De plano, inexiste também a necessária e obrigatória notificação.
Ora, é de supina importância e de grande valia que haja o documento disciplinar, para que o PM fique ciente do quê está sendo acusado, por quem está sendo acusado, se um superior hierárquico mediante parte, se um igual ou subordinado mediante comunicação, para que, assim e dessa maneira, possa exercer seu direito de defesa escrita, querendo, porquanto não lhe ser assegurada outra forma, sendo-lhe facultadas a apresentação de até três testemunhas e demais provas pertinentes ao feito, se lhe convier.
Ademais, é de se dizer que o PM só deverá ser notificado, no caso de a Autoridade "não instaurar sindicância em torno do assunto" Eis, pois, aqui demonstrados a basto, os pressupostos da NOTIFICAÇÂO, que não é o documento disciplinar de que trata o preceito validante.
Bem por isso a intelecção do seu §3º, e, nesse sentido, não é despiciendo dizer que o parágrafo existe para explicitar e auxiliar ao caput do sobredito artigo, cujo teor é o seguinte, verbis: "Sendo apresentada a defesa escrita pelo transgressor, ou por seu representante legal, nomeado por procuração, será certificado o seu recebimento e feita a juntada da mesma ao processo para a competente SOLUÇÃO DE PARTE, no prazo estabelecido pelo art. 19".(sic.) - grifei.
Aliás, para a solução da parte, o prazo estabelecido neste artigo é de quatro dias úteis; além de fazer remição ao Art. 78, que trata do direito de defesa, que lhe deve sempre ser assegurado, pena de nulidade do ato administrativo. Sobreleve-se que, o representante legal nomeado por procuração(3), há de ser a figura do advogado haja vista ser imprescindível à administração da justiça e pela inexcedível capacidade postulatória.
Resta claro, portanto, que não assiste razão legal para a imposição da descabida notificação, conquanto não existir documento disciplinar que lhe dê ensanchas. Onde a parte disciplinar que lhe daria espeque? Cadê a comunicação disciplinar? Desconhece-se (?). Logo, por ilação lógica, não assiste razão para se exercer defesa se não há acusação, posto que sobejamente provado que notificação, sem a parte disciplinar ou comunicação disciplinar, não se presta a este fim e nem a substitui. Dúvidas não há!
EXTEMPORANEIDADE E ILEGALIDADE DO DOCUMENTO DISCIPLINAR.
Demais disso, é de se frisar a necessidade de se verificar a flagrante extemporaneidade ou não de qualquer documento (parte ou comunicação) disciplinar, para que se possa expedir a competente notificação, que, por ventura, possa se firmar sobre o feito, mormente quanto ao aduzido fato transgressor exceder ao prazo estipulado nos sobreditos artigos 15, para a parte disciplinar, e Artigos 21 e 22, para a comunicação disciplinar. De lembrar que a suposta transgressão estará prescrita, pois que expirado o prazo fatal de que trata o Art. 16, III c/c Art. 22, do RDPMAL. Diga-se: exaurido o prazo fatal torna-se inaplicável o procedimento administrativo disciplinar ordinário com fulcro em documento disciplinar intempestivo.
Aliás, para que se possa apresentar defesa escrita é imperiosa a instauração de processo administrativo disciplinar ordinário e este, por sua vez, tem início com o documento disciplinar, que é a parte disciplinar ou a comunicação disciplinar, dês que firmada no prazo regulamentar. Inexistindo uma ou outra inexiste processo disciplinar e, obviamente, a devida notificação e, via de conseqüência, as devidas razões de defesa.
Logo, à guisa de exemplificação, se um fato é imputado ao notificado estribado em comunicação ou parte disciplinar que tenha se dado em 05.05.98 e o documento disciplinar é elaborado fora das 48 (quarenta e oito) horas subseqüentes regulamentares exigidas, pelo que, induvidosamente, já decorrido o prazo fatal de dois dias úteis previsto do Art. 16, III, se parte, e Art. 22, se comunicação, para se firmar o documento disciplinar e esta inexiste, como se viu de ver acima, há eiva de legalidade por intempestividade pelo que torna incabível a expedição de notificação, para apuração de qualquer procedimento ou Processo Administrativo Disciplinar Ordinário -PADO.
Entrementes, sobreleve-se que, estando preso o transgressor, o prazo é de 24 horas, consoante se vê do Parágrafo Único do art 16, litteris: "Quando por força do disposto no art. 12, o transgressor for preso antes da nota de punição publicada em boletim, a Parte deve ser apresentada nas primeiras vinte e quatro horas subseqüentes à prisão".(sic.) – destaquei. É o famoso teje preso de que se tratou na obra monográfica(2), primeiro se prende, para depois se apurar.
Note-se que há, no indigitado dispositivo, extremada arbitrariedade ou, ao menos, uma odiosa, absurda e perversa possibilidade ou faculdade de se prender um acusado antes mesmo de publicada sua sanção disciplinar em Boletim Geral Ostensivo ou Reservado, que seria sua sentença condenatória depois de exaurido e levado a termo o PADO. É, por assim dizer, fazer menoscabo e tabula rasa dos Princípios Constitucionais dos Direitos Fundamentais de presunção juris et juris e juris tantum do estado de inocência, todos são inocentes até prova em contrário.
Além do quê a notificação não se presta este fim, donde se infere que, ainda que tivesse havido transgressão disciplinar a punir, face ao disposto nos Art. 16 usque 19, em se tratando de parte, e 22, 23 e24, para a comunicação, todos do próprio RDPMAL, tanto num caso como noutro, já exaurido o prazo fatal para a administração aplicar qualquer sanção disciplinar ou expedir a devida notificação, presente às escâncaras a denominada PRESCRIÇÃO ADMINITRATIVA de que trata Hely Lopes Meirelles in Direito Administrativo brasileiro, p. 580, 14ª ed. Atualizada pela Constituição de 1988, que nos ensina que a prescrição administrativa, a saber:
"(...) opera a preclusão da oportunidade de atuação do Poder Público sobre a matéria sujeita à sua apreciação (...). Mas mesmo na falta de lei fixadora do prazo prescricional, NÃO PODE O SERVIDOR PÚBLICO ou o particular FICAR PERPETUAMENTE SUJEITO A SANÇÃO ADMINISTARTVIA POR ATO OU FATO PRATICADO HÁ MUITO TEMPO". E mais ainda: "Há, portanto, duas espécies de prescrição administrativa: uma que ocasiona o perecimento do direito do administrado ou do servidor que poderia pleiteá-lo administrativamente; outra, que extingue o poder de punir da Administração (...) Esta constituindo uma garantia do servidor ou do administrado DE QUE NÃO SERÁ MAIS PUNIDO, pela ocorrência da prescrição, é fatal e irrefreável na sua fluência e nos seus EFEITOS EXTINTIVOS DA PUNIÇÃO".·.(5)·- grifei.
Portanto, se, por acaso, houver a pretensão punitiva da Administração Pública (Polícia Militar), esta esbarra no escólio lapidar do mestre citado e na mansa e pacífica doutrina administrativa. Se o comando ou a corregedoria adotarem posição diversa da doutrina acima, estará agindo infensamente aos ditames legais. E, desse modo, qualquer ato punitivo estará eivado de vícios e erros que os inquinam de ilegais dos quais não dimanará direito ou efeito algum, consoante estabelece a Súmula 473, do STF:
"A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial".
À GUISA DE CONCLUSÃO
Destarte, face ao exposto e sobejamente comprovadas nas sobrescritas alíneas, há de se observar os seguintes aspectos ou pressupostos para se instaurar um PADO e se expedir uma notificação, a saber:
a) se não há documento disciplinar (parte ou comunicação disciplinar) firmada por quem quer que seja ou se desconheça o autor; incabível a expedição de notificação sem seus pressupostos necessários e validantes, e;
b) se não há nenhum documento disciplinar (parte ou comunicação), infere-se que inexiste transgressão disciplinar a ser apurada e, também, como nada foi transgredido, posto que não houve e nem há indisciplina a se corrigir ou mesmo punir;
c) sem a devida motivação e fundamentação das imputações feitas, inclusive sobre as implicações e reflexos desses fatos no mundo jurídico, para que se possa dimensionar e exercer apropriada defesa, porquanto há presunção juris et juris e juris tantum do estado de inocência, todos são inocentes até prova em contrário. SE NÃO HÁ ACUSAÇÃO FORMAL, SE NÃO HÁ O PROCESSO, NEM O DUE PROCESS OF LAW. LOGO NÃO HÁ NEM PODERÁ HAVER DEFESA.
d) bem como também, há de se observar com o devido zelo, oportune tempore, se já exaurido o prazo fatal do poder punitivo disciplinar por parte da Administração Pública, no caso por parte da PMAL, pelo que, diante de uma exegese interpretativa à luz da hermenêutica sistemática legal positiva castrense a que sempre o ínclito julgador ou douto corregedor ou mesmo ainda o perleúdo comandante geral se prestarão em nome da probidade e do dever legal, para solucionar qualquer equivocado Processo Administrativo Disciplinar Ordinário - PADO, por certo será pelo seu sobrestamento e ARQUIVAMENTO, pena de perverso arbítrio, odiosa ilegalidade e temerária injustiça.
Sendo de ressaltar a necessidade da imperiosa obrigatoriedade da devida transparência e publicidade dos atos administrativos quando da instauração do PADO, devidamente motivado e fundamentado, se não da notificação, mormente de sua solução, para ter eficácia legal.
Demais disso, se ainda pairarem dúvidas sobre a justificada e comprovada tese de defesa apresentada nesses termos suso referidos, para que seja assegurada a amplitude do direito universal de defesa, através de um Processo Administrativo Disciplinar Ordinário lícito, motivado e fundamentado, mostrando provas materiais e/ou testemunhais, ou ainda, acareação, que comprovem inequívoca, irrefutável e irreprochavelmente a autoria e a responsabilidade da transgressão, senão o PM deverá bater às portas do judiciário para sobrestar e/ou nulificar o indevido processo administrativo disciplinar ordinário e, por conseguinte, a odiosa, perversa e injusta sanção disciplinar, obviamente, resultante dele(6).
NOTAS
1. Vide O RDPMAL face as Súmulas 55 e 56 do STF, deste mesmo Autor, in www.jus.com.br, www.djuris.cjb.net e www.ujgoias.com.br.
2. Vide artigo 15, que trata da parte disciplinar, e o artigo 21, que versa sobre comunicação disciplinar.
3. Vide Lei Federal nº 8906, de 04 de julho de 1994 (Artigos 2º, 3º e 4º) – Estatuto da OAB e CF de 1988.
4. Gouveia, Joilson Fernandes de. "Do cabimento do habeas corpus e do mandado de segurança nas prisões e detenções disciplinares ilegais na PM", in www.djuris.cjb.net, www.jus.com.br, www.ujgoias.com.br.
5. Meirelles, Hely Lopes in Direito Administrativo brasileiro, p. 580, 14ª ed. Atualizada pela Constituição de 1988.
6. Vide "Do cabimento do habeas corpus e do mandado de segurança nas prisões e detenções disciplinares ilegais na PM", deste mesmo Autor in www.djuris.cjb.net, www.jus.com.br, www.ujgoias.com.br.